[Este artigo foi retirado da introdução do livro Socialismo – Uma análise econômica e sociológica, traduzido e lançado pela Editora Konkin]
Socialismo é o lema e a palavra de ordem dos nossos dias. A ideia socialista domina o espírito moderno. As massas o aprovam, ela expressa os pensamentos e sentimentos de todos; o socialismo colocou sua marca em nosso tempo. Quando a História vier contar nossa história, ela escreverá acima desse capítulo “A Época do Socialismo”.
No entanto, é verdade que o socialismo não criou uma sociedade que consiga representar seu ideal. Mas, por mais de uma geração, as políticas das nações civilizadas foram direcionadas a nada menos que uma realização gradual do socialismo[1]. Nos últimos anos, o movimento cresceu visivelmente em matéria de vigor e tenacidade. Algumas nações buscaram alcançar o socialismo, em seu sentido mais completo, em um só golpe. Diante de nossos olhos, o bolchevismo russo já realizou algo que, qualquer que seja o seu significado, deve ser considerado, apenas pela própria magnitude de seu projeto, como uma das conquistas mais notáveis conhecidas na história mundial. Ninguém conseguiu tanto em qualquer outro lugar. Mas, com outros povos, apenas as contradições internas do próprio socialismo e o fato de que ele não pode ser completamente realizado frustraram o triunfo socialista. Eles também foram tão longe quanto podiam nas circunstâncias dadas. Oposições em princípio ao socialismo não existem. Hoje nenhum partido influente se atreveria a defender abertamente a propriedade privada nos meios de produção. A palavra ‘Capitalismo’ expressa, para nossa época, a soma de todo o mal. Mesmo os oponentes do socialismo são dominados por ideias socialistas. Ao procurar combater o socialismo do ponto de vista de seu interesse de classe, esses oponentes – os partidos que particularmente se autodenominam “burgueses” ou “camponeses” – admitem indiretamente a validade de todos os fundamentos do pensamento socialista. Pois, se só for possível argumentar contra o programa socialista que este põe em perigo os interesses particulares de uma parte da humanidade, então já está aí afirmado o Socialismo. Se alguém reclamar que o sistema de organização econômica e social que é baseado na propriedade privada dos meios de produção não considera suficientemente os interesses da comunidade, que serve apenas a um único estrato e que limita a produtividade; e se, portanto, alguém exige dos partidários dos vários movimentos “político-sociais” e de “reforma social” a interferência do Estado em todos os campos da vida econômica, então esse alguém aceitou fundamentalmente o princípio do programa socialista. Ou ainda, se alguém pode apenas argumentar contra o socialismo que as imperfeições da natureza humana tornam sua realização impossível, ou que é impróprio sob as condições econômicas existentes proceder imediatamente à socialização, então esse alguém simplesmente está confessando que capitulou às ideias socialistas. O nacionalista também afirma o socialismo e se opõe apenas ao seu internacionalismo. Ele deseja combinar o socialismo com as ideias do imperialismo e com a luta contra as nações estrangeiras. Ele é um nacional-socialista, não um socialista internacional; mas, ele também, aprova os princípios essenciais do socialismo[2].
Os partidários do socialismo, portanto, não estão confinados aos bolcheviques e seus amigos fora da Rússia ou aos membros dos numerosos partidos socialistas: todos que consideram a ordem socialista da sociedade econômica e eticamente superior àquela baseada na propriedade privada dos meios de produção são socialistas, mesmo que tentem, por uma razão ou outra, fazer um compromisso temporário ou permanente entre seu ideal socialista e os interesses particulares que acreditam representar. Se definirmos o socialismo de maneira tão ampla, veremos que a grande maioria das pessoas está com o socialismo hoje. Aqueles que confessam os princípios do liberalismo e que veem a única forma possível de sociedade econômica em uma ordem baseada na propriedade privada dos meios de produção são poucos.
Um fato notável ilustra o sucesso das ideias socialistas: a saber, que nós nos acostumamos a designar como socialismo apenas aquela política que visa implementar o programa socialista imediata e completamente, enquanto chamamos por outros nomes todos os movimentos voltados para o mesmo objetivo com mais moderação e reserva, e até mesmo os descrevemos como inimigos do socialismo. Isso só foi possível porque sobraram poucos oponentes reais do socialismo. Mesmo na Inglaterra, a casa do liberalismo, uma nação que se tornou rica e grande por meio de sua política liberal, as pessoas não sabem mais o que o liberalismo realmente significa. Os “liberais” ingleses de hoje são socialistas, alguns mais e outros menos, moderados[3]. Na Alemanha, que nunca conheceu realmente o liberalismo e que se tornou impotente e empobrecida por meio de sua política antiliberal, as pessoas dificilmente têm uma concepção do que possa ser o liberalismo.
É sobre a vitória total da ideia socialista nas últimas décadas que repousa a grande potência do bolchevismo russo. O que torna o bolchevismo forte não é a artilharia e as metralhadoras soviéticas, mas o fato de o mundo inteiro receber suas ideias com simpatia. Muitos socialistas consideram o empreendimento bolchevique prematuro e olham para o futuro para o triunfo do socialismo. Mas, nenhum socialista deixa de se emocionar com as palavras com as quais a Terceira Internacional convoca os povos do mundo à guerra contra o capitalismo. Em todo o mundo, o impulso para o bolchevismo é sentido. Entre os fracos e indiferentes a simpatia mistura-se com o horror e com a admiração que o crente corajoso desperta sempre no oportunista tímido. Mas, as pessoas seguras e mais consistentes saúdam sem hesitar o amanhecer de uma nova época.
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Notas
[1] ‘Pode-se agora justamente alegar que a filosofia socialista de hoje nada mais é do que a afirmação consciente e explicita de princípios de organização social que já foram em grande parte adotados inconscientemente. A história econômica do século é quase um registro continuo do progresso do socialismo’. Sidney Webb em Fabian Essays (1889) p. 30.
[2] Fr. W. Foerster aponta particularmente que o movimento trabalhista atingiu seu real triunfo ‘nos corações das classes possuidoras’; através disso, ‘a força moral de resistência foi retirada dessas classes.’ (Foerster, Christentum und Klassenkampf, Zurich 1908, p. III et seq.) Em 1869 o Prince-Smith notou o fato de que as ideias socialistas encontraram apoiadores entre os empregadores. Ele menciona que entre os homens de negócios, ‘por mais estranho que isso possa soar, existem alguns que entendem sua própria atividade na economia nacional com tão pouca clareza que consideram as ideias socialistas mais ou menos fundadas e, consequentemente, têm realmente uma consciência pesada, como se tivessem que admitir para si mesmos que seus lucros eram realmente obtidos às custas de seus trabalhadores. Isso os torna tímidos e ainda mais confusos. Isso é muito ruim. Pois nossa civilização econômica estaria seriamente ameaçada se seus portadores não pudessem tirar, da sensação de completa justificação, a coragem para defender seus alicerces com a máxima determinação’. Prince-Smith’s Gesammelte Schriften, I Bd., Berlin 1877, p. 362). Prince-Smith, no entanto, não saberia como discutir criticamente as teorias socialistas.
[3] Isso é mostrado claramente nos programas dos Liberais Ingleses dos dias atuais: Britain’s Industrial Future, being the Report of the Liberal Industrial Inquiry, London 1928.