O mito da democracia de massas

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Há um mito persistente e amplamente inquestionável de que nosso país é uma “democracia”, significando que seu governo é formado pelo seu povo e para seu povo. Esse mito reside na ideia de que existe um “povo” que tem uma vontade, que a exerce votando em eleições em larga escala para eleger governantes que adotarão políticas que reflitam essa vontade, e que o povo pode responsabilizar esses governantes substituindo-os se eles não cumprirem a vontade do povo. Em vez disso, o governo é formado pelas elites e para as elites públicas e privadas que exercem o poder político. O público de massa, como já escrevi alhures, carece de instituições culturais não estatais para resistir à penetração e ao controle das elites que governam. Assim sendo, não existe um “povo” que irá se governar.

O mito prevê que o governo federal faz o que as maiorias populares querem que ele faça. É claro que isso não acontece. De fato, o governo federal consistentemente desconsidera a opinião pública e adota políticas que promovem os interesses das elites e dos grupos de interesses especiais. São à essas formações políticas que os políticos deve prestar contas. A política é cara em termos de tempo, esforço e dinheiro, e as elites e os interesses especiais estão mais bem situados para mobilizar o governo em seu nome do que estão as pessoas comuns. Não é simplesmente o gasto com doações de campanha que torna as elites e os interesses organizados mais poderosos politicamente, embora isso certamente ajude. Mas, mais do que isso, é a quantidade de dinheiro gasto em atividades de lobby, que é enorme na política, que capacita interesses mais bem organizados e bem estabelecidos para exercer o poder. Também não é simplesmente dinheiro, mas posições e conexões que tornam poderosos os interesses da elite. O governo responde a interesses burocráticos e corporativos que controlam recursos importantes para o desempenho governamental e econômico, como o complexo industrial-militar e o setor financeiro. As exigências desses interesses estão desconectadas das do homem comum e são, em vez disso, as da classe gerencial, representada tanto nas grandes empresas de capital aberto quanto na burocracia pública, cujos interesses residiam na preservação do poder concentrado.

Milhões de pessoas geralmente estão cientes de que o governo não as serve, e a evidência dessa consciência está no declínio da confiança no governo. Há várias razões para o declínio da confiança no governo, mas entre elas está o fato de que as pessoas estão mais conscientes de que o governo não é responsável nem responsivo a elas. Na verdade, o apoio difuso ao governo democrático está diminuindo e, embora isso possa parecer promissor para os antiestatistas, reflete um número crescente de pessoas que não rejeitariam o governo se houvesse “um líder forte que não precisa se preocupar com o Congresso e as eleições“. Os antiestatistas também não querem se preocupar com congresso e eleições, mas não querem substituí-los por uma ditadura plebiscitária, e a crescente concentração de poder em um governo federal submisso às elites, combinada com o declínio do apoio geral ao regime, coloca algo assim no horizonte de possibilidades.

Chegamos a essa conjuntura em parte devido à natureza mitológica da “nossa democracia”. A tomada de decisão participativa pode ser significativa em pequenas comunidades, e teve momentos significativos em algumas democracias antigas e repúblicas antigas, medievais e renascentistas, embora a participação nesses sistemas políticos fosse de fato altamente restrita. A “democracia” de massas, no entanto, é outra questão. O homem massa, um residente da sociedade de massas despido de estruturas sociais tradicionais que dão contextos culturais e morais compartilhados nos quais as pessoas podem interpretar e aplicar valores comuns, é um observador de uma arena na qual as elites competem pelo poder umas com as outras. O homem massa não é membro de um “povo”, mas faz parte de um agregado desconectado e não de uma comunidade com laços sociais tradicionais. O homem massa participa de comportamentos ritualísticos, como o voto, que servem como forma de legitimação do domínio das elites. As escolhas oferecidas nesses rituais de legitimação são determinadas pelas elites, e as ideias que o homem massa considera são reguladas pelas escolas governamentais e moldadas pelos meios de comunicação de massa que controlam amplamente as narrativas que formam o leque do discurso dominante. Como os homens massa não têm influência real sobre os resultados da luta das elites, eles carecem de um incentivo racional para serem informados sobre os conflitos da época, portanto, como Schumpeter observou , seus pensamentos articulados sobre política são essencialmente infantis, mesmo que sejam inteligentes e competentes em outros empreendimentos. Assim, não há “vontade” popular, porque os indivíduos nas democracias de massa não exercem julgamento, mas selecionam entre as escolhas limitadas que lhes são apresentadas pelas elites. Nas grandes sociedades criadas pelos Estados, não será de outra forma, porque, como Robert Michels observou há um século em seu clássico Partidos Políticos, os líderes dos partidos de massa concorrentes têm mais em comum com seus concorrentes do que com o povo que pretendem representar. A “democracia” de massas é, portanto, mal nomeada, porque é simplesmente mais uma forma de governo de elite.

O fenômeno do populismo de direita refuta a ideia de que os grandes partidos políticos com marcas diferentes representam os interesses das elites? Não. Robert Michels mostrou como os partidos trabalhistas de esquerda na Europa evoluíram de movimentos da classe trabalhadora para organizações lideradas por elites que tinham mais em comum com os líderes de partidos concorrentes do que com seus membros constituintes. O mesmo acontece com Donald Trump nos Estados Unidos, que tem muito mais em comum com as elites democratas e republicanas do que com os eleitores americanos da classe trabalhadora. Mesmo que tais líderes sejam, no início, fundadores carismáticos de movimentos, podemos esperar que seu carisma seja “rotinizado“, como disse Max Weber, de modo que um movimento que eles criem acabará se tornando uma estrutura burocrática. Essa estrutura estará então sujeita à “lei de ferro da oligarquia” de Michels e liderada por elites diferentes de seus seguidores e cujos interesses residem em preservar seu próprio poder.

 

 

 

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