O dólar está caro? Até onde vai o câmbio?

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Real (1)“Vai quebrar a cara quem apostar numa disparada do dólar”, disse Guido Mantega em outubro do ano passado, em uma entrevista à Folha de São Paulo. Palavras proféticas. À época, o câmbio rondava os R$ 2,43. Passados dez meses, a moeda americana saltou para cerca de R$ 3,50, uma alta de mais de 40%.

Mais uma previsão furada para o currículo do magnânimo ex-ministro da Fazenda.

Mas teve gente que apostou. E, contrariando Mantega, apostou pesado. Gente que — como dizem os americanos — tem “skin in the game“. Gente cujo sustento depende de “estar certo na hora certa”.

O famoso gestor Luís Stuhlberger, atualmente na Verde Asset Management, foi um dos que abraçaram a tese de valorização do dólar. E se deu bem. Assim como seus clientes, que, definitivamente, não têm do que reclamar. Este ano está sendo espetacular e tem tudo para terminar com altos retornos.

Já quem esteve sob a gestão da Mantega Asset Mismanagement — eu, você e os demais brasileiros — viu seu dinheiro derreter nos últimos anos. De julho de 2011 — quando o câmbio chegou a R$ 1,54, o menor patamar desde 1999 — a agosto de 2015, a moeda americana subiu 125%. Cento e vinte e cinco por cento!

Isso quer dizer que o real perdeu nada menos que 55% do seu valor em quatro anos. Os mercantilistas não abominavam um câmbio abaixo de R$ 2? Pois bem, devem estar felizes agora. Porque, ao que tudo indica, estamos prestes a dobrar a meta.

A valorização global do dólar é inquestionável, e nada melhor que o Dollar Index (DXY) para visualizar esse fato — o índice subiu 18% no último ano. Mas a grande verdade é que o efeito foi duplo: de um lado, o greenback se apreciando, e, do outro, o real se desvalorizando frente a grande parte das moedas do planeta.

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Para mensurar a magnitude da depreciação global da moeda brasileira, desenvolvi há alguns anos um índice chamado BRDX (Brazilian Real Index), seguindo a mesma lógica do DXY, mas com duas versões: o BRDX1, cuja composição inclui as moedas mais negociadas mundialmente, e o BRDX2, composto pelas moedas dos 11 principais parceiros comerciais do país. A série se inicia em março de 1999, dois meses após o fim da banda cambial do real.

E como o BRDX evoluiu nos últimos anos? Vejamos abaixo.

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Se em julho de 2011 o Brasil estava claramente “perdendo” a guerra cambial — quando o BRDX1 ultrapassava o patamar de 92 e o BRDX2 pairava em 113 —, hoje estamos “ganhando” de goleada.  Com o BRDX1 em 48,2 e o BRDX2 abaixo de 65, a vitória é acachapante. Estamos perto das mínimas históricas do final de 2002, quando a ascensão de Lula ao poder era temida pelo mercado.

Analisando a variação do real em relação a cada moeda individualmente, a queda absoluta da nossa moeda fica ainda mais evidente. De dezembro de 2012 — quando o índice foi atualizado pela última vez — ao presente, o real depreciou-se em relação a todas as moedas do índice, à exceção do rublo e do peso argentino. Mas convenhamos que ganhar da Argentina nesse quesito não é nenhum grande feito.

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Que o real foi fortemente desvalorizado perante o mundo todo, é inegável. Mas isso quer dizer que nossa moeda está barata? Ou que o dólar está muito caro? Não necessariamente. Então, como aferir o quão caro ou barato está o câmbio?

A análise da paridade do poder de compra é uma forma de avaliar o quanto uma moeda pode ou não estar longe de seu valor “correto”, isto é, dissociada de seus fundamentos. O que determina o câmbio é a paridade do poder de compra entre duas moedas. Assim, no longo prazo, o câmbio de equilíbrio nada mais é do que a razão entre o poder de compra relativo de duas moedas.

Tudo o mais constante, uma inflação de preços mais acelerada no Brasil tende a depreciar o real em relação à moeda de um país em que a inflação de preços é mais comedida. Uma política monetária expansionista tende a desvalorizar o câmbio em relação às moedas de países com política monetária conservadora.

Com objetivo de aferir justamente a paridade do poder de compra e o câmbio de mercado entre diversas moedas, a revista britânica The Economist publica o índice BigMac desde a década de 1980. É certo que há inúmeras ressalvas ao índice, mas, apesar de qualquer defeito, observar a sua evolução pode ser bastante ilustrativo.

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Quando o dólar caiu para R$ 1,54, em julho de 2011, o índice apontava para uma sobrevalorização do real de mais de 50%. À medida que o câmbio foi subindo, o índice BigMac refletia a normalização da paridade do poder de compra. Agora, com o dólar em R$ 3,50, nossa moeda estaria subavaliada em quase 20%. De acordo com o BigMac, o câmbio de equilíbrio situa-se ao redor de R$ 2,80.

Contudo, o índice da The Economist não é a única forma de mensurar o desvio do câmbio de mercado do “correto”. A taxa de câmbio real (TCR) serve ao mesmo propósito do índice BigMac; é uma alternativa para quantificar o quão sobre ou subvalorizada está uma moeda. Na TCR, porém, utiliza-se uma cesta de produtos ou simplesmente um índice de inflação. Assim, a TCR ajusta a taxa de câmbio nominal ao diferencial de variação de preços interno e externo.

Mensalmente, o Banco Central divulga a taxa de câmbio real da moeda brasileira com relação ao dólar, euro, iene e peso argentino. Pode-se, inclusive, escolher por qual índice de preços analisar a TCR (IPCA, IPC, IPA ou INPC). As séries têm como período-base junho 1994, o mês que precedeu o início do real.

Utilizando o TCR do real em relação ao dólar pelo IPCA — o qual considero o mais fidedigno e menos suscetível a grandes oscilações e, além disso, mais próximo do CPI americano —, é possível notar uma enorme semelhança com o índice do BigMac. Observem as variações do índice no gráfico abaixo.

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Quando o índice se distancia de 100, isso quer dizer que o câmbio praticado no mercado está desalinhado com a paridade do poder de compra das moedas. Dito de outra forma, quer dizer que os preços domésticos e externos não variaram tanto para justificar a oscilação no câmbio vigente. Quanto mais distante de 100, mais em desequilíbrio está o câmbio.

Com o início do Plano Real, nossa moeda permaneceu durante um bom tempo sobrevalorizada (TCR abaixo de 100). Quando o real passou a flutuar livremente — início de 1999 —, a TCR fez o movimento oposto, alcançando 120 e indicando uma subvalorização da moeda. Com os temores da vitória de Lula, a TCR disparou para mais de 200 no final de 2002.

Após o governo do PT conquistar a confiança do mercado, a TCR normalizou-se, chegando inclusive a sinalizar o oposto de 2002: uma forte sobrevalorização cujo ápice ocorreu justamente em julho de 2011, quanto o índice despencou para 61,56, o menor valor desde 1994.

Mas desde o estouro da crise de 2008, nossa moeda vem sendo desvalorizada pela inflação monetária oriunda das políticas do governo — bancos públicos e déficit fiscal, para citar dois exemplos apenas —, ilustrada pelas elevações registradas nos diversos índices de preços. Esse estado de coisas cedo ou tarde se reflete na taxa de câmbio. Findo o primeiro semestre de 2015, a TCR encontra-se ao redor de 100, indicando que o câmbio está alinhado com a paridade de poder de compra entre o real e o dólar.

Se a TCR sinaliza o quão distante da paridade do poder de compra está o câmbio entre duas moedas, podemos usá-la para algo mais interessante: calcular qual seria, então, o câmbio “correto”.

Vejamos o gráfico abaixo, em que destaco três momentos distintos: máxima histórica do dólar, em outubro de 2002; mínima do dólar, em julho de 2011; e junho de 2015.

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Esse gráfico é bastante ilustrativo e nos permite chegar a dois insights importantes:

1) Tudo o mais constante, a tendência do câmbio é sempre de deterioração: se nossa meta de inflação de preços é de 4,5% ao ano — com generosa tolerância para cima —, ao passo que a do dólar é não mais do que 2%, não há milagre que fará o real se apreciar no longo prazo. Enquanto nossa política monetária for a de desvalorizar o real mais do que o fazem os bancos centrais desenvolvidos, a moeda brasileira será sempre relativamente enfraquecida. Dólar em ascensão é tão natural quanto inevitável.

2) Por ser um mercado bastante dinâmico, os players antecipam futuras e possíveis deteriorações na economia, fazendo o câmbio disparar no curto prazo, a despeito dos fundamentos. Incertezas políticas influem diretamente na cotação do dólar vigente.

Quando o dólar de mercado diverge do que seria o câmbio “justo”, podemos concluir que aumenta a “pressão” para que ocorra um realinhamento logo mais adiante. Analisando as contas públicas, as estatísticas nacionais, além de outros dados conjunturais domésticos e externos, investidores conseguem visualizar esse gráfico e mensurar o quão desalinhado está o câmbio de mercado. Com essa informação em mãos, podem montar posições e apostar na direção do dólar.

Stuhlberger certamente monitora de perto esse gráfico e por isso vem apostando contra o real há alguns anos. Verdade seja dita, amargou alguns meses de resultados ruins por ater-se à sua tese no primeiro semestre do ano passado. Nas suas próprias palavras, “apanhou mais que cachorro vira-lata“. Mas ele via algo que muitos investidores — e o próprio Mantega, é claro — não percebiam ou ignoravam: o câmbio estava em um patamar insustentável; as pressões para uma apreciação da moeda americana eram evidentes.

Aferir a situação do câmbio pelo índice BigMac ou pela TCR não é uma ciência exata. Obviamente, há inúmeras ressalvas. Em que pese tais imprecisões, porém, a evolução dessas estatísticas pode ser bastante útil, especialmente quando há divergências consideráveis, pois sinalizam, no mínimo, que algo errado está em curso.

Mas não terminaremos este artigo sem responder às perguntas do título: o dólar está caro? Onde o câmbio vai parar?

Considerando a cotação atual ao redor de R$ 3,50, é plausível deduzir que o dólar esteja de fato acima de seu preço justo, pela ótica tanto do BigMac quanto da TCR. Mas o desequilíbrio não é tão pronunciado, pois, se considerarmos mais 12 meses de inflação a quase 10% ao ano, pode-se concluir que o câmbio hoje está apenas antecipando o dólar “justo” de 2016.

E onde ele vai parar? Veremos o dólar chegar a R$ 4 ainda neste ano?

Primeiro, vamos aos fundamentos econômicos domésticos. Se levarmos em conta o nível das reservas internacionais (US$ 370 bi) e a dívida externa pública bruta (US$ 345 bi e com um perfil alongado), a situação atual não é comparável à do ano de 2002. Externamente, o Brasil não “quebra”.

Com os juros em 14,25% ao ano e o fim da farra creditícia dos bancos públicos, os agregados monetários estão estancados ou em queda. Desde abril deste ano, o crescimento anual do M1 é negativo. Em suma, a inflação de preços tende, sim, a cair em 2016.

O déficit fiscal é grande e preocupa. Olhando o lado positivo, as políticas públicas inconsequentes foram contidas, mas o buraco é enorme e é estrutural. O ajuste não será simples. Porém, o nível de juros atual já reflete a piora do endividamento do governo — assim como o câmbio, que já está precificando o rebaixamento da classificação do Brasil pelas agências de risco.

Portanto, arrisco afirmar que os fundamentos econômicos não justificam uma maior desvalorização do real. O câmbio já está em um patamar razoável.

Tratemos agora do segundo fator condicionante: a normalização da política monetária pelo Federal Reserve. Dediquei dois longos artigos para explicar como o Fed não tem saída e não normalizará a política monetária tão cedo. Não replicarei os artigos aqui, mas vale contextualizar e sintetizar o argumento: se Janet Yellen de fato elevar os juros, serão incrementos módicos (25 pontos-base ou 0,25 ponto percentual), nada que configure uma real normalização de volta à política monetária pré-crise.

Mas acredito que essa possível elevação de juros já esteja em larga medida precificada pelo mercado. A alta global do dólar dos últimos meses deveu-se, em grande parte, à expectativa de uma conduta relativamente maishawkish (linha-dura) do Fed. Se houver alguma subida na taxa de juros americana, não creio em um cenário de forte valorização do dólar.

Dito isso, resta-nos o terceiro e último aspecto a considerar: a incerteza política no Brasil. Nos próximos meses, as pressões no câmbio devem vir majoritariamente da intensificação da crise política. Sai ou não sai impeachment? Se ocorrer, o que virá depois? Como evoluirá a Operação Lava Jato? Quais serão as repercussões? A única certeza é que abundam as incertezas.

Dólar chega a R$ 4? Não acho provável, mas tampouco descartaria essa hipótese.

Em 2002, as contas estavam ajustadas internamente, mas um tanto vulneráveis no front externo. Ao contrário daquele ano, hoje o desajuste está nas contas internas. Mas de forma semelhante àquele ano, o câmbio virou novamente um termômetro da desgovernança política brasileira.

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