Bate pra fora, Kaká!!

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[Este artigo apareceu originalmente na revista Preço do Sistema de novembro de 2009]

KakáO ano era 1990. O mês era junho. O jogo era Brasil X Argentina, oitavas de final da Copa do Mundo. Só deu Brasil o jogo inteiro. Em um dos poucos ataques da Argentina, Maradona atrai toda a marcação no meio de campo, passa a bola para Caniggia que tem apenas o trabalho de tirar Taffarel da jogada e marcar o único gol da partida. Não havia mais condições para a virada. O Brasil estava fora da Copa. Eu, então um garoto de 14 anos, fiquei desolado. E muitos outros brasileiros também. Mal sabia eu que este se tornaria um momento que mereceria ser comemorado por todos os brasileiros . E some-se a este os gols de Zidane para a França na final da Copa de 1998, a virada do Uruguai na final da Copa de 1950 em pleno Maracanã e todas as outras derrotas da seleção brasileira em Copas do Mundo. E igualmente, todos os títulos que foram comemorados por muitos brasileiros, deveriam ter sido lamentados, graças ao governo e mais uma de suas intervenções no mercado.

Hoje em dia não sou mais uma criança e teria muita dificuldade em procurar alguma justificativa para “torcer” por um time ou seleção[1], mas é fato que diferente de outros esportes chatos o futebol goza de muita popularidade no Brasil e na maior parte do mundo, e é por essa preferência frívola que o futebol é um esporte que dá lucro. Existe uma demanda no mercado por futebol;  empreendedores privados e profissionais são recompensados por satisfazer os consumidores deste setor. Tudo na base de trocas voluntárias. Todos ganham. Porém, o presidente Lula e Marcelo Neves, presidente de uma Associação Dos Campeões Mundiais do Brasil, transformaram esta opção em uma questão ética, uma questão de justiça — ou melhor dizendo, de injustiça. O presidente Lula decidiu que todos os jogadores da seleção da CBF que foram campeões nos campeonatos mundiais da FIFA receberão de “indenização” e “reparação” R$ 465 mil e uma aposentadoria de R$ 4.650 por mês.

Isso mesmo; Roberto Baggio bateu o pênalti pra fora em 94? Romário, Raí, Ronaldo e os outros dezenove jogadores vão receber essa aposentadoria e essa “indenização”; em 1958, Pelé chapelou o zagueiro sueco e marcou um gol na final da Copa? Comemorem! Todos os trabalhadores brasileiros terão mais de 10 milhões de reais tirados a força de seus bolsos para ir para o bolso do Rei do Futebol e de seus companheiros de equipe, mais o valor mensal da aposentadoria de todos. Está até previsto o repasse dos valores para as famílias dos jogadores falecidos. Ou seja, Zito e Vavá colocaram o Brasil na frente do placar contra a Tchecoslováquia em 62? A cantora Elza Soares, o filho sueco de Garrincha e suas outras quatro famílias irão dividir a aposentadoria e os R$ 465 mil, além de Pelé que estava no banco contundido ter somado este aos valores referentes a 58 e 70 (R$ 1.395.000 para Pelé, campeão por três vezes).

Esta não é a primeira vez que o estado tenta se aproveitar do prestígio do futebol para “tirar uma casquinha” e aumentar seu próprio prestígio. Visitas dos campeões mundiais a Brasília e visitas de presidentes aos treinos e jogos do Brasil são comuns. E tirando o fato que governos construíram estádios de futebol, a CBF e os clubes sempre se mantiveram privadamente, pagando taxas pelo uso destes estádios. O ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, tentou fazer algo semelhante ao que Lula fez agora, presenteando com um Fusca os campeões mundiais da Copa de 70, mas em uma rara decisão justa dos tribunais estatais brasileiros, Paulo Maluf foi condenado a pagar do próprio bolso o valor deste “presente”. Porém isto jamais vai poder acontecer neste caso. Diferente de Paulo Maluf, que vinha do setor produtivo da sociedade, onde ele e sua família foram capazes de produzir e acumular muita riqueza, Lula, de origem pobre, logo cedo em sua vida foi para o setor parasitário da sociedade, e a pouca riqueza que ele produziu no tempo que esteve no setor produtivo talvez não fosse capaz de pagar nem um Fusca para os campeões, quanto mais ser capaz de devolver estas centenas de milhões que está usurpando com esta decisão.

A quantidade e a intensidade das arbitrariedades envolvidas nesta decisão são de assustar até os mais acostumados a analisar as atitudes governamentais. Em primeiro lugar, “indenização” e “reparação” são critérios usados para tentar trazer justiça à vítimas de crimes. Alguém, por favor, me diga, que crime os trabalhadores brasileiros cometeram contra estes atletas? E porque somente os jogadores que foram campeões merecem receber esta reparação? Por que não os vices? Ou melhor, se fossemos querer usar alguma lógica, a indenização não teria que ser dada exclusivamente aos atletas derrotados e ser paga direta e exclusivamente pelos jogadores vencedores, que cometeram o “crime” de derrotá-los? E o que dizer dos valores? Como todos os valores estipulados pelo governo, ou seja, fora do mercado — não baseados nas informações fornecidas pelo mecanismo de lucros e prejuízos — qualquer valor pode ser definido. Por que não R$ 465 milhões para cada um? Afinal, R$ 465 mil para milionários como Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos pode não ser o suficiente para “indenizá-los” de coisa alguma. Seria provável que esta quantia módica entrasse até desapercebida em seus encaixes. E por que só os jogadores campeões merecem a aposentadoria? Digamos que algum acordo de aposentadoria tivesse sido firmado com os atletas, ele teria sido de que tipo: você irá jogar futebol por X anos, mas só terá uma aposentadoria garantida se conquistar o título Y? É isso?

As perguntas são infinitas e respostas coerentes simplesmente não existem. A questão essencial já está respondida. Trata-se de um roubo, um assalto ao suado fruto do trabalho do setor produtivo brasileiro. Eu não sei até que ponto vai a paixão do leitor pelo futebol, mas a desse autor que já tinha um interesse extremamente reduzido, depois dessa, se tornou negativo. Neste dilema criado pelo estado fico do lado da ética, do lado da justiça. Um torcedor poderia alegar que os jogadores não têm culpa nesta decisão, porém, eles são uma das partes diretamente envolvida no esbulho. Caso eles não se pronunciem publicamente recusando e vilipendiando esta espoliação, eles também têm sua parte da culpa. Numa possível disputa de pênaltis valendo o título da Copa de 2014, se o Brasil tiver a última cobrança contra a Itália, que se tornaria hexacampeã caso o Brasil errasse, já sei qual será minha torcida: bate pra fora, Kaká!!

 

[1] Na verdade, eu tenho a maior torcida do Brasil do meu lado, pois, nas pesquisas sobre para qual time as pessoas torcem, o “Nenhum” aparece sempre em primeiro lugar, bem à frente de Flamengo ou Corinthians.

 

PdSRevista Preço do Sistema/ nov09

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