[Originalmente publicado em A Família Americana e o Estado, Joseph R. Peden e Fred R. Glahe, eds., (São Francisco: Instituto de Pesquisa do Pacífico, 1986).]
Embora a “Era Progressista” fosse estreitamente designada como o período de 1900 – 1914, historiadores agora percebem que o período é na verdade muito maior, esticando-se das últimas décadas do século XIX até o início da década de 1920. O período maior marca uma era em que a política americana inteira – da economia ao planejamento urbano, da medicina ao serviço social, do licenciamento profissional à ideologia dos intelectuais – foi transformado de um vago sistema laissez-faire, baseado nos direitos individuais, para um sistema de planejamento e controle estatal. Na esfera da emissão de políticas públicas intimamente relacionadas com a vida da família, muito da mudança aconteceu, ou pelo menos teve seu início, nas últimas décadas do século XIX. Nesse artigo iremos usar os insights analíticos da “nova história política” para examinar os modos que os chamados progressistas buscaram para moldar e controlar aspectos selecionados da vida familiar americana.
CONFLITO ETNICORELIGIOSO E AS ESCOLAS PÚBLICAS
Nas últimas duas décadas, o advento da “nova história política” transformou nossa compreensão do sistema político partidário e das bases do conflito político no século XIX nos EUA. Em contraste com os sistemas partidários do século XX (o “quarto” sistema partidário, 1869-1932, da supremacia Republicana; o “quinto” sistema partidário, 1932 – ? da supremacia Democrata), os partidos políticos do século XIX não eram simples coalisões de interesses com virtualmente a mesma ideologia amorfa, com cada partido borrando o que sobrou de sua imagem durante as campanhas para apelar para a maioria do centro independente. No século XIX, cada partido ofereceu uma ideologia ferozmente contrastante, e os partidos políticos desempenharam a função de impor a ideologia comum a diversos interesses setoriais e econômicos. Durante as campanhas, a ideologia e o partidarismo se tornavam ferozes e cada vez mais demarcados, já que o objetivo não era apelar aos moderados independentes – não havia virtualmente nenhum – mas exibir o voto de seus próprios partidários. Tal partidarismo e alternativas agudas marcaram o “segundo” sistema partidário americano (Whig versus Democrata, aproximadamente de 1830 a meados da década de 1850) e o “terceiro” sistema partidário (dura disputa de Republicano versus Democrata, meados da década de 1850 a 1896).
Outro insight importante da nova história política é que a paixão partidária devotada pelos Democratas e Republicanos comuns a questões de economia nacional derivou de uma paixão similar devotada ao nível local e estadual ao que agora seria chamado de questões “sociais”. Além disso, esse conflito político, a partir da década de 1830, resultou de uma transformação radical que aconteceu no protestantismo americano como um resultado do movimento do reavivamento da mesma década.
O novo movimento de reavivamento consumiu as igrejas protestantes, especialmente no Norte, como um fogo. Em contraste com as igrejas de credo Calvinista que enfatizavam a importância de obedecer a lei de Deus como expressado no credo da igreja, a nova forma de “pietismo” era bem diferente. A doutrina pietista era essencialmente como se segue: credos específicos de várias igrejas ou seitas não importam. Também não importa a obediência aos rituais ou liturgias da igreja em particular. O que conta para a salvação é apenas cada indivíduo sendo “nascido de novo” – uma confrontação direta entre o indivíduo e Deus, uma conversão mística e emocional na qual o indivíduo alcança a salvação. O rito do batismo, para o pietista, então se torna secundário; de primeira importância é seu momento de conversão pessoal.
Mas se a igreja ou credo específico se tornam submersos em um interdenominacionalismo cristão vago, então o indivíduo cristão é deixado à própria sorte com os problemas da salvação. O pietismo, conforme varreu o protestantismo americano na década de 1830, tomou duas formas bem diferentes no Norte e no Sul, com implicações políticas muito diferentes. Os sulistas, ao menos até a década de 1890, se tornaram “pietistas salvacionistas,” ou seja, eles acreditam que a experiência emocional da regeneração do indivíduo, de ser nascido de novo, era suficiente para garantir a salvação. A religião era um compartimento separado da vida, uma relação vertical indivíduo-Deus sem nenhum imperativo de transformar a cultura moldada pelos homens e as relações inter-humanas.
Em contraste, os nortistas, especialmente nas áreas habitadas pelos “ianques,” adotaram uma forma de pietismo muito diferente, o “pietismo evangélico.” Os pietistas evangélicos acreditavam que o homem deveria alcançar a salvação por um ato de vontade livre. Mais especificamente, eles também acreditavam que era necessário para a salvação individual – e não apenas uma boa ideia – dar seu melhor para garantir a salvação de todos na sociedade: “Espalhar a santidade,” para criar uma comunidade cristã ao trazer todos os homens para Cristo, era o dever ordenado divinamente dos “salvos.” Seu mandato era “transformar o mundo à imagem de Cristo.” [1]
Como cada indivíduo está sozinho para lutar com os problemas do pecado e da salvação, sem um credo ou ritual da igreja para sustentá-lo, o dever evangélico deveria, então, ser usar o estado, o braço social da comunidade cristã integrada, para eliminar a tentação e as ocasiões para o pecado. Apenas dessa forma alguém poderia desempenhar o dever divinamente ordenado de maximizar a salvação de outros.[2] E para o pietista evangélico, o pecado tomou uma definição extremamente ampla, colocando os requisitos para a santidade muito além daqueles de outros grupos cristãos. Nas palavras de um cristão antipietista, “Eles viam o pecado onde Deus não via.” Em especial, o pecado era qualquer e todas as formas de contato com bebia alcoólica, e fazer qualquer coisa além de orar e ir à igreja aos domingos. Quaisquer formas de apostas, dança, teatro, leitura de romances – para resumir, entretenimento secular de qualquer tipo – eram consideradas pecaminosas.
As formas de pecado que mais agitavam os evangélicos eram aquelas que eles diziam interferir com o livre arbítrio teológico dos indivíduos, tornando-os incapazes de alcançar a salvação. O álcool era pecaminoso porque, eles alegavam, prejudicava o livre arbítrio dos consumidores. Outra fonte especial de pecado era o Catolicismo Romano, no qual os padres e bispos, braços do Papa (a quem eles identificavam com o Anticristo), regia as mentes e, portanto, prejudicava o livre arbítrio teológico dos membros da igreja.
O pietismo evangélico apelava especialmente aos, e, portanto, teve suas raízes entre eles, “ianques,” i.e., o grupo cultural que se originou (especialmente de forma rural) na Nova Inglaterra e emigrou amplamente para povoar o norte e o oeste de Nova Iorque, o norte de Ohio, o norte de Indiana, e o norte de Illinois. Os ianques eram “imperialistas culturais” naturais, pessoas que estavam dispostas a impor seus valores e moralidade sobre outros grupos; assim sendo, eles viam com naturalidade a imposição de sua forma de pietismo através dos meios disponíveis, incluindo o uso do poder coercitivo do estado.
Em contraste aos pietistas evangélicos estavam, além de pequenos grupos de Calvinistas antiquados, dois grandes grupos cristãos, os Católicos e os Luteranos (ou ao menos, a variedade da alta igreja luterana), que eram “litúrgicos” (ou “ritualistas”) ao invés de pietistas. Os litúrgicos viam o caminho para salvação na união com a igreja específica, obediência aos seus rituais, e o uso dos sacramentos; os indivíduos não eram abandonados com suas emoções e o estado para protegê-lo. Além disso, os litúrgicos tinham uma visão muito mais relaxada e racional do que o pecado realmente era; por exemplo, beber em excesso poderia ser algo pecaminoso, mas o álcool em si mesmo com certeza não era.
Os evangélicos pietistas, da década de 1830 em diante, eram os protestantes do norte de ascendência britânica, assim como os luteranos da Escandinávia e uma minoria de sínodos alemães pietistas; os litúrgicos eram os Católicos Romanos e a alta igreja Luterana, majoritariamente alemães.
Muito rapidamente, os partidos políticos refletiam uma correlação virtualmente de um para um de sua divisão etnorreligiosa: o partido Whig, e mais tarde Republicano, consistindo principalmente de pietistas, e o partido Democrata abrangendo quase todos os litúrgicos. E por quase um século, num nível estadual e local, os pietistas Whig/Republicanos tentaram desesperadamente e determinantemente eliminar o álcool e todas as atividades aos domingos, com exceção da igreja (é claro, consumir bebida alcoólica no domingo era duplamente pecaminoso). Com relação à igreja Católica, os pietistas tentaram restringir ou abolir a imigração, já que pessoas vindas da Alemanha e Irlanda, litúrgicos, estavam ultrapassando em número as pessoas vindas da Grã-Bretanha e Escandinávia. Não tendo sucesso nesse intento e sem esperanças de fazer qualquer coisa a respeito dos adultos católicos envenenados pelos agentes do Vaticano, os evangélicos pietistas decidiram se concentrar em salvar a juventude católica e luterana tentando eliminar as escolas paroquiais, através das quais os dois grupos religiosos transmitiam sua preciosa religião e valores sociais aos jovens. O objetivo, como muitos pietistas disseram, era “cristianizar os católicos,” forçar as crianças católicas e luteranas a irem a escolas públicas, que então seriam usadas como um instrumento da protestantização pietista. Uma vez que os ianques logo adotaram a ideia de impor a virtude cívica comunitária e a obediência por meio das escolas públicas, eles foram particularmente receptivos a esse novo motivo para engrandecer a educação pública.
A todas essas agressões contínuas do que eles chamaram de “fanáticos,” os litúrgicos reagiram com igual fervor. Especialmente confusos ficaram os alemães, Luteranos e Católicos igualmente, que estavam acostumados a comparecer com a família toda a cervejarias ao ar livre aos domingos após a igreja e que agora encontraram os “fanáticos” pietistas tentando desesperadamente banir essa atividade prazerosa e aparentemente inocente. Os ataques dos protestantes pietistas às escolas privadas e paroquiais fatalmente ameaçavam a preservação e manutenção da cultura litúrgica e valores religiosos; e como grande parte dos católicos e luteranos eram imigrantes, as escolas paroquiais também serviam para manter as afinidades do grupo em um mundo novo e muitas vezes hostil – especialmente o mundo do pietismo anglo-saxônico. No caso dos alemães, também significou, por muitas décadas, preservar o ensino paroquial na amada língua alemã, contra pressões ferozes para a anglicização.
Nas últimas três décadas do século XIX, conforme a imigração católica crescia e o partido Democrata se movia lenta, mas seguramente, em direção à maioria, a pressão Republicana, e – mais amplamente – pietista, se tornou mais intensa. O propósito das escolas públicas, para os pietistas, era “unificar e tornar homogênea a sociedade.” Não havia nenhuma preocupação no século XX de separar a religião do sistema de escolas públicas. Ao contrário, na maioria das jurisdições do norte apenas membros de igrejas pietistas-protestantes eram permitidos dar aulas nas escolas públicas. A leitura diária da Bíblia Protestante, orações protestantes diárias e hinos protestantes eram comuns nas escolas públicas, e os livros didáticos estavam cheios de propaganda anticatólica. Assim, os livros didáticos das escolas da cidade de Nova Iorque falavam amplamente dos “católicos enganadores,” e introduziam em seus filhos, católicos e protestantes, a mensagem de que “os católicos são necessária, moral, intelectual e infalivelmente uma raça estúpida.”[3]
Os professores davam homilias sobre as maldades do Papado, e sobre os valores teológicos pietistas profundamente sentidos: a maldade do álcool (o “rum do demônio”) e a importância de observar o Shabbat. Nas décadas de 1880 e 1890, pietistas zelosos começaram a trabalhar ardentemente pela instrução antiálcool como requisito do currículo das escolas públicas; em 1901, todos os estados da União tinham que ter instrução sobre temperança.
Como a maioria das crianças católicas foram para as escolas públicas ao invés das paroquiais, as autoridades católicas estavam compreensivelmente ansiosas para expurgar as escolas dos requisitos e cerimônias protestantes, e dos livros didáticos anticatólicos. Para os pietistas, essas tentativas de desprotestantizar as escolas públicas eram uma “agressão romana” intolerável. Toda a questão das escolas públicas era a homogeneização moral e religiosa, e aqui os católicos estavam atrapalhando a tentativa de tornar a sociedade americana santa – produzir, através da escola pública e do evangelho protestante, “um povo política e moralmente homogêneo.” Como escreve Kleppner:
Quando eles [os pietistas] falaram de “educação moral,” eles tinham em mente os princípios da moralidade compartilhada em comum pelos aderentes da religião do evangelho, pois nas escolas públicas todas as crianças, até mesmo aquelas cujos pais estavam escravizados pelo “formalismo luterano ou a superstição romana,” seriam expostos à Bíblia. Isso foi motivo para o reto otimismo, pois eles acreditavam que a Bíblia era “o agente na conversão da alma,” “o volume que torna seres humanos em homens.”[4]
Dessa forma, o “EUA seria Salvo Através das Crianças.”[5]
Os pietistas estavam, portanto, enfurecidos que os católicos estivessem tentando bloquear a salvação das crianças dos EUA – e eventualmente dos EUA em si – tudo por ordem de um “potentado estrangeiro.” Assim, a Conferência Metodista de Nova Jersey de 1870 atacou com seus sentimentos mais profundos esse obstrucionismo católico:
Decidido, que nós depreciamos grandemente o esforço que está sendo feito pelos “Odiadores da Luz,” e especialmente por um sacerdócio arrogante, para excluir a Bíblia das Escolas Públicas de nossa terra; e que nós faremos tudo que estiver ao nosso alcance para deter o bem definido e perverso desígnio dessa “Mãe das Prostitutas.”[6]
Durante o século XIX, ataques de “nativos” aos “estrangeiros” e os nascidos em outro país foram, na verdade, ataques aos imigrantes litúrgicos. Imigrantes da Grã-Bretanha ou Escandinávia, todos pietistas, eram “bons americanos” assim que saíam do navio. Era a cultura diversa de outros imigrantes que teve de ser homogeneizada e moldada ao do Estados Unidos pietista. Assim, a Conferência Metodista da Nova Inglaterra de 1889 declarou:
Nós somos uma nação de remanescentes, tirados do Velho Mundo… A escola pública é uma das agências remediativas que trabalham em nossa sociedade para atenuar isso… e para acelerar a compactação desses materiais heterogêneos em uma natureza sólida.[7]
Ou, como um cidadão líder de Boston declarou, “a única maneira de elevar a população estrangeira era transformar suas crianças em protestantes.”[8]
Como as cidades do Norte, no final do século XIX, estavam se tornando cada vez mais cheias de imigrantes católicos, os ataques pietistas às cidades pecadoras e aos imigrantes se tornaram aspectos da luta anti-litúrgica por uma cultura pietista anglo-saxônica homogênea. Os irlandeses eram alvos especiais do desprezo pietista; um livro didático da cidade de Nova Iorque avisava amargamente que a imigração contínua poderia transformar os EUA no “esgoto comum da Irlanda,” cheia de irlandeses bêbados e depravados.[9]
O fluxo crescente de imigrantes do sul e leste da Europa no final do século XIX parecia representar problemas ainda maiores para os pietistas progressistas, mas eles não se esquivaram da tarefa. Como Elwood P. Cubberley da Universidade de Stanford, o notável historiador progressista da educação do país, declarou, os europeus do sul e do leste serviram para diluir tremendamente a linhagem nacional, e para corromper nossa vida civil… Em todos os lugares essas pessoas tendem a se estabelecer em grupos ou assentamentos, e estabelecer aqui suas maneiras, costumes e observâncias nacionais. Nossa tarefa é separar esses grupos ou assentamentos para assimilar e amalgamar essas pessoas como parte da nossa raça americana e implantar em seus filhos… o conceito anglo-saxão de justiça, lei e ordem, e governo popular…[10]
PROGRESSISTAS, EDUCAÇÃO PÚBLICA E A FAMÍLIA: O CASO DE SÃO FRANCISCO
Moldar as crianças foi, certamente, a chave para a homogeneização e a chave em geral para a visão progressista de rígido controle social sobre os indivíduos via o instrumento do estado. O eminente sociólogo da Universidade de Wisconsin, Edward Alsworth Ross, um favorito de Theodore Roosevelt e o verdadeiro epítome de um cientista social progressista, resumiu assim: o papel do funcionário público, e em particular do professor da escola pública é “pegar os pequenos pedaços do ‘plástico’ da massa humana de dentro de suas casas e moldá-los na tábua de amassar social.”[11]
A visão de Ross e de outros progressistas era de que o estado deve tomar a tarefa de controlar e inculcar os valores morais antes feito pelos pais e pela igreja. O conflito entre protestantes anglo-saxões progressistas urbanos de classe média e alta e, em grande parte, católicos da classe trabalhadora foi nitidamente delineado na batalha pelo controle do sistema escolar público de São Francisco durante a segunda década do século XX. O popular Alfred Roncovieri, um católico franco-italiano, foi o superintendente escolar eleito de 1906 em diante. Roncovieri era um tradicionalista que acreditava que a função das escolas era ensinar o básico, e que o ensino infantil sobre sexo e moralidade deveria ser função do lar e da igreja. Assim, quando começou a campanha por cursos de higiene sexual, Roncovieri consultou os clubes de mães e, em consequência disso, deixou o programa fora das escolas.
Em 1908, os progressistas da classe alta lançaram um movimento que durou uma década para expulsar Roncovieri e transformar a natureza do sistema de escolas públicas de São Francisco. Ao invés de um superintendente eleito respondendo a uma diretoria escolar eleita pelos distritos, os progressistas queriam um superintendente escolar todo poderoso nomeado por uma diretoria passiva que seria nomeada pelo prefeito. Em outras palavras, em nome de “tirar a política das escolas,” eles esperavam engrandecer a burocracia educacional e manter seu poder virtualmente livre de qualquer controle popular ou democrático. O propósito era triplo: empurrar o programa progressista de controle social, impor o controle da classe alta sobre a população da classe trabalhadora, e impor o controle do pietismo protestante sobre as etnias católica.[12]
A luta etnorreligiosa sobre as escolas públicas de São Francisco não era novidade; ela estava acontecendo tumultuosamente desde a metade do século XIX.[13] Na última metade do século XIX, São Francisco foi dividida em duas partes. Regendo a cidade estava uma elite poderosa de antigos americanos, vindos da Nova Inglaterra, incluindo advogados, empresários, e pastores protestantes pietistas. Estes constituíam sucessivamente os partidos Whig, Know-Nothing, Populista e Republicano da cidade. Do outro lado estavam os estrangeiros, majoritariamente imigrantes católicos da Europa, irlandeses, alemães, franceses e italianos que constituíam o partido Democrata.
Os protestantes logo tentaram usar as escolas públicas como força homogeneizadora e controladora. O grande teórico e fundador do sistema das escolas públicas de São Francisco, John Swett, “o Horace Mann da Califórnia,” era um Republicano de longa data e um ianque que tinha ensinado em New Hampshire antes de se mudar para o oeste. Além disso, a Diretoria de Educação era originalmente composta totalmente de pessoas da Nova Inglaterra; consistindo de emigrantes de Vermont, New Hampshire e Rhode Island. O prefeito de São Francisco era o ex-prefeito de Salem, Massachusetts, e cada administrador e professor das escolas públicas vinha da Nova Inglaterra. O primeiro superintendente das escolas não era exatamente da Nova Inglaterra, mas era quase: Thomas J. Nevins, um advogado ianque Whig de Nova Iorque e um agente da Sociedade Bíblica Americana. E as três primeiras escolas públicas em São Francisco foram instituídas no porão de uma pequena capela Batista.
Nevins, colocado como superintendente das escolas em 1851, prontamente adotou a regra das escolas da cidade de Nova Iorque: Todo professor era compelido a iniciar cada dia com uma leitura da Bíblia protestante e conduzir sessões diárias de oração protestante. E John Swett, eleito como superintendente de estado Republicano da instrução pública durante a década de 1860, declarou que a Califórnia precisava de escolas públicas por conta de sua população heterogênea: “Nada pode americanizar esses elementos caóticos, e trazer a eles o espírito de nossas instituições,” ele advertiu, “exceto as escolas públicas.”[14]
Swett estava bastante disposto a reconhecer que a fórmula educacional pietista significava que o estado assumia a jurisdição das crianças ao invés de seus pais, pois “as crianças que chegaram à idade da maturidade pertencem, não aos pais, mas ao estado, à sociedade e ao país.”[15]
Uma luta entre os ianques protestantes e católicas étnicos aconteceu em São Francisco durante a década de 1850. A carta estadual de São Francisco de 1855 tornou as escolas muito mais receptivas ao povo, com os conselhos escolares sendo eleitos de uma dúzia de distritos em vez de em geral, e o superintendente eleito pelo povo em vez nomeado pelo conselho. Os Democratas tiraram os Know-Nothing da prefeitura da cidade em 1856 e trouxeram David Broderick ao poder, um católico irlandês que controlava o partido Democrata em São Francisco e na Califórnia. Mas essa vitória foi eliminada pelo Movimento de Vigilância de São Francisco, uma organização privada de mercadores e ianques nascidos na Nova Inglaterra, que, atacando as táticas “Tammany” de Broderick, instalou-se no poder e ilegalmente deportou a maioria da organização de Broderick, substituindo-os pelo recém formado partido do Povo.
O partido do Povo governou São Francisco com punhos de ferro por dez anos, de 1857 a 1867, fazendo nomeações secretas para cargos e conduzindo através de enormes listas de nomeados gerais escolhidos em votação única em uma reunião pública. Nenhum procedimento de nomeação, primárias ou divisão de distritos, foi permitido para garantir a eleição de homens de “boa reputação”. O partido do Povo prontamente reinstalou um conselho escolar completamente ianque, e os administradores e professores nas escolas eram, novamente, firmes protestantes e militantes anticatólicos. O próprio partido do Povo atacou continuamente os irlandeses, chamando-os de “micks” (maneira ofensiva de se referir aos irlandeses) e “fedorentos”. George Tait, o superintendente das escolas nomeado pelo partido do Povo na década de 1860, lamentou, entretanto, que alguns professores estavam falhando na leitura da Bíblia protestante nas escolas, e estavam assim lançando “uma calúnia na religião e no caráter da comunidade.”
Na década de 1870, entretanto, os residentes estrangeiros ultrapassaram em número os nativos, e o partido Democrata cresceu em poder em São Francisco, o partido do Povo declinou e se uniu aos Republicanos. O Conselho de Educação acabou com a prática das devoções protestantes nas escolas, e os irlandeses e alemães começaram a ocupar cargos administrativos e de ensino no sistema das escolas pública.
Entretanto, outra reversão iniciou-se em 1874, quando a legislatura estadual Republicana aboliu as eleições distritais para o conselho escolar de São Francisco, e insistiu que todos os membros do conselho fossem eleitos de forma geral. Isso significava que apenas os ricos, o que geralmente significava os protestantes ricos, tinham probabilidade de se candidatar com sucesso. Consequentemente, enquanto em 1873, 58% do conselho escolar de São Francisco era nascido em outro país, o percentual caiu para 8% no ano seguinte. E enquanto os irlandeses eram aproximadamente 25% do eleitorado e os alemães cerca de 13%, os irlandeses não podiam preencher mais do que um ou dois dos doze assentos gerais, e os alemães não podiam preencher praticamente nenhum assento.
A luta continuou, entretanto, com a volta dos Democratas em 1883, sob a égide do político mestre, o católico irlandês Christopher “Chefe Cego” Buckley. No regime de Buckley, o conselho escolar pós-1874 dominado totalmente por empresários e profissionais ianques nascidos nos EUA, foi substituído por um conselho etnicamente balanceado com uma alta proporção da classe trabalhadora e estrangeiros. Além do mais, uma alta proporção de professores católicos irlandeses, a maioria deles eram mulheres solteiras, entrou nas escolas de São Francisco durante a era Buckley, alcançando 50% na virada do século.
No final da década de 1880, entretanto, o estridente partido Americano que era anticatólico e anti-irlandês se tornou forte em São Francisco e no resto do estado, e os líderes Republicanos ficaram felizes em se unir a eles denunciando o “perigo imigrante.” O partido Americano conseguiu retirar o católico irlandês Joseph O’Connor, diretor e superintendente, de seu alto posto como “inaceitável religiosamente.” Essa vitória anunciou uma volta da “reforma” progressista Republicana em 1891, quando ninguém menos que John Swett foi nomeado superintendente das escolas em São Francisco. Swett lutou pela reforma completa do programa: fazer com que tudo, inclusive os cargos da prefeitura, fossem nomeados ao invés de eleitos. Parte da meta foi alcançada pela nova carta patente de São Francisco em 1900, que substituiu o Conselho de Educação composto por doze homens eleitos por um conselho de quatro membros nomeados pelo prefeito.
Entretanto, o alcance da meta total ainda estava obstruído pela existência de um superintendente escolar eletivo que, desde 1907, era o popular e católico Alfred Roncovieri. Os pietistas progressistas também foram frustrados por duas décadas pelo fato de que São Francisco era gerida, pela maior parte dos anos entre 1901 e 1911 por um novo partido Sindicalista, que venceu com uma chapa equilibrada étnica e ocupacionalmente e que elegeu o católico alemão-irlandês Eugene Schmitz, um membro do sindicato dos músicos, como prefeito. E por dezoito anos após 1911, São Francisco foi governada por seu prefeito mais popular antes ou depois, “Jim Ensolarado” Rolph, um episcopal amigável aos católicos e estrangeiros, que era pró-Roncovieri e que presidia um regime etnicamente pluralista.
É importante examinar a formação do movimento da reforma progressista que eventualmente teve o que queria e expulsou Roncovieri. Essa formação consistiu na coalisão progressista padrão das elites empresariais e profissionais, e organizações nativas e anticatólicas, que promoviam o expurgo dos católicos das escolas. Uma inspiração especial veio do educador de Stanford, Elwood P. Cubberley, que energizou a filial da Califórnia da Associação das Estudantes (mais tarde, Associação Americana das Mulheres Universitárias), liderada pela rica Sra. Jesse H. Steinhart, cujo marido foi, posteriormente, líder no partido Progressista. A Sra. Steinhart conseguiu que a Sra. Agnes De Lima, uma educadora progressista da Cidade de Nova Iorque, fizesse uma pesquisa sobre as escolas de São Francisco para a associação. O relatório, apresentado em 1914, apresentou a proposta esperada de um sistema escolar “eficiente”, semelhante a uma empresa, administrado exclusivamente por educadores nomeados. A Sra. Steinhart também organizou a Sociedade da Educação Pública de São Francisco para agitar pela reforma escolar progressista; nisso ela foi auxiliada pela Câmara do Comércio de São Francisco.
Também apoiando a reforma progressista, e ansiosos pela retirada de Roncovieri, estavam outros grupos de elite na cidade, incluindo a Liga das Eleitoras, e o prestigioso Clube da Comunidade da Califórnia. A pedido da Sra. Steinhart e da Câmara do Comércio de São Francisco, que contribuiu com os fundos, Philander Claxton do Gabinete Americano de Educação avaliou seu relatório em dezembro de 1917. O relatório, que endossava a pesquisa da Associação das Estudantes e foi extremamente crítico do sistema escolar de São Francisco, pediu que todo poder sobre o sistema fosse para um superintendente escolar nomeado. Claxton também atacou o ensino de línguas estrangeiras nas escolas, que vinha sendo feito em São Francisco, e insistiu em uma “americanização” abrangente para acabar com os assentamentos étnicos.
O Relatório Claxton foi o sinal para que a Câmara de Comércio entrasse em ação e procedeu ao esboço de um referendo progressivo abrangente para a votação de novembro de 1918, convocando um superintendente nomeado e um conselho escolar nomeado. Essa iniciativa, a Emenda 37, foi apoiada pela maioria dos grupos empresariais e profissionais de destaque na cidade. Além dos mencionados acima, havia o Conselho Imobiliário, organizações femininas de elite, como a Federação dos Clubes Femininos, clubes de melhoria de bairros ricos e o Inspetor de São Francisco. A Emenda 37 perdeu, porém, por dois a um, pois teve pouco apoio em bairros populares ou entre os professores.
Dois anos mais tarde, porém, a Emenda 37 passou, auxiliada pela ressurgência do pietismo e do anticatolicismo virulento dos EUA pós-guerra. A lei seca estava triunfante, e a Ku Klux Klan experimentou um renascimento nacional como uma organização pietista e anticatólica. A KKK tinha até 3.500 membros na área da baía de São Francisco no início dos anos 1920. A anticatólica Associação Americana Protetiva também teve um renascimento, liderada na Califórnia por um pequeno empresário britânico, o anti-irlandês Grande Mestre Coronel J. Arthur Petersen.
Opondo-se à Emenda 37 nas eleições de 1920, o Padre Peter C. Yorke, um pregador proeminente e imigrante irlandês, resumiu perceptivelmente a divisão fundamental: “O sistema escolar moderno,” ele declarou, “não está satisfeito em ensinar os 3 R’s (leitura, escrita e aritmética) às crianças… o sistema alcança e toma posse de suas vidas totalmente.”
A Emenda 37 foi aprovada em 1920 por uma pequena margem de 69.200 a 66.700. Foi aprovada em todos os distritos de classe média e alta, e perdeu em todos os distritos dos trabalhadores. Quanto maior a concentração de eleitores nascidos no estrangeiro em qualquer distrito, mais votos contra havia. Os distritos italianos de 1 a 17 dos 33, a Emenda perdeu por 3 a 1; nos distritos irlandeses, ela foi derrotada por 3 a 1 também. Quanto mais protestante fosse um distrito da classe trabalhadora, mais a Emenda era apoiada.
A maior parte do lobby pela Emenda foi feito pela Conferência Educacional ad hoc. Após a vitória, a conferência apresentou com prazer a lista de nomeados para o conselho escolar, que agora consistia em sete membros nomeados pelo prefeito, e que, por sua vez, nomeavam o superintendente. O conselho proposto era constituído inteiramente de empresários, e apenas um deles era um católico irlandês conservador. O prefeito se rendeu à pressão e, então, após 1921, o pluralismo cultural no sistema escolar de São Francisco deu lugar à gestão progressista unitária. O conselho começou ameaçando deportar qualquer professor que ousasse se ausentar da escola no Dia de São Patrício (uma tradição em São Francisco desde os anos 1870), e passou a ignorar os desejos de comunidades específicas no interesse de uma cidade centralizada.
O superintendente escolar no novo regime, Dr. Joseph Marr Gwinn, ajustou a nova dispensação ao pé da letra. Sendo um “cientista” profissional da administração pública, seu objetivo era o controle unitário. Todo o pacote de panaceias educacionais progressistas típicas foi instalado, incluindo um departamento de educação e vários programas experimentais. A educação básica tradicional foi desprezada, e saiu o edito de que as crianças não deveriam ser “forçadas” a aprender os 3 R’s se elas não considerassem necessário. Os professores tradicionais, que eram atacados constantemente por serem retrógrados e “não profissionais,” não eram promovidos.
A despeito da oposição contínua de professores, pais, vizinhos, grupos étnicos, e Roncovieri, todas as tentativas de revogar a Emenda 37 falharam. A dispensação moderna do progressismo havia conquistado São Francisco. A remoção do Conselho de Educação e do superintendente escolar do controle direto e periódico do eleitorado havia efetivamente privado os pais de qualquer controle significativo sobre as políticas educacionais das escolas públicas. Por fim, como John Swett havia afirmado quase sessenta anos antes, as crianças pertenciam “não aos pais, mas ao estado, à sociedade, ao país.”
CONFLITO ETNORELIGIOSO E O SURGIMENTO DO FEMINISMO
O Sufrágio Feminino
Em meados dos anos 1890, a Democracia orientada liturgicamente estava lenta, mas consistentemente, ganhando a batalha nacional dos partidos políticos. O culminar da batalha foi a vitória democrata no congresso em 1890 e a vitória esmagadora de Grover Cleveland na eleição presidencial de 1892, em que Cleveland levou as duas Casas do Congresso com ele (um feito incomum para aquela época). Os Democratas estavam a caminho de se tornarem o partido majoritário no país, e a razão era demográfica: o fato de que a maioria dos imigrantes eram católicos e a taxa de natalidade católica era maior do que a dos protestantes pietistas. Ainda que a imigração britânica e escandinava tivesse alcançado novas altas durante os anos 1880, seus números eram em muito superados pela imigração alemã e irlandesa, essa última sendo mais alta desde o famoso afluxo pós-fome da batata que começou nos anos 1840. Além disso, a “nova imigração” do sul e leste da Europa, quase todos católicos – e especialmente italianos – começou a deixar sua marca durante a mesma década.
Os pietistas ficaram cada vez mais amargurados, intensificando seus ataques aos estrangeiros em geral e aos católicos em particular. Assim, o Reverendo T.W. Cuyler, presidente da Sociedade Nacional da Temperança, exclamou intempestivamente no verão de 1891: “Por quanto tempo mais [irá] a República … consentir em ter seu solo como lixeira para todos os rufiões húngaros, brutamontes da Boêmia e assassinos italianos de todos os tipos?”
A primeira resposta política concreta dos pietistas à crescente maré católica foi tentar restringir a imigração. Os republicanos conseguiram aprovar leis que pararam parcialmente a imigração, mas o presidente Cleveland vetou um projeto de lei para impor um teste de alfabetização a todos os imigrantes. Os republicanos também conseguiram restringir o voto dos imigrantes, fazendo com que a maioria dos estados proibisse o voto de estrangeiros, revertendo assim o costume tradicional de permitir o voto de estrangeiros. Eles também pediram o aumento do período legal de espera para a naturalização.
A bem sucedida restrição à imigração e aos votos de imigrantes ainda não era suficiente para fazer diferença, e a imigração não seria realmente vetada até os anos 1920. Mas se o voto não pudesse ser restringido de maneira bem acentuada, talvez pudesse ser expandido – na direção pietista correta.
Especificamente, estava claro para os pietistas que o papel das mulheres na família “étnica” litúrgica era muito diferente do que era na família protestante pietista. Uma das razões que impeliram os pietistas e republicanos à lei seca foi o fato de que, culturalmente, a vida dos católicos urbanos – e as cidades do Nordeste estavam se tornando cada vez mais católicas – evoluiu em torno do bar do bairro. Os homens iam à noite para a taberna para bate-papos, conversas e discussões – e geralmente recebiam suas opiniões políticas do dono do bar, que assim se tornou a potência política em sua ala particular. Portanto, a lei seca significava quebrar o poder político das máquinas litúrgicas urbanas do Partido Democrata.
Mas enquanto a vida social dos homens litúrgicos girava em torno do bar, suas esposas ficavam em casa. Enquanto as mulheres pietistas eram cada vez mais independentes e politicamente ativas, a vida das mulheres litúrgicas girava exclusivamente em torno do lar. A política era estritamente uma diversão para maridos e filhos. Percebendo isso, os pietistas começaram a pressionar pelo sufrágio feminino, percebendo que muito mais mulheres pietistas do que mulheres litúrgicas tirariam vantagem do poder de voto.
Como resultado, o movimento pelo sufrágio feminino foi fortemente pietista desde o início. Partidos ultra pietistas como o Greenback e os partidos da Lei Seca, que desprezavam os republicanos por serem moderados, indignos de confiança em questões sociais, apoiavam o sufrágio feminino em todas as partes, e os populistas tendiam nessa direção. O partido Progressista de 1912 era fortemente a favor do sufrágio feminino; deles foi a primeira grande convenção nacional a permitir mulheres delegadas. A primeira mulher eleita, Helen J. Scott, de Wisconsin, foi escolhida pelo partido Progressista.
Talvez a principal organização do movimento sufragista feminino seja a União Feminina Cristã de Temperança (WCTU), fundada em 1874 e alcançando um número enorme de 300.000 membros em 1900. Que a WCTU também estava envolvida na promoção do toque de recolher, leis anti-jogo, anti-fumo e anti-sexo – ações elogiadas pelo movimento pelo sufrágio feminino – estão claras na história oficial do sufrágio feminino no século XIX:
[A WCTU] tem sido um fator principal nas campanhas do estado pela Lei Seca, emenda constitucional, leis de reforma em geral e para a proteção de mulheres e crianças em particular, e na garantia de leis anti-jogo e anti-cigarros. Foi fundamental para aumentar a “idade de proteção” para meninas em muitos estados e para aprovar leis de toque de recolher em 400 cidades. [. . .] A associação [WCTU] protesta contra a legalização de todos os crimes, especialmente os de prostituição e venda de bebidas alcoólicas.[16]
Susan B. Anthony não apenas começou sua carreira como proibicionista profissional, mas também seus dois sucessores como presidente da principal organização de sufrágio feminino, a Associação Nacional Americana do Sufrágio Feminino – a Sra. Carrie Chapman Catt e a Dra. Anna Howard Shaw – também começaram suas carreiras profissionais como proibicionistas. A líder da WCTU, Frances E. Willard, nasceu prototipicamente de pais da Nova Inglaterra que se mudaram para o oeste para estudar na Faculdade Oberlin, então o centro do pietismo evangélico agressivo da nação, e mais tarde se estabeleceram em Wisconsin. Guiada pela Srta. Willard, a WCTU começou suas atividades pró-sufragistas exigindo que as mulheres votassem nos referendos locais sobre a lei seca. Como disse a Srta. Willard, a WCTU queria que as mulheres votassem nesta questão porque “a maioria das mulheres é contra o tráfico de bebidas …”[17]
Por outro lado, sempre que houve um referendo de eleitores sobre o sufrágio feminino, os litúrgicos e os nascidos no estrangeiro, respondendo à cultura imigrante e reagindo contra o apoio pietista-feminista à lei seca, consistentemente se opuseram ao sufrágio feminino. Em Iowa, os alemães votaram contra o sufrágio feminino, assim como os chineses na Califórnia. A emenda ao sufrágio feminino em 1896 na Califórnia foi fortemente apoiada pela amarga e anticatólica American Protective Association. As cidades, onde abundavam os católicos, tendiam a se opor ao sufrágio feminino, enquanto as áreas rurais pietistas tendiam a favorecê-lo. Assim, o referendo do Oregon de 1900 perdeu em grande parte por causa da oposição nas “favelas” católicas de Portland e Astoria.
Um colapso de votos religiosos revelador em um referendo do sufrágio feminino de 1877 foi apresentado em um relatório de uma feminista do Colorado. Ela explicou que os metodistas (os mais pietistas) eram “totalmente por nós”, os presbiterianos e episcopais (menos pietistas) “razoavelmente por nós”, enquanto os católicos romanos “não eram todos contra nós” – claramente se esperava que fossem.[18] E, testemunhando perante o Comitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos a favor do sufrágio feminino em 1880, Susan B. Anthony apresentou sua própria explicação do voto no Colorado:
No Colorado. . . 6.666 homens votaram “Sim”. Agora, vou descrever os homens que votaram “Sim”. Eram homens nativos, homens temperantes, cultos, profundos, generosos, homens justos, homens que pensam. Por outro lado, 16.007 votaram “Não”. Agora, vou descrever essa classe de eleitores. No sul desse estado vivem mexicanos, que falam a língua espanhola. . . A vasta população do Colorado é composta por essa classe de pessoas. Fui enviada para falar em uma zona eleitoral com 200 eleitores; 150 desses eleitores eram engraxates mexicanos, 40 deles cidadãos estrangeiros, e apenas 10 deles nasceram neste país; e eu deveria ser capaz de converter aqueles homens para que eu tivesse tantos direitos neste governo quanto eles. . . [19]
Ocorreu um teste de laboratório no qual as mulheres votariam; em Massachusetts, onde as mulheres receberam o poder de votar nas eleições do conselho escolar de 1879 em diante. Em 1888, um grande número de mulheres protestantes em Boston acabou expulsando os católicos do conselho escolar. Em contraste, as mulheres católicas mal votaram, “validando, assim, as tendências nativistas das sufragistas que acreditavam que a extensão do sufrágio total às mulheres seria uma barreira contra uma maior influência católica.”[20] Durante as últimas duas décadas do século XIX “quanto mais hierárquica a organização da igreja e quanto mais formal o ritual, maior era sua oposição ao sufrágio feminino, enquanto as igrejas democraticamente organizadas com pouco dogma tendiam a ser mais receptivas.”[21]
Quatro estados montanhosos adotaram o sufrágio feminino no começo e meio da década de 1890. Dois deles, Wyoming e Utah, estavam simplesmente ratificando, como estados novos, uma prática que há muito eles haviam adotado como territórios: o Wyoming em 1869 e Utah em 1870. Utah havia adotado o sufrágio feminino como uma política consciente pelos Mórmons pietistas para pesar o controle político em favor de seus membros polígamos, que ao contrário dos gentios, em sua maioria mineiros e colonos que eram homens solteiros ou que haviam deixado suas esposas no leste. O Wyoming havia adotado o sufrágio feminino numa tentativa de aumentar o poder político de seus chefes de família assentados, em contraste com os homens solteiros viajantes, e muitas vezes sem lei, que muitas vezes povoavam aquela região fronteiriça.
Tão logo o território do Wyoming adotou o sufrágio feminino ficou evidente que a mudança havia beneficiado os Republicanos, especialmente desde que as mulheres haviam se mobilizado contra as tentativas democratas de revogar a lei seca dominical do Wyoming. Em 1871, ambas as casas da legislatura do Wyoming, lideradas por seus membros Democratas, votaram para revogar o sufrágio feminino, mas o projeto foi vetado pelo governador territorial Republicano.
Dois estados adicionais a adotarem o sufrágio feminino na década de 1890 foram Idaho e Colorado. Em Idaho, a campanha, adotada por um referendo em 1896, foi liderada pelos Populistas ultrapietistas e pelos Mórmons, que dominavam na parte sul do estado. Os condados populistas do Colorado votaram uma maioria de 6.800 pelo sufrágio feminino, enquanto os condados Republicanos e Democratas votaram uma maioria de 500 votos contrários.[22]
Pode-se pensar ser paradoxal que o movimento – sufrágio feminino – nascido e centralizado no leste teria suas primeiras vitórias nos remotos estados fronteiriços da Montanha Oeste. Mas o paradoxo fica claro quando percebemos a natureza pietista, anglo-saxã protestante dos homens da fronteira, muitos deles ianques vindo originalmente do berço do pietismo americano, Nova Inglaterra. Como o historiador Frederick Jackson Turner, o grande celebrante dos ideais da fronteira, observou liricamente:
No oeste árido, esses pioneiros [da Nova Inglaterra] pararam e passaram a perceber uma nação alterada e ideais sociais alterados. . . Se seguirmos a linha de marcha do fazendeiro puritano, veremos como ele sempre foi sensível aos ismos. . . Ele é o Proibicionista de Iowa e Wisconsin, clamando contra os costumes alemães como uma invasão de seus ideais tradicionais. Ele é o Granger de Wisconsin, aprovando uma legislação restritiva sobre ferrovias. Ele é o Abolicionista, o Antimaçom, o Milerita, a Mulher Sufragista, o Espiritualista, o Mórmon do oeste de Nova Iorque.[23]
Eugenia e controle de natalidade
Assim, o movimento do sufrágio feminino, dominado pelos progressistas pietistas, não era apenas diretamente para alcançar alguns princípios abstratos de igualdade eleitoral entre homens e mulheres. Era mais um meio para outro fim: a criação de maiorias eleitorais para as medidas pietistas de controle social direto sobre as vidas das famílias americanas. Eles desejavam determinar pela intervenção do estado o que essas famílias bebiam e quando e onde elas bebiam, como elas passavam o dia de Shabbat, e como suas crianças deveriam ser educadas.
Uma forma de corrigir a demografia pró-católica crescente era restringindo a imigração; outra era promover o sufrágio feminino. Uma terceira forma, geralmente promovida em nome da “ciência”, era a eugenia, uma doutrina crescente em popularidade do movimento progressista. De forma geral, eugenia pode ser definida como o encorajamento de reprodução dos “adequados” e o desencorajamento da reprodução dos “não adequados”, o critério de “adequação” geralmente coincidia com a divisão entre protestantes nativos e brancos, e os nascidos no estrangeiro ou católicos – ou a divisão entre brancos e negros. Em casos extremos, os não adequados eram coercitivamente esterilizados.
Para o fundador do movimento eugenista americano, o distinto biólogo Charles Benedict Davenport, um nova iorquino com formação eminente na Nova Inglaterra, o movimento feminista em ascensão seria benéfico desde que o número de pessoas biologicamente superiores fosse mantido e o número de inaptos diminuísse. O biólogo Harry H. Laughlin, assessor de Davenport, editor associado do Eugenical News e muito influente na política de restrição à imigração da década de 1920 como especialista em eugenia do Comitê de Imigração e Naturalização da Câmara, enfatizou a grande importância de vetar a imigração dos europeus do sul biologicamente “inferiores”. Pois dessa forma, a superioridade biológica das mulheres anglo-saxãs estaria protegida.
O relatório de Harry Laughlin ao Comitê da Câmara, impresso em 1923, ajudou a formular a lei de imigração de 1924, que, além de limitar drasticamente a imigração total para os Estados Unidos, impôs cotas de origem nacional com base no censo de 1910, de modo a ponderar as fontes de imigração tanto quanto possível em favor dos europeus do norte. Laughlin mais tarde enfatizou que as mulheres americanas devem manter puro o sangue da nação, não se casando com o que ele chamou de “raças de cor”, nas quais incluía europeus do sul, bem como negros: pois se “homens com uma pequena fração de sangue de cor pudessem facilmente encontrar companheiras entre as mulheres brancas, os portões seriam abertos para uma mistura racial radical final de toda a população.” Para Laughlin, a moral era clara: “A perpetuidade da raça americana e, consequentemente, das instituições americanas depende da virtude e da fecundidade das mulheres americanas.”[24]
Mas o problema era que as mulheres fecundas não eram as progressistas pietistas, mas as católicas. Pois, além da imigração, outra fonte de alarme demográfico para os pietistas era a taxa de natalidade muito mais alta entre as mulheres católicas. Se ao menos elas pudessem ser induzidas a adotar o controle da natalidade! Consequentemente, o movimento de controle de natalidade tornou-se parte do arsenal pietista em sua luta sistêmica com os católicos e outros litúrgicos.
Assim, o distinto eugenista da Universidade da Califórnia, Samuel J. Holmes, lamentou que “o problema com o controle da natalidade é que ele é menos praticado onde deveria ser mais praticado.” Na revisão do controle de natalidade, órgão líder do movimento de controle de natalidade, Annie G. Porritt foi mais específica, atacando “a loucura de fechar nossos portões para pessoas do exterior, enquanto os mantinham abertos para a progênie esmagadora dos elementos menos desejáveis de nossa cidade e população favelada.”[25] Em suma, os adeptos do controle de natalidade diziam que, se o objetivo é restringir drasticamente o número total de católicos, “negros” do sul da Europa ou não, então não faz sentido limitar apenas a imigração enquanto entre os domésticos a população continua a aumentar.
O controle de natalidade e o movimento eugenista, portanto, andavam de mãos dadas, nada menos do que na opinião da conhecida líder do movimento de controle de natalidade nos Estados Unidos: Sra. Margaret Higgins Sanger, autora prolífica, fundadora e editora de longa data da Birth Control Review. Ecoando muitas das várias tendências do progressismo, a Sra. Sanger saudou a emancipação das mulheres por meio do controle de natalidade como o mais recente em ciência aplicada e “eficiência”. Como ela disse em sua autobiografia:
Em uma época que desenvolveu a ciência, a indústria e a eficiência econômica ao máximo, tão pouco se pensou no desenvolvimento de uma ciência da paternidade, uma ciência da maternidade que pudesse evitar esse terrível e não estimado desperdício de mulheres e esforços maternos.[26]
Para a Sra. Sanger, “ciência” também significava interromper a criação de pessoas inadequadas. Uma devotada eugenista e seguidora de C.B. Davenport, ela de fato repreendeu o movimento eugenista por não enfatizar suficientemente este ponto crucial:
Os eugenistas queriam mudar a ênfase do controle de natalidade de menos filhos para os pobres para mais filhos para os ricos. Voltamos a isso e procuramos primeiro impedir a multiplicação dos inaptos. Este parecia o maior e mais importante passo em direção à melhoria da raça.[27]
UNIDOS: PROGRESSIVISMO COMO PARTIDO POLÍTICO
O progressivismo foi, em grande medida, a culminação do impulso político protestante pietista, o desejo de regulamentar todos os aspectos da vida americana, econômicos e morais – até mesmo os aspectos mais íntimos e cruciais da vida familiar. Mas foi também uma aliança curiosa de um impulso tecnocrático para a regulamentação governamental, a suposta expressão da “ciência imparcial”, e o impulso religioso pietista para salvar os EUA – e o mundo – por meio da coerção do estado. Frequentemente, argumentos tanto pietistas quanto científicos eram usados, às vezes pelas mesmas pessoas, para atingir os antigos objetivos pietistas. Assim, a lei seca seria defendida por motivos religiosos, bem como por alegados fundamentos científicos ou medicinais. Em muitos casos, os principais intelectuais progressistas na virada do século XX eram ex-pietistas que foram para a faculdade e depois transferiram para a arena política seu zelo por transformar a humanidade, como uma “salvação pela ciência”. E então o movimento do Evangelho Social conseguiu combinar o coletivismo político e o cristianismo pietista no mesmo pacote. Todos esses eram elementos fortemente entrelaçados no movimento progressista.
Todas essas tendências atingiram seu apogeu no Partido Progressista e sua convenção nacional de 1912. A assembleia foi uma reunião de empresários, intelectuais, acadêmicos, tecnocratas, especialistas em eficiência e engenheiros sociais, escritores, economistas, cientistas sociais e representantes importantes das novas profissões do serviço social. Os líderes progressistas eram de classe média e alta, quase todos urbanos, altamente educados e quase todos protestantes anglo-saxões brancos com interesses pietistas do passado ou do presente.
Dos líderes do serviço social vieram senhoras da classe alta, trazendo as bênçãos do estatismo para as massas: Lillian D. Wald, Mary Kingsbury Simkhovitch e, acima de tudo, Jane Addams. A Srta. Addams, uma das grandes líderes do progressismo, nasceu na zona rural de Illinois, filha de um pai, John, que era um legislador estadual e um devoto protestante evangélico não-denominacional. A senhorita Addams ficou angustiada com a imigração do sul e do leste europeu, pessoas que eram “primitivas” e “crédulas” e que representavam o perigo do individualismo desenfreado. Suas diferentes origens étnicas perturbaram a unidade da cultura americana. No entanto, o problema, segundo a Srta. Addams, poderia ser facilmente sanado. A escola pública poderia remodelar o imigrante, despojá-lo de seus fundamentos culturais e transformá-lo em um bloco de construção de uma nova e maior comunidade americana.[28]
Além de escritores e tecnocratas profissionais na convenção do Partido Progressista, havia uma abundância de pietistas profissionais. Os líderes do Evangelho Social, Lyman Abbott, o reverendo R. Heber Newton e o reverendo Washington Gladden eram notáveis do partido progressista, e o candidato progressista a governador de Vermont era o reverendo Fraser Metzger, líder da Federação Inter Igrejas de Vermont. Na verdade, o partido progressista se autoproclamou como o “recrudescimento do espírito religioso na vida política americana”.
Muitos observadores, de fato, relataram maravilhados com o tom fortemente religioso da convenção do partido progressista. O discurso de aceitação de Theodore Roosevelt foi significativamente intitulado “A Confissão de Fé”, e suas palavras foram pontuadas por “améns” e por um canto contínuo de hinos cristãos pelos delegados reunidos. Eles cantaram “Oh, Cristãos, Avante!”, “O Hino de Batalha da República” e, finalmente, o hino revivalista “Siga, Siga, Seguiremos Jesus”, exceto que “Roosevelt” substituiu a palavra “Jesus” a cada vez.
O New York Times de 6 de agosto de 1912 resumiu a experiência incomum chamando a assembleia progressista de “uma convenção de fanáticos”. E, “Não foi uma convenção de forma alguma. Foi uma assembleia de entusiastas religiosos. Foi uma convenção como a de Pedro, o Eremita. Foi um acampamento metodista seguindo em termos políticos.”[29]
Assim, as bases da intervenção massiva do estado atual na vida interna da família americana foram lançadas na chamada “era progressista” de 1870 a 1920. Pietistas e “progressistas” se uniram para controlar as escolhas materiais e sexuais do resto do povo americano, seus hábitos de bebida e suas preferências recreativas. Seus valores, a própria criação e educação de seus filhos, deveriam ser determinados por seus superiores. A elite espiritual, biológica, política, intelectual e moral governaria, por meio do poder do estado, o caráter e a qualidade da vida familiar americana.
SIGNIFICADO
É sabido há décadas que a Era Progressista foi marcada por um crescimento radical na extensão e domínio do governo na vida econômica, social e cultural dos EUA. Durante décadas, esse grande salto para o estatismo foi ingenuamente interpretado pelos historiadores como uma resposta simples à maior necessidade de planejamento e regulamentação de uma economia cada vez mais complexa. Nos últimos anos, no entanto, os historiadores perceberam que o aumento do estatismo em nível federal e estadual pode ser melhor interpretado como uma aliança lucrativa entre certos interesses comerciais e industriais, objetivando que o governo cartelize sua indústria após os esforços privados por cartéis e monopólio terem falhado, e intelectuais, acadêmicos e tecnocratas em busca de empregos para ajudar a regular e planejar a economia, bem como a restrição de entrada em suas profissões. Em suma, a Era Progressista recriou a antiga aliança entre o Grande Governo, grandes firmas comerciais e intelectuais formadores de opinião – uma aliança que mais recentemente havia sido incorporada ao sistema mercantilista dos séculos XVI ao XVIII.
Outros historiadores descobriram um processo semelhante no nível local, especialmente o do governo urbano começando com a Era Progressista. Usando a influência da mídia e dos líderes de opinião, os grupos de alta renda e empresariais nas cidades retiraram sistematicamente o poder político das massas e centralizaram esse poder nas mãos do governo urbano, que responde às demandas progressistas. Os funcionários eleitos e a representação descentralizada dos distritos foram sistematicamente substituídos por burocratas e funcionários públicos nomeados ou por distritos extensos centralizados onde era necessário financiamento em grande escala para financiar as disputas eleitorais. Dessa forma, o poder foi transferido das mãos das massas para as mãos de uma elite minoritária de tecnocratas e empresários de alta renda. Um dos resultados foi um aumento de contratos governamentais para empresas, uma mudança de caridade do tipo “Tammany” pelos partidos políticos para um estado de bem-estar social financiado pelo pagador de impostos e a imposição de impostos mais altos sobre os residentes suburbanos para financiar emissões de títulos e esquemas de redesenvolvimento voltados para o centro de interesses financeiros.
Durante as últimas duas décadas, historiadores da educação descreveram um processo semelhante no trabalho em sistemas escolares públicos, especialmente urbanos. O escopo da escola pública foi grandemente expandido, a frequência obrigatória se espalhou para fora da Nova Inglaterra e outras áreas “ianques” durante a Era Progressista, e um poderoso movimento foi desenvolvido para tentar banir as escolas particulares e forçar todos a ingressar no sistema escolar público.
A partir do trabalho de historiadores da educação, ficou claro que o salto para o controle estatal abrangente sobre o indivíduo e sobre a vida social não se limitou, durante as eras progressista e mesmo pós-progressista, ao governo e à economia. Um processo muito mais abrangente estava em andamento. A expansão da escolaridade pública obrigatória resultou do crescimento da ideologia coletivista e anti-individualista entre intelectuais e educadores. O indivíduo, acreditavam esses “progressistas”, deve ser moldado pelo processo educacional para se conformar ao grupo, o que na prática significava os ditames da elite do poder falando em nome do grupo. Os historiadores há muito tempo estão cientes desse processo.[30] Mas a crescente percepção do progressismo como um dispositivo de cartelização de negócios levou historiadores que abandonaram a equação fácil de “homens de negócios” com “laissez faire” a ver que todas as facetas do progressismo – a econômica, a ideológica e a educacional – faziam parte de um todo integrado. A nova ideologia entre os grupos empresariais era cartelista e coletivista, em vez de individualista e laissez faire, e o controle social sobre o indivíduo exercido pelo progressismo era perfeitamente paralelo na ideologia e na prática da educação progressista. Outro paralelo com o domínio econômico, é claro, foi o aumento de poder e renda para os intelectuais tecnocratas que controlam o sistema escolar e a economia.
Se a ação das elites empresariais e intelectuais em se voltar para o progressismo estivesse agora explicada, ainda havia uma grande lacuna na explicação histórica e na compreensão do progressismo e, portanto, do salto para o estatismo a partir do início do século XX. Ainda havia a necessidade de explicar o comportamento do voto em massa e a ideologia e os programas dos partidos políticos no sistema eleitoral americano. Este capítulo aplica as descobertas esclarecedoras de “historiadores etnorreligiosos” recentes às mudanças significativas que ocorreram durante a Era Progressista no poder do governo sobre a família. Em particular, discutimos o movimento para expandir o poder da escola pública e da elite educacionalista sobre a família, bem como o movimento pelo sufrágio feminino e eugenia, todas características importantes do movimento progressista. Em todos os casos, vemos o elo vital entre essas intrusões na família e o impulso agressivo dos “pietistas” protestantes anglo-saxões de usar o estado para “tornar o Estados Unidos sagrado”, para eliminar o pecado e, assim, garantir sua própria salvação, maximizando a salvação de outros. Em particular, todas essas medidas eram parte integrante da antiga cruzada desses pietistas para reduzir, se não eliminar, o papel dos “litúrgicos”, principalmente católicos romanos e luteranos da alta igreja, da vida política americana. O esforço para acabar com o álcool e as atividades seculares aos domingos há muito esbarrava na resistência bem-sucedida dos católicos e da igreja luterana. A escolaridade pública obrigatória logo foi vista como uma arma indispensável na tarefa de “cristianizar os católicos”, de salvar as almas das crianças católicas usando as escolas públicas como arma protestantizante. O exemplo negligenciado da política de São Francisco foi sugerido como um estudo de caso dessa batalha política etnorreligiosa sobre as escolas e, portanto, sobre o direito dos pais católicos de transmitir seus próprios valores aos filhos sem sofrer obstrução protestante anglo-saxônica. O sufrágio feminino foi aproveitado como meio de aumentar o poder de voto dos protestantes anglo-saxões, e a restrição à imigração, bem como a eugenia, foi um método de reduzir a crescente ameaça demográfica dos eleitores católicos.
Em suma, as percepções recentes sobre o impulso cartelizador de vários interesses empresariais forneceram uma explicação importante para o rápido crescimento do estatismo no século XX. A história etnorreligiosa fornece uma explicação do comportamento eleitoral em massa e dos programas dos partidos políticos que complementam perfeitamente a explicação cartelizadora das ações das elites empresariais.
Artigo original aqui.
Tradução de Carla Caroline
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Notas
[1] As citações são, respectivamente, de Minutas da Conferência Anual da Igreja Episcopal Metodista, 1875, p. 228; e as Minutas da Reunião Anual da Convenção Missionária Batista do Maine, 1890, p. 13. Ambas são citadas por Paul Kleppner em O Terceiro Sistema Eleitoral, 1853-1892: Partidos, Eleitores, Cultura Política (Chapel Hill: Editora da Universidade da Carolina do Norte, 1979), p. 190. O Professor Kleppner é o decano da “nova política”, também conhecida como historiadores “etnoculturais,”. Ver também A Cruz da Cultura: Uma Análise Social da Política do Meio Oeste, 1850-1900 (Nova Iorque: The Free Press, 1970).
[2] Em contraste com os grupos cristãos anteriores, que eram amilenaristas (o retorno de Jesus encerrará a história humana) ou pré-milenaristas (o retorno de Jesus dará início a um reinado de mil anos do Reino de Deus na terra), a maioria dos petistas evangélicos eram pós-milenaristas. Resumidamente. enquanto os católicos, luteranos e a maioria dos calvinistas acreditavam que o retorno de Jesus é independente das ações humanas, os pós-milenaristas sustentavam que os cristãos deveriam estabelecer um reinado de mil anos do Reino de Deus na terra como uma pré-condição necessária para o retorno de Jesus. Em suma, os evangélicos terão que assumir o controle do estado e erradicar o pecado, para que Jesus possa retornar.
[3] Citado em David B. Tyack, O Melhor Sistema: Uma História da Educação Urbana Americana (Cambridge: Harvard University Press, 1974), pp. 84-85.
[4] Kleppner, Terceiro Sistema Eleitora, n. 1, p. 222
[5] Nosso Trabalho na Igreja (Madison. Wis.). 17 de julho de 1890. Citado em Ibid. p. 221
[6] Minutas da Conferência Anual da Igreja Episcopal Metodista de Nova Jersey, 1870, p. 24. Citado em ibid., p. 230. Reações similares podem ser encontradas nas minutas dos Metodistas da Pensilvânia Central em 1875, dos Metodistas do Maine em 1887, dos Metodistas de Nova Iorque de 1880, e dos Congregacionalistas de Wisconsin de 1890..
[7] Minutas da Sessão da Conferência Annual da Igreja Episcopal Metodista da Nova Inglaterra, 1889, p. 85. Citado em ibid., p. 223.
[8] Tyack, n. 3, p. 84.
[9] Tyack, n. 3, p. 85.
[10] Ellwood P. Cubberley. Mudando as Concepções de Educação na América (Boston: Houghton, Mifflin, 1909), pp. 15–16.
[11] Edward Alsworth Ross, Controle Social (Nova Iorque, 1912). Citado em Paul C Violas, “Filosofia Social Progressista: Charles Horton Cooley e Edward Alsworth Ross,” em C.J. Karier, P. C. Violas, e J. Spring. eds., Raízes da Crise: Educação Americana no Século XX (Chicago: Rand McNally, 1973). Pp. 40–65.
[12] As cidades já estavam começando a alcançar o ponto onde as divisões de classe e etnia quase coincidiam, onde, em outras palavras, poucos protestantes anglo-saxões da classe trabalhadora moravam nas cidades.
[13]Para um excelente estudo e análise da luta etnorreligiosa pelas escolas públicas de São Francisco de meados do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, consulte o trabalho negligenciado de Victor L. Shradar, “Etnia, Política, Religião e as Escolas Públicas de São Francisco, 1849–1933 “(dissertação de Ph.D. School of Education. Stanford University, 1974)..
[14] Shradar, n. 13. p. 14.
[15] Rousas John Rushdoony, “John Swett: A Auto-Preservação do Estado,” em O Caráter Messiânico da Educação Americana: Estudos sobre a História da Filosofia da Educação (Nutley. N.J.: Craig Press, 1963). Pp 79–80.
[16] Susan B. Anthony e Ida H. Harper. A História do Sufrágio Feminino. Vol. 4 (Rochester: Susan B. Anthony, 1902), pp. 1046–47.
[17] Citado em Eleanor Flexner, Século de Luta: O Movimento dos Direitos das Mulheres nos Estados Unidos (Nova Iorque: Atheneum, 1970), p. 183.
[18] Anthony e Harper, n 15, Vol. 3, p. 724.
[19] Citado em Alan P. Grimes, A Ética Puritana e o Sufrágio Feminino (Nova Iorque: Oxford University Press, 1967), p. 87.
[20] Jane Jerome Camhie “Mulheres Contra Mulheres: Antisufragismo Americano, 1880–1920” (dissertação de Ph.D em história, Tufts University, 1973), p. 198. Ver também James J, Kenneally, “Catolicismo e o Sufrágio Feminino em Massachusetts,” Catholic Historical Review 53 (abril 1967): 253. Juntando-se à demanda de que apenas protestantes fossem eleitos para o conselho escolar de Boston, estavam, além dos clubes anglo-americanos e numerosos ministros protestantes, a WCTU, as Mulheres Leais da Liberdade Americana, a Liga Nacional das Mulheres e a Liga das Eleitoras Independentes. Veja Kleppner. Terceiro Sistema Eleitoral. n 1, p. 350. Veja também Tyack. n. 3, pp 105-6: e Lois Bannister Merk, “Boston’s Historic Public School Crisis”, Trimestral da Nova Inglaterra 31 (junho de 1958): 172-99.
[21] Camhi, n. 20, pág. 200. As igrejas pietistas organizadas hierarquicamente, como a metodista ou a luterana escandinava, não eram menos receptivas ao sufrágio feminino do que as outras.
[22] Além disso, na legislatura do Colorado que submeteu a emenda do sufrágio feminino aos eleitores em 1893, a divisão do partido na votação foi a seguinte: republicanos, 19 a favor do sufrágio feminino e 25 contra; Democratas, 1 a favor e 8 contra; Populistas, 34 a favor e 4 contra. Veja Grimes, n. 19, pág. 96 e passim.
[23] Frederick Jackson Turner, “Forças Dominantes na Vida Ocidental,” em A Fronteira na História Americana (Nova Iorque: Holt. Rinehart & Winston, 1962), pp. 239–40. Citado em Grimes, n. 19, pp. 97–98.
[24] Citado em Donald K. Pickens. Eugenia e os Progressistas (Nashville, Tenn.: Vanderbilt University Press, 1968), p. 67.
[25] Annie G. Porritt. “Imigração e Controle de Natalidade, um Editorial,” The Birth Control Review 7 (set. 1923): 219. Citado em Pickens. n. 24, p. 73.
[26] Citado em Pickens. n. 24, p. 80.
[27] Ibid., p. 83.
[28] Ver Paul C Violas. “Jane Addams e o Novo Liberalismo,” em Karier et al., eds. Raízes da Crise, n. 11, pp. 66–83.
[29] Citado em John Allen Gable, Os Anos dos Bull Mooses: Theodore Roosevelt e o Partido Progressista (Port Washington, N.Y.: Kennikat Press, 1978), p. 75.
[30] Para uma discussão mais aprofundada sobre educação, consulte Robert B. Everhart. ed., O Monopólio da Escola Pública: Uma Análise Crítica da Educação e o Estado na Sociedade Americana(São Francisco: Pacific Institute for Public Policy Research, 1982).
Excelente artigo!
O progressismo promove ideologias terrivelmente destruidoras, como o feminismo e o eugenismo. Os libertários gradualistas deveriam repensar nessa forma da filosofia libertária. Pois, talvez os gradualistas não estejam utilizando uma forma de progressismo para “ganhar um tempo”, mas a ameaça do progressismo esteja “ganhando o tempo” desses libertários. Neste artigo, Rothbard estabelece que o progressismo é uma ameaça ao pensamento libertário. Portanto, essa ameaça deve ser exterminada do ambiente libertário antes que crie uma ideia tão perigosamente ruim quanto as outras ideias progressistas. No começo a ideia progressista é praticamente impecável, ou melhor, ela é a solução ideal para o “delicado” momento. Poucos, entretanto, conseguem perceber a hidra revolucionária escondida nas falácias de um discurso contaminador de modo q essa contaminação progressista pode acabar enfraquecendo o movimento libertário nos aspectos culturais, com fim último, desviando o real caráter da filosofia libertária.
Cara, que artigo! Mestre Rothbard se não fosse economista seria um dos maiores historiadores de todos os tempos. É o que falta hoje me dia, economistas que consigam integrar toda a cultura humana em uma teoria capaz de explicar a realidade, e não as consequências do estatismo como realidade – o que não é. Mas isso seria pedir demais para economistas formados em campos de doutrinação.
Outra questão que fica muito clara é o quanto livros como “história dos Estados Unidos” do Karnal ou
“Estas verdades: história dos Estados Unidos”, Jill Lepore, não ensinam nada de relevante sobre a história americana. Na verdade, desinformam e emburrecem. Um livro que eu não li, mas que críticos conservadores americanos chamam de fraude é “A People’s History of the United States”, Howard Zinn. Enfim, não podíamos nem chamar esses lixos de mainstream, pois em economia ainda existem os austríacos, mas o ensino da história é amplamente dominada pelos progressistas.
Outro ponto curioso é ler a palavra ianques em um contexto americano, pois a propaganda terceiro mundista chama todos os americanos de ianques. Mas de fato, os ianques são os WASP do norte. Há alguns dias eu revi o filme “E o vento levou”, onde isso fica bastante claro. Na minha opinião, o problema com este filme não foi o suposto racismo, mas sobretudo por ser um filme anti-ianque. Está tudo lá: os crimes de guerra do Shermam, o incêndio de Atlanta e os agiotas que confiscaram as terras do sul. Segundo estudos, 25% das propriedades dos cconfederados passaram para as mãos da União.