[Entrevista concedida a João Antonio Abel Delazeri]
Bom dia, Cristiano. Seguem algumas perguntas para melhor compreensão na minha monografia. As perguntas possuem um viés jurídico e político, um pouco distante da área econômica, entretanto será de grande ajuda a sua concepção do tema, visto a sua relevância dentro do cenário nacional sobre o tema.
1- Em uma aparição sua em um vídeo do canal Spotniks no ano de 2021, na conversa com aquela moça comunista, você fala de maneira breve sobre a defesa e importância dos direitos naturais. Dentro da sua compreensão, qual o seu pensamento em relação à liberdade de expressão e à visão do próprio anarcocapitalismo sobre a liberdade de expressão.
Cristiano: A liberdade de expressão significa o direito de todos dizerem tudo o que quiserem, mas apenas isso ignora uma questão fática: Onde, onde o indivíduo pode exercer esse direito? Por isso para a ética da liberdade o que existe são direitos de propriedade. Então cada qual pode se expressar em sua propriedade ou naquelas que lhe são cedidas ou alugadas (como colunistas convidados por jornais ou canais de televisão).
Posso obstruir uma rua ou entrar em um comércio e me expressar? Apenas se o proprietário desses lugares permitirem.
2- Existe, na sua visão, um movimento anarcocapitalista organizado ou em formação no Brasil? Há alguma figura pública que represente esse pensamento ideológico com força semelhante ao que Javier Milei representa hoje na Argentina?
Cristiano: Não existe no Brasil algo que possa ser chamado de “movimento” nem no conceito político e nem no intelectual, existem algumas figuras que isoladamente defendem as ideias corretas, mas estão dispersas e são em número ínfimo.
O feito de Milei na Argentina não encontra precedente em nenhum lugar do mundo, o poder de vocalizar as ideias anarcocapitalistas e capitalizá-las em voto encontrou um momento único nas eleições presidenciais argentinas.
3- Considerando a estrutura política atual do Brasil, o senhor acredita que a viabilidade de uma transição para ideias anarcocapitalistas seria maior por meio do poder executivo (ou seja, por dentro do Estado como ocorre com Milei), ou que isso dependeria de pressões externas, de fora para dentro?
Cristiano: A estrutura do estado brasileiro não permite sequer a adoção de medidas liberais mais moderadas, toda a estrutura institucional e política é fruto do sindicalismo varguista que centraliza todo poder nas oligarquias laborais e patronais; desta feita, uma guinada para maior liberdade só poderá ocorrer num momento de total falência institucional.
Mas eu gostaria de me deter um pouco mais em sua afirmação sobre o caso Argentino. Apesar de Milei ter sido eleito com diversos slogans ideológicos anarcocapitalistas, o governo dele tem sido uma sistemática recusa em adotar as ideias que o elegeram. Milei tem dado muita publicidade a cortes superficiais nos gastos estatais sem sequer arranhar a estrutura de gastos do estado argentino; ainda pior, ele renegou um princípio elementar que seria o repúdio da dívida Argentina num momento que tinha tudo para fazê-lo; ao invés disso, Milei se prontificou de imediato a pagar e rolar a dívida, fazendo até acordo com o FMI para viabilizar a satisfação de credores de uma dívida contraída pelos seus antecessores comunistas em detrimento da população Argentina, mantendo o fluxo negativo de dólares que seriam fundamentais para deflacionar os preços dos produtos para o povo.
Mas nada poderia ser pior que a adesão automática e submissa à política externa americana. Milei, sem necessidade alguma, apoiou a Ucrânia e Zelensky de forma cega, para logo depois ver seu “aliado” Donald Trump desmascarar a fraude que foi o fomento ocidental a esse conflito. Pior ainda, Milei se coloca automaticamente ao lado de Israel, que comete um genocídio na faixa de gaza. Ambas as posições são conflitantes com a visão libertária sobre os conflitos.
4- Murray Rothbard é frequentemente citado como o grande teórico do anarcocapitalismo. Na sua avaliação, ele é de fato o principal marco doutrinário dessa vertente, ou autores como Robert Nozick também possuem influência relevante no desenvolvimento dessa filosofia?
Cristiano: Murray Rothbard continua sendo o grande expoente e continua atualíssimo. O poder das ideias de Rothbard transcende o tempo, pois elas são calcadas na Ética das relações humanas, de uma profunda análise da natureza humana. Partindo dessa base, Rothbard faz um diagnóstico preciso da natureza do Estado e da liberdade, colocando os fatos sob uma perspectiva desmistificada e despolitizada.
Os pensadores que não seguem essa linha acabam por cair em contradições e erros doutrinais.
5- Levando em conta os limites constitucionais e a forte defesa do Estado Democrático de Direito na Constituição de 1988, o senhor acredita que uma abordagem inspirada nas ideias de Nozick, ainda que menos ´´radical´´ que Rothbard, seria mais viável no cenário político brasileiro?
Cristiano: Não, ainda que Nozick conceda a existência de um Estado Mínimo (e toda a incoerência que isso carrega) não há nenhuma viabilidade para ideias de redução do Estado no Brasil. Nem institucionalmente, nem ideologicamente.
6- Em que medida o senhor acredita que traços culturais brasileiros, como o “jeitinho” ou a tendência de sempre buscar vantagem, representam um obstáculo prático para a adoção de um sistema mais alinhado com os princípios anarcocapitalistas?
Cristiano: Eu vejo o “jeitinho” como uma característica positiva do povo brasileiro. É a economia “informal” (termo detestável para se referir à economia livre de amarras e controle estatal), é, muitas das vezes, a forma encontrada e criativa da população para se livrar do peso da regulação e tributação estatal. Já a tendência de sempre buscar vantagem precisa ser analisada sob a ética da propriedade privada, mas eu compreendo que muitas vezes ela se refere à apropriação via vantagens concedidas pelo Estado a grupos específicos.
De uma forma neutra, o axioma da ação humana diz que o homem só age se for para sair de uma situação desvantajosa para uma situação menos desvantajosa. Se ele faz isso sem agredir a propriedade de outro ser humano, ninguém perde.
Por fim, agradeço pela atenção e disponibilidade.
Att.
João Antonio Abel Delazeri
Boa entrevista.