A maneira como ajudamos as pessoas não ajuda as pessoas

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bolsaA maior forma de caridade, argumentou o filósofo judeu Maimônides, ainda no século XII, ocorre quando a ajuda dada permite ao ajudado se tornar auto-suficiente.

No entanto, os sistemas de caridade estatal vigentes ao redor do mundo — eufemisticamente chamados de ‘sistemas de bem-estar social’ — geraram o efeito oposto: eles na realidade criaram dependência.  Logo, é urgente repensar a maneira como estamos atualmente delegando ao estado a tarefa de ajudar as pessoas.

Irei aqui sugerir algo que muitos poderão considerar perturbador e desconcertante: o bem-estar social e todas as variedades de assistencialismo seriam mais eficazes, mais variados, mais difundidos e mais baratos se não houvesse nenhum envolvimento estatal.

As pessoas instintivamente pensam que, sem um programa assistencialista gerido pelo estado, os pobres e os necessitados não seriam cuidados e, consequentemente, seriam deixados à míngua.  Com esta inaceitável perspectiva em mente, as pessoas consequentemente se tornam fervorosas em sua defesa de algum programa assistencialista estatal, ainda que possam porventura apresentar reservas à maneira como tal programa esteja sendo gerido pelo estado.

Antes de nos aprofundarmos, gostaria de fazer a seguinte sugestão: sugerir que o assistencialismo estatal não está funcionando e que ele deveria ser abolido não é a mesma coisa que sugerir que os pobres e necessitados não devem receber cuidados.  Com efeito, é justamente o oposto.

A assistência é algo complicado — e não é apenas o assistido o que importa

O fornecimento de serviços assistenciais é um processo delicado, complicado e imprevisível.  Em algumas ocasiões, simplesmente dar dinheiro pode realmente levar o assistido ao caminho da auto-suficiência; em outras, não.  Dar dinheiro pode gerar uma redução temporária de seu sofrimento, mas frequentemente gera uma maior dependência e uma menor auto-suficiência.

Em determinadas ocasiões, uma abordagem estritamente local é tudo de que se necessita; em outras, uma abordagem mais prática passa a ser essencial; já em outras, é necessária uma abordagem puramente psicológica ou emocional; e há também ocasiões em que se deve buscar algo que seja mais específico às circunstancias particulares de cada indivíduo.  Por fim, há também ocasiões em que todo o necessário é apenas dar o proverbial “tapinha nas costas”.  Diferentes circunstâncias requerem diferentes abordagens e diferentes formas de assistência.

A dignidade do assistido também tem de ser considerada.  Ser alvo da caridade alheia pode ser algo degradante e humilhante.  Em algumas ocasiões, o anonimato pode ser necessário; em outras ocasiões, não.

Tendo tudo isso em mente, a seguinte pergunta se torna inevitável: como pode alguém realmente pensar que é viável criar um programa de assistencialismo estatal que seja feito de cima para baixo, e imaginar que tal programa irá satisfazer todas essas necessidades distintas e variáveis, de maneira consistente?

E a coisa se complica ainda mais.  Até agora, falamos apenas do assistido.  Temos de falar também do doador, do “filantropo”.  Ele também tem de ser considerado.

Compaixão, assistência e caridade são atitudes humanas essenciais.  Elas fazem parte da natureza humana. Assim como as pessoas precisam receber, elas também devem dar.  Assim como as pessoas precisam ser ajudadas, elas também devem ajudar.  Basta apenas ver o olhar de satisfação das crianças quando elas recebem algo para comprovar a evidência desta afirmativa.  Mesmo aquele que talvez tenha sido o mais brutal e sanguinário traficante da história, Pablo Escobar, era conhecido por ser um prolífico filantropo.  Ele construiu vários abrigos, igrejas e escolas em sua cidade natal, Medellín, e o fez em uma escala insuperável até mesmo para o governo colombiano.

No processo caritativo, o filantropo também tem suas necessidades.  Em algumas ocasiões, ele quer anonimato; em outras, ele quer reconhecimento.  Há ocasiões em que ele quer estar envolvido de alguma maneira com o assistido; e há ocasiões em que ele prefere não ter envolvimento nenhum.

No entanto, quando a caridade se torna um programa estatal compulsório, as necessidades do filantropo nem sequer são consideradas.  Sua renda é confiscada via impostos e fim de papo.  O filantropo não tem nenhuma voz ativa; ele simplesmente não pode especificar a maneira como o dinheiro que ele ganhou e que lhe foi tomado deve ser gasto.  Para piorar, o filantropo é, na maioria das vezes, moralmente contra os programas que seus impostos financiam.

A tributação é um ato de doação forçada que destrói a satisfação altruísta que as pessoas normalmente sentem quando fazem doações voluntárias.  Ajudar os outros e compartilhar com eles um pouco do que temos é parte de nossa humanidade.  No entanto, em um mundo em que o governo se arvorou a responsabilidade de cuidar dos pobres e necessitados, essa compaixão foi removida.  Como resultado, o estado hoje detém um quase-monopólio da compaixão.

Com efeito, a coisa é ainda mais bizarramente específica: a esquerda defensora de um estado assistencialista inchado e generoso detém hoje o monopólio da compaixão.  Qualquer um que não concorde com o conceito de um estado assistencialista inchado e generoso é imediatamente tido como insensível e egoísta.

Como o estado destrói a propensão filantropa das pessoas

Quando você é obrigado a pagar impostos para o governo para que ele forneça serviços assistencialistas (ou mesmo educação e saúde) para os necessitados, a sua capacidade de pagar por estes mesmos serviços para você e para sua família é reduzida, pois agora você tem menos dinheiro.  Após uma parte da sua renda ser confiscada via impostos, torna-se mais difícil para você bancar a escola de seus filhos, seu plano de saúde e seu aluguel.  E se torna ainda mais difícil você ser caridoso para com terceiros, o que significa que tal tarefa será delegada com ainda mais intensidade ao estado.  Pior ainda: o próprio fato de você agora ter menos dinheiro significa que você provavelmente também dependerá do estado para determinados serviços.  Isso faz com que a rede de dependência cresça cada vez mais.

No que mais, se o estado está fornecendo auxílio para os necessitados com o seu dinheiro, então você inevitavelmente se sentirá absolvido da responsabilidade moral de ajudar os outros necessitados.

Simultaneamente, o assistencialismo estatal, além de ser inflexível, é caro.  As burocracias que administram os programas de redistribuição de renda sempre são ineficientes e dispendiosas.  Mais ainda: elas são propensas à corrupção e ao rentismo (pessoas que manipulam o sistema para ganhos políticos e para proveito próprio).

Se você analisar o que ocorreu ao longo das últimas décadas com itens como tecnologia, alimentação e vestuário — necessidades humanas essenciais que, em grande parte, não são fornecidas pelo estado —, verá que houve uma queda dramática nos preços (mensurados em termos de horas de trabalho necessárias para se adquirir a mesma quantidade de cada item) e uma sensível melhora na qualidade dos produtos.  A concorrência reduziu os custos.  No entanto, no campo assistencialista, não houve tal melhoria.  Por que não?  Porque, graças ao quase-monopólio estatal, não há concorrência nesta área.

A ideia de haver concorrência para serviços caritativos é ofensiva para muitas pessoas.  Mas é necessário haver concorrência se a intenção for melhorar a qualidade e reduzir os custos.

O maior gasto em nossas vidas não é, como muitos acreditam, nossa casa ou a educação de nossos filhos.  Nosso maior gasto é com o governo.  E tal gasto não deve ser mensurado apenas em termos de carga tributária, mas também em termos de regulamentação, de burocracia, de infraestrutura decadente e de serviços pelos quais temos de pagar em dobro, pois os que o estado fornece com nossos impostos são lastimáveis (como saúde, educação e segurança).  Sendo assim, imagine um mundo com um estado mínimo.  Repentinamente, este gasto desnecessário seria removido.  Sem o custo do estado, teríamos agora mais capital para investir e gastar.  As pessoas genuinamente estariam no poder.  Nossa capacidade de ajudar os necessitados seria aumentada.

Em um mundo sem estado, ou com um estado genuinamente mínimo, nossa responsabilidade moral em ajudar os outros seria repentinamente restaurada.  Mais ainda, seria aumentada.  Simultaneamente, e graças à concorrência, a ajuda que queremos e podemos oferecer seria mais barata, mais variada e de melhor qualidade.  Organizações estariam competindo entre si para oferecer mais ajuda a um preço menor.  E mesmo organizações que visam estritamente ao lucro estariam propensas a fazer isso porque, no mínimo, seria bom para a imagem delas.

Qual seria o resultado?  Auxílios caritativos a custos mais baixos, auxílios caritativos mais eficazes, auxílios caritativos mais variados, mais difundidos e mais flexíveis, que poderiam satisfazer necessidades específicas.  Em suma, uma rede caritativa de maior qualidade e que estimulasse algum retorno dos auxiliados em termos de qualificações profissionais.

Você diz que, sem o estado assistencialista, os pobres e necessitados seriam deixados à míngua?  Pois eu digo que eles serão tratados em um padrão muito mais elevado do que aquele que vigente hoje.

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Leia também: Alguns conselhos para aqueles que genuinamente querem ajudar os pobres

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