Uma breve história do movimento progressista

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eugeneOs progressistas têm um jeito com as palavras que chega a ser realmente impressionante. Talvez tudo tenha começado quando eles roubaram, nos EUA, o termo ‘liberal’ dos libertários. Desde então, a coisa virou uma bola de neve e saiu totalmente de controle.
De “justiça social” a “pró-escolha” (exceto quando a escolha se refere a armas ou lâmpadas incandescentes), passando por vários “ismos” criados pejorativamente para rotular seus opositores, os progressistas são especialistas em tais feitos linguísticos. E embora os conservadores e até mesmo os libertários também, e infelizmente, utilizem várias frases triviais em vez de argumentos sólidos, os progressistas são os campeões invictos neste quesito. A melhor prova disso é o próprio termo progressista que eles utilizam tão excessivamente: quando se referem a uma medida que apóiam, tal medida é progressista; quando se opõem a algo, tal medida é reacionária.

Esta simples dicotomia é um enorme prazer para aqueles indivíduos incapazes de um raciocínio mais elaborado e que gostam de ver suas crenças resumidas em chavões simples, quase sempre partidários e rudimentares.

No entanto, a ideia de que o progresso ocorre ao longo de algum gradiente entre o conservadorismo reacionário (ou libertário) e o progressivismo é flagrantemente falaciosa.

Supor que o progresso ocorre em uma direção e que a reação ocorre na direção oposta é um tipo de pensamento unidimensional que não se sustenta após uma análise mais sensata. Por exemplo, os progressistas do início do século XX defendiam coisas (e se aliavam até mesmo a grupos religiosos) que os progressistas de hoje abominariam. Foram os progressistas daquela época que, em conluio com protestantes, agitaram pela aprovação da Lei Seca, e criticaram violentamente aqueles “conservadores econômicos que brigaram tanto para revogá-la”,[1] como relatou o historiador Daniel Okrent. O famoso progressista William Jennings Bryan foi um inflexível defensor da Lei Seca. Como observou seu biógrafo Paolo Coletta,

Bryan era a epítome da visão proibicionista: protestante e nativista, hostil às grandes corporações e aos malefícios da civilização urbana, dedicado à regeneração pessoal e ao evangelho social. Ele acreditava sinceramente que a Lei Seca contribuiria para a saúde física e para o aperfeiçoamento moral do indivíduo, estimularia o progresso cívico e acabaria com os notórios abusos relacionados ao comércio de bebidas.[2]

A descrição acima parece mais com a de um conservador contrário à descriminalização das drogas, a quem os progressistas desprezam.

Aliás, se o assunto é drogas, foram os progressistas de antigamente que também aprovaram, nos EUA, a primeira lei federal de desestímulo ao comércio de drogas, Harrison Narcotics Tax Act, de 1914. Enquanto isso, o presumivelmente reacionário H.L. Mencken descreveu os defensores da Lei Seca como seres motivados por uma “aberração psicológica chamada de sadismo”.

Foram organizações progressistas que apoiaram, em 1882 e 1924, leis de restrição à imigração de chineses. Vários sindicatos “progressistas” eram abertamente racistas, nativistas e nacionalistas. Até mesmo a segunda encarnação da Ku Klux Klan, no início do século XX, além de ser abertamente racista, também defendia várias reformas progressistas. Margaret Sanger, sexóloga, feminista, defensora do aborto e heroína dos progressistas americanos, chegou a palestrar em um dos eventos da KKK.

Ela também foi uma defensora declarada da eugenia, assim como vários outros progressistas da época (já os progressistas de hoje parecem ser um pouco menos entusiasmados em relação a isso).

Como observou o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker:

Contrariamente à crença popular difundida por cientistas ideólogos, a eugenia foi, durante grande parte do século XX, uma das bandeiras favoritas da esquerda, e não da direita. Ela foi defendida por vários progressistas e socialistas, dentre eles Theodore Roosevelt, H.G. Wells, Emma Goldman, George Bernard Shaw, Harold Laski, John Maynard Keynes, Sidney e Beatrice Webb, Margaret Sanger e os biólogos marxistas J.B.S. Haldane e Hermann Muller.

Não é difícil entender por que todos eles se alinharam a esta causa. Protestantes e católicos conservadores odiavam a eugenia porque a viam como uma tentativa das elites intelectuais e científicas de brincar de Deus. Já os progressistas adoravam a eugenia porque era um movimento em prol da reforma e contrário ao status quo. Para eles, a eugenia era um ativismo e não um laissez-faire; era uma responsabilidade social e não um individualismo egoísta.[3]

Quando se entende esse histórico, chega a ser irônico que conservadores e libertários sejam atualmente rotulados de eugênicos — mais especificamente, de ‘darwinistas sociais’ — pelos progressistas quando defendem a liberdade econômica. Também não é surpresa que o conservador católico G.K. Chesterton tenha escrito Eugenics and Other Evils, e que o grande economista libertário Ludwig Von Mises tenha criticado a intervenção socialista dizendo que “… [um homem] se torna um peão nas mãos dos engenheiros sociais supremos. Até mesmo sua liberdade de criar sua prole será abolida pelos eugenistas”.[4]

E os nacional-socialistas — mais popularmente conhecidos como nazistas —, que foram os mais famosos defensores da eugenia? Eles definitivamente não eram progressistas, certo? Afinal, seu professor de história garante que não. E, com efeito, a plataforma de 25 pontos do programa nazista defendia medidas verdadeiramente “antiprogressistas”, como “estatização de todos os conglomerados… divisão dos lucros das grandes indústrias … [e] um generoso aumento nas pensões”. Se, por um lado, os nacional-socialistas não são hoje o exemplo seguido pelos atuais guerreiros da justiça social, por outro, é incontestável que eles representavam o completo oposto do que defendem os libertários e os conservadores.

Os progressistas de hoje

Em termos puramente políticos, o progresso é algo extremamente subjetivo. Por exemplo, na Dinamarca, os progressistas legalizaram a prostituição; já na Suécia, os progressistas a tornaram ilegal. Podem ambos ser progressistas? Já em termos econômicos, científicos e tecnológicos, o progresso definitivamente existe. Ou ao menos é de se imaginar que exista. Porém, algumas pessoas muito progressistas acreditam que os luditas que quebravam máquinas representavam um “heróico movimento de resistência em prol dos direitos da classe operária”. Ou seja, destruir tecnologia é igual a progresso.

E o que dizer sobre a Revolução Industrial, a qual — não obstante várias dificuldades — elevou sobremaneira a renda per capita da população? Até hoje, há progressistas que ainda não aceitam os pontos positivos da Revolução Industrial.

E há aqueles que entendem por progresso o regresso às condições humanas vigentes nas sociedades tribais — cujos níveis de violência eram absurdos e apavorantes — de antes da Revolução Agrícola. O biólogo evolucionário Jared Diamond rotula a invenção da agricultura como “o pior erro da história da raça humana”.

Aliás, esqueça esses moderados. Vamos logo abolir toda a raça humana aderindo ao hiper-progressista movimento voluntário da extinção humana. Isso sim é progresso!

O que é o progresso e o que é reacionarismo dependem muito do ponto onde você começa e do ponto para onde quer ir. Se o objetivo é a igualdade — como muitos autodeclarados progressistas afirmam —, então qualquer progresso rumo a uma maior igualdade tem de ser considerado, é claro, um progresso. Se esse é o caso, então o comunismo tem de ser visto como a mais progressista de todas as causas. E, com efeito, o comunismo assim foi considerado por vários intelectuais do passado. Karl Marx via a história como uma marcha já pré-determinada do progresso: o comunismo primitivo levou à sociedade escravocrata que levou ao feudalismo que levou ao mercantilismo que levou ao capitalismo que levará ao socialismo que finalmente levará ao comunismo pleno. No que mais, a União Soviética, a China e outros regimes comunistas sem dúvida nenhuma executaram um número considerável de reacionários e contra-revolucionários. Para eles, isso foi um progresso.

Felizmente, o comunismo está politicamente morto há duas décadas, e nenhum progressista de hoje teria a mais mínima simpatia por absolutamente nenhum aspecto deste regime sanguinário.

Certo?

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Notas

[1] Daniel Okrent, Last Call : The Rise and Fall of Prohibition (New York: Scribner, 2010), p. 361.

[2] Paolo Coletta, William Jennings Bryan (Lincoln: University of Nebraska Press, 1969), vol. 2, p. 8.

[3] Steven Pinker, The Blank Slate (New York: Penguin Books, 2003), p. 153.

[4] Ludwig von Mises, Two Essays by Ludwig von Mises (Auburn, Ala.: Mises Institute, 1991), p. 27.

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