§1
A teoria marxiana da concentração
Marx procura estabelecer uma fundação econômica para a tese de que a evolução em direção ao socialismo é inevitável, ao demonstrar a concentração progressiva de capital. O capitalismo teve sucesso em privar o trabalhador da propriedade privada dos meios de produção; consumou a “expropriação dos produtores diretos”. Assim que esse processo é completo, “a continuação da socialização do trabalho e da transformação da terra e outros agentes em meios de produção socialmente explorados e, portanto, coletivos, junto com a consequente expropriação dos proprietários privados, assume uma nova forma. Aquilo que está para ser expropriado agora já não é mais o trabalhador trabalhando independentemente, mas o capitalista explorando o trabalhador. Esta expropriação é levada a cabo pela ação de forças inerentes à produção capitalista em si mesma; pela centralização do capital, cada indivíduo dá o golpe mortal a um número de outros”. De mãos dadas com isso, vai a socialização da produção. O número dos “magnatas capitalistas” está diminuindo continuamente. “A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chega a um ponto em que estes se tornam incompatíveis com seu contexto capitalista. Eles arrebentam-no. A última hora da propriedade privada capitalista chegou. Os expropriadores são expropriados.” Essa é a “expropriação dos poucos usurpadores pela massa do povo”, através da “transformação da propriedade capitalista, que atualmente já se alicerça na produção social, em propriedade social”, um processo muito menos “delongado, difícil e rígido” do que foi, em seu tempo, o processo que transformou a propriedade privada de indivíduos fazendo seu próprio trabalho em propriedade capitalista.[1]
Marx dá uma virada dialética a essas contendas. “A propriedade privada capitalista é a primeira negação da propriedade privada individual criada pela labuta dos trabalhadores. Mas, com a inevitabilidade de um processo natural, a produção capitalista traz sua própria negação. É a negação da negação. Isso não reestabelece a propriedade privada, mas apenas a propriedade individual baseada nas conquistas da era capitalista: cooperação e propriedade coletiva da terra e dos meios de produção produzidos pelo trabalho.”[2] Despoje essas afirmações de seus acessórios dialéticos e só remanesce o fato de que a concentração de estabelecimentos, empreendimentos e fortunas é inevitável. (Marx não distingue entre esses três e, obviamente, vê-os como idênticos.) Essa concentração eventualmente levaria ao socialismo, já que o mundo, uma vez transformado em um único e gigantesco empreendimento, poderia ser destituído pela sociedade com toda a facilidade; mas antes que esse estágio tenha sido alcançado, o resultado terá sido alcançado pela “revolta pela classe trabalhadora em expansão que foi escolarizada, unida e organizada justamente pelo mecanismo da produção capitalista.”[3]
Para Kautsky é claro que a “produção capitalista tende a unir os meios de produção, que se tornaram o monopólio da classe capitalista, em cada vez menos mãos. Esta evolução finalmente faz todos os meios de produção de uma nação, e de fato de toda a economia mundial, a propriedade privada de um único indivíduo ou companhia, que os usa arbitrariamente. Toda a economia será juntada em um empreendimento colossal, em que tudo há de servir a um mestre. Na sociedade capitalista, a propriedade privada dos meios de produção termina com todas as pessoas, exceto uma, sendo desprovidas de propriedade. Isto então leva à sua própria abolição, para a falta de propriedade de todos e para a escravização de todos”. Essa é uma condição em direção a qual estamos avançando rapidamente, “mais rapidamente do que a maioria das pessoas crê”. É claro, dizem-nos, essa questão não chegará tão longe. “Para a mera abordagem a essa condição precisam aumentar os sofrimentos, conflitos e contradições na sociedade a tal ponto que se tornem intoleráveis e a sociedade destrua seus laços e caia em pedaços”, a não ser que a evolução tenha anteriormente acontecido em outra direção.[4]
Deve ser observado que, de acordo com essa visão, a transição do “Alto” Capitalismo ao Socialismo deve ser efetivada apenas pela ação deliberada das massas. As massas acreditam que certos males devem ser atribuídos à propriedade privada dos meios de produção. Elas acreditam que a produção socialista provavelmente melhorará sua condição. É, portanto, uma inspiração pela teoria que os guia. De acordo com a concepção materialista da história, no entanto, essa teoria precisa em si ser o resultado inevitável de uma certa organização da produção. Aqui nós mais uma vez observamos como o marxismo anda em círculos ao tentar demonstrar suas proposições. Uma certa condição deve surgir porque a evolução leva a isso; a evolução leva a isso porque o pensamento assim demanda; mas o pensamento é determinado pelo Ser. Esse Ser, no entanto, não pode ser nada além daquele da condição social existente. A partir do pensamento determinado pela condição existente, segue-se a necessidade de uma outra condição.
Há duas objeções contra as quais toda a cadeia de racionalização não tem defesas. É incapaz de refutar a contenda de qualquer um que, apesar de argumentando nas mesmas linhas, entende o pensar como o originador, e o Ser social como aquilo que é causado. E isso tem, similarmente, nenhuma resposta à objeção de que condições futuras podem muito bem ser mal-concebidas, e que aquilo que agora soa desejável pode provar-se mais insuportável do que as condições existentes. Isso, no entanto, reabre a discussão das vantagens e desvantagens dos tipos de sociedades, aquelas que existem e aquelas desenhadas por aspirantes a reformistas. Mas essa é a discussão que o marxismo desejou suprimir.
Não deixe que suponham que a doutrina marxiana da concentração pode ser verificada pelo simples método da consulta das estatísticas dos establishments, rendas e fortunas. As estatísticas das rendas e fortunas a contradiz totalmente. Isso pode ser definitivamente afirmado apesar de todas as imperfeições dos métodos estatísticos presentes e de todas as dificuldades que as flutuações no valor do dinheiro põem no caminho do uso do material. Pode-se dizer com igual confiança que a contrapartida da teoria da concentração, a muito discutida teoria da pobreza crescente — na qual até mesmo os marxistas ortodoxos dificilmente conseguem continuar acreditando — é incompatível com os resultados da investigação estatística.[5] As estatísticas sobre as reservas agrícolas também contradizem as suposições marxianas. Aquelas que dão os números de establishments na indústria, mineração e transporte aparentam confirmar isso. Mas números que indicam uma evolução particular durante um período limitado de tempo não podem ser conclusivas. O desenvolvimento nessa breve janela de tempo pode inverter-se a longo prazo. Nós precisamos fazer melhor, portanto, ao deixar as estatísticas em ambos os lados, ambos a favor e contra. Para isso não se deve esquecer que há uma teoria subjacente a cada demonstração estatística. Números, sozinhos, não provam ou refutam nada. Apenas as conclusões derivadas do material coletado fazem isso. E essas são teóricas.
§2
A teoria da política antimonopolistica
A teoria do monopólio vai mais fundo do que a teoria marxiana da concentração. De acordo com ela, a livre competição, o sangue vital de uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, é enfraquecida pelo crescimento estável de um monopólio. As desvantagens criadas na economia pelo domínio ilimitado de monopólios privados são, no entanto, tão grandes que a sociedade não tem escolha senão transformar o monopólio privado, pela socialização, em propriedade estatal. Não importa o quão grandioso um socialismo maligno pudesse ser, seria menos danoso do que um monopólio privado. Dado que é impossível impedir a tendência em direção ao monopólio em todas as áreas crescentes da produção, então a propriedade privada dos meios de produção já está condenada.[6]
É claro que essa doutrina demanda uma investigação minuciosa sobre: primeiro, se a evolução realmente tende em direção ao controle monopolizado, e em segundo lugar, quais são os efeitos econômicos de tal monopólio. Tem-se de proceder aqui com cuidado especial. O tempo em que essa doutrina foi exposta em primeira mão era geralmente desfavorável ao estudo teórico de tais problemas. O juízo emocional das aparências, em vez do exame frio das conexões das coisas, prevaleceu na época. Até mesmo os argumentos de um economista excepcional como J. B. Clark são imbuídos com o ódio popular aos trustes. Declarações típicas de políticos contemporâneos podem ser encontradas no relatório da Comissão Alemã de Socialização de 15 de fevereiro de 1919, onde foi afirmado como “indiscutível” que a posição monopolista da indústria do carvão da Alemanha “constitui um poder independente que é incompatível com a natureza do Estado moderno, e não meramente com a do Estado socialista”. Foi, na opinião da Comissão, “desnecessário discutir novamente se e em que grau esse poder é usado erroneamente em detrimento dos demais membros da sociedade, aqueles para os quais isso é matéria-prima, os consumidores e os trabalhadores; sua existência é suficiente para tornar evidente a necessidade de aboli-lo completamente”.[7]
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Notas
[1] Marx, Das Kapital, Vol. I, p. 726 et seq.
[2] Marx, Das Kapital, Vol. I, p. 728 et seq.
[3] lbid., p. 728.
[4] Kautsky, Das Erfurter Programm, p. 83.
[5] Wolf, Sozialismus und kapitalistische Gesellschaftsordnung, Stuttgart 1892, p. 149 et seq.
[6] Clark, Essentials of Economic Theory, p. 374 et seq., 397.
[7] Report of the Sozialisienrungskommission über die Frage der Sozialisierung des Kohlenbergbaus vom 31 Juli 1920 (Appendix: Vorläufiger Bericht vom 15 Februar 1919), op. cit. p. 32.