6 – Considerações Complementares Sobre a Teoria do Ciclo Econômico
Neste capítulo, vamos efetuar um conjunto de considerações adicionais que esclarecem diferentes aspectos relativos à teoria da circulação dos créditos dos ciclos econômicos e que pretendem, por um lado, completar, na medida do possível, a análise efetuada e, por outro, lançar luz sobre diferentes questões periféricas de grande interesse teórico e prático. A parte final do capítulo é dedicada a rever as evidências empíricas que ilustram e apoiam a teoria exposta nos capítulos anteriores.
1
Porque não se dá a crise quando o investimento é financiado PELA poupança real (e não PELA expansão de crédito)
A crise econômica, e a consequente recessão, não surgem se o alongamento das etapas da estrutura produtiva que estudamos no capítulo anterior resultar de um aumento prévio da poupança voluntária e não de uma expansão de crédito iniciada pela banca sem cobertura de um aumento de poupança real. Efetivamente, o processo iniciado como consequência de um aumento sustentado da poupança voluntária impede todos os seis efeitos microeconômicos que surgem espontaneamente como reação à expansão de crédito e que revertem os efeitos do boom artificial criados inicialmente por essa expansão. De fato, nesse caso, não se verifica um aumento do preço dos fatores de produção originais. Pelo contrário, se os créditos têm a sua origem num aumento da poupança real, a diminuição relativa do consumo imediato, resultado desta poupança, liberta um volume significativo de recursos produtivos no mercado de fatores de produção originais, que ficam disponíveis para serem usados nas etapas mais afastadas do consumo sem haver necessidade de pagar por eles preços mais elevados. Recordemos que, no caso da expansão de crédito, os preços subiam precisamente porque a expansão não advinha do aumento prévio da poupança, pelo que não eram libertados nas etapas próximas do consumo recursos de produção originais e a única forma de os empresários mais afastados do consumo de conseguirem obter tais recursos era pagando, por eles, preços relativamente mais altos.
Se é verdade que o alongamento da estrutura produtiva tem origem num aumento da poupança voluntária, também não é menos verdade que não há qualquer aumento no preço dos bens de consumo numa proporção maior do que a correspondente aos fatores de produção. Pelo contrário, de início tende a haver uma diminuição sustentada no preço desses bens. De fato, o aumento da poupança implica sempre uma diminuição do consumo a curto prazo. Assim, não se verificará um aumento relativo dos lucros contábeis das indústrias mais próximas do consumo, nem uma diminuição dos lucros ou uma perda contábil nas etapas mais afastadas do consumo, pelo que o processo não sofrerá qualquer reversão nem haverá qualquer razão para o surgimento de uma crise. Além disso, o “efeito Ricardo” tem um papel a desempenhar, como vimos no capítulo V, uma vez que faz com que haja vantagem na substituição de mão de obra por equipamento capital, dado o aumento real dos salários provocado pela diminuição relativa no preço dos bens de consumo, que, por sua vez, tende a provocar o aumento da poupança. As taxas de juro de mercado não aumentam. Antes, tendem a baixar de forma permanente, refletindo assim a nova taxa de preferência temporal da sociedade, agora mais baixa, dada a tendência para a poupança. Além disso, qualquer elemento incluído na taxa de juro de mercado para compensar a alteração do poder de compra da moeda, quando o a poupança voluntária sobe, seria negativo, uma vez que a tendência, como já vimos, é a diminuição do preço dos bens de consumo (quer a curto, quer a longo prazo), pelo que o poder de compra da moeda tenderá a aumentar, o que será mais um elemento de pressão para que a taxa de juro nominal baixe. Acresce que, como o crescimento econômico baseado na poupança voluntária é são e sustentado, as componentes de risco e empresarial implícitas na taxa de juro tenderão também a baixar.
As considerações anteriores confirmam que a depressão surge por falta da poupança necessária para manter uma estrutura produtiva demasiado intensiva em capital, que se inicia devido à expansão de crédito promovida pelo sistema bancário e sem a correspondente cobertura dos agentes econômicos, que, em geral, não pretendem aumentar a poupança voluntária. Moss e Vaughn foram talvez os autores que, de forma mais sintética, expressaram a conclusão de toda a análise teórica deste processo:
Any real growth in the capital stock takes time and requires voluntary net savings. There is no way for the expansion of the money supply in the form of bank credit to short-circuit the process of economic growth.[1]
2
A POSSIBILIDADE DE ATRASAR O ADVENTO DA CRISE:
A EXPLICAÇÃO TEÓRICA DO PROCESSO DE RECESSÃO INFLACIONÁRIA
(ESTAGFLAÇÃO)
A chegada da depressão econômica pode ser adiada se forem concedidos créditos adicionais sem cobertura de poupança real a um ritmo crescente, ou seja, se o ritmo da expansão de crédito aumentar a uma velocidade que os agentes econômicos são incapazes de antecipar. O procedimento consiste em conceder doses adicionais de crédito bancário às empresas que tenham iniciado novos projetos de investimento, assim alargando e alongando as etapas do processo produtivo. Desta forma, é possível adiar momentaneamente o desencadeamento dos seis efeitos que tendem a reverter espontaneamente as consequências iniciais de toda a expansão de crédito no mercado. No entanto, embora seja possível atrasar a chegada da depressão por meio deste tipo de procedimentos, e até consegui-lo durante períodos de tempo relativamente longos,[2] esta estratégia está inevitavelmente condenada ao fracasso e tem o grave custo adicional de fazer com que, depois de surgir, a recessão seja muito mais dolorosa, duradoura e profunda.[3]
Para que esta estratégia de adiar a chegada da crise por meio da concessão adicional de créditos seja bem sucedida, é necessário que a expansão de crédito se realize de forma progressivamente acelerada. Este princípio já foi manifestado por Hayek em 1934, quando afirmou que “in order to bring about constant additions to capital, [credit] would have to increase […] at a constantly increasing rate”.[4] A necessidade deste aumento progressivo da taxa de expansão de crédito deriva do fato de que em cada período de tempo, esta taxa deverá ser superior ao aumento do preço dos bens de consumo, que resulta da maior procura monetária dos mesmos depois da subida do rendimento nominal dos fatores de produção originais. Assim, uma vez que grande parte do novo rendimento dos fatores originais provém diretamente da expansão de crédito, é preciso que esta aumente de forma progressiva para que o preço dos fatores de produção esteja sempre à frente do preço dos bens de consumo. Quando isto deixar de ser assim, os seis processos microeconômicos que revertem a estrutura produtiva, tornando-a mais curta e achatada, são desencadeados espontaneamente, surgindo assim, de forma irremissível, a crise e a depressão econômica.
Em todo o caso, os aumentos da expansão de crédito devem efetuar-se a um ritmo que não permita que sejam adequada e corretamente previstos pelos agentes econômicos, uma vez que se os agentes forem capazes de os antecipar corretamente, serão desencadeados também os seis efeitos de reversão já conhecidos. E se as expectativas inflacionárias se generalizarem, os preços dos bens de consumo começarão a subir, ainda mais rapidamente do que os dos fatores de produção. Além disso, as taxas de juro de mercado sofrerão uma acentuada subida, mesmo que a expansão de crédito continue a se intensificar (uma vez que as expectativas inflacionárias e de crescimento da taxa de juro serão imediatamente refletidas no valor de mercado).
Assim, a estratégia de acelerar a expansão de crédito para atrasar a crise não pode ser mantida indefinidamente e, mais cedo ou mais tarde, a crise acabará por surgir devido a um dos seguintes motivos, que podem funcionar como detonadores da crise e desencadeadores de recessão:
a) O ritmo da expansão de crédito abranda ou para, por receio, por parte dos bancos e das autoridades econômicas, de que seja desencadeada uma crise e de que o processo posterior de depressão seja ainda mais grave caso ocorra o caso de a inflação continuar a subir. No momento em que o aumento do ritmo da expansão de crédito diminuir ou parar, serão desencadeados os seis processos microeconômicos que vimos e que conduzem à crise e ao reajustamento da estrutura produtiva.
b) A expansão de crédito se mantém a um ritmo de crescimento, que não aumenta suficientemente depressa para impedir os efeitos de reversão em cada período de tempo. Neste caso, apesar do crescimento contínuo da oferta monetária na forma de empréstimos, os seis efeitos descritos serão desencadeados. Surgirá assim uma crise e depressão econômica que virá acompanhada de um aumento significativo dos bens de consumo, inflação com crise, depressão e, logo, altas taxas de desemprego, que, para grande surpresa dos teóricos keynesianos, já foi experimentada pelo mundo ocidental tanto na depressão inflacionara de finais dos anos 1970 como, em menor grau, na recessão econômica de princípios dos anos 1990 e que foi batizada em inglês com o ilustrativo nome de stagflaction (ou, em português, recessão inflacionária ou “estagflação”).[5]
Hayek demonstrou que a velocidade crescente do aumento do rendimento monetário dos fatores de produção dá origem a um aumento da procura de bens e serviços de consumo que acaba por limitar as possibilidades de se poder adiar a inevitável chegada da crise por meio de uma aceleração ulterior da expansão de crédito. Na verdade, mais tarde ou mais cedo, se chegará a um ponto a partir do qual o crescimento dos preços dos bens de consumo começará a ultrapassar o do próprio aumento do rendimento monetário dos fatores originais, embora isto possa ser devido ao abrandamento da chegada dos bens e serviços de consumo como consequência do “engarrafamentos” gerados pela tentativa de tornar a estrutura produtiva da sociedade mais intensiva em capital. A partir desse momento, o rendimento dos fatores de produção, e, concretamente, dos salários, começará a reduzir em termos relativos, pelo que interessará aos empresários substituir o maquinário por trabalhadores (agora relativamente mais baratos) e o “Efeito Ricardo” entrará em ação, pondo em dificuldades os projetos de investimento em bens intensivos em capital e tornando inevitável o advento da recessão.[6]
c) Suponhamos, por último, que o sistema bancário não reduz, em nenhum momento, o ritmo de crescimento da expansão de crédito, fazendo exatamente o contrário, ou seja, aumentando-o constante e progressivamente, de forma a abortar qualquer sintoma do aparecimento de uma depressão. Ora, neste caso, e a partir do momento em que os agentes econômicos começem a notar que a inflação continuará a subir a um ritmo crescente, iniciar-se-á uma corrida generalizada em direção aos valores reais, uma subida exorbitante dos preços dos bens e serviços e, por fim, o colapso do sistema bancário, o que acontecerá quando o processo de hiperinflação acabar com o poder de compra da unidade monetária e os agentes econômicos começarem espontaneamente a utilizar outro tipo de dinheiro. Surgirão então, com toda a intensidade, os seis efeitos microeconômicos de reversão que já conhecemos, juntamente com uma depressão econômica grave que, ao doloroso reajustamento de uma estrutura produtiva totalmente distorcida, acrescentarão o tremendo custo e dano social que qualquer colapso do sistema monetário acarreta.[7]
3
O CRÉDITO AO CONSUMO E A TEORIA DO CICLO
Podemos agora identificar as modificações, se é que existem, que teremos de realizar na nossa análise se, como acontece em economias modernas, uma parte significativa da expansão de crédito iniciada pelos bancos sem a cobertura de poupança voluntária se materializar em forma de créditos ao consumo. Esta análise têm uma grande importância teórica e prática, uma vez que chegou a ser defendido que, se a expansão de crédito recair inicialmente sobre o consumo e não sobre o investimento, não haverá razão para que se desencadeiem os efeitos econômicos recessivos que analisamos. Contudo, esta opinião está errada pelas razões que vamos apresentar nesta seção.
Em primeiro lugar, é preciso realçar que a maior parte do crédito ao consumo é concedida pelos bancos às economias domésticas para financiar a compra de bens de consumo duradouro. Já definimos acima que os bens de consumo duradouro não são mais do que verdadeiros bens de capital que permitem a prestação de serviços diretos ao consumo ao longo de um período muito dilatado de tempo. Por isso, do ponto de vista econômico, a concessão de créditos para o financiamento de bens de consumo duradouro é indistinguível da concessão direta de créditos às etapas mais afastadas do consumo e intensivas em capital. De fato, uma maior facilidade na concessão de crédito e uma diminuição das taxas de juro levarão a, entre outros efeitos, um aumento da quantidade, qualidade e duração dos chamados “bens de consumo duradouro”, o que, simultaneamente, irá exigir um alargamento e alongamento das etapas produtivas envolvidas e, em particular, das mais afastadas do consumo.
Assim, o que nos resta é pensar de que forma devemos rever a nossa teoria do ciclo econômico caso aconteça de uma parte significativa da expansão de crédito se dedicar (ao contrário do que é habitual) a financiar não bens de consumo duradouro, mas o consumo corrente de cada exercício econômico (em forma de bens e serviços que satisfaçam diretamente as necessidades humanas e se esgotem durante o período em questão). Ora, neste caso, também não é necessário fazer modificações significativas na nossa análise, uma vez que, das duas uma: ou a expansão de crédito satisfaz uma procura de crédito mais ou menos contínua para financiar o consumo direto que já existia no sistema monetário — e neste caso, uma vez que os mercados de crédito são como “vasos comunicantes”, a expansão libertaria a capacidade de conceder empréstimos a favor das etapas mais afastadas do consumo, promovendo assim os processos típicos de expansão e recessão que já conhecemos —; ou o impato dos créditos sobre o consumo corrente é exercido sem que seja libertada capacidade adicional de concessão de créditos para as etapas mais afastadas do consumo.
É apenas neste segundo caso, pouco relevante na prática, que se dá o efeito direto sobre a procura monetária de bens e serviços de consumo. De fato, o novo dinheiro provoca uma subida imediata dos preços dos bens de consumo e uma diminuição relativa dos preços dos fatores de produção. Activa-se assim o “Efeito Ricardo” e os empresários têm tendência para, em termos relativos, contratar mais trabalhadores, usando-os como substitutos das máquinas. Inicia-se assim uma tendência para o achatamento da estrutura produtiva, sem que antes tenha havido um “boom” expansivo nas etapas mais afastadas do consumo. Desta forma, a única alteração a fazer à nossa análise é que no caso de fomento direto do consumo por meio da expansão de crédito, torna-se claro que a estrutura produtiva existente mais afastada do consumo deixa de ser rentável em termos relativos, o que cria uma tendência para a liquidação das referidas etapas e para o achatamento generalizado da estrutura produtiva ao longo de um processo de econômico de empobrecimento que se opõe claramente ao que analisamos no início do capítulo V, onde estudamos os efeitos favoráveis que o aumento da poupança voluntária (ou da diminuição do consumo imediato de bens e serviços) exerce sobre o desenvolvimento econômico.[8]
Em todo o caso, a expansão de crédito dá sempre origem aos mesmo efeitos de mau investimento generalizado na estrutura produtiva, quer por meio de um alongamento artificial (no caso da expansão que afeta diretamente as etapas mais intensivas em capital ou o financiamento de bens de consumo duradouro), quer por meio de um encurtamento da estrutura produtiva existente (quando a expansão de crédito financia diretamente o consumo de bens não duradouros).[9]
4
O CARÁTER AUTO-DESTRUTIVO DOS BOOMS ARTIFICIAIS PROVOCADOS PELA EXPANSÃO DE CRÉDITO: A TEORIA DA “POUPANÇA FORÇADA”
Num sentido geral, entende-se que a “poupança forçada” surge sempre que há um aumento da quantidade de dinheiro em circulação ou uma expansão de crédito bancário (não coberto por poupança voluntária), que é injetado no sistema econômico em alguma altura específica. Se o dinheiro ou o crédito se distribuíssem igualmente entre todos os agentes econômicos, não haveria qualquer efeito “expansivo”, a não ser o da diminuição do poder de compra da unidade monetária em proporção com o aumento da quantidade de moeda. No entanto, se o dinheiro novo entrar no mercado em determinados pontos, então um número relativamente pequeno de agentes econômicos recebe as novas unidades monetárias em primeiro lugar. Isto permite que estes agentes econômicos gozem temporariamente de uma capacidade de compra maior, uma vez que dispõem de um maior número de unidades monetárias para comprar bens e serviços de mercado que ainda não tenham sofrido o impacto pleno da inflação e que, portanto, ainda não tenham visto o preço subir. Assim, o processo dá origem a uma redistribuição do rendimento a favor daqueles que recebem primeiro as novas injeções ou doses de unidades monetárias e em prejuízo do resto dos cidadãos, que verifica que, com o mesmo rendimento monetário, o preço dos bens e serviços que adquirem começa a subir. Este segundo grupo maioritário de agentes econômicos se vê afetado pela “poupança forçada”, uma vez que os rendimentos monetários crescem a um ritmo mais lento do que o aumento dos preços, pelo que se veem obrigados, ceteris paribus, a restringir o consumo.[10]
Ora, se este fenômeno de poupança forçada provocado pela injeção de dinheiro em determinados lugares do mercado leva a uma aumento ou a um decréscimo líquido da poupança geral e voluntária da sociedade dependerá das circunstâncias particulares de cada caso histórico. De fato, se aqueles que vêm os seus rendimentos aumentarem (os que recebem primeiro o novo dinheiro criado) consomem uma proporção dos mesmos superior à que consumiam aqueles que veem os próprios rendimentos reais diminuir, então haverá um efeito de diminuição global da poupança. É também preciso ter em conta que os que saem beneficiados podem ter uma propensão alta para a poupança, o que pode levar a um efeito final positivo. Em todo o caso, existem outras forças ativadas pelo processo inflacionário que impedem a poupança: a inflação falsifica o cálculo econômico gerando lucros contábeis fictícios que, em maior ou menor grau, serão consumidos. Assim, a priori não pode se estabelecer teoricamente caso o resultado de um aumento da quantidade de moeda em circulação injetado em lugares concretos do sistema econômico dará origem a um aumento ou a uma diminuição da poupança global da sociedade.[11]
Em sentido estrito, poupança forçada deve ser entendida como o alongamento (longitudinal) e o alargamento (lateral) das etapas de bens de capital da estrutura produtiva empreendidos como consequência da expansão de crédito iniciada pelo sistema bancário sem cobertura de poupança voluntária. Como sabemos, este processo dá origem, num primeiro momento, a um aumento do rendimento do fatores de produção originais e, mais tarde, a um aumento mais do que proporcional do preço dos bens de consumo. De fato, a teoria monetária dos ciclos econômicos explica as razões de teoria microeconômica que fazem com que a tentativa de forçar uma estrutura produtiva mais capital intensiva, sem que exista a correspondente cobertura de poupança voluntária, esteja condenada ao fracasso e tenha inevitavelmente de reverter dando origem a crises e depressões econômicas. É quase certo que este processo acabe por provocar uma redistribuição dos recursos que modifica, de alguma forma, a taxa global de poupança voluntária existente antes da expansão de crédito. No entanto, a menos que todo o processo seja acompanhado por aumento independente e voluntário da poupança voluntária num valor pelo menos igual ao crédito criado de novo pelo sistema bancário, não será possível manter e terminar as novas etapas mais intensivas em capital e surgirão os típicos efeitos de reversão que já estudamos detidamente, juntamente com a crise e a recessão econômica. Além disso, nesse processo, é dilapidado um grande número de bens e recursos escassos da sociedade, tornando-a mais pobre, o que faz com que, em última instância, o mais provável seja que, em geral, a poupança voluntária da sociedade tenda a diminuir. Em todo o caso, e exceto em crescimentos de grande magnitude, autônomos e imprevistos, da poupança voluntária, que para os efeitos desta discussão não consideramos na análise teórica (que, além disso, é sempre, como sabemosceteris paribus), a expansão de crédito provocará um boom auto-destrutivo, que mais cedo ou mais tarde, irá reverter numa crise ou recessão econômica. Isto demonstra a impossibilidade de forçar o desenvolvimento econômico da sociedade fomentando artificialmente o investimento e financiando-o inicialmente por meio de expansão de crédito, no caso de os agentes econômicos não estarem dispostos a cobrir voluntariamente essa política aumentando o volume de poupança. Assim, não é possível que o investimento da sociedade seja superior à sua poupança voluntária (o que seria uma definição alternativa do fenômeno de poupança forçada, mais de acordo com a análise keynesiana, como refere F. A. Hayek). [12] Pelo contrário, independentemente do volume final de poupança ou investimento da sociedade (por força, sempre idênticos a posteriori), a tentativa de forçar um investimento superior à poupança não leva a mais do que ao mau investimento generalizado dos recursos poupados do país e a uma crise econômica que acaba sempre por empobrecê-lo.[13]
5
DILAPIDAÇÃO DO CAPITAL, CAPACIDADE OCIOSA E MAU INVESTIMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS
A consequência essencial da expansão de crédito sobre a estrutura produtiva consiste, em última instância, na descoordenação do comportamento dos diferentes agentes econômicos. De fato, os empresários começam a ampliar as etapas produtivas tornando-as mais intensivas em capital, ao passo que os demais agentes econômicos não estão dispostos a segui-los sacrificando o consumo e aumentando o volume global da poupança voluntária. Este desajuste ou descoordenação, que tem origem numa agressão sistemática ao processo de interação social (constituída pelo privilégio concedido pelos governos aos bancos para que atuem com um coeficiente de reserva fracionária no contrato de depósito à vista), gera inevitavelmente um processo de crise que, mais cedo ou mais tarde, põe fim aos erros empresariais cometidos. Contudo, o processo exige tempo e é inevitável que, quando termine, tenha havido equívocos significativos que se tornaram irreversíveis.
Os erros consistem no empreendimento e na tentativa de culminação de um conjunto de projetos de investimento que envolvem um alongamento e um alargamento da estrutura de bens de capital que, no entanto, não é possível concluir por falta de recursos reais poupados. Além disso, uma vez que os recursos e fatores de produção originais se materializem em bens de capital, estes se tornam, em maior ou menor grau,inconvertíveis. Isto significa que muitos bens de capital passarão a ter um valor nulo assim que se torne evidente que não existe demanda por eles, que foram elaborados por erro e que nunca deveriam ter sido produzidos. Será possível continuar a utilizar outros, mas só depois de serem submetidos a uma remodelação dispendiosa. É ainda possível que se consiga terminar a produção de outros, mas dada acomplementaridade exigida pela estrutura de bens de capital, podem nunca chegar a entrar em funcionamento, se os recursos complementares necessários não chegarem a ser produzidos. Por fim, pode também ocorrer o caso de ser possível reconverter os bens de capital por um custo relativamente reduzido, embora esses casos sejam, sem dúvida, uma minoria.[14] Nasce assim, como sabemos, um mau investimento generalizado (malinvestment) dos escassos recursos produtivos da sociedade e, por conseguinte, uma perda dos escassos bens, que tem origem na informação distorcida recebida durante um determinado período de tempo pelos empresários na forma de obtenção mais fácil de créditos a taxas de juro relativamente mais reduzidas.[15] Também é possível que muitos processos de investimento iniciados fiquem a meio, dado o abandono a que são votado antes de serem terminados, quando os promotores percebem que não poderão continuar a obter novos recursos financeiros necessários para seu término, ou quando reconhecem que, embora possam continuar a obter créditos, esses processos de investimento não têm viabilidade econômica. Em suma, o mau investimento generalizado se manifesta na não utilização de muitos bens de capital, na não finalização de muitos processos de investimento iniciados, ou na utilização dos bens de capital produzidos de uma forma diferente da prevista originalmente. Dilapida-se, desta forma, grande parte dos recursos escassos da sociedade, pelo que esta empobrece generalizadamente e vê o nível de vida diminuir em termos reais.
Muitos economistas interpretaram erradamente o fato de uma parte significativa dos erros cometidos se materializar em bens de capital já terminados, que, porém, não podem ser utilizados por falta dos correspondentes bens complementares de capital ou do capital circulante necessário. De fato, muitos consideram que este fenômeno de “capacidade ociosa” é uma demonstração prima facie de que é necessário aumentar o consumo global para pôr em funcionamento a capacidade ociosa que foi desenvolvida, mas ainda não é utilizada. Não notam que, como refere Hayek,[16] a existência de “capacidade ociosa” em muitos processos produtivos (mas, especialmente, nos mais afastados do consumo, como as indústrias de construção, telecomunicações, alta tecnologia e, em geral, de bens de capital) não prova, de forma alguma, que exista um excesso de poupança e que o consumo seja insuficiente. Pelo contrário, é um sintoma de que não podemos utilizar o capital produzido por erro na sua totalidade, uma vez que a procura imediata de bens e serviços de consumo é tão urgente que não nos podemos dar ao luxo de produzir os bens de capital complementares ou o capital circulante necessários para aproveitar e pôr em funcionamento essa capacidade ociosa. Em síntese, a crise acontece como resultado de um excesso relativo de consumo, ou, por outras palavras, de uma escassez relativa de poupança, que não permite terminar os processos iniciados, nem produzir bens complementares de capital nem o capital circulante necessários para pôr em funcionamento os processos de investimento e os bens de capital que, por qualquer razão, tenha sido possível terminar durante o processo de expansão.[17]
6
A EXPANSÃO DE CRÉDITO COMO CAUSA
DO DESEMPREGO EM MASSA
A causa direta do desemprego maciço é a inflexibilidade dos mercados de trabalho. De fato, a intervenção do estado sobre o mercado de trabalho e a coação sindical, que se torna possível graças aos privilégios que a sistema legal concede aos sindicatos, determina a definição de um conjunto de disposições (salários mínimos, barreiras de entrada para manter salários artificialmente altos, regulamentação muito rigorosa e intervencionista sobre contratações e demissões, etc.) que fazem com que o mercado de trabalho seja um dos mais rígidos de todos. Além disso, dados os custos artificiais provocados pela legislação trabalhista, o valor descontado da produtividade marginal do trabalhador tende, em muitos casos, a ser inferior ao total de custos trabalhistas suportados pelo empresário (em forma de salários e outros custos monetários, e ainda em forma de preocupações e outros custos não monetários). Isto leva a uma alta taxa de desemprego que afetará todos os trabalhadores cujo valor descontado de produtividade marginal esperada seja inferior ao custo em que incorrem os empresários, pelo que serão despedidos ou deixarão de ser contratados.
Visto que a causa direta do desemprego é a acima descrita, a causa indireta do desemprego é a inflação, ou melhor, a expansão de crédito iniciada pelo sistema bancário sem cobertura de poupança real, uma vez que, em última instância, é esta expansão que dá azo ao aparecimento do desemprego massivo. Isto acontece porque a expansão de crédito gera todo o processo de descoordenação e mau investimento generalizado que descrevemos, colocando, de forma maciça, os fatores de produção originais em lugares da estrutura produtiva que não são os apropriados, uma vez que os empresários os atraem para alongar e alargar a estrutura de bens de capital, sem notar que estão cometendo um grave erro empresarial em grande escala. Quando chega a crise e os erros se tornam evidentes, serão necessários novos e grandes movimentos de fatores de produção originais e de mão de obra das etapas mais afastadas do consumo para as mais próximas, o que exigirá um mercado laboral especialmente flexível e livre de todo o tipo de restrições e coações sindicais e institucionais. Por isso, as sociedades com um mercado de trabalho mais rígido experimentarão um maior volume de desemprego, que se manterá durante um maior período de tempo, quando inevitavelmente se revelarem os erros empresariais induzidos na estrutura produtiva pela expansão de crédito.[18]
Assim, a única forma de lutar contra o desemprego consiste em, a curto prazo, flexibilizar o mercado de trabalho em todos os sentidos, e a médio e longo prazo, evitar que se inicie qualquer tipo de processo de expansão artificial que tenha origem na concessão de créditos por parte do sistema bancário sem que tenha havido previamente um aumento da poupança voluntária na sociedade.
7
A INSUFICIÊNCIA DA CONTABILIDADE NACIONAL PARA REFLETIR
AS DIFERENTES FASES DO CICLO ECONÔMICO
As estatísticas relativas ao Produto Nacional Bruto (PNB) e, em geral, as definições e a metodologia próprias da contabilidade nacional não são um bom indicador das flutuações econômicas. De fato, como já vimos, os valores do Produto Nacional Bruto ocultam, de forma sistemática, tanto os efeitos expansivos artificiais da criação de créditos por parte do sistema bancário, como os efeitos de contração que a crise exerce sobre as etapas mais afastadas do consumo.[19] A explicação para este fenômeno pode ser encontrada no fato de, ao contrário do que o próprio qualificativo bruto adicionado à expressão “Produto Nacional” sugere, o montante não ser mais do que um valor líquido que exclui do cálculo o valor de todos os bens de capital intermediáriosque no final do período de cálculo ficam disponíveis como inputs para o exercício seguinte. Assim, os valores do Produto Nacional Bruto exageram a importância do consumo[20] no Rendimento Nacional, relegando para terceiro lugar, depois das despesas do governo, a produção de bens finais de capital terminados ao longo do período (que são os únicos que, por definição, refletem os valores do PNB) e, de forma absurda, não calculando, de todo, metade do esforço empresarial e produtivo de toda a sociedade: aquele que se dedica à elaboração de produtos intermediários.
Um indicador muito mais preciso do efeito dos ciclos econômicos sobre a sociedade seria o Rendimento Social Bruto (RSB) gasto num exercício e calculado da forma descrita nos Quadros do capítulo V, ou seja, em termos verdadeiramente brutos e incluindo a totalidade da despesa monetária, não só em bens e serviços finais, mas em todos os produtos intermediários produzidos em todas as etapas do processo produtivo. Com um cálculo deste tipo tornar-se-ia evidente quais são os verdadeiros efeitos sobre a estrutura produtiva da expansão de crédito e da contração econômica a que, mais cedo ou mais tarde, dá lugar.[21]
8
A FUNÇÃO EMPRESARIAL E A TEORIA DO CICLO
Noutro lugar,[22] apresentamos uma teoria da função empresarial que se baseia em grande medida na teoria desenvolvida por Ludwig von Mises, Friedrich A. Hayek e Israel M. Kirzner. O empresário é todo o ser humano ator que exerce cada uma das ações com perspicácia, mantendo-se atento às oportunidades de lucro subjetivo que surgem à sua volta e atuando na perspectiva de tirar proveito delas. A capacidade empresarial inata do ser humano não só cria constantemente informação nova quanto aos fins e meios, mas também, ativa de forma espontânea um processo pelo qual esta informação tende a ser transmitida ao longo do corpo social, graças à coordenação espontânea dos diferentes comportamentos dos seres humanos. A capacidade coordenadora da função empresarial explica e estimula o nascimento, a evolução e o desenvolvimento coordenado da sociedade e civilização humanas, desde que a ação empresarial não seja vítima de coação sistemática (intervencionismo e socialismo) e não se veja obrigada a atuar num ambiente de desrespeito pelas normas tradicionais do Direito, decorrentes de privilégios concedidos pelo governo a determinados grupos sociais. Quando a função empresarial não pode ser enquadrada num quadro jurídico de princípios de direito material ou é vítima de coação sistemática, não só deixa de criar e transmitir um volume significativo de informação social, como gera informação corrompida e distorcida, dando origem a comportamentos descoordenados e irresponsáveis. Deste ponto de vista, pode considerar-se que a nossa teoria de ciclo não é mais do que uma aplicação da teoria mais geral da função empresarial ao caso concreto da descoordenação intertemporal (ou seja, entre diferentes períodos de tempo) provocada pelo exercício da atividade bancária não sujeito ao cumprimento dos princípios gerais do Direito e baseado, portanto, no privilégio de conceder empréstimos sem cobertura de um aumento prévio da poupança voluntária (contrato de depósito bancário de dinheiro com um coeficiente de reserva fracionário). Assim, a nossa teoria conseguiu explicar de que forma o descumprimento dos princípios gerais do Direito dá sempre origem a uma grave descoordenação social, mas agora num âmbito tão complexo e abstrato como é o da moeda e do crédito bancário. Desta forma, graças à teoria econômica, foi possível ligar fenômenos jurídicos (a concessão de privilégios em violação dos princípios do Direito) e econômicos (crises e recessões) que até agora se pensava não terem qualquer tipo de relação entre si.
Poderemos perguntar como é possível que, perante esta teoria do ciclo desenvolvida pelos economistas, os empresários deixem de se sentir afetados, alterando o comportamento de forma a não aceitarem os empréstimos recebidos do setor bancário nem iniciarem projetos de investimento que acarretarão, em muitos casos, na ruína imediata. É preciso reconhecer, porém, que os empresários não podem deixar de participar no processo generalizado de descoordenação provocado pela expansão de crédito dos bancos, mesmo que formalmente saibam perfeitamente qual será a evolução do ciclo. Isto acontece porque na altura em que lhe é oferecido o empréstimo, o empresário individual não sabe se o mesmo tem ou não origem num aumento da poupança voluntária da sociedade. E, apesar de, por hipótese, poder suspeitar que o empréstimo foi criado do nada pelo banco, continua a não ter razão para inibir-se de utilizar o empréstimo para ampliar os seus projetos de investimento, caso se ache capaz de retirar-se dos mesmos antes que se dê a inevitável crise. Ou seja, existe a possibilidade de obtenção de lucros empresariais significativos para os empresários que, embora saibam que todo o processo se sustenta num boom artificial, sejam suficientemente perspicazes para se retirar a tempo, liquidando os projetos e empresas antes da chegada da crise. Assim, o próprio espírito empresarial, e a motivação de lucro em que se baseia, faz com que seja inevitável que os empresários, embora conheçam a teoria do ciclo, se vejam destinados a nele participar. Como é lógico, ninguém pode prever com precisão as coordenadas de tempo e local em que a crise será desencadeada e não há dúvida de que uma parte significativa dos empresários serão surpreendidos por ela e começarão a ter graves dificuldades. No entanto, isto não impede que, a priori, do ponto de vista teórico, nunca possamos qualificar de “irracionais” os empresários que, ainda que conhecendo a teoria do ciclo, se deixem levar pelo dinheiro novo que recebem, que foi criado do nada pelo sistema bancário e que, inicialmente, lhes confere um capacidade adicional de pagamento significativa e a possibilidade de obter lucros elevados.[23]
Existe outro ponto de ligação entre a teoria da função empresarial e a teoria do ciclo econômico, que tem que ver com a etapa de crise e reajustamento na qual se tornam evidentes os graves erros cometidos nas fases anteriores do ciclo. As depressões econômicas são os períodos em que, historicamente, se iniciaram as maiores fortunas empresariais. Isto acontece porque nas etapas mais profundas da recessão existe uma multidão de bens de capital, produzidos por erro, cujo preço de mercado se reduz a uma fração do preço original. Desta forma, os empresários que tenham a perspicácia necessária para chegar a esta fase de recessão do ciclo com liquidez para adquirir, de forma muito seletiva, os bens de capital que praticamente já não tenham preço, mas que, logo que a economia se recupere, possam ser novamente valorizados, poderão obter lucros empresariais muito elevados. Assim, a função empresarial tem um papel decisivo na salvação do que é possível salvar e em dar o melhor uso possível aos bens de capital produzidos por erro, de acordo com as circunstâncias, seleccionando-os e conservando-os para um futuro mais ou menos afastado em que a economia se tenha recuperado e possam, de novo, voltar a ser úteis à sociedade.
9
A POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO DO NÍVEL GERAL DOS PREÇOS E OS EFEITOS DE DESESTABILIZAÇÃO SOBRE O SISTEMA ECONÔMICO
Um problema de grande interesse teórico, que teve relevância prática no passado e parece voltar agora a tê-la é o de saber se uma expansão de crédito efectuada pelo sistema bancário sem cobertura de poupança real, que implique o aumento da oferta monetária exacta necessária para manter inalterado o poder de compra do dinheiro (ou, se se preferir, o “nível geral de preços”), provoca ou não os efeitos depressivos que estamos a analisar neste capítulo. Esta questão é válida para os períodos em que se verifica um aumento significativo da produtividade, como consequência da introdução de novas tecnologias, de inovações empresariais e da acumulação de capital bem investido por uma função empresarial diligente e perspicaz.[24] Como já vimos, quando a quantidade de dinheiro em circulação se mantém constante e não há crescimentos expansivos artificiais dos créditos bancários, um aumento da poupança voluntária dá origem a um alargamento e a um alongamento das etapas de bens de capital da estrutura produtiva, que se podem completar sem dificuldades e que, depois de completadas, dão lugar a um novo aumento da quantidade e da qualidade da produção final de bens e serviços de consumo. Este aumento de produção de bens e serviços será vendido a uma procura monetária diminuída (precisamente no valor do aumento da poupança), o que faz com que o preço dos bens e serviços de consumo tenda a diminuir a um ritmo que será sempre mais rápido do que a possível redução dos rendimentos nominais dos proprietários dos fatores originais de produção, cujo rendimento aumenta, portanto, muito significativamente em termos reais.
A questão que levantamos agora é a de saber se a política destinada a aumentar a oferta monetária, pela expansão de crédito ou de outro procedimento, e a manter inalterado o nível de preços dos bens e serviços de consumo, desencadeia ou não os processos estudados que levam à descoordenação intertemporal dos diferentes agentes econômicos e, em última instância, à crise e depressão econômica. Esta foi a situação enfrentada pela economia norte-americana nos anos 1920, altura em que experimentou um aumento desmesurado da produtividade, não acompanhado pela natural diminuição do preço dos bens e serviços de consumo, em razão da politica de expansão do sistema bancário dos Estados Unidos levada a cabo pela Reserva Federal com o objetivo de estabilizar o poder de compra da moeda, impedindo a sua subida.[25]
Por esta altura não será difícil ao leitor compreender que uma política de expansão de crédito sem cobertura de poupança real acionará, inexoravelmente, todos os processos que levam ao aparecimento da crise e da depressão econômica, mesmo que a expansão seja acompanhada de um aumento paralelo da produtividade do sistema e não se traduza num aumento dos preços dos bens e serviços de consumo. Na verdade, o importante não são os movimentos absolutos no nível geral dos preços dos bens de consumo, mas o comportamento em termos relativos, quando comparado com os preços dos produtos intermediários das etapas mais afastadas do consumo e dos fatores originais de produção. De fato, na crise de 1929, os preços relativos dos bens de consumo (que em termos nominais não subiram, tendo até sofrido uma ligeira redução) aumentaram em demasia em relação aos preços dos bens de capital (que sofreram um queda nominal dramática). Além disso, o rendimento global (e, logo, os lucros) das empresas próximas do consumo não deixou de crescer de forma extraordinária durante os últimos anos da expansão, como consequência do grande aumento da produtividade, vendida a preços nominais constantes num ambiente de grande expansão inflacionária. Desta forma, os fatores que tipicamente desencadeiam a reversão (crescimento relativo dos lucros no consumo e subida da taxa de juro), incluindo o “Efeito Ricardo”, estão também presentes num ambiente de aumento da produtividade, na medida em que, mais do que a subida dos preços nominais que então se verificou, é o aumento dos lucros e da vendas no setor do consumo que torna evidente que o custo relativo da mão de obra no setor se reduziu.
Os trabalhos teóricos realizados por Hayek, na época de sua primeira viagem de estudo aos Estados Unidos nos anos 1920, tiveram como objetivo analisar o efeitos da política de estabilização da unidade monetária, que então, e sob os auspícios de Fischer e outros monetaristas, eram considerados inócuos e muito convenientes para o sistema econômico. Depois de analisar a situação norte-americana, Hayek chegou à conclusão oposta, que apresenta no seu conhecido artigo “Intertemporal Price Equilibrium and Movements in the Value of Money”, publicado em 1828.[26] Neste artigo, Hayek demonstra que uma política de estabilização do poder de compra da unidade monetária é incompatível com a necessária função do dinheiro no que concerne à coordenação das decisões e comportamentos dos agentes econômicos em diferentes momentos do tempo. Hayek explica que, se a quantidade de dinheiro em circulação se mantiver constante, um crescimento generalizado da produtividade do sistema econômico dará origem a uma diminuição do preço dos bens e serviços de consumo, ou seja, do nível geral dos preços, de forma a manter o equilíbrio intertemporal entre as acções dos diferentes agentes econômicos. Desta forma, uma política que evite uma diminuição do preço dos bens e serviços de consumo, que tenha origem, insistimos, não numa diminuição da quantidade de dinheiro, mas num aumento da produtividade, gera expectativas em relação à manutenção dos preços no futuro. Estas expectativas provocam, inexoravelmente, um alongamento artificial da estrutura produtiva que, de forma inevitável, acabará por dar lugar a uma depressão. Embora, em 1928, Hayek não tivesse ainda elaborado as refinadas contribuições dos anos 1930 que utilizamos na nossa análise e que tornam muito mais fácil a compreensão deste fenômeno, é especialmente notável que, já nessa altura, tenha chegado à seguinte conclusão (que apresentamos nas palavras de Hayek):
It must be assumed, in sharpest contradiction to the prevailing view, that it is not a deficiency in the stability of the purchasing power of money that constitutes one of the most important sources of disturbances of the economy from the side of money. On the contrary, it is the tendency peculiar to all commodity currencies to stabilize the purchasing power of money even when the general state of supply is changing, a tendency alien to all the fundamental determinants of economic activity.[27]
Assim, não surpreende que F. A. Hayek e os demais teóricos dessa escola na segunda metade dos anos 1920, após analisarem detalhadamente a política monetária expansiva dos Estados Unidos (que, no entanto, dado o aumento da produtividade não se traduziu num aumento dos preços), tenham sido os únicos capazes não só de interpretar corretamente o caráter em grande parte artificial do boom expansivo norte-americano e do concomitante impato em forma de crescimento aparentemente ilimitado dos índices da bolsa de valores de Nova York, mas também de prever, contra a corrente e para surpresa de todos, o advento da Grande Depressão de 1929.[28] Podemos, desta forma, concluir, como Fritz Machlup, que:
The creation of new circulating media so as to keep constant a price level which would otherwise have fallen in response to technical progress, may have the same unstabilizing effect on the supply of money capital that has been described before, and thus be liable to lead to a crisis. In spite of their stabilizing effect on the price level, the emergence of the new circulating media in the form of money capital may cause roundabout processes of production to be undertaken which cannot in the long run be maintained.[29]
Embora no passado pudessem parecer ter pouca relevância prática, dado o crescimento crônico no nível geral de preços sofrido pelas economias ocidentais, estas considerações recuperam hoje a sua importância e demonstram que, mesmo com uma política de “estabilidade” monetária garantida por parte dos bancos centrais, em ambientes de grande crescimento da produtividade surgirão inexoravelmente crises econômicas, caso não seja evitada toda a expansão de crédito. Desta forma, é muito possível que, em breve, estas considerações voltem a ter uma grande importância prática. Em todo o caso, são de grande relevância não só para a compreensão de muitos ciclos econômicos do passado (o mais importante dos quais foi o da Grande Depressão de 1929), mas também como aplicação das conclusões teóricas retiradas de nossa análise.[30]
10
COMO EVITAR OS CICLOS ECONÔMICOS:
PREVENÇÃO E RECUPERAÇÃO DA CRISE ECONÔMICA
De tudo o que até aqui foi dito, facilmente se deduz que, depois dos bancos iniciarem um política de expansão de crédito, ou da oferta monetária aumentar na forma de concessão de novos créditos sem cobertura de nova poupança voluntária, desencadeiam-se espontaneamente processos que, mais tarde ou mais cedo, provocam a crise e a recessão. Assim, não é possível evitar as crises e depressões econômicas, depois de ter havido uma expansão de crédito. A única medida possível é a de evitar o processo, impedindo que sejam iniciadas políticas de expansão de crédito ou de crescimento da oferta monetária em forma de concessão de novos créditos por parte do sistema bancário. No último capítulo deste livro, explicaremos as modificações institucionais que é preciso levar a cabo para imunizar as economias modernas das etapas sucessivas de auge e recessão que vêm sofrendo regularmente. Estas reformas institucionais baseiam-se, precisamente, em fazer o negócio bancário voltar aos princípios tradicionais do Direito que regulam o contrato de depósito irregular de bens fungíveis e que exigem a manutenção constante do tantundem, ou sejam de um coeficiente de reserva de 100 %. Só desta forma é possível assegurar que o sistema não iniciará qualquer tipo de expansão de crédito sem cobertura de poupança real e que os créditos concedidos terão sempre origem num aumento prévio da poupança voluntária da sociedade. Assim, só serão iniciados alongamentos da estrutura produtiva que, salvo em circunstâncias especiais, será possível terminar e manter sem que haja uma descoordenação sistemática entre as decisões empresariais dos investidores e as decisões dos demais agentes econômicos relativas ao volume e à proporção dos rendimentos que desejam consumir e poupar.
Se admitirmos que existiu expansão de crédito no passado, sabemos que a crise econômica chegará inevitavelmente, por muito que se tente atrasar o aparecimento por meio da injeção de novas doses de expansão de crédito a um ritmo cada vez maior. Em todo o caso, o advento da crise e da recessão constitui, em última análise, o início da recuperação. Isto é, a recessão econômica significa o início da etapa de recuperação, uma vez que se trata da fase em que se tornam evidentes os erros cometidos, se liquidam os projetos de investimento empreendidos erroneamente e se começa a transferir a mão de obra e os demais recursos produtivos para os setores e etapas onde são mais valorizados pelos consumidores. Desta forma, tal como a ressaca, depois da embriaguez, é uma manifestação da saudável reação do organismo em relação à agressão alcoólica, a recessão econômica marca o início do período de recuperação, tão são e necessário, assim como doloroso, para que a estrutura produtiva volte a estar mais de acordo com aquilo que os consumidores verdadeiramente desejam.[31]
A recessão surge quando a expansão de crédito abranda ou é interrompida e, como consequência, são liquidados os projetos de investimento erroneamente empreendidos, o que provoca o estreitamento e a redução do número de etapas da estrutura produtiva e a dispensa dos trabalhadores e dos fatores originais de produção que se encontram empregados nas etapas mais afastadas do consumo, onde deixaram de parecer rentáveis. A recuperação é consolidada quando os agentes econômicos em geral e os consumidores em particular decidem diminuir o seu consumo em termos relativos e aumentar a poupança de forma a fazer frente à devolução dos créditos que receberam e a enfrentar a etapa de incerteza e recessão econômica. Da mesma forma, depois do boom e do início do reajustamento dá-se, naturalmente, uma redução da taxa de juro, provocada pela diminuição, ou até pelo desaparecimento, do prêmio decorrente das expectativas de diminuição do poder de compra da moeda e pela maior poupança relativa provocada pela depressão. A diminuição do ritmo frenético do consumo de bens e serviços da etapa final, juntamente com o aumento da poupança e com o saneamento de todos os níveis da estrutura produtiva, estimulam as sementes da recuperação, cujos efeitos são inicialmente refletidos pelos mercados das bolsas, que costumam ser os primeiros a experimentar alguma melhoria. Além disso, o crescimento real dos salários que tem lugar na etapa de recuperação põe em funcionamento o “Efeito Ricardo”, o que reanima o investimento nas etapas mais afastadas do consumo, que voltam a contratar mão de obra e recursos produtivos. É desta forma espontânea que se termina a recuperação, que poderá ser consolidada e mantida indefinidamente caso não seja iniciada uma nova etapa de expansão de crédito sem cobertura de poupança real. Habitualmente, no entanto, este processo volta a acontecer, provocando o aparecimento recorrente de novas crises.[32]
Não obstante, sabendo que as crises econômicas não podem ser evitadas, mas apenas prevenidas, qual seria a política mais adequada no caso de se ter chegado à inevitável crise e recessão? A resposta é simples se tivermos em conta a origem da crise e o que ela significa: a necessidade de reajustamento da estrutura produtiva e a transformação numa estrutura mais de acordo com o verdadeiro desejo de poupança dos consumidores, liquidando os projetos de investimento erroneamente iniciados e transferindo maciçamente os fatores de produção para as etapas e empresas mais próximas do consumo, que é onde os consumidores exigem que estejam. Desta forma, a única política possível e conveniente em caso de crise consiste emflexibilizar ao máximo a economia em geral, e, em particular, os diferentes mercados dos fatores produtivos, sobretudo o do fator trabalho, para que o ajustamento possa ser feito o mais rápida e menos dolorosamente possível. Assim, quanto mais rígida e controlada for uma economia, mais prolongado e socialmente doloroso será o reajustamento, podendo até acontecer que se mantenham os erros e a recessão indefinidamente, dada a impossibilidade institucional de que os agentes econômicos liquidem os projetos e reagrupem os bens de capital e fatores de produção de forma conveniente. Por conseguinte, a rigidez é o principal inimigo da recuperação e toda a política destinada a suavizar a crise e iniciar e consolidar quanto antes a recuperação deve ser fundamentada no objetivo microeconômico de flexibilizar e liberalizar ao máximo todos os mercados de fatores produtivos e, especialmente, o mercado laboral.[33]
É esta a única medida conveniente na etapa de crise e recessão económica,[34] devendo ser evitadas quaisquer outras políticas que, de forma ativa e em maior ou menor grau, tendam a dificultar ou a impedir o necessário processo espontâneo de reajustamento. Deve, especialmente, ser evitado um conjunto de medidas que, na etapa de crise e perante o caráter socialmente doloroso da mesma, se tornam muito populares e gozam de grande apoio político. Entre as principais medidas normalmente propostas e que é preciso evitar, referiremos as seguintes:
a) A concessão de novos créditos a empresas das etapas mais intensivas em capital para evitar que entrem em crise, que suspendam os pagamentos e que se vejam forçadas a reestruturação. Como sabemos, a concessão de novos créditos não faz mais do que atrasar a chegada da crise em razão de tornar muito mais grave e difícil o reajustamento necessário. Além disso, a concessão sistemática de novos créditos para pagar os que vão vencendo atrasa o tão necessário (como doloroso) reajustamento dos investimentos errôneos, podendo até, como aconteceu no Japão durante a última década, chegar a adiar indefinidamente a saída da recessão. Deve, portanto, evitar-se qualquer política de ulterior expansão de crédito.
b) Também muito prejudiciais são as chamadas políticas de “pleno emprego”, destinadas a assegurar a manutenção dos postos de trabalho de todos os trabalhadores. Neste sentido, e como muito claramente refere Hayek,
All attempts to create full employment with the existing distribution of labour between industries will come up against the difficulty that with full employment people will want a larger share of the total output in the form of consumers’ goods that is being produced in that form.[35]
Logo, é impossível que a política governamental de despesa e de expansão de crédito possa, com sucesso, manter todos os postos de trabalho de todos os trabalhadores num dado momento, se estes gastarem todos os rendimentos que recebem, provenientes da expansão de crédito e da inflação criada no setor público, de uma forma que exige um estrutura produtiva diferente, ou seja, incapaz de manter os postos de trabalho desse momento. Toda a política de manutenção de postos de trabalho financiada com inflação ou expansão de crédito é autodestrutiva, na medida em que a nova moeda criada, após chegar ao bolso dos consumidores, é gasta de uma forma que torna impossível a rentabilidade desses mesmos postos de trabalho. Assim, a única política laboral possível é a de facilitar o despedimento e a recolocação de trabalhadores, tornando os mercados laborais flexíveis.
c) Da mesma forma, deve evitar-se qualquer política dedicada a restaurar o status quo dos agregados macroeconômicos. Como sabemos, a crise e a recessão têm uma natureza microeconômica e não macroeconômica, pelo que tal política estará condenada ao fracasso, na medida em que impeça ou dificulte aos empresários a revisão dos planos, o reagupamento dos bens de capital, a liquidação dos projetos de investimento e o saneamento das empresas. Como refere Ludwig M. Lachmann:
Any policy designed merely to restore the status quo in terms of ‘macroeconomic’ aggregate magnitudes, such as incomes and employment, is bound to fail. The state prior to the downturn was based on plans which have failed; hence a policy calculated to discourage entrepreneurs from revising their plans, but to make them ‘go ahead’ with the same capital combinations as before, cannot succeed. Even if business men listen to such counsel they would simply repeat their former experience. What is needed is a policy which promotes the necessary readjustments.[36]
Por isso, as políticas monetárias destinadas a manter a todo o custo o boom econômico ante os primeiros sintomas da crise (geralmente, uma quebra no mercado de valores e de bens imóveis), embora possam atrasar o aparecimento da recessão, não poderão evitar a sua chegada.
d) Deve ainda ser evitada a manipulação do preço dos bens presentes em função dos bens futuros, que é refletido pela taxa social de preferência temporal ou pela taxa de juro. De fato, na fase de recuperação, a taxa de juro do mercado de crédito tenderá a reduzir-se espontaneamente, dada a diminuição do preço dos bens de consumo e o aumento da poupança provocado pelo saneamento próprio dos períodos de recessão. No entanto, qualquer tipo de manipulação da taxa de juro de mercado será contraproducente, afetando negativamente o processo de liquidação ou gerando novos erros empresariais. Efetivamente, podemos concluir, de acordo com Hayek, que toda a política que tenda a manter as taxas de juro num nível fixo será altamente prejudicial para a estabilidade da economia, uma vez que estas devem evoluir espontaneamente de acordo com as preferências reais dos agentes econômicos em relação à poupança e ao consumo:
The tendency to keep the rates of interest stable, and especially to keep them low as long as possible, must appear as the arch-enemy of stability, causing in the end much greater fluctuations, probably even of the rate of interest, than are really necessary. Perhaps it should be repeated that this applies especially to the doctrine, now so widely accepted, that interest rates should be kept low till ‘full employment’ in general is reached.[37]
e) Finalmente, deve ser evitada qualquer política de criação artificial de postos de trabalho mediante a realização de obras públicas e outros projetos de investimento financiados pelo governo. É evidente que, se esses projetos forem financiados com base em impostos ou até por meio da emissão de dívida pública, acabarão por afastar os recursos dos locais da economia onde os consumidores os desejam para os levar em direção a obra públicas financiadas pelo governo, criando assim uma nova camada de mau investimento generalizado. Além disso, se estes trabalhos ou “investimentos” forem financiados pela mera criação de moeda nova, também se dá azo a mau investimento generalizado, na medida em que, se os trabalhadores empregados por meio deste procedimento consumirem a maior parte dos próprios rendimentos, tenderão a aumentar em termos relativos o preço dos bens de consumo, o que agravará ainda mais a delicada situação em que se encontram as empresas das etapas mais afastadas do consumo. Em todo o caso, é quase impossível que os governos não se vejam afetados nas políticas “contra-cíclicas” de despesa pública por todo o tipo de pressões políticas que as tendam a tornar ainda mais ineficientes e prejudiciais, como demonstram as conclusões da teoria da Teoria da Escolha Pública. Por outro lado, não existe qualquer garantia de que, assim que os governos efetuem o diagnóstico da situação e decidam tomar as medidas pretensamente corretoras, não se enganem em relação ao timing ou à sequência dos diferentes fenômenos e, com tais medidas, tendam mais a agravar os desajustamentos do que a solucioná-los.[38]
11
A TEORIA DOS CICLOS E OS RECURSOS OCIOSOS:
SEU PAPEL NAS ETAPAS INICIAIS DO BOOM
Um argumento crítico utilizado com frequência contra a teoria austríaca do ciclo econômico é que esta se baseia na assunção do pleno emprego dos recursos, de forma que, se existem recursos ociosos, não há razão para que a expansão de crédito provoque o mau investimento generalizado. No entanto, esta crítica carece totalmente de fundamento. Como demonstrou Ludwig M. Lachmann, a teoria austríaca do ciclo econômico não parte do pressuposto de que existe pleno emprego. Pelo contrário, desde as primeiras análises da teoria do ciclo, elaboradas por Mises em 1928, se considerou que poderá haver em todos os momentos um volume muito significativo de recursos ociosos.[39] De fato, Mises demonstrou desde o início que o desemprego dos recursos não só era compatível com a teoria que tinha elaborado, como era um dos elementos essenciais, uma vez que, nos processos de mercado em que o empresários elaboram planos que implicam a produção de bens heterogêneos e complementares de capital, cometem-se erros constantemente e estimulam-se “engarrafamentos” que impedem que todos os fatores e recursos produtivos se encontrem plenamente empregados. Daí a necessidade de um mercado flexível que permita o exercício da função empresarial, que tende a revelar os desajustamentos existentes e a coordená-los, num processo interminável. O que a teoria demonstra é, precisamente, a forma como este processo coordenador dos desajustes existentes é interrompido e agravado como consequência da expansão de crédito efetuada pelo sistema bancário.[40]
O que a teoria do ciclo econômico ensina é que o estímulo para o mau investimento dos recursos produtivos provocado pela expansão de crédito sem cobertura de um aumento da poupança real existirá mesmo que exista um volume significativo de recursos ociosos e, concretamente, de trabalho desempregado. Ou seja, ao contrário da opinião de muitos críticos da teoria, não é necessário partir do pressuposto de pleno emprego para que as distorções microeconômicas da expansão de crédito aconteçam. Se houver expansão de crédito, projetos econômicos que não são rentáveis parecerão sê-lo, independentemente do fato de serem levados a efeito com recursos que antes se encontravam desempregados. A única consequência é que os preços reais dos fatores de produção originais podem não aumentar tanto como aconteceria caso se tivesse partido de uma situação de pleno emprego. No entanto, os restantes fatores que provocam mau investimento e reversão espontânea, em forma de crise e recessão, dos erros cometidos acabam por surgir, sendo irrelevante se os erros tenham sido cometidos com recursos que originalmente se encontravam desempregados.
Um boom artificial baseado numa expansão de crédito bancário que relocaliza fatores originais de produção previamente desempregados não faz mais do que interromper o processo em curso de reajustamento desses fatores, sobrepondo-se um mau investimento generalizado dos recursos a outro efetuado anteriormente e que ainda não tinha sido liquidado e reabsorvido pelo mercado.
Outro possível efeito da utilização de recursos previamente ociosos é o fato de, independentemente do preço em termo absolutos não aumentar a um ritmo tão rápido, não ser preciso abrandar a curto prazo a produção de bens e serviços de consumo. Não deixa, no entanto, de haver uma má distribuição dos recursos, uma vez que são investidos em projetos não rentáveis e os efeitos do ciclo acabarão por aparecer quando os rendimentos monetários obtidos pelos fatores originais de produção previamente desempregados comecem a ser gastos em bens e serviços de consumo. Ao aumentarem mais depressa do que o preço dos produtos das etapas mais afastadas do consumo, os preços relativos destes bens e serviços, farão com que os salários reais comecem a baixar, ativando o “Efeito Ricardo” e os restantes efeitos já estudados que dão origem a crise e recessão. Em todo o caso, a expansão de crédito provoca sempre, desde o início, um aumento mais que proporcional do preço relativo dos produtos das etapas mais afastadas do consumo. Este aumento advém da nova procura monetária deste bens, devido ao crédito e à diminuição artificial da taxa de juro, que torna estes projetos mais atraentes. O resultado é um alongamento da estrutura produtiva, que não poderá manter-se a longo prazo e que nada tem que ver com o fato de uma parte desses projetos ter se materializado com recursos previamente ociosos.
Assim, pode concluir-se que o argumento muitas vezes ouvido segundo o qual a teoria desenvolvida por Mises, Hayek e a Escola Austríaca se baseia na existência de pleno emprego dos recursos é falaciosa, uma vez que, mesmo supondo um volume significativo de desemprego, o processo de expansão de crédito provocará, invariavelmente, o aparecimento da recessão.[41]
12
A necessária contração de crédito na etapa de recessão: crítica da teoria da “depressão secundária”
Consideremos três tipos diferentes de deflação, entendida como toda a diminuição da quantidade de dinheiro “em circulação”.[42] A deflação consiste numa diminuição da procura monetária ou num aumento da procura de dinheiro e tende a produzir, ceteris paribus, um aumento do poder de compra da unidade monetária (ou, se se preferir, uma diminuição no “nível geral dos preços”). No entanto, não se deve confundir a deflação com seu efeito mais típico e saliente (a diminuição do nível geral dos preços), uma vez que existem casos em que os preços dos bens e serviços baixam sem que tenha havido qualquer tipo de deflação. Como já vimos, isto acontece no saudável processo de crescimento de uma economia que aumenta a produtividade graças à incorporação de novas tecnologias e à acumulação de capital, fruto do espírito empresarial e do natural aumento da poupança voluntária dos agentes. Este processo, que estudamos na secção 9, dá origem a um aumento generalizado na produção de bens e serviços, sem que haja qualquer diminuição da quantidade de moeda em circulação, que só é possível vender a preços mais reduzidos. O resultado é um aumento real dos salários e dos restantes rendimentos dos fatores de produção originais, porque, embora o valor nominal das remunerações se mantenha, os preços dos bens e serviços de consumo adquiridos pelos trabalhadores reduzem-se de forma significativa. A diminuição no nível geral de preços radica, neste caso, não na parte monetária, mas na parte real da economia,[43] e decorre do aumento generalizado da produtividade da mesma. Assim, este fenômeno não tem qualquer relação com a deflação tal como a definimos, sendo apenas uma manifestação do processo saudável e natural de desenvolvimento econômico.
Não obstante, vamos agora estudar detidamente três tipos diferentes de deflação (entendida, em sentido estrito, como toda a diminuição da oferta ou aumento da demanda de moeda), que têm causas e consequências radicalmente distintas. Analisemo-los com pormenor:[44]
a) Em primeiro lugar, é preciso referir as políticas deliberadamente iniciadas pelos poderes públicos para diminuir a quantidade de moeda em circulação.[45]
Estas políticas, empreendidas em diversas circunstâncias históricas, dão origem a um processo pelo qual o poder de compra da unidade monetária tende a aumentar. Além disso, essa diminuição forçada da quantidade de moeda em circulação provoca uma distorção da estrutura das etapas produtivas da sociedade. De fato, de início, a diminuição da quantidade de moeda leva a uma diminuição da concessão de empréstimos e ao aumento artificial da taxa de juro de mercado, que, por sua vez, provoca um achatamento da estrutura produtiva forçado por causas estritamente monetárias (e não pelo verdadeiro desejo dos consumidores). Consequentemente, muitas etapas de bens de capital da estrutura produtiva parecem não ser rentáveis, quando na verdade o são (especialmente as mais afastadas do consumo e mais intensivas em capital). Tudo isto leva a perdas contábeis generalizadas nas empresas mais especializadas nos setores intensivos em capital. Além disso, em todos os setores, a menor procura monetária não é acompanhada ao mesmo ritmo por uma diminuição paralela dos custos, pelo que surgem perdas contábeis, generalizando o pessimismo. Por outro lado, o aumento do poder de compra da unidade monetária e a diminuição do preço de venda dos produtos provocam um aumento significativo no rendimento real dos fatores de produção originais, que tenderão a ficar desempregados, se os preços forem rígidos e não diminuírem a um ritmo semelhante ao dos preços dos bens de consumo. Inicia-se, assim, um doloroso e duradouro período de adaptação que só termina quando toda a estrutura produtiva e todos os fatores de produção originais tiverem se adaptado às novas condições monetárias. Todo esse processo de deflação deliberada não traz nada de novo, apenas submete o sistema econômico a uma pressão desnecessária. Lamentavelmente, em diversas ocasiões, o desconhecimento teórico dos políticos levou-os a iniciar este processo deliberadamente.[46]
b) O segundo tipo de deflação, que devemos distinguir claramente do anterior, é aquele que se verifica quando os agentes econômicos decidem poupar, ou seja, deixar de consumir uma parte significativa dos seus rendimentos, dedicando total ou parcialmente o valor monetário da poupança ao aumento dos saldos de caixa (ou seja, entesourar).[47] Neste caso, o aumento da demanda de moeda dá ensejo a uma tendência para o aumento do poder de compra da unidade monetária (ou, se se preferir, a uma diminuição do “nível geral dos preços”). No entanto, este tipo de deflação é radicalmente distinto o anterior, visto que traz algo de novo, pois tem origem num aumento da poupança por parte dos agentes econômicos, que, desta forma, libertam recursos em forma de bens e serviços de consumo que ficam por vender. Entram, assim, em funcionamento os efeitos que já estudamos ao analisar o caso do aumento da poupança voluntária no capítulo V e, concretamente, o “Efeito Ricardo”, que resulta da diminuição do preço relativo dos bens de consumo, que, por sua vez, dá origem a um aumento, ceteris paribus, da remuneração real dos trabalhadores e dos restantes rendimentos dos fatores originais de produção. Assim, desencadeiam-se os processos que estimulam o alongamento da estrutura produtiva. Esta torna-se mais intensiva em capital, graças aos novos projetos de investimento iniciados, e que poderão ser terminados devido à libertação de recursos produtivos nas etapas mais próximas do consumo. A única diferença entre este caso e o do aumento da poupança voluntária que é investida imediata e diretamente na estrutura produtiva ou por meio dos mercados de capitais é que agora, como consequência do aumento dos saldos de caixa, reflexo da poupança, o processo exige uma diminuição do preço dos bens e serviços de consumo, dos produtos das etapas intermediárias e do rendimento dos fatores de produção originais e dos salários para se adaptar ao aumento do poder de compra da unidade monetária. Não se trata, contudo, como no caso anterior, de um doloroso processo que não traz quaisquer benefícios. Aqui existe uma poupança efetiva que provoca um aumento da produtividade da sociedade. O alongamento da estrutura produtiva e a redistribuição dos fatores de produção verifica-se na medida em que ocorre uma alteração dos preços relativos dos produtos das etapas intermediárias e da etapa final de consumo, como a que explicamos no capítulo V. Esta alteração acontece independentemente de, em termos absolutos e nominais, todos os preços terem de baixar (em diferentes graus) como consequência do maior poder de compra da unidade monetária.[48]
c) O terceiro tipo de deflação que vamos considerar é o que resulta da contração de crédito que normalmente se verifica na etapa de crise subsequente a toda a expansão de crédito. Já comentamos este processo nos capítulos IV e V, ao analisar como, tal como a expansão de crédito multiplica a quantidade de moeda em circulação, a devolução maciça de empréstimos e a perda de valor no ativo dos balanços causados pela crise dão origem a um inevitável processo acumulativo de contração de crédito que diminui a quantidade de dinheiro em circulação e gera, assim, deflação.
Este terceiro caso surge quando no processo de surgimento da crise se verifica não só uma parada no crescimento da expansão de crédito, mas também uma contração do crédito e, logo, uma deflação ou diminuição da oferta monetária ou quantidade de moeda em circulação. No entanto, esta deflação é diferente da analisada no ponto ‘a’ acima e tem um conjunto de efeitos positivos que é preciso considerar. Em primeiro lugar, a deflação causada pela contração do crédito não provoca os desnecessários desajustamentos mencionados no ponto ‘a’, antes, facilita e acelera a liquidação dos projetos de investimento iniciados erroneamente na etapa de expansão. Não se trata, pois, de uma deflação que, de forma artificial, faz com que não pareçam rentáveis projetos de investimento, que na realidade o são. Pelo contrário, é a reação natural e necessária do mercado para liquidar rapidamente os projetos de investimento empreendidos erroneamente na etapa de expansão. Um segundo efeito positivo é o fato de, de alguma maneira, reverter os efeitos de redistribuição do rendimento ocorridos na etapa de expansão do boominflacionista. De fato, a expansão inflacionista ativa uma tendência de diminuição do poder de compra da moeda que reduz os rendimentos reais de todos os titulares de rendimentos fixos (poupadores, viúvas, órfãos, pensionistas) em favor daqueles que primeiro recebem os empréstimos do sistema bancário e veem aumentar os próprios rendimentos monetários. Em terceiro lugar, a deflação de crédito faz com que, em geral, os diferentes negócios pareçam menos rentáveis, uma vez que os custos históricos são contabilizados com uma unidade monetária cuja capacidade de compra era menor e os rendimentos contábeis recebidos com uma unidade monetária cujo poder de compra é mais elevado. Isto faz com que, do ponto de vista contábil, os lucros empresariais sejam artificialmente reduzidos, o que leva a uma tendência para que os empresários façam mais poupança e repartam menos em forma de dividendos (exatamente o contrário do que haviam feito na etapa de expansão). Esta tendência a favor da poupança é muito positiva para o reinicio da recuperação econômica.[49] A diminuição da quantidade de moeda em circulação, provocada pela contração de crédito, tenderá indubitavelmente a aumentar o poder de compra da unidade monetária, o que levará à redução dos salários e rendimentos dos fatores originais de produção. De início, esta redução será mais rápida do que a diminuição do preço dos bens e serviços de consumo, no caso de chegar a acontecer. Consequentemente, em termos relativos, os salários e rendimentos dos fatores originais de produção se reduzirão, o que levará a uma maior contratação de trabalhadores em vez de máquinas e à transferência em massa desses trabalhadores para as etapas mais próximas do consumo. Ou seja, a contração de crédito reforça e acelera o necessário processo de “achatamento” da estrutura produtiva que acompanha a recessão. É imprescindível que os mercados de trabalho sejam flexíveis em todos os aspectos, com vista a facilitar as portentosas transferências de recursos produtivos e mão de obra. Quanto mais cedo o reajustamento for terminado e o efeito dos créditos concedidos para projetos de investimento erroneamente empreendidos eliminado, mais cedo se construirão os alicerces da subsequente recuperação, que será caracterizada por uma recuperação do preço relativo dos fatores originais de produção, ou seja, por uma diminuição do preço dos bens e serviços de consumo. Em termos relativos, esta diminuição será maior do que a dos salários, dado o aumento da poupança geral da sociedade, que pode voltar a estimular um crescimento das etapas mais intensivas em capital. Trata-se de um crescimento possível, uma vez que tem origem num aumento da poupança real voluntária. Como conclui Röpke a propósito desse terceiro tipo de deflação (contração de crédito decorrente da crise):
Is the unavoidable reaction to the inflation of the boom and must not be counteracted, otherwise a prolongation and aggravation of the crisis will ensue, as the experiences in the United States in 1930 have shown.[50]
É possível que, em determinadas circunstâncias históricas, a intervenção dos governos e dos sindicatos e a rigidez institucional dos mercados impeçam os reajustamentos necessários que precedem toda a recuperação da atividade econômica. Se os salários forem inflexíveis, as condições de contratação de mão de obra muito rígidas, o poder dos sindicatos muito grande e os governos caírem na tentação da despesa pública e do intervencionismo protecionista, é possível que se mantenha indefinidamente um volume muito elevado de desemprego, sem que se dê um reajustamento dos fatores originais de produção às novas condições econômicas (caso do Japão durante o período 1992-2002). Nestas circunstâncias, poderá também dar-se um processo cumulativo de contração, no qual o crescimento em massa do desemprego daria origem a uma diminuição generalizada da procura, que, por sua vez, levaria a novas doses de desemprego e assim sucessivamente. Alguns teóricos chamaram depressão secundária a este processo, que não resulta das forças espontâneas do mercados, mas da intervenção coerciva dos governos sobre os mercados laborais, os produtos e o comércio internacional. Em algumas ocasiões, os teóricos da “depressão secundária” consideraram que simples possibilidade de ocorrência desta depressão é um argumento prima facie para justificar a intervenção do governo, fomentando de novo a expansão de crédito e a despesa pública. Contudo, a única política efetiva para evitar o aparecimento de uma “depressão secundária”, ou para evitar o seu agravamento, é, como já referimos anteriormente, é a de liberalizar generalizadamente os mercados e evitar cair de novo nas políticas de expansão de crédito, abandonando todas as políticas que tendam a manter os salários altos e a tornar os mercados rígidos. Estas políticas apenas tornariam mais longo, duradouro e doloroso o processo de reajustamento, podendo até chegar ao ponto de o tornar politicamente insuportável.[51]
O que fazer se, em determinadas circunstâncias, é aparentemente “impossível” tomar as medidas necessárias para flexibilizar os mercados de trabalho, abandonar o protecionismo e fomentar o reajustamento que é a condição prévia e necessária de toda a recuperação? Este é um problema de política econômica interessantíssimo, cuja decisão dependerá da correta avaliação da gravidade das circunstâncias de cada momento histórico. Apesar de a teoria demonstrar que qualquer política de expansão artificial do consumo, da despesa pública e da expansão de crédito é contraproducente, ninguém nega que, a curto prazo, é possível absorver qualquer volume de desemprego, simplesmente aumentando a despesa pública ou a expansão de crédito, embora à custa de parar o processo de reajustamento e de tornar mais grave a recessão quando esta reaparecer. No entanto, o próprio Hayek reconheceu que as situações históricas podiam chegar a ser, em determinadas circunstâncias, tão desesperadas, que, politicamente, não restaria outra saída senão a de voltar a intervir: “dando de beber a um homem em ressaca”. Vejamos como, já em 1939, Hayek, se manifestava neste sentido:
It has, of course, never been denied that employment can be rapidly increased, and a position of ‘full employment’ achieved in the shortest possible time by means of monetary expansion. All that has been contended is that the kind of full employment which can be created in this way is inherently unstable, and that to create employment by these means is to perpetuate fluctuations. There may be desperate situations in which it may indeed be necessary to increase employment at all costs, even if it be only for a short period – perhaps the situation in which Dr. Brüning found himself in Germany in 1932 was such a situation in which desperate means would have been justified. But the economist should not conceal the fact that to aim at the maximum of employment which can be achieved in the short run by means of monetary policy is essentially the policy of the ‘desperado‘ who has nothing to lose and everything to gain from a short breathing space.[52]
Suponhamos agora que os políticos ignoram as recomendações do economista e que as circunstâncias são tais que é impossível liberalizar a economia, pelo que o desemprego se generaliza, o reajustamento nunca termina e inicia uma fase de contração cumulativa. Suponhamos ainda que é politicamente impossível tomar qualquer medida adequada e que a situação ameaça até desembocar numa revolução. Que tipo de expansão monetária seria a menos perturbadora do ponto de visto econômico? Neste caso, a menos negativa das políticas, embora não deixasse de ter efeitos muito prejudiciais sobre o sistema econômico, seria o estabelecimento de um programa de obras públicas que desse trabalho aos desempregados a salários relativamente reduzidos, de forma que os trabalhadores pudessem depois ser transferidos rapidamente para outras atividades mais lucrativas e cômodas logo que as circunstâncias melhorassem. Em todo o caso, deveria ser evitada a concessão direta de empréstimos e créditos às empresas das etapas produtivas mais afastadas do consumo. Assim, uma política de subsídio a desempregados, com remunerações baixas em troca de remuneração efetiva de trabalhos de conteúdo social (com o objetivo evitar gerar incentivos aos trabalhadores para manter-se cronicamente desempregados) seria a menos danosa nas circunstâncias extremas que acabamos de descrever.[53]
13
A ECONOMIA “MANÍACO-DEPRESSIVA”: A DESMORALIZAÇÃO DA CULTURA EMPRESARIAL E OUTROS EFEITOS NEGATIVOS DA RECORRÊNCIA DO CICLO ECONÔMICO SOBRE A ECONOMIA DE MERCADO
O aparecimento recorrente de crises econômicas decorrentes da expansão de crédito traz outras consequências, que, sendo mais sutis, não são menos prejudiciais para a cooperação harmoniosa entre os seres humanos e o desenvolvimento econômico e social.[54] Ressalte-se, concretamente, que o atual sistema baseado na expansão de crédito tornou habitual o desenvolvimento econômico composto de fases de boom e de crises. É como se a economia de mercado tivesse forçosamente de ter um comportamento que poderíamos qualificar de “maníaco-depressivo”.
De fato, os empresários, jornalistas, políticos, sindicalistas e agentes econômicos em geral se habituaram a considerar que a etapa de expansão artificial própria do boom é a etapa normal de prosperidade, que deve ser buscada e mantida de qualquer forma. Pelo contrário, as inevitáveis consequências da expansão, ou seja, a crise e recessão, são consideradas etapas muito negativas, que é preciso evitar a todo o custo.[55] Não notam que a recessão é a consequência inevitável da expansão artificial, que tem a virtude de tornar evidentes os erros cometidos e de tornar possíveis a recuperação e o reajustamento da estrutura produtiva.
Além disso, a expansão de crédito força, de forma desproporcionada e indevida, a capacidade de reação e o ritmo de trabalho dos agentes econômicos. Enquanto dura, a capacidade de trabalho dos seres humanos é levada ao limite e o espírito empresarial é corrompido, o que gera uma tensão e um desgaste psicológico de grande monta quer em termos humanos quer pessoais. Além disso, a criação de moeda nova via concessão expansiva de créditos financia todo o tipo de operações especulativas, ofertas públicas de aquisição de ações e guerras comerciais e financeiras, nas quais a cultura de especulação a curto prazo é preponderante, espalhando-se erroneamente a ideia de que é possível e conveniente alcançar lucros elevados com grande facilidade e rapidez. Desta forma, o trabalho bem feito e a cultura empresarial tradicional, com base no desenvolvimento prudente das empresas com um espírito de permanência e de consecução de objetivos a longo prazo, são desencorajados. É esta a realidade, especialmente devastadora e danosa para as gerações mais jovens e dinâmicas da sociedade, a que nos queremos referir quando falamos da desmoralização generalizada provocada pela expansão de crédito artificial.[56]
O problema é agravado se, como demonstraram os teóricos que analisaram o ciclo do ponto de vista político,[57] os protagonistas dos processo políticos tomam as decisões única e exclusivamente a curto prazo e com a finalidade de conseguir obter apoios imediatos que lhes garantam o triunfo nas eleições seguintes, pelo que nunca têm dúvidas no momento de iniciar, estimular e fomentar as políticas de expansão monetária que possam lhes trazer mais benefícios eleitorais a curto prazo. Ademais, qualquer desvio da expansão artificial e do otimismo que ela produz é considerado algo negativo, imediatamente denunciado pelos meios de comunicação e utilizado como arma política por parte da oposição, dos sindicatos e das organizações empresariais, ninguém se atreve a denunciar os males da política de crédito. Isto cria um ambiente de irresponsabilidade monetária que tende a agravar os problemas e torna muito difícil a resolução por meio de sensatos reajustamento e liquidação que estabeleçam os alicerces de uma recuperação sustentada não baseada na expansão de crédito.
Por fim, é importante referir a outro grave efeito prejudicial do aparecimento recorrente e sucessivo de crises econômicas provocadas pela expansão de crédito sobre a economia de mercado e os princípios de liberdade de empresa. Efetivamente, cada processo de expansão de crédito é inexoravelmente seguido de uma etapa de doloroso reajustamento, que é o espaço ideal para justificar a posterior intervenção do estado na economia e para que os argumentos populares de que é precisamente a recessão econômica que revela as insuficiências da economia de mercado e “prova” que é necessário que o estado intervenha mais na economia em todos os níveis para evitar que se reproduzam as crises e tornar óbvias as consequências. Assim, a recessão é o ambiente ideal para que surjam propostas de protecionismo comercial, intervenção nos mercados, aumento do déficit público e regulação da economia. Como sabemos, estas políticas intervencionistas não fazem mais do que prolongar e agravar a recessão, tornando mais difícil a necessária recuperação. Infelizmente, depois de a recuperação se iniciar timidamente, as pressões do público em favor de uma nova expansão de crédito são de tal forma fortes, que esta recomeça, dando origem à repetição de todo o processo. Como conclui Mises: “But the worst is that people are incorrigible. After a few years they embark anew upon credit expansion, and the old story repeats itself”.[58]
14
Influência das flutuações econÔmicas Na bolsa de valores
A bolsa de valores é o mercado onde se trocam títulos de valores mobiliários representativos de empréstimos realizados às empresas. Os títulos de valores mobiliários são, assim, a encarnação jurídica das participações nas operações de concessão de bens presentes, por parte dos poupadores ou capitalistas, a quem procura bens presentes e está disposto a utilizá-los nos processos produtivos, em troca de entregar aos poupadores ou prestamistas uma quantidade superior de bens futuros. Estes valores mobiliários podem assumir um conjunto variado de formas e ter naturezas jurídicas muito distintas, podendo se tratar de ações, obrigações, etc. Em todo o caso, a existência de um mercado de valores proporciona a grande vantagem de facilitar as trocas de propriedade desses títulos e, portanto, da propriedade dos correspondentes bens de capital que representam de forma fracionária. Outra vantagem importante do mercado de valores é permitir obter uma rápida liquidez no caso de os proprietários dos títulos desejarem se libertar deles.[59] Além disso, torna possível o investimento temporário dos excessos de caixa que os agentes econômicos acreditam possuir. Graças ao mercado de valores, podem investir na compra de títulos que, embora representem e se consubstanciem em investimentos a longo prazo, podem ser conservados durante prazos mais curtos e ser vendidos a qualquer momento.[60]
Numa economia em crescimento são e sustentado, o fluxo de poupança voluntária chega à estrutura produtiva de duas formas: por intermédio do auto-financiamento das empresas, ou por meio do mercado de valores mobiliários (também chamado “de capitais”.) Não obstante, a chegada da poupança através do mercado de valores efetua-se de forma lenta e gradual, não envolvendo booms ou euforias das bolsas.[61]
Só existe um crescimento geral contínuo e significativo, quando o setor bancário inicia uma política de expansão de crédito sem cobertura de um aumento prévio da poupança voluntária. De fato, a criação de moeda nova em forma de créditos bancários chega imediatamente à bolsa de valores e inicia um movimento puramente especulativo de subida das quotizações, que, em geral, afeta, em maior ou menor grau, a maioria dos títulos e pode continuar a subir enquanto a expansão de crédito se mantiver a um ritmo acelerado. Na verdade, a expansão de crédito não só causa uma significativa diminuição artificial relativa das taxas de juro, com o efeito de subida que exerce sempre sobre as quotizações bolsistas, como permite que os títulos de valores mobiliários cujo preço não deixa de subir sejam utilizados como colateral para solicitar novos empréstimos, num círculo vicioso alimentado pelos contínuos aumentos especulativos da bolsa, que não acaba enquanto a expansão de crédito se mantiver. Como explica Fritz Machlup:
If it were not for the elasticity of bank credit, which has often been regarded as such a good thing, the boom in security values could not last for any length of time. In the absence of inflationary credit the funds available for lending to the public for security purchases would soon be exhausted.[62]
Assim, e está é talvez uma das conclusões mais importantes a que podemos chegar, nenhuma etapa de auge ininterrupto na bolsa de valores indica que as circunstâncias econômicas são favoráveis, antes pelo contrário: esse auge é a manifestação mais inequívoca de que se está a verificar uma expansão de crédito sem cobertura de poupança real que alimenta um boom artificial, que acabará inexoravelmente por desembocar numa grave crise na bolsa.
Por outro lado, como demonstrou Hayek, se forem consideradas um acréscimo de riqueza pelos agentes econômicos e despendidas na compra de bens e serviços de consumo, as significativas mais-valias ou receitas de capital obtidas na bolsa durante a etapa de expansão implicam um consumo substancial do escasso estoque de capital, que, em última instância, acabará por empobrecer a sociedade.[63]
Mesmo quando, do ponto de vista analítico, são muito claros os processos que tendem a reverter os projetos de investimento empreendidos erroneamente como consequência da expansão de crédito, é impossível saber a priori em que momento e em que circunstâncias específicas se tornará evidente no mercado bolsista que a expansão é artificial, acabando por desencadear uma crise das bolsas. O que podemos afirmar com segurança é que a bolsa de valores será o primeiro indicador a mostrar que a expansão é artificial e “tem pés de barro”, havendo a forte possibilidade de um elemento mínimo desencadeador dar origem a um crash na bolsa.[64] Este crash surgirá logo que os agentes econômicos percam a confiança na continuidade do processo de expansão e percebam que a expansão de crédito se abranda ou detém. Em síntese, assim que se convençam de que os efeitos da crise e recessão aparecerão num futuro não muito distante. A partir desse momento, o mercado bolsista está sentenciado.
Os primeiros sintomas da crise na bolsa assustam seriamente os políticos, responsáveis econômicos e público em geral, sendo comum o aparecimento de um alarido geral em favor de uma nova expansão de crédito no grau necessário para manter e consolidar os altos índices nas bolsas. Pensam, erradamente, que o nível elevado de preços alcançado pelos títulos de valores é um sinal da boa “saúde” da economia e que, logo, deve se fazer o possível para evitar o colapso da bolsa.[65] De fato, nem o público nem a maioria dos especialistas[66] querem entender que a queda da bolsa é o primeiro aviso da inevitabilidade da crise e que os índices das bolsas não podem se manter inalterados, a não ser por novas doses de crédito, que serviriam apenas para atrasar a crise e tornar a recessão muito mais grave.
Depois da crise na bolsa, o mercado de valores atua também como um indicador de sua evolução. Assim,ceteris paribus, os índices correspondentes aos títulos representativos das empresas que exercem atividade nas etapas mais afastadas do consumo sofrem mais violentamente a queda de quotizações do que as correspondentes empresas de bens e serviços de consumo. Esta é a constatação na bolsa de que os maiores erros empresariais foram cometidos nas etapas mais intensivas em capital e de que é preciso liquidá-los, salvar o que for possível e transferir os recursos e fatores de produção originais correspondentes para empresas mais próximas do consumo.
Uma vez iniciado o processo de recessão, a letargia da bolsa manter-se-á durante o processo de reajustamento, indicando não só que este processo está ainda em vigor, mas também que as taxas de juro de mercado subiram para o nível que tinham na etapa anterior ao início da expansão de crédito (ou até, como já sabemos, para um nível superior, se, como é comum, incluírem um prêmio adicional por risco e inflação).[67] De qualquer forma, a letargia bolsista manter-se-á enquanto o reajustamento durar, podendo manter-se indefinidamente se o reajustamento não for terminado devido à contínua concessão de novos créditos a empresas afetadas num ambiente de mercados de trabalho e outros com muita intervenção e rígidos (caso da economia japonesa entre 1995 e 2001).
Quando o reajustamento tiver terminado, a recuperação pode começar, se os agentes econômicos recuperarem a confiança e voltarem a aumentar a sua taxa de poupança voluntária. Neste caso, o preço dos bens e serviços de consumo tenderá a diminuir em relação aos salários e rendimentos dos fatores de produção originais, o que determinará a ativação do “Efeito Ricardo”. Volta, assim, a ser interessante iniciar novos projetos de investimento para alongar e alargar as etapas da estrutura produtiva mais intensivas em capital. Este aumento da poupança levará a uma subida do preço dos títulos de valores mobiliários, que será um sinal do início da recuperação e de novos processos de investimento em bens de capital. Não obstante, o crescimento dos índices na bolsa não voltará a ser espectacular enquanto não se reinicie uma nova expansão de crédito.[68]
Embora existam muitas outras considerações complementares que poderiam ser feitas em relação à evolução do mercado de valores durante o ciclo econômico, a ideia mais importante é que, em geral, nenhum aumento significativo e continuado do preço dos títulos de valores mobiliários pode ser explicado por uma melhoria das condições da produção nem por um aumento da poupança voluntária. Esse aumento só pode ser mantido indefinidamente graças ao crescimento inflacionário da expansão de crédito. A melhoria sustentada da economia e o aumento da poupança voluntária trazem uma maior afluência monetária ao mercado de valores. No entanto, este influxo é gradual e rapidamente absorvido pelos novos de títulos emitidos pelas empresas que pretendem financiar os seus novos projectos de investimento. Apenas um crescimento continuado e desproporcionado da oferta monetária em forma de expansão de crédito pode alimentar o fogo especulativo que caracteriza todo o boom bolsista.[69]
15
EFEITOS DO CICLO ECONÔMICO SOBRE O SETOR BANCÁRIO
Ao chegarmos a este ponto da análise, não deverá ser difícil compreender quais são os efeitos e as relações existentes entre o ciclo econômico e o setor bancário. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o ciclo econômico tem origem na expansão de crédito realizada pelo setor bancário graças ao privilégio jurídico que ostenta de poder efetuar contratos de depósito de dinheiro à vista com um coeficiente de reserva fracionário. Além disso, no capítulo IV verificamos que esse privilégio explica a tendência para a concentração bancária, uma vez que quanto maior for o tamanho relativo do banco no mercado, maiores são as suas possibilidades de expansão de crédito sem se ver limitado pela câmara de compensação interbancária. Acresce que a concentração bancária possibilita uma melhor “gestão” de reservas fracionárias de caixa, o que permite fazer frente a levantamentos normais com saldos de caixa centrais mais baixos.
No entanto, no capítulo V, vimos que o processo de expansão de crédito provoca uma inevitável crise e consequente etapa de reajustamento, durante a qual uma parte significativa do ativo contábil dos bancos se evapora, num período em que, além do mais, se verifica um aumento generalizado da demanda de moeda e do levantamento de depósitos. Assim se explica que os banqueiros tenham forçado a criação do denominado “banco central”, uma instituição pública concebida basicamente para atuar como prestamista de última instância nas etapas de recessão econômica mais perigosas para eles. Além disso, as dificuldades e angústias sofridas pelos banqueiros como consequência do descumprimento e do levantamento de depósitos na etapa de reajustamento e recessão econômica reforçam, ainda mais, se possível, a tendência para a concentração bancária. De fato, desta forma podem dar um tratamento mais uniforme ao crédito malparado e conseguir obter economias de escala significativas na gestão do descumprimento e evitar cair na situação marginalmente mais insolvente do setor, por ter uma percentagem de créditos malparados mais elevada e/ou uma menor confiança do público.
Daqui concluimos que há uma tendência endógena para o exercício privilegiado da atividade bancária com reserva fracionária que leva à concentração bancária e a que os bancos desenvolvam e mantenham estreitas relações com o banco central, a única instituição que pode assegurar a sobrevivência nos momentos de crise, que eles próprios provocam regular e recorrentemente. Além disso, o banco central dirige, orquestra e organiza a expansão de crédito, assegurando que os bancos façam a expansão mais ou menos em uníssono e que nenhum deles se afaste demasiado do ritmo estabelecido.
16
MARX, HAYEK E A VISÃO DAS CRISES ECONÔMICAS COMO ALGO INERENTE À ECONOMIA DE MERCADO
Interessa notar que, na análise das realidades econômicas do sistema capitalista, Marx centra-se, basicamente, no estudo dos desequilíbrios e desajustamentos que ocorrem no mercado. Isto explica que a teoria marxista seja, antes de mais, uma teoria do desequilíbrio do mercado que, por vezes, chega a ter coincidências notáveis com a análise dinâmica dos processos de mercado desenvolvida pelos economistas da Escola Austríaca, em geral, e pelos próprios Mises e Hayek, em particular. Uma das questões mais curiosas em que se verifica uma certa coincidência tem precisamente que ver com a teoria das crises e recessões que regularmente assolam o sistema capitalista. Desta forma, importa salientar que autores de tradição marxista, como o ucraniano Mijail Tugan-Baranovsky (1865-1919), chegaram à conclusão de que as crises econômicas são causadas por uma tendência para a falta de proporcionalidade entre os diversos ramos de produção, que, na sua opinião, é inerente ao sistema capitalista.[70] Para Baranovsky, a crise acontece porque:
a distribuição da produção deixa de ser proporcional: as máquinas, os utensílios, as telhas e as madeiras usadas na construção são menos solicitadas do que antes, uma vez que as novas empresas não são tão numerosas. No entanto, os produtores dos meios de produção não podem retirar o capital das empresas e, por outro lado, a importância do capital comprometido na forma de edifícios, máquinas, etc., obriga a que se continue a produzir (de outra forma, o capital inativo não geraria juros). Há, portanto, excesso de produção nos meios de produção”.[71]
Como se pode verificar, parte do raciocínio econômico que subjaz esta análise é muito semelhante ao da teoria austríaca do ciclo econômico. Na verdade, o próprio Hayek cita Tugan-Baranovsky como um dos precursores da teoria dos ciclos que apresenta em Prices and Production.[72]
Interessa ainda salientar que houve uma fase em que o próprio Hayek chegou a pensar, tal como Marx, que as crises econômicas eram algo endógeno e inerente ao sistema econômico. Concretamente, Hayek afirmou que as crises econômicas surgem:
from the very nature of the modern organization of credit. So long as we make use of bank credit as a means of furthering economic development we shall have to put up with the resulting trade cycles. They are, in a sense, the price we pay for a speed of development exceeding that which people would voluntarily make possible through their savings, and which therefore has to be extorted from them. And even if it is a mistake —as the recurrence of crises would demonstrate— to suppose that we can, in this way, overcome all obstacles standing in the way of progress, it is at least conceivable that the non-economic factors of progress, such as technical and commercial knowledge, are thereby benefitted in a way which we should be reluctant to forgo.[73]
Esta tese inicial de Hayek, como já referimos, em parte coincidente com a de Marx, só seria correta se a própria teoria austríaca dos ciclos não tivesse demonstrado que as crises econômicas provocam graves prejuízos na estrutura produtiva e um consumo generalizado do capital acumulado muito lesivos para o desenvolvimento econômico harmonioso da sociedade. Além disso, e ainda mais importante, a análise teórica, jurídica e econômica que desenvolvemos neste livro demonstra que as crises econômicas não são um resultado inevitável da economia de mercado, mas, pelo contrário, resultam do fato de os governos terem concedido um privilégio aos bancos que, no que toca ao depósito à vista, lhes permite atuar à margem dos princípios tradicionais do direito de propriedade, que são princípios vitais para a economia de mercado. Assim, a causa da expansão de crédito e dos ciclos econômicos é a violação forçada institucionalmente do direito de propriedade no âmbito concreto do contrato de depósito bancário de dinheiro. Por isso, não se pode considerar, de forma alguma, que as crises sejam inerentes ao sistema capitalista ou que surjam de forma inevitável numa economia de mercado submetida, sem qualquer tipo de privilégios, aos princípios gerais do Direito que constituem o seu quadro jurídico de atuação essencial.
Poderíamos acrescentar uma segunda ligação entre o marxismo e a teoria austríaca dos ciclos. De fato, se há ideologia que tenha justificado e estimulado a luta de classes, alimentando a crença popular de que é necessário regular e intervir fortemente nos mercados de trabalho para “proteger” o trabalhador da capacidade de exploração do empresário, essa teoria foi, precisamente, a ideologia marxista. Desta forma, o marxismo — talvez sem o pretender deliberadamente[74] — desempenhou um papel de destaque na justificação e no fomento da rigidez dos mercados de trabalho e, logo, no prolongamento dos dolorosos processos de reajustamento que inevitavelmente seguem todas as etapas de expansão de crédito bancário. Como sabemos, se os mercados de trabalho fossem muito mais flexíveis, o que só será politicamente possível quando a população geral notar do prejuízo que a regulação trabalhista acarreta, os necessários processos de reajustamento posteriores e a expansão de crédito seriam muito menos duradouros e dolorosos.
Por último, existe uma possível terceira ligação entre a teoria austríaca dos ciclos e o marxismo: a tão celebrada (por muitos autores) ausência de crises econômicas nos sistemas de “socialismo real”. Contudo, o argumento da ausência de crises econômicas nos sistemas em que não existe propriedade privada dos meios de produção e em que a coordenação de todos os processos econômicos é realizada de cima para baixo mediante um plano coercivo e deliberadamente imposto pelo poderes públicos não tem fundamento. Recorde-se que, numa economia de mercado, a depressão aparece precisamente porque, devido à expansão de crédito, a estrutura produtiva é diferente da que os consumidores desejariam manter voluntariamente a médio e longo prazo. Por isso, onde quer que os consumidores não tenham a liberdade de escolha e a estrutura produtiva seja imposta de cima, a questão não é que não possa haver etapas sucessivas de auge e recessão, mas que podemos considerar, com todo o fundamento teórico, que tais economias se encontram contínua e permanentemente numa situação de crise e recessão, uma vez que a estrutura produtiva chega como uma imposição superior, diferente da desejada pelos cidadãos, sendo teoricamente impossível que o sistema seja capaz de sair do desajustamento e da descoordenação.[75] Desta forma, argumentar que uma economia de socialismo real tem a vantagem de eliminar as crises econômicas é o mesmo que afirmar que a vantagem de estar morto é não poder contrair doenças.[76] Efetivamente, quando depois da queda dos regimes de socialismo real da Europa Oriental, os consumidores voltaram a ter a oportunidade de estabelecer uma estrutura produtiva mais consonante com os próprios anseios, imediatamente se tornou evidente que os erros de investimento cometidos no passado eram de tal escala e magnitude, que o processo de reajustamento se tornou muito mais profundo, duradouro e doloroso do que é comum na etapa de recessão de uma economia de mercado. Ficou demonstrado que a maior parte da estrutura de bens de capital que existia nas economias socialistas era completamente inútil tendo em conta os objetivos e as necessidades de uma economia moderna. Em síntese, podemos considerar que o socialismo provoca um mau investimento generalizado, intenso e crônico dos fatores produtivos e dos bens de capital da sociedade; muito pior até do que o provocado pela expansão de crédito. Assim, podemos concluir que o “socialismo real” está imerso numa profunda “depressão crônica” ou, se preferirmos, numa constante situação de mau investimento dos recursos produtivos, que é um fenômeno que, na verdade, tem se manifestado até com características cíclicas de agravamento recorrente e que foi estudado aprofundadamente por diversos teóricos das antigas economias da Europa Oriental.[77]
As graves dificuldades econômicas sentidas pelas economias dos antigos países do socialismo real são a consequência de muitos decênios de erros econômicos cometidos num ritmo e intensidade muito maiores do que os que têm sido cometidos no Ocidente devido à expansão de crédito do sistema bancário e à política seguida pelas autoridades monetárias.
17
Duas Considerações Complementares
A expansão de crédito foi, em diversas circunstâncias, utilizada como instrumento de ajuda para o financiamento do déficit nacional. Isto pode ser feito pela instrução dada aos bancos no sentido de adquirir títulos de dívida pública como parte da expansão de crédito que geram, ou tornando o estado devedor direto dos bancos. Nestes casos, embora tecnicamente estejamos diante de exemplos de expansão de crédito, esta não incide diretamente no mercado de empréstimos, atuando antes como um substituto perfeito da criação de moeda. De fato, a expansão de crédito equivale à mera criação de moeda para financiar o déficit público e tem as consequências tradicionais de todo o processo inflacionário: um primeiro efeito de redistribuição do rendimento é idêntico ao que acontece em qualquer processo inflacionário; e um segundo efeito da distorção da estrutura produtiva, já que o estado financia gastos e obras públicas que modificam temporariamente a estrutura produtiva, posteriormente a estrutura não consegue ser mantida de forma permanente pelas despesas correntes dos agentes econômicos da sociedade em bens e serviços de consumo. Em todo o caso, é necessário distinguir a expansão de crédito propriamente dita, que causa oboom artificial e os ciclos, da mera criação de moeda nova que se coloca nas mãos dos estado e cujos efeitos são os típicos do imposto inflacionário.[78]
A segunda consideração final relaciona-se com o aspecto internacional dos ciclos econômicos. Habitualmente, economias tão integradas internacionalmente, como são as economias modernas, iniciam os processos de expansão de crédito simultaneamente, sendo que os efeitos rapidamente se alastram a todos os mercados do mundo. Enquanto o padrão-ouro prevaleceu, existia um limite automático para a capacidade de expansão de crédito que podia ser realizada em cada país e que era determinado pelas inexoráveis saídas de ouro das economias relativamente mais inflacionistas. Com o abandono do padrão-ouro, o advento das taxas de câmbio flexíveis e o triunfo do nacionalismo monetário, cada pais pôde iniciar livremente políticas de expansão de crédito, principiando-se assim uma concorrência inflacionária de “todos contra todos”. Só uma área econômica muito ampla e integrada de várias nações que tenham renunciado à expansão de crédito e que mantenham entre si taxas de câmbio fixas poderá se libertar, em termos relativos (e não completamente), dos efeitos negativos de uma expansão de crédito geral que tenha sido iniciada além de suas fronteiras. No entanto, o efeitos da inflação poderão, ainda assim, ser sentidos dentro dessa área, caso não se estabeleça uma taxa de câmbio flexível com o restante das moedas que fora dela sofrem um processo de expansão monetária. É verdade que as taxas de câmbio atuam como um (imperfeito) substituto dos limites que o padrão-ouro estabelecia a cada país para, de forma independente, expandir a oferta monetária em forma de créditos. Contudo, não existe incompatibilidade no modo como o efeito negativo de uma expansão externa sobre as nações que mantenham políticas monetárias mais prudentes só possa ser minorado pela definição de taxas de câmbio flexíveis.
De qualquer forma, a eliminação definitiva das crises econômicas exigirá uma reforma a nível mundial do sistema monetário, cujas principais linhas se apresentam no nono e último capítulo deste livro.
18
A TEORIA DOS CICLOS E A EVIDÊNCIA EMPÍRICA
Nesta seção vamos analisar a forma como a teoria do ciclo econômico que apresentamos nas seções anteriores se encaixa na história dos fatos econômicos. Trata-se de perceber se a análise teórica realizada proporciona ou não um esquema interpretativo adequado dos fenômenos de auge e recessão sofridos ao longo da história e que continuam a ocorrer. Vamos analisar, pois, de que forma os eventos históricos , quer os mais distantes quer os mais próximos, ilustram ou encaixam na teoria que desenvolvemos.
No entanto, é necessário começar com uma palavra de cautela em relação à interpretação histórica dos ciclos econômicos. Isto porque, ao contrário do assumido pela escola “positivista”, não consideramos que a evidência empírica seja suficiente, por si só, para confirmar ou refutar uma teoria científica no campo da economia. Acabamos de afirmar, de forma deliberada, que o nosso objetivo é analisar a forma como muitos eventos históricos “ilustram” ou “encaixam” nas conclusões teóricas alcançadas na presente análise, mas não que o objetivo seja fazer uma constatação empírica que permita falsificar, confirmar, verificar ou demonstrar a sua validade. Com efeito, embora este não seja o lugar apropriado para reproduzir toda a análise crítica sobre as insuficiências lógicas da “metodologia positivista”,[79] é evidente que a experiência do mundo social é sempre uma experiência de tipo “histórico”, ou seja, que se refere a eventos muito complexos nos quais intervém um sem número de “variáveis” que não podem ser observados diretamente, mas apenas interpretados à luz de uma determinada teoria. Além disso, tanto os fatos, com a sua infinita complexidade, como a estrutura específica dos mesmos, variam de uma situação para outra, de modo que, embora possa considerar-se que as forças típicas subjacentes de maior importância sejam as mesmas, a sua especificidade histórica varia muito de um caso particular para outro.
A seleção e interpretação dos fatos históricos variará de acordo com a teoria do ciclo usada, pelo que a definição prévia de teorias corretas, por intermédio de procedimentos diferentes dos positivistas, que permitam interpretar a realidade de forma adequada assume particular importância. Assim, não existe uma evidência historicamente irrefutável, nem, tão-pouco, que permita confirmar ou anular uma teoria. Por isso, é preciso muita prudência e humildade na tentativa de corroborar empiricamente uma teoria. No máximo, podemos nos conformar com a elaboração de uma teoria logicamente coerente, tão livre quanto possível dos vícios lógicos na respectiva cadeia de raciocínios analíticos e fundamentada nos princípios essenciais da atuação humana (“subjetivismo”). Com esta teoria ao nosso dispor, o passo seguinte será verificar até que ponto encaixa nos fatos históricos e nos permite interpretar de forma mais geral, ajustada e correta do que outras teorias alternativas o que acontece na realidade.
Estas considerações são especialmente relevantes para a teoria dos ciclos econômicos. Assim, como demonstrou F. A. Hayek, a atitude “cientista” que até agora foi preponderante na Ciência Econômica fez com que só fossem consideradas as teorias econômicas formuladas em termos empíricos e referentes a magnitudes mensuráveis. Como diz Hayek:
It can hardly be denied that such a demand quite arbitrarily limits the facts which are to be admitted as possible causes of the events which occur in the real world. This view, which is often quite naively accepted as required by scientific procedure, has some rather paradoxical consequences. We know, of course, with regard to the market and similar social structures, a great many facts which we cannot measure and on which indeed we have only some very imprecise and general information. And because the effects of these facts in any particular instance cannot be confirmed by quantitative evidence, they are simply disregarded by those sworn to admit only what they regard as scientific evidence: they thereupon happily proceed on the fiction that the fators which they can measure are the only ones that are relevant. The correlation between aggregate demand and total employment, for instance, may only be approximate, but as it is the only one on which we have quantitative data, it is accepted as the only causal connection that counts. On this standard there may thus well exist better “scientific” evidence for a false theory, which will be accepted because it is more “scientific,” than for a valid explanation, which is rejected because there is no sufficient quantitative evidence for it.[80]
Tendo em conta as advertências e considerações anteriores, nesta seção, veremos como o conhecimento dos dados históricos de que dispomos em relação aos ciclos de auge e recessão ocorridos no passado encaixa perfeitamente com a teoria dos ciclos que apresentamos. Da mesma forma, no final da seção faremos uma resenha dos estudos efetuados para testar empiricamente a teoria austríaca dos ciclos econômicos.
Os ciclos econômicos antes da Revolução Industrial
a) É impossível apresentar aqui um tratamento (mesmo que reduzido) de todos os ciclos de auge e depressão que afetaram as economias do mundo antes da Revolução Industrial. Contudo, temos a sorte de dispor de um conjunto cada vez maior de trabalhos sobre história econômica que lançam luz sobre a aplicação da teoria dos ciclos econômicos a eventos econômicos concretos do passado. Assim, importa referir, em primeiro lugar, os trabalhos de Carlo M. Cipolla sobre as crises ocorridas na economia florentina em meados do século XIV e no século XVI, que já citamos no capítulo II deste livro.[81] De fato, vimos que Cipolla, seguindo os estudos de R. C. Mueller,[82] documentou a forma como os bancos de Florença expandiram significativamente o crédito desde o início do século XIV,[83] gerando um substancial boom econômico que fez de Florença o centro da atividade financeira e comercial do Mediterrâneo. No entanto, houve uma série de acontecimentos, como foram a bancarrota inglesa, a retirada de fundos em Nápoles e o crash dos títulos de dívida pública de Florença, que atuaram como desencadeadores específicos do começo da inevitável crise, que se manifestou com a falência generalizada dos bancos e uma forte contração do crédito no mercado (ou como se chamava então, mancamento della credenza). Cipolla diz que, como consequência da crise, um grande volume de riqueza ficou destruído, tendo os preços das propriedades imobiliárias, que haviam subido de forma exagerada, descido para 50% do valor anterior, não sendo possível, mesmo com tal descida, encontrar compradores facilmente. Por fim, o autor confirma que foi preciso esperar 30 anos (de 1349 a 1379) para o início da recuperação. Na opinião de Cipolla, o desastre da peste desempenhou um papel fundamental neste processo, pois:
quebrou o círculo vicioso da deflação que há muitos anos afogava a economia florentina. Com a redução drástica do número de habitantes, a disponibilidade média de moeda per capita aumentou proporcionalmente. Além disso, os que sobreviveram à peste gastaram o dinheiro em profusão. Por conseguinte, os preços e os salários aumentaram.[84]
No capítulo II, já tivemos a oportunidade de nos referir de forma crítica à utilização da teoria monetarista subjacente à interpretação dos processos monetários florentinos por parte de Cipolla.
b) A segunda crise econômica estudada aprofundadamente por Cipolla é também plenamente explicável em termos da teoria austríaca do ciclo econômico. É a expansão de crédito realizada na segunda metade do século XVI em Florença. Concretamente, Cipolla explica que:
Os diretores do banco de Ricci usaram os fundos públicos como base monetária para uma política expansionista de crédito. propiciada pela situação europeia, onde o crédito concedido por intermédio de letras de câmbio tinha entrado numa longa fase de crescimento febril, cada vez mais desvinculado das operações comerciais. A política de expansão de crédito do banco de Ricci, que dominava a praça florentina, deve ter arrastado os demais bancos para o mesmo caminho.[85]
Cipolla refere que, durante os anos 1560, Florença experimentou um elevado nível de atividade econômica estimulada pela euforia do crédito. No entanto, no início dos anos 1570, a situação desembocou numa grave crise de liquidez de todo o sistema bancário. Numa pitoresca expressão dos cronistas, os banqueiros “só pagavam com tinta”. A crise foi se agravando gradualmente até ao momento em que estourou com toda a violência em meados dos anos 1570, altura em que a cidade sofreu uma “grande escassez de moeda” (deflação) e uma contracção de crédito. Cipolla afirma que:
de imediato, o multiplicador de crédito começou a funcionar de um modo perverso: ao reverso. O mercado de Florença imergiu numa crise de liquidez do sistema bancário e de restrição do crédito, que teve uma gravidade excepcional, tanto pela sua intensidade como pela sua duração. Nas páginas dos cronistas, nas cartas dos mercadores e nos éditos da época há constantes e angustiadas referencias à “escassez” créditícia e monetária do mercado, aos bancos que não “contavam”, à falta de moeda para pagar aos operários aos sábados.”[86]
Assim, a expansão de crédito e a euforia econômica foram seguidas de uma depressão que fez com que o comércio decaísse rapidamente e que as falências fossem frequentes. A partir dessa altura, a economia florentina entrou num longo período de decadência.
c) Também no capítulo II deste livro, referimos outros procedimentos de expansão de crédito que inevitavelmente provocaram crises econômicas, como foi o caso da iniciada pelo banco dos Médicis em Veneza, banco este que acabou por falir em 1494. Estudamos, ainda, seguindo Ramón Carande, os processos de expansão e falência bancária que afetaram os banqueiros da praça de Sevilha na época de Carlos V. Além disso, considerámos a grande depressão provocada pela expansão especulativa e financeira criada por John Law na França no início do século XVIII e que foi profundamente analisada por vários autores, entre os quais se conta o próprio Hayek.[87]
Os ciclos econômicos a partir da Revolução Industrial
A partir das guerras napoleônicas, com o início da Revolução Industrial e a generalização do sistema bancário baseado na reserva fracionária, os ciclos econômicos começam a reproduzir-se com uma grande regularidade, adquirindo os traços típicos mais significativos estabelecidos pela teoria que apresentamos. A seguir, comentaremos brevemente as datas e características dos ciclos mais importantes ocorridos desde o início do século XIX.
- O pânico de 1819. — Afetou especialmente os Estados Unidos e foi estudado, sobretudo, por Murray N. Rothbard num livro já clássico sobre a matéria. O pânico foi precedido de uma expansão de crédito e da oferta monetária, quer na forma de notas de banco quer em forma de depósitos, ambos sem cobertura de poupança real. Neste processo, o recém-criado Banco dos Estados Unidos teve um papel fundamental. Produziu uma grande expansão econômica artificial, bruscamente interrompida em 1819, quando o referido banco deixou de expandir o crédito e reclamou o pagamento das notas emitidas por outros bancos e que tinha em seu poder. Mais tarde, surgiu a típica contração do crédito e uma extensa e profunda depressão econômica que deteve os projetos de investimento iniciados durante o boom e aumentou o desemprego.[88]
- A crise de 1825. — Foi uma crise essencialmente inglesa. Caracterizou-se por uma significativa expansão de crédito que financiou um alongamento da etapas mais afastadas do consumo por meio, basicamente, de investimentos nas primeiras estradas de ferro e no desenvolvimento da indústria têxtil. Em 1825, surgiu a crise, que deu lugar a uma depressão que se prolongou até 1832.
- A crise de 1836. — Os bancos voltam a expandir o crédito e inicia-se um boom em que se multiplicam as sociedades dedicadas às atividades bancárias e as sociedades por ações. Os novos créditos financiam as estradas de ferro, a siderurgia e o carvão, desenvolvendo-se a máquina a vapor como nova fonte de energia. No início de 1836, os preços começam a subir de forma vertiginosa. A crise para quando os bancos decidem deixar de aumentar os créditos em face da perda crescente de reservas de ouro, que saem do país, sobretudo em direção aos Estados Unidos. A partir desse mesmo ano, os preços caem e os bancos abrem falência ou suspendem os pagamentos, iniciando-se uma profunda recessão que dura até 1840.
- A crise de 1847. — A partir de 1840, reinicia-se a expansão de crédito no Reino Unido, estendendo-se também à França e aos Estados Unidos. São construídos milhares de quilômetros de caminhos-de-ferro e a bolsa inicia um crescimento implacável que beneficia, sobretudo, as ações das empresas de estradas de ferro. Começa assim um movimento especulativo que dura até 1846, altura em que se desencadeia a crise econômica na Grã-Bretanha.
Assinalemos que no dia 19 de julho de 1844 a Inglaterra tinha adotado, sob os auspícios de Peel, o Bank Act, que representava o triunfo da escola monetária de Ricardo (Currency School) e que proibiu a emissão de notas que não tivessem cobertura de 100% em ouro. No entanto, esta provisão não se aplicava aos depósitos e créditos, cujo volume se multiplicou por cinco em dois anos apenas, o que explica a expansão da especulação e a gravidade da crise ocorrida a partir de 1846. A depressão estende-se ainda à França e o preços das ações das companhias de estradas de ferro baixam vertiginosamente nas diferentes bolsas. Em geral, os lucros baixam, especialmente os das indústrias mais intensivas em capital, agravando-se o desemprego, sobretudo no setor da construção de estradas de ferro. É neste contexto histórico que deve ser inserida a revolução, de tipo claramente operário e socialista, ocorrida na França em 1848.
- O pânico de 1857. — A estrutura é semelhante aos anteriores. Tem origem num auge prévio que dura cinco anos, de 1852 a 1857, e que é baseado numa expansão generalizada de crédito que afeta todo o mundo. Os preços, os lucros e os salários nominais sobem, ao mesmo tempo que se verifica uma alta na bolsa que favorece especialmente as sociedades mineiras e as sociedades construtoras de estradas de ferro (as indústrias mais intensivas em capital que existiam na época). Além disso, a especulação generalizou-se. Os primeiros sinais do fim do auge aparecem quando os lucros das minas e das linhas de estradas de ferro começam a baixar (etapas mais afastadas do consumo); e o aumento dos custos de produção debilita ainda mais os lucros. Mais tarde, as indústrias de carvão e de siderurgia recebem o impato da desaceleração, iniciando-se a crise, que se propaga rapidamente e dá lugar a uma depressão de âmbito mundial. 22 de agosto de 1857 é o dia de verdadeiro pânico em Nova York e muitos bancos suspendem as operações.
- A crise de 1866. — A etapa de expansão começa em 1861, e nela assume papel de destaque o desenvolvimento dos bancos na Inglaterra e da expansão de crédito iniciada pelo Crédit Foncier de France. As consequências da expansão são a subida dos preços dos bens de produção, da construção e das indústrias relacionadas com o algodão. A expansão continua de forma acelerada até ao aparecimento do pânico de 1866, devido a um conjunto de espectaculares falências, das quais se destaca a da casa Overend Gurney de Londres. Nesta altura, e tal como tinha acontecido em 1847 e 1857, o Bank Act de Peel é temporariamente suspendido, com o objetivo de injetar liquidez e defender as reservas de ouro do Banco de Inglaterra. Na França, o primeiro banco de negócios, oCrédit Mobiliaire, abre falência. Inicia-se assim uma depressão que, como sempre, afeta especialmente o setor da construção de estradas de ferro. O desemprego alarga-se sobretudo às indústrias de bens de capital. Na Espanha, depois de uma forte expansão de crédito ocorrida entre 1859 e 1864, que fomentou um mau investimento generalizado, especialmente nas estradas de ferro, começou, a partir de 1864, uma recessão que alcançou o apogeu em 1866. Gabriel Tortella Casares estudou com profundidade e brilhantismo todo este processo e, embora algumas das conclusões tivessem de ser alteradas à luz da nossa teoria, os fatos apresentados nos seus trabalhos encaixam plenamente na mesma.[89]
- A crise de 1873. — A estrutura é também muito semelhante à das crises anteriores. A expansão inicia-se nos Estados Unidos, em razão das grandes despesas provocadas pela Guerra Civil. A rede ferroviária expande-se enormemente e a siderurgia sofre um grande desenvolvimento. A expansão estende-se ao resto do mundo e, na Europa, há um forte crescimento da especulação na bolsa, em que os valores do setor industrial sobem de forma vertiginosa. A crise estoura em primeiro lugar no continente em maio de 1873 e, depois do verão, nos Estados Unidos, quando a depressão já é evidente e se dá a falência de uma das grandes casas americanas, a Jay Cook & Co. Curiosamente, a França, que não tomou parte na expansão de crédito anterior, escapa a este pânico e à grave depressão subsequente.
- A crise de 1882. — A expansão de crédito reinicia-se a partir de 1878 nos Estados Unidos e na França. Na França, verifica-se um crescimento espectacular das emissões de valores industriais e é iniciado um ambicioso programa de obras públicas. Os bancos desempenham um papel muito ativo na atração da poupança familiar e na concessão multiplicada de empréstimos à indústria. A crise deflagra em 1882, aquando do crack da Union Générale. O Crédit Lyonnais esteve também na iminência de falir em face do levantamento em massa de depósitos (cerca de metade). Nos Estados Unidos, mais de 400 bancos, num total de 3.271, entram em falência e o desemprego se estende sobretudo às indústrias mais afastadas do consumo.
- A crise de 1890-1892. — A expansão de crédito estende-se por todo o mundo em forma de empréstimos que chegam, sobretudo, da América do Sul. O setor da construção naval e o setor das indústrias pesadas sofrem também um grande desenvolvimento. A crise começa em 1890, e a depressão dura até 1896. As tradicionais falências das empresas de estradas de ferro, a queda da bolsa, a crise da indústria metalúrgica e o desemprego surgem em força, como é comum em todos os anos de depressão posteriores a uma crise.
- A crise de 1907. — Mais uma vez, a partir de 1896, reinicia-se a expansão de crédito, que dura até 1907. Neste caso, os novos créditos criados do nada, são investidos em energia elétrica, no telefone, nos metrôs e na construção naval. As estradas de ferro deixam de desempenhar um papel motriz, sendo substituídas pela eletricidade. Além disso, pela primeira vez, a indústria química tira proveito dos créditos concedidos pelos bancos e aparecem os primeiros automóveis. Em 1907 chega a crise, que é particularmente severa nos Estados Unidos, sendo muito numerosas as falências de bancos.
Depois da crise de 1907, reinicia-se um novo auge, que termina em 1913 com uma crise de características muito semelhantes às anteriores. Por sua vez, esta crise é interrompida pela Primeira Guerra Mundial, que acaba por alterar a estrutura produtiva de praticamente todos os países do mundo.[90]
Os “felizes” anos 1920 e a Grande Depressão de 1929
Os anos posteriores à Primeira Guerra Mundial caracterizaram-se pela muito significativa expansão de crédito que se iniciou nos Estados Unidos. Esta expansão de crédito foi orquestrada pela recém-criada Reserva Federal (fundada em 1913) e baseou-se em programas de estabilização do valor da unidade monetária que, com o respaldo de teóricos como Irving Fischer e outros monetaristas, se tornaram muito populares a partir dessa época. Como os anos 1920 foram uma década de grande aumento da produtividade, na qual se introduziram muitas tecnologias novas e se acumulou uma grande quantidade de capital, a ausência desta expansão da oferta monetária em forma de créditos teria levado a uma diminuição substancial do preço dos bens e serviços de consumo e, por conseguinte, a um significativo aumento real (não nominal) dos salários reais. No entanto, a expansão de crédito fez com que os preços dos bens de consumo se mantivessem praticamente constantes ao longo de todo o período (ver seção 9 acima) e que os salários nominais não deixassem de aumentar.
Na sua notável história financeira e econômica deste período dos Estados Unidos, Benjamin M. Anderson explica detalhadamente o volume de expansão de crédito criado pelo sistema bancário. Em pouco mais de cinco anos, os créditos criados do nada pelo sistema bancário passaram de 33 milhões de dólares a mais de 47 milhões. Anderson afirma expressamente que: “between the middle of 1922 and April 1928, without need, without justification, lightheartedly, irresponsibly, we expanded bank credit by more than twice as much; in the years which followed we paid a terrible price for this”.[91]
Por seu lado, Murray N. Rothbard, calculou que a oferta monetária cresceu nos Estados Unidos de 37 bilhões de dólares em 1921 para mais de 55 bilhões em janeiro de 1929.[92] Estes valores são muito semelhantes aos estimados por Milton Friedman e Anna J. Schwartz, para quem a oferta monetária passou de mais de 39 bilhões de dólares em janeiro de 1921 para 57 bilhões em outubro de 1929.[93]
O próprio F. A. Hayek foi uma testemunha qualificada da política de expansão de crédito seguida pela Reserva Federal durante os anos 1920. De fato, entre 1923 e 1924, Hayek dedicou quinze meses a estudar in situ a política monetária da Reserva Federal dos Estados Unidos, tendo, então, escrito um artigo sobre a política monetária americana depois da crise de 1920.[94] Neste artigo, Hayek analisa criticamente o objetivo da Reserva Federal, afirmando que: “any rise in the index by a definite percentage is immediately to be met with a rise in the discount rate or other restrictions on credit, and every fall in the general price level by a reduction of the discount rate.”[95] Hayek assinala que a proposta de estabilizar o nível geral de preços teve origem em Irving Fischer, nos Estados Unidos, e em J. M. Keynes e Ralph Hawtrey, na Inglaterra, e que foi duramente criticada por diversos economistas, encabeçados por Benjamin M. Anderson. A objeção teórica fundamental de Hayek em relação ao projeto de estabilização é o fato de, num ambiente de diminuição do nível geral de preços, este projeto se materializar numa expansão de crédito que, forçosamente, provocará um boom, uma má distribuição de recursos na estrutura produtiva e, mais tarde, uma profunda depressão, como, de fato, já aconteceu.
De fato, o objetivo de estabilidade do nível geral dos preços dos bens de consumo foi quase conseguido ao longo dos anos 1920, à custa de uma elevada expansão de crédito. Isto provocou um boom, que, tal como previsto na teoria, afetou sobretudo as indústrias de bens de capital. Assim, o preço em bolsa dos títulos de valores quadruplicou e, enquanto a produção de bens de consumo corrente aumentou ao longo do período em cerca de 60%, a produção de bens de consumo duradouro, ferro, aço e outros bens de capital fixo, aumentou 160%.[96]
Outra ilustração da teoria austríaca do ciclo é o fato de durante os anos vinte os salários terem crescido sobretudo nas indústrias de bens de capital. Num período de oito anos, aumentaram cerca de 12% em termos reais, ao passo que os salários das indústrias de bens de consumo aumentaram uma média de 5%. O crescimento em determinadas indústrias de bens de capital foi ainda mais alto, chegando aos 22% na indústria química e aos 25% na indústria do ferro e do aço.
Além de J. M. Keynes e de Irving Fischer, outro economista especialmente influente a justificar a expansão de crédito com o objetivo pretensamente benéfico de manter inalterado o nível geral de preços foi Ralph Hawtrey, diretor de estudos financeiros do Tesouro britânico. De acordo com Hawtrey: “the American experiment in stabilization from 1922 to 1928 showed that early treatment could shake a tendency either to inflation or to depression in a few months, before any serious damage have been done. The American experiment was a great advance upon the practice of the 19th century.”[97]
O boom provocado inicialmente pela política deliberada de expansão de crédito empreendida para manter o nível geral dos preços estável, juntamente com a falta dos instrumentos analíticos necessários para compreender que se entraria numa profunda depressão, levou a que se prosseguisse com esta política, que, como se sabe, acabou num enorme fracasso.[98]
O advento da crise surpreendeu os teóricos monetaristas (Fisher, Hawtrey, etc.), que, imbuídos de uma concepção mecanicista da teoria quantitativa da moeda, acreditavam que, uma vez aumentada a oferta monetária, o seu impacto sobre os preços se tornaria irreversível, tendo sido incapazes de perceber que o aumento expansivo dos créditos afetava a estrutura produtiva e os preços relativos de forma muito desigual. Os comentários que mais se destacavam nesta época eram os daquele que, talvez, fosse o mais famoso economista americano da década, o professor Irving Fischer, que, de forma obstinada, manteve a teoria de que a bolsa de valores tinha alcançado um nível (high plateau) abaixo do qual nunca voltaria a cair. A crise de 1929 apanhou-o de surpresa e quase o arruinou.[99]
O desastre na bolsa de Nova York ocorreu por etapas. De 1926 a 1929 o índice de cotação das ações mais do que duplicou, passando de 100 a 216. O primeiro ocorreu na quinta-feira, 24 de outubro de 1929, dia em que houve uma oferta de 13 milhões de ações e uma procura quase nula, o que levou ao colapso dos preços. Os bancos intervieram e conseguiram travar momentaneamente a queda, tendo as cotações descido entre 12 e 25 pontos. Embora a expectativa fosse a de que o pânico iria acabar no fim-de-semana, na segunda-feira, 28 de outubro começou um novo desastre que não foi possível travar. Foram oferecidos para venda mais de 9 milhões de ações, tendo a bolsa baixado 49 pontos. O dia mais desastroso foi a terça-feira, 29 de outubro: 33 milhões de títulos oferecidos e nova queda da bolsa, de 49 pontos.
A partir desse momento começa a depressão, com as características que já sabemos serem típicas deste processo. Entre 1929 e 1932, mais de 5.000 bancos (de um total de 24.000) faliram ou suspenderam pagamentos.[100] Além disso, teve lugar uma drástica contração de crédito e o investimento privado bruto baixou de mais de 15.000 milhões de dólares em 1929 para uns escassos 1.000 milhões em 1932, tendo o desemprego atingido o seu valor mais alto em 1933, situando-se em cerca de 27% da população ativa.
A duração e a especial gravidade da Grande Depressão de 1929, que durou uma década, só pode ser entendida pelos erros de política econômica e monetária cometidos sobretudo pela administração do presidente Hoover, que foi reeleito em 1928, e, mais tarde, pelo intervencionismo do democrata Roosevelt. Foram tomadas praticamente todas as medidas mais contraproducentes possíveis, tornando mais difícil a superação dos problemas e a chegada da recuperação. Em particular, foi seguida uma política forçada de manutenção artificial dos salários, o que multiplicou o desemprego e impossibilitou a transferência dos recursos produtivos e da mão de obra de umas indústrias para outras. Outro grande erro de política econômica cometido na época, por volta de 1931, em que a despesa pública cresceu em ritmo ascendente, passando de 16,4% para 21,5% do Produto Interno Bruto, o que levou a um deficit de 2.200 milhões de dólares e à tentativa de equilibrar o orçamento através do aumento de impostos: o Imposto sobre o Rendimento subiu de 1,5 % – 5% para 4% – 8%, eliminaram-se muitas deduções e aumentaram em muito as taxas para os rendimentos mais altos. Da mesma forma, o Imposto para as atividades empresariais aumentou de 12% para quase 14%, tendo o imposto sobre sucessões e doações duplicado, atingindo uma taxa máxima de 33,3%.
Além disso, o financiamento das obras públicas consideradas necessárias para amenizar os problemas de desemprego foi efetuado pela emissão massiva de títulos de dívida pública que, em última instância, absorveram a escassa oferta de capital disponível, afetando gravemente o setor privado.
Todas essas políticas prejudiciais continuaram a ser seguidas pelo sucessor de Hoover, Franklin D. Roosevelt, que ganhou as eleições em 1932.[101]
As recessões econômicas do final dos anos 1970 e do início dos 1990
A característica mais marcante dos ciclos econômicos posteriores à Segunda Guerra Mundial é a de se originarem em políticas deliberadamente inflacionistas dirigidas e coordenadas pelos bancos centrais. Assim, sob inspiração da teoria keynesiana, durante as décadas subsequentes ao conflito e até final dos anos 1960, acreditava-se que podia o advento de qualquer crise poderia ser evitado por meio de uma política fiscal e monetária “expansiva”. A dura realidade chegou com a grave recessão dos anos 1970, uma recessão inflacionária (estagflação) que fez cair por terra e que desprestigiou os postulados teóricos keynesianos. Além disso, é a partir dos anos 1970 que, juntamente com o aparecimento da recessão inflacionária, recomeçam a ser estudadas e valorizadas as teorias econômicas da Escola Austríaca, tendo Hayek obtido o Prêmio Nobel da Economia em 1973, precisamente pelos estudos sobre a teoria do ciclo. De fato, a crise e recessão inflacionária dos anos 1970 foi uma “prova de fogo” que os keynesianos não conseguiram superar e que levou a um grande reconhecimento dos teóricos da Escola Austríaca, que há algum tempo a vinham anunciando. O único aspecto em que se equivocaram inicialmente foi em relação à duração do processo inflacionário, que, não estando limitado pelas exigências do antigo sistema de padrão-ouro, se prolongou devido a doses adicionais de expansão de crédito durante dois decênios, até ao aparecimento de um fenômeno até então historicamente desconhecido: uma profunda depressão com altas taxas de inflação e desemprego.[102]
O estudo detalhado da crise de finais dos anos setenta pertence à história recente e não nos vamos alongar sobre ele. Pretendemos apenas referir aqui que o ajustamento que foi necessário efetuar a nível mundial foi muito custoso. Talvez depois desta amarga experiência, se pudesse ter exigido aos responsáveis financeiros e econômicos do Ocidente que, depois de iniciada a etapa de recuperação, tivessem sido tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar outra expansão generalizada de crédito no futuro e, logo, uma depressão subsequente. Infelizmente, isso não aconteceu e, apesar de todos os esforços e custos que a reestruturação e o reajustamento das economias ocidentais implicaram depois da crise do final dos anos 1970, na segunda metade dos anos 1980 começou, de novo, uma amplíssima expansão de crédito que se iniciou nos Estados Unidos e se estendeu ao Japão, à Inglaterra e ao resto do mundo. Apesar dos “avisos” dados pelo mercado bolsista, entre os quais se destacou o colapso da bolsa de Nova York, “segunda-feira negra” de 19 de outubro de 1987 (em que o índice da bolsa de Nova York caiu 22,6%), as autoridades monetárias reagiram de forma nervosa injetando novas doses maciças de expansão de crédito na economia para manter o nível alcançado pelos índices bolsistas.
Num estudo empírico sobre a recessão do início dos anos 1990,[103] W. N. Butos demonstrou que, de 1983 a 1987, a taxa média de crescimento anual das reservas fornecidas pela Reserva Federal aos sistema bancário americano subiu 14,5% por ano (ou seja, de 25 bilhões de dólares em 1985 para mais de 40 bilhões três anos depois). Isto provocou uma tremenda expansão de crédito e da oferta monetária, que, por sua vez, alimentou um significativo boom bolsista e todo o tipo de movimentos financeiros especulativos. Além disso, a economia entrou numa etapa de grande expansão que levou ao consequente alongamento substancial das etapas mais intensivas em capital e ao aumento espectacular na produção de bens de consumo duradouro. Chamou-se a este período “os anos dourados de Reagan e Thatcher”, em grande parte construídos sobre os alicerces de barro da expansão de crédito.[104] Estes efeitos são confirmados por outro estudo empírico, de Arthur Middleton Hughes, que analisa ainda o impacto da expansão de crédito e da recessão sobre os diferentes setores pertencentes às diferentes etapas da estrutura produtiva (mais ou menos afastadas do consumo). O trabalho empírico de diferentes séries temporais confirma as conclusões mais importantes da teoria dos ciclos.[105] Além disso, a última recessão foi acompanhada de uma grave crise bancária, que, nos Estado Unidos, se tornou evidente pelo colapso de vários bancos importantes e, sobretudo, pelo fim do setor de cooperativas de poupança (savings and loans associations), cuja análise foi objeto de estudo em muita literatura recente.[106]
Esta última recessão surpreendeu, mais uma vez, os teóricos da escola monetarista, que não compreendem como tal coisa pode ter acontecido.[107] No entanto, as características típicas da expansão, o advento da crise e a posterior recessão correspondem às previsões da teoria austríaca do ciclo.
Talvez uma das características diferenciadoras mais interessantes do último ciclo tenha sido o importante papel nele desempenhado pela economia japonesa. Especialmente entre 1987 e 1991, a economia japonesa sofreu uma tremenda expansão monetária e de crédito, que, como indica a teoria, afetou sobretudo as indústrias mais afastadas do consumo. De fato, embora durante este período os preços dos bens de consumo só tenham aumentado cerca de 0 a 3% por ano, o preço dos ativos fixos, especialmente da terra e dos imóveis, das ações e das obras de arte e joalheria aumentou extraordinariamente, multiplicando exponencialmente os valores e fazendo os respectivos mercados entrarem num boom especulativo. A crise começou a partir do segundo trimestre de 1991 e prosseguiu durante vários anos. Tornou-se evidente o mau investimento generalizado dos recursos produtivos, que até então era desconhecido no Japão e que obrigou a que a economia japonesa iniciasse um doloroso processo global de reestruturação, no qual continua envolvida no momento em que se escreve o presente livro (1997).[108]
No que diz respeito ao efeito da última crise econômica mundial na Espanha, é preciso assinalar que se fez sentir com todo o fulgor em 1992, tendo a recessão durado pelo menos cinco anos. Mais uma vez, todas as características típicas da expansão, crise e recessão estiveram presentes no ambiente econômico mais próximo de Espanha, talvez com a particularidade de ter sido ainda mais exagerada devido aos efeitos provocados pela entrada da Espanha na Comunidade Econômica Europeia. Além disso, a recessão chegou num contexto de sobrevalorização da peseta, que teve de ser desvalorizada três vezes consecutivas ao longo de um período de doze meses. A bolsa foi muito afetada e surgiram crises conhecidas de natureza financeira e bancária, num ambiente de cultura especulativa e de enriquecimento fácil. Foram necessários muitos anos para a recuperação. Até hoje, ainda não foram tomadas as medidas de flexibilização da economia em geral e do mercado laboral em particular que, juntamente com uma política monetária prudentes e com uma diminuição da despesa e do déficit públicos, são indispensáveis para que a Espanha consolide, quanto antes, um processo de recuperação estável e sustentado.[109]
Outros trabalhos de contrastação empírica da teoria austríaca do ciclo econômico
Recentemente realizaram-se diversos trabalhos interessantes que dão um forte apoio empírico à teoria austríaca do ciclo econômico, apesar das dificuldades de contrastação de uma teoria que, como já sabemos, se baseia no impacto da expansão de crédito sobre a estrutura produtiva e na forma irregular como a expansão afeta os preços relativos dos produtos das diferentes etapas de produção. É difícil contrastar estes processos econômicos em termos empíricos, sobretudo enquanto pretendermos continuar a utilizar estatísticas recolhidas pela contabilidade nacional, que eliminam do cálculo a maior parte do valor produzido por todas as etapas intermediárias do processo produtivo. Entre estes estudos empíricos, destaca-se o efetuado por Charles E. Wainhouse.[110] Wainhouse enuncia uma lista de nove proposições que se deduzem da teoria austríaca do ciclo e que contrasta empiricamente de forma isolada.[111] As principais conclusões do trabalho de Wainhouse são as seguintes: em primeiro lugar, contrasta a proposição segundo a qual as alterações na oferta de poupança voluntária são independentes das alterações no crédito bancário. Utilizando estatísticas que vão de janeiro de 1959 a junho de 1981, verifica que, em todos o casos, exceto num, a evidência empírica confirma esta primeira proposição. A segunda proposição de Wainhouse é que as modificações na oferta de crédito dão origem a mudanças na taxa de juro, estando ambas inversamente relacionadas. Existe também evidência empírica abundante em relação a esta segunda proposição. Aterceira proposição de Wainhouse é que as alterações na taxa de concessão de créditos provocam aumentos no output dos bens de produção, o que considera ser sustentado pelas evidências empíricas que analisa. Por fim, as três últimas proposições que contrastou empiricamente são as seguintes: que a relação entre o preço dos bens de produção e o dos bens de consumo subirá depois do início da expansão de crédito; que o preço dos bens mais próximos do consumo final tende a diminuir em relação ao preço dos bens de produção no processo de expansão e, por último, que na etapa final da expansão, o preço dos bens de consumo aumentará mais rapidamente do que o dos bens de produção, revertendo assim a tendência inicial. Wainhouse considera ainda que, em termos gerais, estas três proposições se ajustam aos dados empíricos, pelo que conclui que estes apoiam as proposições teóricas enunciadas pela Escola Austríaca de Economia. Wainhouse deixou três proposições por contrastar, ficando, assim, campo aberto de grande interesse para o trabalho futuro dos especialistas de econometria nesta área.[112]
Outro trabalho empírico relevante para a teoria austríaca do ciclo é o de Vladimir Ramey, da Universidade da Califórnia em San Diego.[113] Ramey desenvolveu um modelo intertemporal em que se separam em diferentes etapas os inventários correspondentes a bens de consumo, produtos em grosso, bens de equipamento manufaturados e produtos intermediários manufaturados, chegando à conclusão de que o preço dos bens inventariados é tão mais volátil quanto mais se afastem da etapa final de consumo. Os estoques mais próximos do consumo são os mais estáveis e os que sofrem menos variação ao longo do ciclo.
Mark Skousen chega a uma conclusão semelhante na análise da evolução dos preços dos produtos de três etapas distintas da produção: a dos produtos de consumo terminados, a dos produtos intermediários e a dos fatores materiais de produção. Este autor demonstra que, como já referimos na nota 21, no período entre 1976 e 1992, as etapas mais afastadas do consumo viram os preços variar entre -10% e +30%, ao mesmo tempo que o preço dos produtos intermediários variou apenas entre +14% e -1% e o dos bens de consumo entre +10% e -2%.[114] Além disso, o próprio Mark Skousen estimou que, na crise do início dos anos 1990, o Produto Social Bruto dos Estados Unidos, um indicador que inclui no seu cálculo todos os produtos intermediários, se reduziu entre 10 e 15%, e não na percentagem sensivelmente inferior (entre 1 e 2 %) indicada nos valores tradicionais da Contabilidade Nacional, que, como acontece com o Produto Nacional Bruto, excluem do seu cálculo todos os produtos intermediários e, logo, exagera enormemente a importância relativa do consumo final no esforço produtivo nacional.[115]
Esperamos que, no futuro, estes interessantes estudos histórico-empíricos sobre a teoria austríaca do ciclo econômico sejam mais profusos e assíduos, que utilizem os dados correspondentes às tabelas input-output e que permitam que a teoria austríaca seja utilizada para reformar a metodologia da Contabilidade Nacional, tornando possível a recolha de dados estatísticos sobre as variações de preços relativos que constituem a essência microeconômica do ciclo econômico. Para simplificar e facilitar futuramente este tipo de investigações empíricas, no Quadro VI-1 apresentam-se, de forma reduzida e comparada, as diferentes fases dos processos de mercado desencadeadas quando se verifica um aumento da poupança voluntária da sociedade, em primeiro lugar e quando há uma expansão de crédito bancária não coberta por um aumento prévio da poupança voluntária, em segundo.
Conclusão
Parece surpreendente que, na alvorada do século XXI, e depois da análise teórica efetuada e da experiência histórica acumulada, continuem a existir dúvidas sobre o caráter recessivo das expansões de crédito. Vimos que se repetem regularmente as etapas de auge, crise e recessão, e explicamos o papel fundamental desempenhado neste processo pela expansão de crédito iniciada pelo sistema bancário. Apesar de tudo, uma parte significativa dos teóricos persiste na negação de que as crises econômicas tenham origem numa causa teórica subjacente. Não notam que, a própria análise que efetuam (independentemente de ser keynesiana, monetarista, ou qualquer outra variante), assenta na assunção de que os fatores monetários relacionados com o crédito têm um papel fundamental. Sem eles não é possível compreender a expansão, oboom inicial, a subida desproporcionada que acontece, sempre de forma continuada, na bolsa de valores e, quando estala a crise, a inevitável contração de crédito e a recessão, que afeta sobretudo as indústrias de bens de capital.
Além disso, deveria ser evidente que a repetição continuada destes ciclos deverá ter uma origem institucional capaz de explicar a razão por que a economia (intervencionada) de mercado se comporta endogenamente desta forma. Como temos argumentado desde o primeiro capítulo deste livro, a causa está no privilégio concedido aos banqueiros para que, em violação dos princípios tradicionais do Direito, possam emprestar a moeda que recebem em depósitos à vista, exercendo, assim, a atividade com um coeficiente de reserva fracionário. Deste privilégio tiraram também proveito os governos para obter financiamento fácil em momentos de apuro e, depois, por intermédio dos bancos centrais, para garantir crédito fácil e liquidez inflacionária, até agora consideradas muito necessárias e favoráveis ao estímulo do desenvolvimento econômico.
A “lei do silêncio”, a que geralmente a teoria austríaca dos ciclos econômicos foi submetida, e o desconhecimento generalizado do público em relação ao funcionamento do sistema financeiro são muito significativos. É como se ambos correspondessem a uma estratégia implícita de deixar as coisas como estão, que pode ter origem no desejo de muito teóricos de manter uma justificação para a intervenção do governo nos mercados financeiros e bancários, juntamente com o temor reverencial sentidos pela maioria da população no que se refere a enfrentar o sistema bancário. Assim, concluímos, como Mises:
For the non-monetary explanations of the trade cycle the experience that there are recurrent depressions is the primary thing. Their champions first do not see in their scheme of the sequence of economic events any clue which could suggest a satisfatory interpretation of these enigmatic disorders. They desperately search for a makeshift [explanation] in order to patch it onto their teachings as an alleged cycle theory. The case is different with the monetary or circulating credit theory. Modern monetary theory has finally cleared away all notions of an alleged neutrality of money. It has proved irrefutably that there are in the market economy fators operating about which a doctrine ignorant of the driving force of money has nothing to say […] It has been mentioned already that every nonmonetary explanation of the cycle is bound to admit that an increase in the quantity of money or fiduciary media is an indispensable condition of the emergence of a boom […] The fanaticism with which the supporters of all these nonmonetary doctrines refuse to acknowledge their errors is, of course, a display of polítical bias. [?] [T]he interventionists are[…] anxious to demonstrate that the market economy cannot avoid the return of depressions. They are the more eager to assail the monetary theory as currency and credit manipulation is today the main instrument by means of which the anticapitalist governments are intent upon establishing government omnipotence.”[116]
Observações ao Quadro VI-1:
- Todas as referências a “aumentos” e “diminuições” de preços se referem a preços relativos, e não a preços nominais nem a magnitudes absolutas. Assim, quando se menciona, por exemplo, um “aumento dos preços” dos bens de consumo, pretende indicar que os mesmos sobem, em termos relativos, em relação ao preço dos bens de produção.
- É fácil introduzir as modificações necessárias nas fases dos processos teóricos resumidos no Quadro de forma a incluir as peculiaridades históricas de cada ciclo. Assim, no caso do aumento da poupança voluntária, se houver também um aumento do entesouramento ou da demanda de moeda, as fases serão as mesmas, com a exceção de que haverá uma maior diminuição nominal do preço do bens de consumo e um menor aumento do preço nominal dos fatores de produção. Não obstante, todas as relações entre preços relativos se mantêm, tal como se indica no Quadro. No caso da expansão de crédito, caso se parta da existência de “capacidade ociosa”, de início, os preço nominais dos fatores produtivos e dos bens de capital não subirão tanto, embora as demais fases se sucedam como descrevemos, acumulando os maus investimentos.
- Embora o número que se segue à letra “F” indique a ordem das etapas, em certos casos a numeração e classificação de uma fase como correspondente a um grupo ou outro é relativamente arbitrária, dependendo de cada situação histórica concreta e do desenvolvimento simultâneo ou não das fases.
- Como sabemos, na vida real, o processo poderia ser detido indefinidamente em qualquer das fases, se a intervenção dos governos tornar os mercados muito rígidos e, concretamente, se os preços dos bens intermédios, os salários ou a legislação laboral forem manipulados com sucesso. Além disso, um aumento progressivo da expansão de crédito pode atrasar a chegada da crise, à custa de torná-la mais profunda e dolorosa quando inevitavelmente surgir.
[1] Em português: “qualquer crescimento real no estoque de capital exige tempo e requer um aumento da poupança voluntária líquida. Assim, não existe qualquer possibilidade de que uma expansão da oferta monetária em forma de créditos bancários se possa converter num atalho que permita acelerar o processo de crescimento econômico.” Laurence S. Moss e Karen I. Vaughn, “Hayek’s Ricardo Effect: A Second Look”, ob. cit., p. 535.
[2] O próprio Hayek, comentando o advento da crise econômica do final dos anos setenta do século XX, reconhecia que “my expectation was that the inflationary boom would last five or six years, as the historical ones had done, forgetting that then their termination was due to the gold standard. If you had no gold standard —if you could continue inflating for much longer— it was very difficult to predict how long it would last. Of course, it has lasted very much longer than I expected. The end result was the same.” Hayek refere-se ao processo inflacionário dos anos 1960 que se alargou a todo o mundo e foi agravado por circunstâncias históricas, como a guerra do Vietnã e outras, que alimentou quase sem limite a expansão de crédito a nível mundial, ativando um processo que não tardou a dar origem à grave depressão com inflação e alto volume de desemprego do final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Ver: Hayek on Hayek: An Autobiographical Dialogue, Stephen Kresge e Leif Wenar (eds.), Routledge, Londres 1994, p. 145.
[3] Murray N. Rothbard analisa a possibilidade de adiar a chegada da depressão da seguinte forma: “Why do booms, historically, continue for several years? What delays the reversion process? The answer is that as the boom begins to peter out from an injection of credit expansion, the banks inject a further dose. In short, the only way to avert the onset of the depression-adjustment process is to continue inflating money and credit. For only continual doses of new money on the credit market will keep the boom going and the new stages profitable. Furthermore, only ever increasing doses can step up the boom, can lower interest rates further, and expand the production structure, for as the prices rise, more and more money will be needed to perform the same amount of work […] But it is clear that prolonging the boom by ever larger doses of credit expansion will have only one result: to make the inevitably ensuing depression longer and more grueling.” Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State, ob. cit., pp. 861-862.
[4] F.A. Hayek, Prices and Production, ob. cit., p. 150. Em português. O que Hayek diz é que “para conseguir aumentos adicionais de capital, é necessário que a expansão de crédito se processe a uma taxa de aumentoconstantemente crescente“.
[5] Mark Skousen assinala, e bem, que, em termos relativos, a recessão inflacionária é um fenômeno universal, uma vez que, em todas as recessões, o preço dos bens de consumo sofre um crescimento relativamente superior (ou um decréscimo inferior) ao dos fatores de produção. O crescimento generalizado dos preços nominais dos bens de consumo durante a fase de recessão ocorreu pela primeira vez na depressão dos anos 1970, e, depois, na recessão dos anos 1990 e tem origem no fato de a expansão de crédito, que alimentou ambos os processos, ter sido suficientemente grande nas diferentes etapas do ciclo para manter e criar expectativas inflacionárias no mercado dos bens e serviços de consumo, inclusive nas etapas mais profundas da depressão (aparte os típicos fenômenos atuais de crescimento descontrolado da despesa pública e do déficit e as transferências sociais maciças que fomentam o crescimento direto da demanda, e, logo, dos preços dos bens e serviços de consumo). Ver: Mark Skousen, The Structure of Production, ob. cit., pp. 313-315.
[6] Hayek usou a seguinte analogia para explicar este fenômeno: “The question is rather similar to that whether, by pouring a liquid fast enough into one side of a vessel, we can raise the level at that side above that of the rest to any extent we desire. How far we shall be able to raise the level of one part above that of the rest will clearly depend on how fluid or viscid the liquid is; we shall be able to raise it more if the liquid is syrup or glue than if it is water. But in no case shall we be at liberty to raise the surface in one part of the vessel above the rest to any extent we like. Just as the viscosity of the liquid determines the extent to which any part of its surface can be raised above the rest, so the speed at which an increase of incomes leads to an increase in the demand for consumers’ goods limits the extent to which, by spending more money on the factors of production, we can raise their prices relative to those of the products.” F.A. Hayek, “The Ricardo Effect”, Economica, IX, n.º 34, Maio de 1942, pp. 127-152. Reproduzido como capítulo XI de F.A. Hayek, Individualism and Economic Order, The University of Chicago Press, Chicago 1949, p. 241. Esta analogia é de novo usada por Hayek em 1969 no seu artigo “Three Elucidations of the Ricardo Effect”, onde reitera que o efeito perturbador da expansão de crédito sobre a estrutura produtiva manter-se-á enquanto a banca continuar a gerar dinheiro novo e enquanto este dinheiro entrar no sistema econômico por determinados lugares a uma taxa de crescimento progressivo. Hayek crítica Hicks por este pressupor que o choque inflacionário afeta “uniformemente” toda a estrutura produtiva, demonstrando que, se a expansão de crédito cresce a um ritmo superior ao do aumento dos preços, este processo “can evidently go on indefinitely, at least as long as we neglect changes in the manner in which expectations concerning future prices are formed” e conclui que: “I find it useful to illustrate the general relationship by an analogy which seems worth stating here, though Sir John [Hicks] (in correspondence) did not find it helpful. The effect we are discussing is rather similar to that which appears when we pour a viscous liquid, such as honey, into a vessel. There will, of course, be a tendency for it to spread to an even surface. But if the stream hits the surface at one point, a little mound will form there from which the additional matter will slowly spread outward. Even after we have stopped pouring in more, it will take some time until the even surface will be fully restored. It will, of course, not reach the height which the top of the mound had reached when the inflow stopped. But as long as we pour at a constant rate, the mound will preserve its height relative to the surrounding pool — providing a very literal illustration of what I called before a fluid equilibrium.” F.A. Hayek, New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas, Routledge & Kegan Paul, Londres 1978, pp. 171-173. Sobre o importante papel das expectativas neste processo ver Roger Garrison, Time and Money,ob. cit., caps. 1-4.
[7] Este processo foi já estudado por Ludwig von Mises na sua análise da hiper-inflação alemã dos anos 1920-1923. Mises chegou à seguinte conclusão: “Suppose the banks still did not want to give up the race. Suppose, in order to depress the loan rate, they wanted to satisfy the continuously expanding desire for credit by issuing still more circulation credit. Then they would only hasten the end, the collapse of the entire system of fiduciary media. The inflation can continue only so long as the conviction persists that it will one day cease. Once people are persuaded that the inflation will not stop, they turn from the use of this money. They flee then to ‘real values’, foreign money, the precious metals, and barter.” Ludwig von Mises, “Monetary Stabilization and Cyclical Policy”, incluído em On the Manipulation of Money and Credit, Free Market Books, Nova Iorque 1978, p. 129. E posteriormente, em Human Action, Mises conclui que: “The boom can last only as long as the credit expansion progresses at an ever-accelerated pace. The boom comes to an end as soon as additional quantities of fiduciary media are no longer thrown upon the loan market. But it could not last forever even if inflation and credit expansion were to go on endlessly. It would then encounter the barriers which prevent the boundless expansion of circulation credit. It would lead to the crack-up boom and breakdown of the whole monetary system.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., p. 555. O tratamento clássico do processo de hiperinflação alemã é o de Constantino Bresciani-Turroni, Levicende del marco tedesco, Università Bocconi Editrice, Milão 1931, publicado em inglês com o título The Economics of Inflation: A Study of Currency Depreciation in Post-War Germany (1937), Augustus M. Kelley, Londres e Nova Iorque 1968.
[8] Fritz Machlup foi talvez quem de forma mais brilhante e sintética explicou este fenômeno, quando escreveu que: “The view that the expansion of credit for financing the production of consumers’ goods will not lead to disproportionalities of the kind associated with inflation can be disproved by the following argument. Either the consumers’ goods industries would have borrowed on the money market, or the capital market, in the absence of any expansion of bank credit, in which case the satisfaction of their demand for funds by means of the credit expansion obviously implies that there is so much less pressure on the credit market, and that some producers’ goods industry, which would not otherwise have obtained credit to finance an expansion, will be enabled to do so by this means […] Or the consumers’ goods industries would not have had any incentive to extend production in the absence of the credit expansion; in this case the fact that they now enter the market for producers’ goods with relatively increased buying power as against all other industries… may lead to a change in the distribution of productive factors involving a shift from the stages far from consumption to the stages near to consumption.” Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, The Macmillan Company, Nova York 1940, pp. 192-193. F.A. Hayek, por sua vez, emPrices and Production (ob. cit., pp. 60-62) explica, seguindo os esquemas triangulares, de que forma a estrutura produtiva se irá forçosamente achatar, tornando-se menos intensiva em capital. e, assim, menos produtiva e mais pobre, se se fomentar diretamente o consumo por meio da concessão de créditos para o financiamento de bens e serviços de consumo corrente não duradouro.
[9] Este fenômeno, juntamente com a necessidade de explicar simplificadamente o processo de mau investimento sem ter de recorrer aos complexos raciocínios exigidos pela teoria do capital, levou a que, nos anos 1970, F. A. Hayek, modificasse ligeiramente a exposição popular de sua teoria do ciclo. Desta forma, no artigo “Inflation, the Misdirection of Labor, and Unemployment,” escrito em 1975 (e incluído no livro, New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas, pp. 197?209), diz o seguinte: “[T]he explanation of extensive unemployment ascribes it to a discrepancy between the distribution of labour (and the other factors of production) between the different industries (and localities) and the distribution of demand among their products. This discrepancy is caused by a distortion of the system of relative prices and wages”. (p. 200). E, na autobiografia recentemente publicada de Hayek podemos ver como, nos últimos anos de vida, pensava que os ciclos modernos se caracterizavam pelo mau investimento que assumia formas diversas, não só pelo efeito da expansão de crédito nas etapas mais afastadas do consumo, mas também pelo fomento artificial do consumo e, em geral, por toda a despesa pública que desse origem a uma variação na estrutura produtiva que, em última instância, não poderia ter caráter permanente por não estar coberta pelo comportamento dos consumidores, concluindo que: “So much of the credit expansion has gone to where government directed it that the misdirection may no longer be of an overinvestment in industrial capital but may take any number of forms. You must really study it separately for each particular phase and situation […] But you get very similar phenomena with all kinds of modifications.” F. A. Hayek, Hayek on Hayek: An Autobiographical Dialogue, ob. cit., p. 146.
[10] Assim, o conceito mais geral de poupança forçada coincide com a expropriação forçada a que, de forma diluída, os bancos submetem a maioria dos cidadãos e autoridades monetárias, quando decidem expandir o crédito e o dinheiro, diminuindo o poder de compra das unidades monetárias dos particulares em relação ao valor que teriam se essa expansão de crédito e monetária não tivesse sido efetuada. Os resultados deste saque social podem ou dilapidar-se por completo, se forem gastos em bens e serviços de consumo pelos seus receptores ou se se materializarem em investimentos completamente errôneos, ou converter-se em ativos empresariais e outros, que, de fato e de forma direta ou indireta, passam a ser controlados pelo sistema bancário ou pelo Estado. Na Espanha, a primeira pessoa a analisar corretamente este processo inflacionário de expropriação foi o padre Juan de Mariana na obra De monetae mutatione publicada em 1609. Dizia o seguinte: “se o príncipe não é senhor, mas administrador dos bens de particulares, nem de uma forma nem de outra poderá tirar-lhes parte das suas propriedades, como se faz sempre que se desvaloriza a moeda, uma vez que lhes é dado menos por mais; e se o príncipe não pode criar impostos contra a vontade dos vassalos nem criar monopólios, também não poderá fazê-lo desta forma, porque é tudo a mesma coisa e tudo e tudo é tirar ao povo os bens, por mais que se disfarce com dar mais valor legal ao metal do que o que ele vale em si mesmo, que tudo são invenções aparentes e douradas, e tudo vai dar o mesmo resultado”. Juan de Mariana, Tratado e discurso sobre la moneda de vellón que al presente se labra en Castilla e de algunos desordenes e abusos, edição com um “Estudio Introductorio” de Lucas Beltrán, publicada pelo Instituto de Estudios Fiscales, Ministerio de Economía y Hacienda, Madrid 1987, p. 40 (itálico acrescentado).
[11] Joseph A. Schumpeter atribuiu a Ludwig von Mises expressão “indubitavelmente feliz” de poupança forçada (em alemão, Erzwungenes Sparen o Zwangssparen) na sua Teoria do desenvolvimento económico: uma investigación sobre lucros, capital, crédito, juros e ciclo económico, publicada pela primeira vez em alemão em 1912, e cuja edição em espanhol, de Jesús Prados Arrarte, foi publicada pelo Fondo de Cultura Económica, México, 1944 (a versão inglesa é The Theory of Economic Development, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1968). Por seu lado, Mises reconhece ter descrito o fenômeno, já em 1912, na primeira edição alemã da sua Teoria da moeda e do crédito, embora indique acreditar não ter utilizado a expressão concreta que Schumpeter lhe atribui. Em todo o caso, devemos a Ludwig von Mises uma cuidadosa análise do fenômeno de poupança forçada, bem como a demonstração teórica de que é impossível predeterminar se, como resultado do aumento da quantidade de moeda em circulação, haverá ou não um crescimento líquido da poupança voluntária. Ver, neste sentido, On the Manipulation of Money and Credit, ob. cit., pp. 120, 122 e 126-127. E também Human Action, ob. cit., pp. 148-150. O primeiro tratamento de Mises se encontra em The Theory of Money and Credit, ob. cit., p. 386). Embora continuemos a atribuir a Mises a paternidade do termo “poupança forçada”, a expressão muito semelhante “frugalidade forçada” (“forced frugality“) tinha já sido utilizada por Jeremias Bentham em 1804 (ver o artigo de F.A. Hayek “A Note on the Development of the Doctrine of ‘Forced Saving'”, publicado como cap. VII de Profits, Interest and Investment, ob. cit., pp. 183-197). Na Espanha, escreveram sobre a poupança forçada Francisco Cabrillo (ver o seu artigo “Los economistas e la ética del ahorro”, Papeles de Economía Española, n.º 47, 1991, pp. 175-176). Como demonstrou Roger Garrison, existe uma certa disparidade entre o conceito de poupança forçada de Mises (que equivale ao nosso conceito “em sentido geral”) e o conceito de poupança forçada utilizado por Hayek (que vamos denominar conceito “em sentido estrito”), de forma que “what Mises termed malinvestment is what Hayek called forced savings”. Ver Roger Garrison, “Austrian Microeconomics: A Diagrammatical Exposition”, New Directions in Austrian Economics, ob. cit., p. 196.
[12] Ver F.A. Hayek, “A Note on the Development of the Doctrine of ‘Forced Saving'”, ob. cit., p. 197. Ver também os comentários sobre Cantillon e Hume no próximo Capítulo VIII.
[13] Fritz Machlup recolheu até 34 conceitos diferentes de “poupança forçada” no seu trabalho “Forced or Induced Saving: An Exploration into its Synonyms and Homonyms”, The Review of Economics and Statistics, vol. XXV, n.º 1, fevereiro de 1943, reeditado em Fritz Machlup, Economic Semantics, Transaction Publishers, Londres 1991, pp. 213-240.
[14] Em princípio, e como regra prática, pode ser dito que quanto mais perto estiver do bem final de consumo, mais difícil de reconverter será um bem de capital. De fato, todas as ações humanas são tão mais irreversíveis quanto mais perto se encontrarem do bem final de consumo: uma casa produzida por erro será uma perda quase irreversível, ao passo que o uso dos tijolos é mais facilmente alterado, caso se torne evidente, durante a construção, que utilizá-los na construção da casa é um erro.
[15] Confirma-se assim que a teoria do ciclo não é mais do que a aplicação, ao caso particular do impacto da expansão de crédito sobre a estrutura produtiva, da teoria sobre os efeitos descoordenadores da coação institucional apresentada no meu livro Socialismo, cálculo económico e función empresarial (ob. cit., e em especial as pp. 111-118). À mesma conclusão chega Ludwig M. Lachmann quando afirma que o mau investimento é “the waste of capital resources in plans prompted by misleading information”, acrescentando que, embora se consiga terminar muitos bens de capital, estes “will lack complementary factors in the rest of the economy. Such lack of complementary factors may well express itself in lack of demand for its services, for instance where these factors would occupy ‘the later stages of production’. To the untrained observer it is therefore often indistinguishable from ‘lack of effective demand’.” Ludwig M. Lachmann,Capital and its Structure, ob. cit., pp. 66 e 117-118.
[16] Nas palavras do próprio F. A. Hayek: “The impression that the already existing capital structure would enable us to increase production almost indefinitely is a deception. Whatever engineers may tell us about the supposed immense unused capacity of the existing productive machinery, there is in fact no possibility of increasing production to such an extent. These engineers and also those economists who believe that we have more capital than we need, are deceived by the fact that many of the existing plant and machinery are adapted to a much greater output than is actually produced. What they overlook is that durable means of production do not represent all the capital that is needed for an increase of output and that in order that the existing durable plants could be used to their full capacity it would be necessary to invest a great amount of other means of production in lengthy processes which would bear fruit only in a comparatively distant future. The existence of unused capacity is, therefore, by no means a proof that there exists an excess of capital and that consumption is insufficient: on the contrary, it is a symptom that we are unable to use the fixed plant to the full extent because the current demand for consumers’ goods is too urgent to permit us to invest current productive services in the long processes for which (in consequence of ‘misdirections of capital’) the necessary durable equipment is available.” F.A. Hayek, Prices and Production, ob. cit., pp. 95-96.
[17] “After the boom period is over, what is to be done with the malinvestments? The answer depends on their profitability for further use, i.e., on the degree of error that was committed. Some malinvestments will have to be abandoned, since their earnings from consumer demand will not even cover the current costs of their operation. Others, though monuments of failure, will be able to yield a profit over current costs, although it will not pay to replace them as they wear out. Temporarily working them fulfils the economic principle of always making the best of even a bad bargain. Because of the malinvestments, however, the boom always leads to general impoverishment, i.e., reduces the standard of living below what it would have been in the absence of the boom. For the credit expansion has caused the squandering of scarce resources and scarce capital. Some resources have been completely wasted, and even those malinvestments that continue in use will satisfy consumers less than would have been the case without the credit expansion.”Murray N. Rothbard, Man, Economy and State, ob. cit., p. 863.
[18] Estamos a referir-nos ao desemprego involuntário (ou institucional) e não à chamada “taxa natural de desemprego” (ou de desemprego voluntário ou “cataláctico”) que aumentou de forma espectacular nos tempos modernos como resultado do generoso subsídio de desemprego e de outras mediadas que têm um forte efeito desincentivador sobre o desejo de recolocação dos trabalhadores no mercado de trabalho Ver ainda F.A. Hayek, ¿Inflación o pleno empleo?, Unión Editorial, Madrid 1976.
[19] Ver as páginas XXX e a bibliografia lá citada. Com Mark Skousen tornou evidente: “Gross Domestic Product systematically underestimates the expansionary phase as well as the contraction phase of the business cycle. For example, in the most recent recession, real GDP declined 1-2 percent in the United States, even though the recession was quite severe according to other measures (earnings, industrial production, employment) […] A better indicator of total economic activity is Gross Domestic Output (GDO), a statistic I have developed to measure spending in all stages of production, including intermediate stages. According to my estimates, GDO declined at least 10-15 percent during the most of the 1990-92 recession.”Ver: “I like Hayek: How I Use His Model as a Forecasting Tool”, apresentado em The Mont Pèlerin Society General Meeting, em Cannes, França, de 25 a 30 de Setembro de 1994, manuscrito à espera de publicação, p. 12.
[20] Em geral, os economistas mais convencionais e os dirigentes políticos e comentadores de temas econômicos tendem a dar demasiada importância ao setor de bens e serviços de consumo. Isto acontece, em primeiro lugar, porque, como já referimos, a Contabilidade Nacional tende a exagerar a importância do consumo sobre o rendimento total, uma vez que elimina dos cálculos a maior parte dos produtos das etapas intermediárias do processo produtivo, fazendo com que o consumo apareça como o setor mais importante da Economia. Nas economias modernas, este setor ocupa 60 a 70% do total do Rendimento Nacional (quando não chega a um terço do Rendimento Social Bruto, caso calculemos em relação ao total do que se gasta em todas as etapas da estrutura produtiva). Além disso, verifica-se que as doutrinas keynesianas continuam a exercer uma influência significativa sobre a metodologia das contas da Contabilidade Nacional, bem como sobre os procedimentos estatísticos utilizados para recolher a informação necessária para a sua elaboração. Do ponto de vista keynesiano, interessa exagerar a importância da função de consumo como parte integrante da demanda agregada, o que faz com que a Contabilidade Nacional se centre neste fenômeno, ignore e não calcule a parte do Rendimento Social Bruto que não encaixa bem nos modelos keynesianos e não se preocupe com mostrar a evolução das diferentes etapas que se dedicam à produção de bens de capital intermediários (que é muito mais difícil de prever do que a do consumo). Acerca destes interessantes extremos, consulte-se Mark Skousen, The Structure of Production, ob. cit., p. 306. Em jeito de ilustração, e seguindo um estudo do Departamento de Comércio dos Estados Unidos intitulado “The Interindustry Structure of the United States”, publicado em 1986, 43,8% do rendimento social bruto norte-americano (equivalente a 3.297.977 milhões de dólares) eram produtos intermediários não constantes no valor do PIB (equivalente a apenas 56,2% do rendimento social bruto, ou seja, 4.235.116 milhões de dólares). Ver: Arthur Middleton Hughes, “The Recession of 1990: An Austrian Explanation”, The Review of Austrian Economics, 10, n.º 1 (1997), nota 4, p. 108. Compare-se estes dados com os que já apresentamos para 1982 na nota 37 do capítulo V.
[21] F. A. Hayek, nas últimas páginas do seu artigo de 1942 sobre o Efeito Ricardo (“The Ricardo Effect”, emIndividualism and Economic Order, ob. cit., pp. 251-254) estudou pormenorizadamente a forma como as estatísticas tradicionais sobre o índice de preços de consumo tendem a ocultar e a tornar impossível a descrição empírica da evolução do ciclo, em geral, e do funcionamento do Efeito Ricardo durante o mesmo, em particular. De fato, as estatísticas em uso não refletem a evolução dos preços dos produtos das diferentes etapas do processo produtivo, nem tampouco a relação existente em cada uma das referidas etapas entre o preço que se paga aos fatores originais de produção que nelas intervêm e a evolução do preços dos produtos. Felizmente, foram efetuados estudos estatísticos recentemente que confirmaram a análise austríaca em todos os casos, demonstrando que a evolução do preço das etapas mais afastadas do consumo é muito mais volátil e mutável do que a do preço dos bens de consumo. Assim, no artigo já citado e apresentado na reunião geral da Sociedade Mont Pèlelin, que decorreu de 25 a 30 de setembro de 2004 em Cannes, Mark Skousen mostrou que nos Estados Unidos, nos últimos 15 anos, o preço dos bens mais afastadosdo consumo tinha oscilado entre +30% e -10%, de acordo com os anos e as fases do ciclo; ao passo que o preço dos produtos das etapas intermediárias tinha tido uma evolução entre +14% e -1% por cento, de acordo com as diferentes etapas do ciclo, situando-se a evolução do preço dos bens de consumo entre +10% e -2%. Estes resultados são também confirmados pelo importante trabalho de V. A. Ramey “Inventories as Factors of Production and Economic Fluctuations”, American Economic Review, Junho de 1989, pp. 338-354.
[22] Ver Jesús Huerta de Soto, Socialismo, cálculo econômico e función empresarial, obra já citada, caps. II e III.
[23] No entanto, é preciso recordar aqui a muito perspicaz observação de Mises: “it may be that businessmen will in the future react to credit expansion in a manner other than they have in the past. It may be that they will avoid using for an expansion of their operations the easy money available because they will keep in mind the inevitable end of the boom. Some signs forebode such a change. But it is too early to make definite a statement.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., p.797. Contudo, por diversas razões dadas no texto principal, pensamos que esta premonitória exposição da hipótese das expectativas racionais realizada por Mises em 1949 não se justifica, uma vez que, embora os empresários conheçam perfeitamente a teoria do ciclo e queiram evitar as suas consequências, continuarão sempre a estar tentados a participar no mesmo devido aos lucros substanciais que podem obter se forem capazes de sair a tempo dos correspondentes projectos de investimento. Sobre este tema, ver, ainda, o que dizemos nas pp. XX do próximo capítulo.
[24] Esta parece ser a situação do boom experienciado pela economia norte-americana durante os últimos anos da década de 1990, nos quais o grande aumento da produtividade ocultou em grande medida os efeitos negativos de distorção da grande expansão monetária, de crédito e bolsista ocorrida. Existe um grande paralelismo com a evolução dos fato econômicos dos anos 1920 e, muito possivelmente, o processo será interrompido por outra grande recessão, que voltará a apanhar de surpresa todos aqueles que só fixam a análise na evolução do “nível geral dos preços” e de outros indicadores macroeconômicos que ocultam as realidades microeconômicas subjacentes (desproporcionalidades na estrutura produtiva real da economia). No momento de escrita deste texto (final de 1997), os primeiros sintomas de uma nova recessão já se fizeram notar, pelo menos através de graves crises bancárias, bolsistas e financeiras que deflagraram nos mercados asiáticos. Sobre a evolução dos fatos econômicos a partir de 1998, que confirma plenamente a análise deste livro, pode consultar-se o Prefácio da 2.ª edição. Por último, o Prefácio da 4.ª edição explica a minha interpretação do que aconteceu no mundo econômico e financeiro até final de 2008.
[25] Ver a detalhada análise deste período histórico efetuada por Murray N. Rothbard no seu notável livroAmerica’s Great Depression, 3.ª edição, Sheed & Ward, Kansas City 1975. Por sua vez, Ludwig von Mises (Human Action, ob. cit., p. 561) referiu que os períodos históricos em que ocorreram crises econômicas foram, em geral, períodos de progresso continuado da produtividade, devido ao fato de: “the steady advance in the accumulation of new capital made technological improvement possible. Output per unit of input was increased and business filled the markets with increasing quantities of cheap goods.” Mises explica que este fenómeno tende a compensar em parte o efeito de subida dos preços provocado pelo aumento da expansão de crédito e que, em determinadas circunstâncias, pode até chegar a verificar-se uma diminuição, em vez de um aumento, do preço dos bens de consumo , concluindo que: “As a rule, the resultant of the clash of opposite forces was a preponderance of those producing the rise in prices. But there were some exceptional instances too in which the upward movement of prices was only slight. The most remarkable example was provided by the American boom of 1926- 29.” De qualquer forma, Mises adverte contra a políticas de estabilização do nível geral dos preços, não só por esconderem a expansão de crédito em Alturas de aumento de produtividade, mas também pelo erro teórico em que caem: “It is a popular fallacy to believe that perfect money should be neutral and endowed with unchanging purchase power, and that the goal of monetary policy should be to realize this perfect money. It is easy to understand this idea […] against the still more popular postulates of the inflationists. But it is an excessive reaction, it is in itself confused and contradictory, and it has worked havoc because it was strengthened by an inveterate error inherent in the thought of many philosophers and economists.” (Human Action, ob. cit., p. 418).
[26] O artigo foi publicado pela primeira vez em alemão com o título “Das intertemporale Gleichgewichtssystem der Preise und die Bewegungen des ‘Geldwertes'”, no Weltwirtschaftliches Archiv, n.º 2, ano 1928, pp. 36-76. Não foi traduzido nem publicado em inglês antes de 1984, altura em que foi incluído no livro Money, Capital and Fluctuations: Early Essays, Roy McCloughry (ed.), The University of Chicago Press, Chicago 1984, pp. 71-118. O título inglês deste artigo é “Intertemporal Price Equilibrium and Movements in the Value of Money”. Posteriormente, em 1994, foi publicada a segunda tradução inglesa, melhor do que a primeira, de William Kirby, com o título “The System of Intertemporal Price Equilibrium and Movements in the ‘Value of Money'”, cap. 27 de Classics in Austrian Economics: A sampling in the History of a Tradition, Israel M. Kirzner (ed.), vol.III (The Age of Mises and Hayek), William Pickering, Londres 1994, pp. 161-198. Antes desse trabalho, Hayek já se tinha dedicado a esse mesmo tema no seu artigo “Die Währungspolitik der Vereinigten Staaten seit der Überwindung der Krise von 1920”, Zeitschrit für Volkswirtschaft undSozialpolitik, n.s.5 (1925), vols.1-3, pp. 25-63 e vols. 4-6, pp. 254-317. A parte teórica deste trabalho foi publicada em inglês com o título “The Monetary Policy of the United States after the Recovery from the 1920 Crisis”, em Money, Capital and Fluctuations: Early Essays, ob.cit, pp. 5-32. Neste artigo, Hayek critica pela primeira vez as políticas estabilizadoras empreendidas nos Estados Unidos.
[27] F.A. Hayek, “Intertemporal Price Equilibrium and Movements in the Value of Money”, ob. cit., p. 97. A tradução em Português da passagem poderia ser a seguinte: “Deve concluir-se, em grave contradição com o ponto de vista geralmente aceito, que não é nenhuma deficiência na estabilidade do poder de compra do dinheiro o que gera uma das fontes mais importantes de desequilíbrio na economia por parte da moeda. Pelo contrário, é a peculiar tendência dos diferentes sistemas monetários para estabilizar o poder de compra do dinheiro, mesmo quando o estado geral da oferta está a mudar, o que cria esses desequilíbrios, uma tendência que não é alheia a todos os determinantes fundamentais da atividade econômica.” De forma ainda mais taxativa, Hayek conclui que: “there is no basis in economic theory for the view that the quantity of money must be adjusted to changes in the economy if economic equilibrium is to be maintained or —what signifies the same— if monetary disturbances to the economy are to be prevented.”. Ibidem, p. 106.
[28] Ver Mark Skousen, “Who Predicted the 1929 Crash?”, incluído em The Meaning of Ludwig von Mises, Jeffrey M. Herbener (ed.), Kluwer Academic Publishers, Amsterdã 1993, pp. 247-284. Também Lionel Robbins, na “Introducción” que escreveu para a primeira edição de Prices and Production (Routledge, Londres 1931, p. xii), se referiu expressamente à previsão da Grande Depressão por parte de Mises e Hayek. Esta previsão da Grande Depressão apareceu por escrito no artigo de Hayek publicado em 1929 em Monatsberichte des Österreichischen Instituts für Konjunkturforschung. Mais recentemente, em 1975, perante uma pergunta a este respeito, Hayek respondeu o seguinte (Gold & Silver Newsletter, Monex International, Newport Beach, California, junho de 1975): “I was one of the only ones to predict what was going to happen. In early 1929, when I made this forecast, I was living in Europe which was then going through a period of depression. I said that there [would be] no hope of a recovery in Europe until interest rates fell, and interest rates would not fall until the American boom collapses, which I said was likely to happen within the next few months. What made me expect this, of course, is one of my main theoretical beliefs, that you cannot indefinitely maintain an inflationary boom. Such a boom creates all kinds of artificial jobs that might keep going for a fairly long time but sooner or later must collapse. Also, I was convinced after 1927, when the Federal Reserve made an attempt to stave off a collapse by credit expansion, the boom had become a typically inflationary one. So in early 1929 there was every sign that the boom was going to break down. I knew by then that the Americans could not prolong this sort of expansion indefinitely, and as soon as the Federal Reserve was no longer to feed it by more inflation, the thing would collapse. In addition, you must remember that at the time the Federal Reserve was not only unwilling but was unable to continue the expansion because the gold standard set a limit to the possible expansion. Under the gold standard, therefore, an inflationary boom could not last very long.” E todo este processo, que os economistas austríacos compreenderam e de previram tão facilmente, uma vez que dispunham já do instrumental de análise necessário, decorreu num ambiente em que o nível geral de preços dos bens de consumo não só não aumentou, como tendeu a diminuir ligeiramente. De fato, a estabilidade do nível geral dos preços nos EUA dos anos 1920 foi muito grande: passou-se de um índice de 93,4 (base 100 em 1926) em junho de 1921 para um índice de 104,5 em novembro de 1925 e de 95,2 em junho de 1929. No entanto, durante este período de sete anos, a oferta monetária cresceu de 45,3 para 73,2 biliões de dólares, ou seja, mais de 61%. Ver Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, pp. 88 e 154. Rothbard conclui com a sua natural perspicácia que: “The ideal of a stable price level is relatively innocuous during a price rise when it can aid sound money advocates in trying to check the boom; but it is highly mischievous when prices are tending to sag, and the stabilizationists call for inflation. And yet, stabilization is always a more popular rallying cry when prices are falling.” Murray N. Rothbard, ob. cit., p. 158. Incidentalmente, é preciso destacar o grande paralelismo existente entre a situação descrita por Hayek e a que está acontecendo no momento em que escrevo este texto (1997), setenta anos depois, pelo que é muito possível que não tarde a que o boom econômico e da bolsa norte-americanos revertam numa recessão que afete todo o mundo (e que já começou a se manifestar nos mercados asiáticos).
[29] Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, ob. cit., p. 177. A tradução portuguesa desta passagem poderia ser a seguinte: A criação de crédito monetário novo para manter constante um nível geral de preços que noutras circunstâncias teria baixado como consequência do progresso técnico pode ter os mesmos efeitos desestabilizadores do aumento da moeda e do crédito que já descrevemos anteriormente e, assim, provocar o advento de uma crise econômica. Apesar do efeito estabilizador sobre o nível geral de preços, o aparecimento de dinheiro novo em forma de créditos pode dar origem a um alongamento dos processos de produção, que não poderá manter-se a longo prazo.”
[30] Gottfried Haberler demonstrou que a queda do nível geral dos preços decorrente das melhorias constantes em todas as linhas de produção não tem as mesmas consequências negativas de uma inflação monetária. Ver, neste sentido, a sua monografia Der Sinn der Indexzahlen: Eine Untersuchung über den Begriff des Preisniveaus und die Methoden seiner Messung, Verlag von J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), Tubinga 1927, pp. 112 e ss. E também o seu artigo “Monetary Equilibrium and the Price Level in a Progressive Economy”, publicado em Economica, fevereiro de 1935, pp. 75-81 (este artigo foi reeditado em Gottfried Haberler, The Liberal Economic Order, vol. II, Money and Cycles and Related Things, Anthony E.C. Koo (ed.), Edward Elgar, Aldershot 1993, pp. 118-125). Mais tarde, Gottfried Haberler suavizou a sua posição acerca da teoria austríaca do ciclo econômico, o que foi entendido, a nosso ver erradamente, como um retratamento total. Outra das concessões de Gottfried Haberler consistiu na afirmação de que os teóricos da Escola Austríaca não tinham demonstrado de forma rigorosa que a estabilização dos preços numa economia em progressão levará sempre a uma crise econômica (ver Gottfried Haberler, Prosperity and Depression, League of Nations, Genebra, 1937). Além disso, Haberler não justifica a mudança de opinião com qualquer consideração teórica, mas apenas com a possibilidade de que, no processo da evolução do ciclo, ocorram outros fenômenos imprevistos (por exemplo, um aumento da poupança voluntária, etc.) que tendam a neutralizar, em maior ou menor grau, a direção das forças indicadas pela análise econômica. Cabe, pois, a Haberler e seus acólitos explicar em cada ciclo concreto que circunstâncias podem ter neutralizado os efeitos típicos da expansão de crédito previstos de forma geral pelos austríacos e cuja teoria formal não conseguiram desvirtuar rapidamente (ver, ainda, os nossos comentários à tese semelhante de D. Laidler nas pp. 411-412). Outro autor de interesse é L. Albert Hahn, que, na obra Common Sense Economics, Abelard-Schumann, Nova York, 1956, p. 128), se questiona se o aumento da produtividade justifica ou não uma política de expansão inflacionista do crédito, chegando à conclusão de que tal política, geradora de inflação sem inflação que, em geral, se considera ser completamente inofensiva pode ter efeitos muito perturbadores e gerar uma profunda crise econômica. Segundo Hahn, o erro dos teóricos que consideram essa política inócua decorre de “não levarem em conta que uma produtividade ascendente traz lucros aos empresários, contanto que, por sua vez, os custos não aumentem proporcionalmente”. Por isso, Murray N. Rothbard conclui que o importante não é tanto a evolução do nível geral dos preços, mas que via uma política de expansão de crédito se reduza a taxa de juro a um nível inferior àquele que teria um mercado livre no qual tal política não se tivesse levado a efeito. (Man, Economy and State, ob. cit., pp. 862-863).
[31] “One point should be stressed: the depression phase is actually the recovery phase […]; it is the time when bad investments are liquidated and mistaken entrepreneurs leave the market – the time when ‘consumer sovereignty’ and the free market reassert themselves and establish once again an economy that benefits every participant to the maximum degree. The depression period ends when the free-market equilibrium has been restored and expansionary distortion eliminated.” Murray N. Rothbard, Man, Economy and State, ob. cit., p. 860. Assim, mesmo quando, no Quadro VI-1 se distinguem as fases de “depressão” e de “recuperação”, de acordo com o referido texto, deve considerar-se, em termos estritos, que a fase de depressão começa a verdadeira recuperação.
[32] Para o estudo pormenorizado da recuperação e das suas diferentes fases ver as pp. 38-82 do livro de Hayek Profits, Interest and Investment, já citado. Ver ainda as pp. 315-317 do livro de Mark Skousen The Structure of Production, também citado, onde Skousen se refere à afirmação de Hayek segundo a qual: “It is a well-known fact that in a slump the revival of final demand is generally an effect rather than a cause of the revival in the upper reaches of the stream of production – activities generated by savings seeking investment and by the necessity of making up for postponed renewals and replacements.” Hayek fez esta correta observação no diário Economist, no artigo publicado no dia 11 de junho de 1983 com o título “The Keynes Centenary: The Austrian Critic”, n.º 7293, p. 46.
[33] Como refere Ludwig M. Lachmann, “what is needed is a policy which promotes the necessary readjustments [?] Capital regrouping is thus the necessary corrective for the mal-adjustment engendered by a strong boom.” Capital and its Structure, ob. cit., pp. 123 e 125.
[34] Concordamos com a recomendação de Murray N. Rothbard de que, depois da chegada da crise, além de flexibilizar a economia ao máximo, se deve reduzir, em todos os níveis, o âmbito e o peso do Estado sobre o sistema econômico. Assim, não só se fomenta o exercício da função empresarial para liquidar projetos errôneos e redesenhá-los adequadamente, como se favorece uma maior taxa de poupança e investimento social. Como refere Rothbard: “reducing taxes that bear most heavily on savings and investment will further lower social time preferences. Furthermore, depression is a time of economic strain. Any reduction of taxes, or of any regulations interfering with the free-market, will stimulate healthy economic activity”. E conclui: “there is one thing the government can do positively, however: it can drastically lower its relative role in the economy, slashing its own expenditures and taxes, particularly taxes that interfere with saving and investment. Reducing its tax-spending level will automatically shift the societal saving-investment/consumption ratio in favor of saving and investment, thus greatly lowering the time required for returning to a prosperous economy.” Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 22. Rothbard dá-nos também um inventário de medidas governamentais típicas que são altamente contraproducentes e que tendem a alongar a depressão e a torná-la mais dolorosa. Este inventário é o seguinte: “(1) Prevent or delay liquidation. Lend money to shaky businesses, call on banks to lend further, etc. (2) Inflate further. Further inflation blocks the necessary fall in prices, thus delaying adjustment and prolonging depression. Further credit expansion creates more malinvestments, which, in their turn, will have to be liquidated in some later depression. A government ‘easy-money’ policy prevents the market’s return to the necessary higher interest rates. (3) Keep wage rates up. Artificial maintenance of wage ratesin a depression insures permanent mass unemployment… (4) Keep prices up. Keeping prices above the free market levels will create unsaleable surpluses, and prevent a return to prosperity. (5) Stimulate consumption and discourage saving… More saving and less consumption would speed recovery; more consumption and less saving aggravate the shortage of saved-capital even further… (6) Subsidize unemployment. Any subsidization of unemployment… will prolong unemployment indefinitely, and delay the shift of workers to the fields where jobs are available.” Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 19.
[35] F.A. Hayek, Profits, Interest and Investment, ob. cit., p. 60. A tradução para português seria: “Todas as tentativas de criar pleno emprego com a distribuição existente do fator trabalho entre as diferentes indústrias enfrentarão a dificuldade de que, com o pleno emprego, os trabalhadores desejarão uma quantidade de bens e serviços de consumo que será muito superior à que será possível produzir por intermédio da estrutura produtiva que os emprega.” Hayek refere-se também ao fato de a taxa de desemprego não refletir as diferenças existentes entre as diferentes etapas dos processos produtivos, assinalando que, normalmente, na fase mais profunda da crise, o desemprego pode atingir até 25 a 30% do trabalhadores que exerciam a sua atividade nas etapas mais afastadas do consumo, reduzindo-se para 5 ou 10% dos trabalhadores empregados nas etapas mais próximas do consumo. Ver: ibidem, nota de rodapé n.º 2 das páginas XX.
[36] Ludwig M. Lachmann, Capital and its Structure, ob. cit., p. 123. A tradução é a seguinte: “Toda a política concebida simplesmente para restaurar o status quo em termos de magnitudes macroeconômicas agregadas, tais como rendimento e emprego, está condenada ao fracasso. A situação anterior à crise era baseada em planos que falharam. Por isso, a política destinada a desencorajar os empresários a reverem os planos, fazendo com que sigam em frente com as mesmas combinações de capital de antes, não terá qualquer sucesso. Mesmo que ouçam tais conselhos, os empresários repetiriam simplesmente a sua experiência anterior. O que é necessário é uma política que promovas os necessários reajustamentos.”
[37] F.A. Hayek, Profits, Interest and Investment, ob. cit., p. 70. A tradução para português poderia ser: “A tendência para manter as taxas de juro estáveis, e especialmente para a manter tão baixa quanto possível, deve ser considerada o pior inimigo da estabilidade, acabando por provocar flutuações muito maiores do que seria realmente necessário. Talvez seja necessário repetir que este princípio se aplica especialmente à doutrina, agora tão amplamente aceite, segundo a qual as taxas de juro deveriam manter-se baixas até que se atinja o “pleno emprego.”
[38] Ver, neste sentido, Ludwig von Mises, “The Chimera of Contracyclical Policies”, incluído nas pp. 798-800 de Human Action, ob. cit. E as considerações oportunas de Mark Skousen sobre “The Hidden Drawbacks of Public Works Projects”, incluídas nas pp. 337-339 de The Structure of Production, ob. cit.
[39] “The Austrian theory does not, as is often suggested, assume ‘Full Employment’. It assumes that in general, at any moment, some factores are scarce, some abundant. It also assumes that, for certain reasons connected with the production and planned use of capital goods, some of these scarcities become more pronounced during the upswing. Those who criticize the theory on the ground mentioned merely display their inability to grasp the significance of a fundamental fact in the world in which we are living: the heterogeneity of all resources. Unemployment of some factores is not merely compatible with Austrian theory; unemployment of those factors whose complements cannot come forward in the conditions planned is an essential feature of it.” Ludwig M. Lachmann, Capital and its Structure, ob. cit., pp. 113-114.
[40] Assim, já em 1928, Mises afirmava: “At times, even on the unhampered market, there are some unemployed workers, unsold consumers’ goods and quantities of unused factors of production, which would not exist under ‘static equilibrium’. With the revival of business and productive activity, these reserves are in demand right away. However, once they are gone, the increase of the supply of fiduciary media necessarily leads to disturbances of a special kind.” Ludwig von Mises, On the Manipulation of Money andCredit, ob. cit., p. 125. Esta citação é a tradução para inglês da passagem que aparece na p. 49 do livro originalmente publicado em Jena em 1928 por Mises com o título Geldwertstabilisierung und Konjunkturpolitik, que já referimos anteriormente. Hayek, por seu lado, apresentou a sua teoria do ciclo econômico partindo da existência de recursos ociosos em Profits, Interest and Investment, ob. cit., pp. 3-73, onde recorda expressamente que já desde o desenvolvimento inicial da teoria do ciclo efetuado por Mises em 1928 se partiu do pressuposto da existência de desemprego e outros recursos desempregados (ver a nota de rodapé 1 da p. 42).
[41] “Thus it becomes obvious how vain it is to justify a new credit expansion by referring to unused capacity, unsold —or, as people say incorrectly, ‘unsalable’— stocks, and ecounemployed workers. The beginning of a new credit expansion runs across remainders of preceding malinvestment and malemployment, not yet obliterated in the course of the readjustment process, and seemingly remedies the faults involved. In fact, however, this is merely an interruption of the process of readjustment and of the return to sound conditions. The existence of unused capacity and unemployment is not a valid argument against the correctness of the circulation credit theory.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., p. 580. Hayek, por seu lado, chega a uma conclusão semelhante, embora utilizando um raciocínio ligeiramente diferente, quando afirma que “If the proportion as determined by the voluntary decisions of individuals is distorted by the creation of artificial demand, it must mean that part of the available resources is again led into a wrong direction and a definite and lasting adjustment is again postponed. And, even if the absorption of the unemployed resources were to be quickened in this way, it would only mean that the seed would already be sown for new disturbances and new crises. The only way permanently to ‘mobilise’ all available resources is, therefore, not to use artificial stimulants —whether during the crisis or thereafter— but to leave it to time to effect a permanent cure by the slow process of adapting the structure of production to the means available for capital purposes.” F.A. Hayek, Prices and Production, ob. cit., pp. 98-99 (pp. 91-92 na edição espanhola). São também muito pertinentes as considerações de Mark Skousen em The Structure of Production, ob. cit., pp. 289-290.
[42] Esta forma de nos expressarmos, embora seja muito gráfica, não é totalmente rigorosa, uma vez que o dinheiro nunca está “em circulação”, sendo sempre parte do saldos de tesouraria de alguém.
[43] Ver a seção intitulada ” Cash-Induced and Goods-Induced Changes in Purchasing Power”, do capítulo XVII de Ludwig von Mises, Human Action, 3.ª edição, ob. cit., pp. 419 e ss.
[44] Em síntese, propomo-nos a cobrir a importante lacuna teórica da teoria econômica da deflação, que Ludwig von Mises revelou em 1933 ao afirmar que: “unfortunately, economic theory is weakest precisely where help is most needed – in analyzing the effects of declining prices […] Yet today, even more than ever before, the rigidity of wage rates and the costs of many other factors of production hamper an unbiased consideration of the problem. Therefore, it would certainly be timely now to investigate thoroughly the effects of declining money prices and to analyze the widely held idea that declining prices are incompatible with the increased production of goods and services and an improvement in general welfare. The investigation should include a discussion of whether it is true that only inflationistic steps permit the progressive accumulation of capital and productive facilities. So long as this naive inflationist theory of development is firmly held, proposals for using credit expansion to produce a boom will continue to be successful.” Ludwig von Mises, “Die Stellung und der nächste Zukunft der Konjunkturforschung”, publicado em Festschrift em homenagem a Arthur Spiethoff (Duncker & Humblot, Munich 1933, pp. 175-180), traduzido para inglês com título “The Current Status of Business Cycle Research and its Prospects for the Immediate Future”, e publicado em On the Manipulation of Money and Credit, ob. cit., pp. 207-213 (a passagem foi retirada das pp. 212-213).
[45] Assim, por exemplo, no dia 13 de maio de 1925, Winston Churchill, na altura Chanceler of Exchequer(Ministro de Fazenda) do Reino Unido, decidiu que a libra esterlina voltaria à paridade com o ouro que tinha antes da Primeira Guerra Mundial. Ou seja, à que existia desde que Sir Isaac Newton, em 1717, a fixara a razão de 1 libra por cada 4,86 dólares de ouro.
[46] Os exemplos mais típicos de deflação iniciada deliberadamente pelos governos são os efetuados no Reino Unido, primeiro, depois das guerras napoleônicas e mais tarde, como já referimos, sob os auspícios de Winston Churchill, em 1925, altura em que apesar da tremenda inflação das notas de libra esterlina durante a Primeira Guerra Mundial, decidiu voltar à paridade libra/ouro que existia antes do conflito. Em síntese, Churchill ignorou de forma flagrante o conselho dado por Ricardo, na ocasião de uma situação semelhante cem anos antes, depois das guerras napoleônicas: “I should never advise a government to restore a currency which had been depreciated 30 per cent to par.” Carta de David Ricardo a John Wheatley, datada de 18 de setembro de 1821, The Works of David Ricardo, Piero Sraffa (ed.), Cambridge University Press, Cambridge 1952, vol. IX, p. 73. Ludwig von Mises, comentando estes dois casos históricos, diz o seguinte: “The outstanding examples were provided by Great Britain’s return, both after the wartime inflation of the Napoleonic wars and after that of the first World War, to the prewar gold parity of the sterling. In each case Parliament and Cabinet adopted the deflationist policy without having weighed the pros and cons of the two methods open for a return to the gold standard. In the second decade of the nineteenth century they could be exonerated, as at that time monetary theory had not yet clarified the problems involved. More than a hundred years later it was simply a display of inexcusable ignorance of economics as well as of monetary history.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., pp. 567-568 e também a p. 784. F.A. Hayek, por seu lado, refere o grave erro que foi voltar à paridade entre ouro e libra que existia antes da Primeira Guerra Mundial, bem como ao fato de que tal política havia sido implementada de forma lenta e gradual, e não mediante um choque rápido, como aconteceu nos Estados Unidos entre 1920 e 1921, chegando à conclusão de que “Though the clear determination of the government to restore the gold standard made it possible to do so as early as 1925, internal prices and wages were then still far from being adapted to the international level. To maintain this parity, a slow and highly painful process of deflation was initiated, bringing lasting and extensive unemployment, to be abandoned only when it became intolerable when intensified by the world crisis of 1931 – but, I am still inclined to believe, just at the time when the aim of that painful struggle had been nearly achieved.” F.A. Hayek, 1980s Unemployment and the Unions: The Distortion of Relative Prices by Monopoly in the Labour Markets, The Institute of Economic Affairs, 2.ª edição, Londres 1984, p. 15. Ver também a nota 43 do capítulo VIII.
[47] Também é possível, do ponto de vista teórico e prático, que os agentes econômicos aumentem os saldos de caixa (demanda de moeda) sem que haja qualquer variação do volume de consumo monetário, desinvestindo em recursos produtivos e vendendo bens de capital. Este fenômeno provoca um achatamento da estrutura produtiva e gera um empobrecimento generalizado da sociedade por meio de um processo que é precisamente o oposto do analisado no capítulo V a respeito do alongamento da estrutura produtiva financiada com base num aumento da poupança voluntária.
[48] “Whenever an individual devotes a sum of money to saving instead of spending it for consumption, the process of saving agrees perfectly with the process of capital accumulation and investment. It does not matter whether the individual saver does or does not increase his cash holding. The act of saving always has its counterpart in a supply of goods produced and not consumed, of goods available for further production activities. A man’s savings are always embodied in concrete capital goods […] The effect of our saver’s saving, i.e., the surplus of goods produced over goods consumed, does not disappear on account of his hoarding. The prices of capital goods do not rise to the height they would have attained in the absence of such hoarding. But the fact that more capital goods are available is not affected by the striving of a number of people to increase their cash holdings […]. The two processes —increased cash holding of some people and increased capital accumulation— take place side by side.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., pp. 521-522.
[49] Uma brilhante análise dos efeitos positivos desse terceiro tipo de deflação provocada pela contração de crédito na etapa recessiva do ciclo pode ser encontrada em Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State, ob. cit., pp. 863-871. Veja-se ainda Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., pp. 566-570. Mises indica também que, apesar dos seus efeitos negativos, a contração deflacionaria nunca é tão prejudicial como a expansão de crédito, porque: “contraction produces neither malinvestment nor overconsumption. The temporary restriction in business activities that it engenders may by and large be offset by the drop in consumption on the part of the discharged wage earners and the owners of the material factors of production the sales of which drop. No protracted scars are left. When the contraction comes to an end, the process of readjustment does not need to make good for losses caused by capital consumption” (ob. cit., p. 567).
[50] Wilhem Röpke, Crises and Cycles, William Hodge, Londres 1936, p. 120. A tradução portuguesa poderia ser: “[Esta deflação] é a reação inevitável à inflação do boom e não deve ser contrariada, sob pena de se provocar um agravamento e um prolongamento dos efeitos a crise, como mostraram as experiências nos Estados Unidos nos anos 30.”
[51] O principal teórico da “depressão secundária”, Wilhelm Röpke, reconhece, no inconstante e por vezes contraditório tratamento que dá ao tema, que existem forças espontâneas no mercado que impedem que, na ausência de intervenção e rigidez exterior, tal depressão surja e se desenvolva. E mesmo quando surge e se desenvolve como consequência da rigidez dos mercados de trabalho e do desenvolvimento de politicas protecionistas, o mercado acaba sempre por estabelecer de forma espontânea um “solo” para o processo acumulativo da depressão. Ver: Wilhelm Röpke, Prices and Cycles, ob. cit., pp. 128-129.
[52] F.A. Hayek, Profits, Interest and Investment, ob. cit., nota de rodapé 1, pp. 63-64. A tradução do trecho poderia ser: “Nunca se negou, claro, que pode fazer-se o emprego aumentar rapidamente e alcançar-se uma situação de “pleno emprego” num curto período de tempo mediante expansão monetária. A única coisa que foi discutida é que o tipo de emprego que pode ser criado desta forma é inerentemente instável e que criar emprego por este meio é perpetuar as flutuações econômicas. Pode haver situações desesperadas nas quais será de fato necessário aumentar o emprego a todo o custo, mesmo que seja apenas por um curto período — talvez a situação em que o Dr. Brüning se encontrou na Alemanha em 1932 tenha sido uma dessas situações nas quais o meios desesperados se justificam. No entanto, o economista não deve esconder o fato de que alcançar o máximo de emprego que pode ser atingido a curto prazo por meio de uma política monetária é, no essencial, a politica do desesperado que não tem nada a perder e tudo a ganhar com um pequeno espaço para respirar.” Mais tarde, Hayek ampliou suas ideias a esse respeito, indicando como nos anos 1930 se opôs à política expansiva alemã, tendo até mesmo escrito um artigo, que, no entanto, não chegou a publicar. Enviou-o para o professor Röpke com uma nota pessoal em que dizia o seguinte: “Apart from political considerations I feel you ought not —not yet at least— to start expanding credit. But if the political situation is so serious that continuing unemployment would lead to a political revolution, please do not publish my article. That is a political consideration, however, the merits of which I cannot judge from outside Germany but which you will be able to judge.” E Hayek conclui que “Röpke’s reaction was not to publish the article, because he was convinced that at that time the political danger of increasing unemployment was so great that he would risk the danger of causing further misdirections by more inflation in the hope of postponing the crisis; at that particular moment this seemed to him politically necessary and I consequently withdrew my article.” F.A. Hayek, “The Campaign Against Keynesian Inflation”, cap. XIII de New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas, ob. cit., p. 211. Em todo caso, e como demonstramos no texto, este tipo de medidas desesperadas podem apenas obter um alívio breve, e adia a resolução de problemas, que se tornam muito mais graves com o tempo. De fato, apesar da decisão consequente de Röpke, a situação continuou a degradar-se e não foi possível impedir a ascensão de Hitler ao poder em 1933.
[53] O próprio F.A. Hayek refere que, nestas circunstâncias, a política menos prejudicial consistiria em proporcionar “employment through public works at relatively low wages so that workers will wish to move as soon as they can to other and better paid occupations, and not by directly stimulating particular kinds of investment or similar kinds of public expenditure which will draw labour into jobs they will expect to be permanent but which must cease as the source of the expenditure dries up.” F.A. Hayek, “The Campaign against Keynesian Inflation”, em New Studies, ob. cit., pp. 211-212. No entanto, o risco deste tipo de concessões advém do fato de, nos sistemas democráticos atuais, ser quase impossível que não sejam usadas de forma pouco rigorosa pelos políticos para justificar medidas de intervenção em qualquer situação de recessão econômica. Talvez uma solução possível fosse incluir como artigo constitucional o princípio do orçamento equilibrado dos peritos clássicos de finanças públicas, que, ao exigir o acordo de todas as forças políticas para a sua modificação no caso de avaliação unânime da natureza “crítica” da situação, poderia diminuir o risco de implantação injustificada de medidas artificiais de expansão em épocas de crise.
[54] O surgimento recorrente de novas crises mostra que têm origem no processo de expansão de crédito, que, forçosamente, desencadeia os reajustamentos espontâneos que estudamos. Na ausência de expansão de crédito, as crises econômicas seriam eventos isolados e pontuais que ocorreriam apenas como resultado de fenômenos extraordinários de tipo físico (más colheitas, terremotos, etc.) ou de tipo social (como podem ser as guerras e revoluções), mas não ocorreriam com a regularidade nem com a extensão geográfica a que estamos habituados.
[55] “The boom is called good business, prosperity, and upswing. Its unavoidable aftermath, the readjustment of conditions to the real data of the market, is called crisis, slump, bad business, depression. People rebel against the insight that the disturbing element is to be seen in the malinvestment and the overconsumption of the boom period and that such an artificially induced boom is doomed.” Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., p. 575. Por isso, é um grave erro pensar que o crash da bolsa que anuncia a crise destrói riqueza real. Pelo contrário, como já sabemos, as destruição econômica acontece antes, em forma de mau investimento generalizado durante a etapa anterior de boom de crédito. A queda da bolsa indica apenas que os agentes econômicos se aperceberam finalmente deste fenômeno. Ver ainda a seção 14.
[56] O efeito da expansão de crédito é tão mais prejudicial quanto os agentes econômicos estejam habituados a uma economia austera, cujo crescimento sustentado se deva única e exclusivamente à poupança voluntária. No entanto, nas circunstâncias atuais, em que os auges artificiais e as depressões se sucedem, os agentes econômicos começam a aprender por experiência própria e os efeitos expansivos da concessão de créditos são cada vez menores ou obtidos única e exclusivamente à custa de injetá-los a um ritmo e volume cada vez maiores.
[57] William D. Nordhaus, “The Political Business Cycle”, Review of Economic Studies, vol. 42, n.º 130, Abril de 1975, pp. 169-190. E também Edward R. Tufte, Political Control of the Economy, Princeton University Press, Princeton 1978; e C. Duncan MacRae, “A Political Model of the Business Cycle”, publicado em Journal of Political Economy, vol. 85, 1977, pp. 239-263.
[58] Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., p. 578. A tradução desta passagem poderia ser: “Mas o pior é que as pessoas são incorrigíveis. Depois de alguns anos, embarcam de novo na expansão de crédito, e a velha história se repete.”
[59] Outra função essencial da bolsa de valores e do mercado de opções e futuros foi revelada, na mais pura tradição da Escola Austríaca, por Ludwig M. Lachmann, para quem “the Stock Exchange by facilitating the exchange of knowledge tends to make the expectations of large numbers of people consistent with each other, at least more consistent than they would have been otherwise; and that through the continual revaluation of yield streams it promotes consistent capital change and therefore economic progress.”Ludwig M. Lachmann, Capital and its Structure, ob. cit., p. 71 (grifo nosso).
[60] Importa realçar que o setor bancário se apropriou, em grande medida, deste importante papel da bolsa de valores, uma vez que, ao poder expandir o crédito, gerar depósitos e remunerá-los, tornou-se o instrumento mais utilizado para investir os excessos temporários de caixa. Esta situação é muito nefasta, uma vez que permite um crescimento ainda maior da expansão de crédito, com os efeitos negativos que conhecemos. Pelo contrário, se os excessos de caixa fossem colocados na bolsa de valores, haveria um aumento efetivo da poupança voluntária, o que permitiria alongar os processos de investimento sem que estes se vissem forçados a ser suspensos por um inevitável crise ulterior (embora os poupadores nunca tivessem a garantia de receber, em caso de venda dos títulos, o mesmo valor monetário que tinham utilizado para a compra). Além disso, estamos agora em posição de entender a razão por que não é justificada a crítica que frequentemente é efetuada ao mercado de valores e segundo a qual o seu pequeno tamanho e escasso desenvolvimento tornam inevitável a extensão do papel dos bancos no que respeita aos financiamentos de projetos produtivos. No entanto, a realidade é precisamente a oposta: é a possibilidade de os bancos financiarem projetos de investimento por meio de expansão de crédito sem cobertura de poupança real o que lhes confere um maior protagonismo nos projetos de investimento, em detrimento, precisamente, do mercado de valores, que perde importância no processo de investimento e se converte num mercado secundário que, ao logo do ciclo, segue as linhas gerais estabelecidas pelo sector bancário.
[61] Apenas se ocorrer uma diminuição súbita (e pouco provável) na preferência temporal da sociedade, os índices da bolsa poderão, na ausência de expansão de crédito, dar um salto para alcançar um novo nível (consolidado) a partir do qual, possa ocorrer, quando muito, um crescimento lento e gradual da bolsa. Por isso, os booms e as euforias das bolsas prolongadas continuamente são sempre artificiais e se alimentam da expansão de crédito. Além disso, estas euforias bolsistas estimulam o público a adiar o consumo a curto prazo e a investir os saldos de caixa na bolsa. Assim, enquanto se mantiverem as expectativas de auges na bolsas, alimentadas pela expansão de crédito, pode se atrasar a chegada da recessão. É o que está acontecendo nos principais mercados de bolsas americanos e europeus quando se escrevem estas linhas (final de 1997).
[62] Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, ob. cit., p. 92. Esta obra de Machlup é, sob todos os pontos de vista, essencial para compreender a influência do ciclo sobre a bolsa de valores. A tradução para português poderia ser a seguinte: “Não fosse a elasticidade do crédito bancário, que foi frequentemente vista como algo positivo, e o boom nos valores mobiliários não poderia se manter indefinidamente. Na ausência de crédito inflacionário, os fundos disponíveis para serem emprestados ao público para a compra de títulos mobiliários depressa se extinguiriam.”
[63] “Stock Exchange profits made during such periods of capital appreciation in terms of money, which do not correspond to any proportional increase of capital beyond the amount which is required to reproduce the equivalent of current income, are not income, and their use for consumption purposes must lead to a destruction of capital.” F.A. Hayek, “The Maintenance of Capital”, Economica, vol. II, Agosto de 1934. Este artículo é o capítulo III de Profits, Interest and Investment, ob. cit., pp. 83-134. A citação que acabamos de fazer encontra-se na p. 133.
[64] Independentemente do fato histórico concreto que a desencadeie, a crise na bolsa deflagrará a partir do momento em que a expansão de crédito diminua, uma vez que, como refere Fritz Machlup: “The most probable result in this case is a quick recession of security prices. For higher stock prices will invite a new supply of securities, and the corporations, which want to take advantage of the higher prices in order to draw funds from the stock exchange and use them for real investment, will find that there are no additional funds to be had.” Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, ob. cit., p. 90.
[65] Não nos referimos ao fato inquestionável de que o interesse particular de muitos detentores de títulos especulativos se encontra atrás de uma grande parte do “clamor público” a favor do apoio institucional à bolsa. Da mesma forma, é muito significativo que, quando uma crise na bolsa é deflagrada, sejam lançadas quase unanimemente por meio da comunicação social mensagens “tranquilizadoras” que insistem no caráter passageiro e “injustificado” do fenômeno e aconselham o público não só a não se libertar das suas ações, mas também a aproveitar a situação para comprar mais títulos a bom preço. As vozes discordantes dos que veem a situação de outra forma e acreditam que o melhor é vender (e que, em situações de crise são a maioria dos que acodem ao mercado) são sempre discreta e convenientemente silenciadas.
[66] Assim, por exemplo, mesmo antes do crash da bolsa a 24 de outubro de 1929, o mesmo Irving Fischer afirmava com confiança no dia 17 de outubro de 1929 que: “we are in a ‘higher plateau’ of stock exchange prices”, já plenamente consolidado e que nunca baixaria. Ver as declarações de Fisher à Commercial & Financial Chronicle, publicadas a 26 de outubro de 1929, pp. 2618-19. Citado por Benjamin M. Anderson,Economics and the Public Welfare: A Financial and Economic History of the United States, 1914-1946, Liberty Press, Indianapolis, 1979, p. 210. No mesmo erro de Fischer caíram Wesley C. Mitchell, R.G. Hawtrey e o próprio John Maynard Keynes. Ver: Mark Skousen “Who predicted the 1929 crash?”, ob. cit., pp. 254-257 (ver, ainda, a nota 99).
[67] “This is clearly seen on the Stock Exchange which discounts future yield streams on the basis of the present rate of interest. A sensitive and well-informed market witnessing the spectacle of a strong boom will of course in any case sooner or later have its misgivings about future yields and the cost of present projects. But we need not doubt that where this is not so, a rising rate of interest would strongly reinforce the discounting factor and thus damp excessive optimism.” Ludwig M. Lachmann, Capital and its Structure, ob. cit., pp. 124- 125. Lachmann explica a grande importância que as instituições da bolsa de valores têm no alargamento do conhecimento e da informação dispersa dos diferentes agentes econômicos, aumentando a coordenação inter e intratemporal entre os mesmos. Assim, quer a bolsa de valores quer o mercado de futuros facilitam a coordenação e a estabilidade da economia, função que cumprem enquanto não sejam distorcidos pelos impactos inflacionistas da expansão de crédito. Em todo o caso, os mercados de futuros serão os primeiros a prever a sucessivas fases do ciclo econômico. Mesmo que não seja esse o caso, os próprios acontecimentos (subida das taxas de juro, perdas contabilísticas nas indústrias de bens de capital, etc.) acabarão por pôr um fim ao boom bolsista e por dar início à crise econômica.
[68] Não surpreende, portanto, que a etapa de recuperação combine uma diminuição relativa dos preços dos bens e serviços de consumo e, logo, dos valores mobiliários correspondentes a empresas mais próximas da última etapa da estrutura produtiva, e um aumento do preço dos títulos correspondentes a empresas que trabalham em etapas mais afastadas do consumo. Como refere Fritz Machlup, “a shift of demand from consumers’ goods to securities is ‘saving’. It is usually assumed that a significant price shift takes place not only between consumers’ goods and securities but also between consumers’ goods and producers’ goods. It may seem strange that the price fall in consumers’ goods should correspond on the other side to price rises in two categories of things at the same time. But there is nothing complicated about this, for the rise in price of titles to capital goods may actually involve the rise in prices of the capital goods themselves.” Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, ob. cit., pp. 70-71.
[69] “A continual rise of stock prices cannot be explained by improved conditions of production or by increased voluntary savings, but only by an inflationary credit supply. A lasting boom can result only from inflationary credit supply.” Fritz Machlup, The Stock Market, Credit and Capital Formation, ob. cit., pp. 99 e 290.
[70] Mijail Tugan-Baranovsky, “Crisis económica e producción capitalista”, incluído em Lecturas de economía política, Francisco Cabrillo (ed.), Minerva Ediciones, Madrid 1991, pp. 190-210. Na nota 86 do capítulo VII são elencadas todas as obras de Tugan-Baranovsky publicadas na Espanha.
[71] Ibidem, p. 205 (tradução nossa, itálico acrescentado).
[72] “In the German literature similar ideas were introduced mainly by the writings of Karl Marx. It is on Marx that M.v. Tougan-Baranovsky’s work is based which in turn provided the starting point for the later work of Professor Spiethoff and Professor Cassel. The extent to which the theory developed in these lectures corresponds with that of the two last named authors, particularly with that of Professor Spiethoff, need hardly be emphasised.” F.A. Hayek, Prices and Production, ob. cit., p. 103. E também The Pure Theoryof Capital, ob. cit., p. 426. Sobre Tugan-Baranovsky e o conteúdo de sua tese de doutoramento sobre “As crises industriais na Inglaterra”, consultar o artigo biográfico sobre este autor de Alec Nove, publicado emThe New Palgrave: A Dictionary of Economics, ob. cit., vol. IV, pp. 705-706. O erro de todas estas doutrinas da “desproporcionalidade” está no fato de ignorarem sua origem monetária e intervencionista (na forma de atuação privilegiada do sistema bancário), não reconhecerem a tendência empresarial para detectar e corrigir desajustamentos (na ausência de intervenções estatais) e pensarem ingenuamente que as autoridades econômicas do governo teriam um conhecimento superior destes efeitos do que a rede de empresários que actuam livremente no mercado. Ver Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., pp. 582-583.
[73] F.A. Hayek, Monetary Theory and the Trade Cycle, ob. cit., pp. 189-190. Esta passagem pode ser traduzida da seguinte forma: “As flutuações econômicas advêm da própria natureza da moderna organização do crédito. Enquanto fizermos uso do crédito bancário como um meio para estimular o desenvolvimento econômico, teremos de lidar com as crises econômicas resultantes. De certo modo, são o preço que pagamos por uma velocidade de desenvolvimento superior à que a sociedade tornaria voluntariamente possível por meio de poupança e que, desta forma, tem de lhe ser forçosamente extraída. E mesmo que seja um erro — como a recorrência de crises demonstrará — supor que podemos, desta forma, ultrapassar todos os obstáculos que se opõem ao progresso, é, pelo menos, concebível que os fatores não-econômicos do progresso, tais como conhecimento técnico e comercial, são assim beneficiados de uma forma que não devíamos renunciar sem relutância.” O jovem Hayek de 1929 acrescenta que, na sua opinião, um sistema bancário rígido conseguiria evitar a crise, mas “the stability of the economic system would be obtained at the price of curbing economic progress”, concluindo que “It is no exaggeration to say that not only would it be impossible to put such a scheme into practice in the present state of economic enlightenment of the public, but even its theoretical justification would be doubtful” (ibidem, p. 191). O próprio Hayek reconhece que a conclusão se baseia mais na intuição e em razões extraeconômicas do que numa análise teórica rigorosa, pelo que não surpreende que muito poucos anos depois, em Prices and Production e em Monetary Nationalism and International Stability, tivesse mudado de opinião, propondo a manutenção de uma oferta monetária constante e aderindo à proposta de exigir um coeficiente de caixa de 100% para o sistema bancário. Em “Hayek, Business Cycles and Fractional Reserve Banking: Continuing the De-Homogenization Process”, The Review of Austrian Economics, Vol. 9, n.º 1 (1996), pp. 77-94 Walter Block e Kenneth M. Garschin a criticam de forma contundente as afirmações feitas pelo jovem Hayek em 1929. Já em 1925, Hayek havia proposto, como solução radical para os ciclos econômicos, voltar às prescrições da lei de Peel de 1844 estabelecendo um coeficiente de caixa de 100% para os depósitos bancários à vista. Assim, as afirmações de 1929 em Monetary Theory and the Trade Cycle talvez devam ser entendidas no contexto de uma conferência dada perante a Verein für Sozialpolitik que teve lugar em Zurique em Setembro de 1928 e no rigoroso “exame de habilitação” cujo júri era composto de professores pouco inclinados a aceitar conclusões demasiado originais ou revolucionárias. Esta primeira prescrição de Hayek a favor do coeficiente de caixa de 100% encontra-se na nota 12 do seu artigo sobre “The Monetary Policy of the United States after the Recovery from the 1920 Crisis”, publicado em Money, Capital and Fluctuations: Early Essays, Roy McCloughry, ob. cit., p. 29 (ver, também, a nota 94). Note-se, por último, que esta errônea e passageira concessão de Hayek a respeito do caráter pretensamente benéfico da expansão de crédito sobre a inovação tecnológica é um eco do ingênuo inflacionismo implícito em J. A. Schumpeter, Theory of Economic Development, ob. cit., especialmente pp. 129 e ss. José Antonio de Aguirre na sua “Introducción” à edição espanhola de Eugen von Böhm-Bawerk, Teoría positiva del capital, Ediciones Aosta/Unión Editorial, Madrid 1998, pp. 19-22 dá-nos uma brilhante avaliação crítica do caráter heterodoxo de Schumpeter dentro da teoria austríaca do capital e dos ciclos.
[74] De fato, Marx considerou as versões intervencionista e sindicalista do socialismo “utópicas” e disse até que a legislação social e trabalhista a favor dos trabalhadores não poderia alcançar resultados, aceitando, assim, plenamente os argumentos da Escola Clássica contra a regulação estatal da economia de mercado. Esta postura de Marx não chega para diminuir a realidade do que é o marxismo, que, apesar desta posição, foi o principal motor ideológico dos movimentos “reformistas” que justificaram a intervenção no mercado de trabalho.
[75] Dediquei todo o livro Socialismo, cálculo económico e función empresarial, ob. cit. a demonstrar a razão por que é impossível que, até nas condições mais favoráveis, o sistema de socialismo real possa exercer um efeito coordenador por intermédio de políticas.
[76] “A dictator does not bother about whether or not the masses approve of his decision concerning how much to devote for current consumption and how much for additional investment. If the dictator invests more and thus curtails the means available for current consumption, the people must eat less and hold their tongues. No crisis emerges because the subjects have no opportunity to utter their dissatisfaction. Where there is no business at all, business can be neither good nor bad. There may be starvation or famine, but no depression in the sense in which this term is used in dealing with the problems of a market economy. Where the individuals are not free to choose, they cannot protest against the methods applied by those directing the course of production.”. Ludwig von Mises, Human Action, ob. cit., pp. 565-566.
[77] Entre outros, por Tomask Stankiewicz no seu artigo “Investment under Socialism”, Communist Economies, vol. I, n.º 2, 1989, pp. 123-130. E também por Jan Winiecki, no seu livro The Distorted World of Soviet-Type Economies, Routledge, Londres 1988 e 1991.
[78] O aumento maciço dos déficits orçamentários foi uma característica comum no anos 1980 (especialmente em Espanha) e serviu para prolongar os períodos expansivos e para atrasar e agravar a recessão subsequente. Os efeitos negativos destes déficits indiretamente monetizados sobrepuseram-se aos da expansão de crédito, provocando ainda mais desajustamentos e atrasando o início do reajustamento necessário.
[79] No meu artigo “Método e crisis en la Ciencia Económica”, Hacienda pública española, n.º 74, 1982, páginas 33 a 48, reproduzido em Jesús Huerta de Soto, Estudios de economía política, Unión Editorial, Madrid 1994, cap. III, pp. 59-82 pode ser encontrado um resumo critico da metodologia positivista, bem como a bibliografia mais relevante. As ideias metodológicas da Escola Austríaca foram evoluindo em paralelo com o debate sobre o cálculo econômico socialista, e a crítica à metodologia positivista pode ser considerada um dos subprodutos mais interessantes do referido debate, uma vez que, precisamente pelas mesmas razões pelas quais o socialismo é um erro intelectual (impossibilidade de obter a informação prática necessária de forma centralizada), em economia, não é possível observar diretamente fatos empíricos, nem contrastar empiricamente qualquer teoria, nem, em suma, efetuar previsões específicas de tempo e lugar sobre o que irá acontecer. Isto porque o objeto de investigação da Ciência Econômica é constituído pelas ideias e o conhecimento que os seres humanos têm e criam sobre o que fazem, sendo que esta informação está em constante mutação, é muito complexa e não pode ser medida, observada ou apreendida por um cientista (nem por um órgão central de planificação). Se fosse possível medir os fatos sociais e contrastar empiricamente as teorias econômicas, o socialismo seria também possível e, vice-versa, as razões que impossibilitam o socialismo são as mesmas que tornam a metodologia positivista inaplicável. Assim, dado o seu caráter “espiritual”, os fatos da realidade social só podem ser interpretados historicamente, sendo que para isso é preciso haver uma teoria prévia. Sobre esses interessantíssimos e polêmicos aspectos, consultar as 33 referências bibliográficas do meu artigo sobre o “Método”, já citado e, especialmente, os trabalhos de Mises, Theory and History, Yale University Press, Yale 1957; e de Hayek “The Facts of the Social Sciences”, emIndividualism and Economic Order, ob. cit., páginas 57 a 76, e The Counter-Revolution of Science, Free Press, Glencoe, Illinois, 1952 (existe uma magnífica reedição publicada em Indianápolis pela Liberty Press em 1979. Uma favorável e desapaixonada explicação do paradigma metodológico austríaco pode ser encontrada em Bruce Caldwell, Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century, George Allen and Unwin, Londres 1982, 2.ª edição, Routledge, Londres 1994, em especial as páginas 117 a 138.
[80] Hayek fez estas importantes observações sobre a dificuldade de contraste empírico na nossa ciência e, em particular, em relação à teoria do ciclo no discurso de recebimento do Prêmio Nobel no dia 11 de dezembro de 1974. Ver o artigo: “The Pretence of Knowledge” The American Economic Review (dezembro de 1989). Hayek conclui que “a orientação científica fez com que a maioria dos economistas tenha dado pouca importância ao que geralmente constitui a verdadeira causa do desemprego em massa pelo fato de a referida causa não poder ser confirmada por relações diretamente observáveis entre magnitudes mensuráveis. Pelo contrário, a quase exclusiva preocupação com certos fenômenos superficiais quantitativamente mensuráveis levou a uma política de efeitos negativos.”
[81] Carlo M. Cipolla, El Gobierno de la moneda: ensayos de historia monetaria, Editorial Crítica, Barcelona 1994.
[82] R.C. Mueller, “The Role of Bank Money in Venice: 1300-1500”, publicado em Studi Veneziani, Giardini Editore, Niza 1980, pp. 47-96.
[83] Como literalmente afirma Cipolla: “A atividade bancária da época tinha evoluído ao ponto de criar moeda e aumentar a velocidade da circulação.” Carlo M. Cipolla, El gobierno de la moneda, ob. cit., p. 155.
[84] Carlo M. Cipolla, El gobierno de la moneda, ob. cit., pp. 184-185.
[85] Carlo M. Cipolla, “La moneda en Florencia en el siglo XVI”, em El gobierno de la moneda: ensayos de historia monetaria, ob. cit., p. 155.
[86] Carlo M. Cipolla, El gobierno de la moneda, ob. cit., p. 104.
[87] Ver o artigo de F.A. Hayek, “First Paper Money in Eighteenth Century France”, publicado como capítulo X do livro The Trend of Economic Thinking: Essays on Political Economists and Economic History, The Collected Works of F. A. Hayek, vol. III, Routledge, Londres 1991, pp. 155-176. E também, Charles B. Kindleberger,Historia financiera de Europa, Editorial Crítica, Barcelona 1988, pp. 130 e ss.
[88] Ver Murray N. Rothbard, The Panic of 1819: Reactions and Policies, Columbia University Press, Nova York e Londres 1962. Outra contribuição importante deste livro de Rothbard foi ter demonstrado que a crise provocou uma polêmica de alto nível teórico sobre o papel do sistema bancário, destacando o aparecimento de um numeroso grupo de políticos, jornalistas e economistas que foram capazes de diagnosticar corretamente as origens da crise e de propor medidas adequadas para evitar a sua reprodução futura, tudo isto antes de Torrens e outros em Inglaterra terem desenvolvido os princípios essenciais da Currency School. Entre as personagens mais famosas a identificarem a expansão de crédito como a origem dos problemas econômicos, destacam-se Thomas Jefferson, Thomas Randolph, Daniel Raymond, o Senador Condy Raguet, John Adams e Peter Paul de Grand, que chegou até a defender a exigência de que os bancos seguissem o modelo do Banco de Amsterdã e tivesse sempre um coeficiente de caixa de 100% (ob. cit., p. 151).
[89] Tortella aponta, citando Vicens, que a crise espanhola de 1866 “é a origem da proverbial desconfiança dos negociantes catalães em relação aos bancos e às grandes empresas.” Ver Gabriel Tortella Casares, Los orígenes del capitalismo en España: banca, industria e ferrocarriles en el siglo XIX, Editorial Tecnos, Madrid 1973 (versão inglesa publicada por Arno Press, Nova York 1977), p. 339. Sobre este período da economia espanhola também pode consultar-se Juan Sardá, La política monetaria e las fluctuaciones de la economía española en el siglo XIX, Ariel, Barcelona 1970 (1.ª edição, C.S.I.C. Madrid 1948), especialmente as pp. 131-151.
[90] Um resumo histórico das crises e dos ciclos econômicos ocorridos a partir do começo a Revolução Industrial e até à Primeira Guerra Mundial pode ser encontrado com mais pormenor, por exemplo, em Maurice Niveau, Historia de los hechos económicos contemporáneos, tradução de Antonio Bosch Doménech, Editorial Ariel, Barcelona 1971, pp. 143-160.
[91] Benjamin M. Anderson, Economics and the Public Welfare: A Financial and Economic History of the United States, 1914-1946, Liberty Press, Indianapolis 1979, cap. 18, pp. 145-157. A passagem em inglês, retirada da página 146, pode traduzir-se da seguinte forma: “Entre meados de 1922 e abril de 1928, sem qualquer necessidade, justificação e de forma ligeira e irresponsável, expandimos o crédito bancário a um rítmo superior ao dobro, e nos anos que se seguiram pagamos um preço terrível por isso.”
[92] Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 88, coluna 4. Rothbard analisa ao pormenor todas as particularidades do processo inflacionário, e, em concreto, como as mesmas corresponderam a una política deliberada da Reserva Federal defendida, entre outros, pelo Secretário do Tesouro William G. McAdoo, para quem: “The primary purpose of the Federal Reserve Act was to alter and strengthen our banking system that the enlarged credit resources demanded by the needs of business and agricultural enterprises will come almost automatically into existence and at rates of interest low enough to stimulate, protect and prosper all kinds of legitimate business” (p. 113). Ver, também, George A. Selgin, “The ‘Relative’ Inflation of the 1920’s”, em Less Than Zero: The Case for a Falling Price Level in a Growing Economy, IEA, Londres 1997, pp. 55-59.
[93] Milton Friedman e Anna J. Schwartz, A Monetary History of the United States, 1867-1960, Princeton University Press, Princeton 1963, pp. 710-712 (tabela A1, coluna 8). Friedman e Schwartz, no capítulo dedicado à década de 1920, dizem que uma das novidades mais importantes do período é o fato de, pela primeira vez na história, se ter decidido usar “central-bank powers to promote internal economic stability as well as to preserve balance in international payments and to prevent and moderate strictly financial crises.In retrospect, we can see that this was a major step toward the assumption by government of explicit continuous responsibility for economic stability” (p. 240). Embora Friedman e Schwartz ponham o dedo na ferida quando fazem esta observação, a insuficiência da análise monetarista com a qual interpretam os dados leva-os a considerar que a Grande Depressão de 1929 se deveu a erros da política monetária cometidos pela Reserva Federal a partir dessa data e não, como demonstra a Escola Austríaca, à expansão de crédito dos anos 1920, cuja influência sobre a estrutura produtiva é ignorada completamente por Friedman e Schwartz, que não chegam a compreendê-la.
[94] F.A. Hayek, “The Monetary Policy of the United States after the Recovery from the 1920 Crisis”, cap. I deMoney, Capital and Fluctuations, ob. cit., pp. 5-32. Este artigo é um excerto de uma versão muito mais ampla em alemão, publicada em 1925 em Zeitschrift für Volkswirtschaft und Socialpolitik (n.º 5, 1925, vols. I-III, pp. 25-63, e vols. IV-VI, pp. 254-317). É importante realçar que na nota 4 deste artigo (p. 27-28) é apresentado pela primeira vez o argumento essencial que, partindo de Mises, Hayek viria a desenvolver mais profundamente em Prices and Production. Da mesma forma, na nota 12 do mesmo artigo pode ser encontrada a primeira afirmação explícita de Hayek no sentido do restabelecimento do coeficiente de caixa de 100% nos bancos, quando conclui que: “The problem of the prevention of crises would have received a radical solution if the basic concept of Peel’s Act had been consistently developed into the prescription of 100 percent gold cover for bank deposits as well as notes” (p. 29).
[95] F.A. Hayek, Money, Capital and Fluctuations, ob. cit., p. 17. A tradução para português é: “Qualquer aumento do índice numa percentagem determinada deve ser imediatamente seguido de um aumento na taxa de desconto ou noutras restrições ao crédito, ao passo que uma queda do nível geral dos preços deve dar lugar a uma redução da taxa de desconto.”
[96] Ou seja, em termos mais populares, existiu logo uma grande “inflação” durante o período, mas manifestou-se no setor dos ativos financeiros e bens de capital, não no dos bens de consumo (Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 154). Um apaixonante de como se foi formando a política da Reserva Federal americana de 1913 a 1930, juntamente com uma análise da estreita cooperação mantida entre o governador da Reserva Federal, Strong, e o governador do Banco de Inglaterra, Montagu Norman, que se materializou nas importantes operações de mercado aberto dos anos 1920 empreendidas com o objetivo de inflacionar a oferta monetária norte-americana para ajudar o Reino Unido na sua auto-infligida situação de deflação, pode ser lida no artigo de Murray N. Rothbard, “The Federal Reserve as a Cartelization Device: The Early Years: 1913-1930”, cap. IV de Money in Crisis: The Federal Reserve, The Economy and Monetary Reform, Barry N. Siegel (ed.), Pacific Institute, San Francisco 1984, pp. 89-136.
[97] “A experiência americana de estabilização de 1922 a 1928 mostrou que um tratamento antecipado podia gerar uma tendência inflacionária ou deflacionária em poucos meses e, antes de haver graves prejuízos. O experimento norte-americano foi um grande avanço em relação à prática do século XIX.” Ralph G. Hawtrey,The Art of Central Banking, Longmans, Londres 1932, p. 300. Rothbard qualifica Hawtrey como “one of the evil geniuses of the 1920s“. M. N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 159. O erro mais grave de Fisher, Hawtrey e dos demais teóricos “estabilizadores” é não compreenderem que a principal função do dinheiro é a de servir de veículo para o exercício criativo da função empresarial, ao deixar abertas em relação ao futuro todas as possibilidades criativas da ação humana. Por isso, a demanda de moeda e o poder de compra nunca podem deixar de variar. Como aponta Mises “with the real universe of action and unceasing change, with the economic system which cannot be rigid, neither neutrality of money nor stability of its purchasing power are compatible. A world of the kind which the necessary requirements of neutral and stable money presuppose would be a world without action” (Human Action, ob. cit., p. 419).
[98] De acordo com Phillips, McManus e Nelson, “the end result of what was probably the greatest price-level stabilization experiment in history proved to be, simply, the greatest depression”. C. A. Phillips, T. C. McManus e R. B. Nelson, Banking and the Business Cycle, Macmillan, Nova York, 1937, p. 176.
[99] Concretamente, e como já apontamos, no dia 17 de outubro de 1929 Fisher afirmou: “Stocks have reached what looks like a permanently high plateau.” Benjamin M. Anderson, Economics and the Public Welfare, ob. cit., p. 210. Sobre a fortuna que Fisher fez ao desenvolver uma máquina de calcular, a sua incapacidade para explicar teoricamente os acontecimentos que viveu e para prever o crash na bolsa no qual se arruinou, consultar a apaixonante biografia de Robert Loring Allen, Irving Fisher: A Biography, Blackwell, Oxford, 1993. Todos estes graves erros de previsão de Fisher explicam a sua falta de prestígio acadêmico e popular e o fato de a sua teoria sobre as causas da Grande Depressão não ter sido levada em grande consideração. Ver Robert W. Dimand, “Irving Fisher and Modern Macroeconomics”, The American Economic Review, vol. 87, n.º 2, Maio 1997, p. 444.
[100] Elmus Wicker, The Banking Panics of the Great Depression, Cambridge University Press, Cambridge 1996 e 2005.
[101] Murray N. Rothbard conclui a análise sobre a Grande Depressão da seguinte forma: “Economic theory demonstrates that only governmental inflation can generate a boom-andbust cycle, and that the depression will be prolonged and aggravated by inflationist and other interventionary measures. In contrast to the myth of laissez-faire, we have shown how government intervention generated the unsound boom of the 1920’s, and how Hoover’s new departure aggravated the Great Depression by massive measures of interference. The guilt for the Great Depression must, at long last, be lifted from the shoulders of the free market economy, and placed where it properly belongs: at the doors of politicians, bureaucrats, and the mass of ‘enlightened’ economists. And in any other depression, past or future, the story will be the same.”Murray N. Rothbard, America’s Great Depression, ob. cit., p. 295. Não nos referimos ao lado europeu da Grande Depressão, cuja análise pode ser encontrada no livro de Lionel Robbins The Great Depression, Macmillan, Londres e Nova York 1934. Um bom relato da crise do sistema bancário austríaco (com uma teoria subjacente que às vezes deixa muito a desejar) foi publicado recentemente por Aurel Schubert, The Credit-Anstalt Crisis of 1931, Cambridge University Press, Cambridge, 1991.
[102] Num artigo em que analisa os dados das crises ocorridas entre 1961 e 1987, Milton Friedman diz não encontrar uma correlação entre a dimensão da expansão e a posterior contracção e conclui que esses resultados: “would cast grave doubt on those theories that see as the source of a deep depression the excesses of the prior expansion (the Mises cycle theory is a clear example)”. Ver Milton Friedman, “The ‘Plucking Model’ of Business Fluctuations Revisited”, Economic Inquiry, vol. XXX1, abril de 1993, pp. 171-177 (a citação está na p. 172). No entanto, a interpretação que Friedman faz dos fatos e a sua adaptação à teoria austríaca não é correta pelos seguintes motivos: a) Friedman utiliza como indicador da evolução do ciclo os valores do PIB, que, como já sabemos, ocultam quase metade do rendimento social bruto total, que inclui o valor dos produtos intermediários e que é a que mais oscila ao longo do ciclo; b) a teoria austríaca do ciclo estabelece uma correlação entre expansão de crédito, mau investimento e recessão e não entre a expansão econômica e a recessão, ambas medidas pelo PIB; c) o período de tempo considerado por Friedman é muito curto (1961-1987). Durante esse período, todos os sinais de recessão foram seguidos de enérgicas políticas expansivas que encurtaram a recessão posterior, exceto nos dois casos comentados no texto (crises de final dos anos 1970 e de início dos anos 1990) em que a economia caiu na armadilha da recessão inflacionária. Agradeço a Mark Skousen o fato de me ter facultado a sua abundante correspondência privada com Milton Friedman sobre este tema. Ver, ainda, as considerações de Roger W. Garrison (Time and Money: The Macroeconomics of Capital Structure, ob. cit., pp. 222-235), que demonstra como os dados empíricos apresentados por Friedman são plenamente compatíveis com a teoria austríaca dos ciclos.
[103] W. N. Butos, “The Recession and Austrian Business Cycle Theory: An Empirical Perspective”, em Critical Review, vol. VII, nn. 2-3, primavera e verão de 1993. Butos conclui que a teoria austríaca do ciclo econômico é uma boa explicação analítica para a expansão da década de 1980 e a crise subsequente dos primeiro anos da década de 1990. Outro interessante artigo que aplica a teoria austríaca ao último ciclo econômico é o de Roger W. Garrison, “The Roaring Twenties and the Bullish Eighties: The Role of Government in Boom and Bust”, Critical Review, ob. cit., pp. 259-276. Em Espanha, o crescimento da oferta monetária durante a segunda metade dos anos 1980 foi também muito elevado, passando de 30 a quase 60 milhões de pesetas entre 1986 e 1992, ano em que a crise se manifesta no país com toda a violência (Banco de Espanha, Boletín estadístico, Agosto de 1994, p. 17).
[104] A própria Thatcher acabou por reconhecer na autobiografia que todos os problemas econômicos da sua Administração surgiram quando a moeda e o crédito se expandiram com demasiada rapidez e os preços dos bens de consumo acabaram por aumentar vertiginosamente. Margaret Thatcher, The Downing Street Years.
[105] Arthur Middleton Hughes, “The Recession of 1990: An Austrian Explanation”, The Review of Austrian Economics, 10, n.º 1 (1997), pp. 107-123.
[106] Entre outros, Lawrence H. White, “What has been breaking U.S. banks?”, em Critical Review, ob. cit., pp. 321-334, e Catherine England, “The Savings and Loans Debacle”, em Critical Review, ob. cit., pp. 307-320. Em Espanha, merece destaque o trabalho de Antonio Torrero Mañas, La crisis del sistema bancario: lecciones de la experiencia de Estados Unidos, Editorial Cívitas, Madrid 1993.
[107] A este respeito é muito ilustrativa a conclusão de Robert E. Hall, para quem: “established models are unhelpful in understanding this recession, and probably most of its predecessors. There was no outside force that concentrated its effects over the few months in the late summer and fall of 1990, nor was there a coincidence of forces concentrated during that period. Rather, there seems to have been a cascading of negative responses during that time, perhaps set off by Irak’s invasion of Kuwait and the resulting oil-price spike in August 1990.” É desanimador que um autor tão prestigiado esteja tão confuso em relação ao advento e desenvolvimento da crise dos anos 1990 e esta situação nos diz muito a respeito do lamentável estado atual de pobreza teórica e confusão da macroeconomia. Robert E. Hall, “Macrotheory and the Recession of 1990- 1991”, The American Economic Review, Maio de 1993, pp. 275-279 (citação retirada das pp. 278-279).
[108] O índice Nikkei 225 da Bolsa de Tóquio sofreu uma redução de 30.000 ienes, no início dos anos 1990, para menos de 15.000, no final de 1997, tendo-se verificado uma série de falências em bancos e corretoras das bolsas (como a de Hokkaido Takushoku, Sanyo e Yamaichi Securities e outras) que afetaram gravemente a credibilidade do sistema financeiro do país, que tardará muito a restabelecer-se. Além disso, as crises bancárias e bolsistas japonesas contagiaram gravemente os demais mercados asiáticos (destacam-se as falências do Peregrine Bank de Hong Kong, do Bangkok Bank of Commerce e do Bank Korea First, entre outros), e, em 1997, ameaçavam se estender ao resto do mundo. Sobre a aplicação da teoria austríaca à recessão japonesa, consultar o interessante artigo de Yoshio Suzuki, apresentado na reunião regional da Mont Pèlerin Society, que teve lugar de 25 a 30 de setembro de 1994 em Cannes, França; bem como as pertinentes considerações de Hiroyuki Okon, Austrian Economics Newsletter, Ludwig von Mises Institute, Auburn University, Alabama, Inverno de 1997, pp. 6-7.
[109] Não podemos nos referir aqui também ao efeito demolidor da crise econômica e bancária nos países subdesenvolvidos (por exemplo, a Venezuela) e nas antigas economias de socialismo real (Rússia, Albânia, Letônia, Lituânia, República Checa, Romênia, etc.), que, com grande ingenuidade e entusiasmo, se lançaram na senda da expansão de crédito desenfreada. Assim, por exemplo, na Lituânia, no final de 1995, deflagrou, depois de um período de euforia, a crise bancária, que levou ao encerramento de 16 dos 28 bancos existentes, à súbita contração do crédito, à diminuição dos investimentos e ao desemprego e mal-estar popular. O mesmo pode ser dito para os demais casos citados (muitos deles ainda com maior gravidade).
[110] Charles E. Wainhouse, “Empirical Evidence for Hayek’s Theory of Economic Fluctuations”, cap. II deMoney in Crisis: The Federal Reserve, the Economy and Monetary Reform, Barry N. Siegel (ed.), ob. cit., pp. 37-71. E também a sua “Hayek’s Theory of the Trade Cycle: The Evidence from the Time Series” (Ph.D. dissertation, New York University, 1982).
[111] Como aponta Wainhouse: “Within the constellation of available tests of causality, Granger’s notion of causality — to the extent that it requires neither the ‘true’ model nor controllability – seems to offer the best prospects to practical implementation (Wainhouse, ob. cit., p. 55. Os trabalhos de Granger a que Wainhouse se refere e nos quais baseia a sua constatação empírica da teoria austríaca são os seguintes: C. W. J. Granger, “Investigating Causal Relations by Econometric Models and Cross-Spectral Methods”,Econometrica, 37, nº 3, 1969, pp. 428 e ss., e C. W. J. Granger, “Testing for Causality: A Personal Viewpoint”, em Journal of Economic Dynamics and Control, 2, n.º 4, novembro de 1980, pp. 330 e ss.
[112] Outro interessante estudo empírico centrado nos anos da Grande Depressão de 1929 é o efetuado por Frederick C. Mills na sua obra Prices in Recession and Recovery (National Bureau of Economic Research, Nova York, 1936). Neste trabalho, Mills comprova empiricamente que a evolução dos preços durante o período de crise, recessão e recuperação que se seguiu ao crash de 1929 segue de muito perto o esquema previsto pela teoria austríaca do ciclo econômico. Especificamente, Mills conclui que, durante a depressão: “raw materials dropped precipituously; manufactured goods, customarily sluggish in their response to a downward pressure of values, lagged behind”. E no que se refere aos bens de consumo, estes: “fell less than did the average of all commodity prices”. No que diz respeito à recuperação de 1934-1936, Mills assinala que: “the prices of industrial raw materials, together with relatively high prices of finished goods, put manufacturers in an advantageous position on the operating side”. Mills, ob. cit., pp. 25-26, 96-97, 151, 157-158 e 222. Uma boa avaliação dos trabalhos de Mills pode ser encontrada em Skousen, The Structure of Production, ob. cit., pp. 58-60.
[113] V.A. Ramey, “Inventories as Factors of Production and Economic Fluctuations”, American Economic Review, Julho de 1989, pp. 338-354.
[114] Mark Skousen, “I like Hayek: how I use his model as a forecasting tool”, apresentado na reunião geral da Sociedade Mont Pèlerin que teve lugar entre 25 e 30 de setembro de 1994 em Cannes, França, pp. 10-11.
[115] Outros trabalhos recentes estão também a demonstrar o caráter não neutro do crescimento monetário e que o seu impacto é relativamente maior nas indústrias mais intensivas em capital ou que produzem bens de maior duração. Ver, por exemplo, Peter E. Kretzmer, “The Cross-Industry Effects of Unanticipated Money in an Equilibrium Business Cycle Model”, Journal of Monetary Economics, Março de 1989, n.º 23 (2), pp. 275-296; e Willem Thorbecke, “The Distributional Effects of Disinflationary Monetary Policy”, Jerome Levy Economics Institute Working Paper n.º 144, George Mason University, 1995. Tyler Cowen, ao comentar estes e outros trabalhos, conclui que: “the literature on sectoral shifts presents some of the most promising evidence in favor of Austrian approaches to business cycles. The empirical case for monetary non-neutrality across sectors is relatively strong, and we even see evidence that monetary shocks have greater real effects on industries that produce highly durable goods.” Tyler Cowen, Risk and Business Cycles: New and Old Austrian Perspectives, Routledge, Londres 1997, capítulo 5, p. 134.
[116] Ludwig von Mises, “Fallacies of the Nonmonetary Explanations of the Trade Cycle”, em Human Action, ob. cit., pp. 580-582.