“O homem é um ser social”. Uma frase simples, mas com um significado profundo. A sociabilidade humana ocorre pelo facto de os humanos serem portadores da razão e ainda pela sua diversidade, isto é, pelo facto de cada homem ser uma peça única, que não pode ser reproduzida. Essa diversidade humana, inerente a propriedades cognitivas e físicas, é também influenciada pelo meio envolvente. É por isso que algumas teorias biológicas que procuram explicar a diversidade física entre os homens, muitas vezes, buscam as suas repostas em factores ambientais ou do meio envolvente. Segundo esses estudos, os negros, brancos e amarelos devem suas características a factores climáticos de cada território onde os vários grupos se fixaram. E essa influência geográfica sobre homens estende-se até a própria divisão de trabalho, formando modos de vida específicos. Ludwig Von Mises diz a esse respeito que
“a divisão do trabalho é o resultado da reacção consciente do homem à multiplicidade de condições naturais… Atribui às diversas regiões geográficas funções específicas no complexo processo de produção. Faz de algumas áreas, zonas urbanas, de outras, zonas rurais; localiza os vários ramos da indústria, mineração e agricultura em locais diferentes… O treinamento e a prática de tarefas específicas ajustam melhor os indivíduos às exigências de suas actividades; os homens desenvolvem algumas de suas faculdades inatas e tolhem o desenvolvimento de outras. Surgem às vocações, as pessoas se tornam especialistas.”
Então, estabelecidos os homens em diferentes ambientes ou lugares geográficos, cada grupo procurará ajustar-se da melhor forma ao seu meio envolvente, formando-se assim civilizações ou modos de vida diferenciados. Portanto, os vários e diferenciados modos de vida correspondem apenas às várias e diferenciadas respostas dos grupos humanos às condições geográficas específicas. E aqui, embora na adaptação às condições geográficas específicas alguns grupos sejam mais bem sucedidos, por exemplo em questões de inovação ou de criação da riqueza, a prior, não se pode considerar que haja civilizações melhores do que as outras, pois toda a civilização é apenas uma resposta de um grupo condicionada, em certa medida, aos factores geográficos.
Em suma, respondendo a condições geográficas, cada agrupamento humano constrói a sua própria civilização, tornando-se assim impossível essa construção civilizacional, adoptando o padrão de outras civilizações.
Bem, como sabemos, durante o longo percurso histórico da humanidade, determinados grupos deslocaram-se de seus territórios para outros, dominando e explorando outros povos. Mais do que a exploração, a maior herança do fenómeno da colonização foi a desnaturalização dos homens colonizados. Essa desnaturalização implicou a aculturação forçada, fazendo com que os agrupamentos humanos colonizados vivam de acordo com a cultura de povos colonizadores, isto desde a língua, instituições políticas e até o comportamento económico. Na prática, a nossa acção colectiva já não visa responder às condições geográficas do nosso meio, visando assim construir a nossa civilização específica, mas sim adoptar um modo de vida que endossa a exploração de outros homens.
O processo da desnaturalização tem o efeito de também destruir todo o conhecimento acumulado ao longo do tempo, anulando-se assim a própria civilização, já que os homens passam a agir sem qualquer experiência acumulada. É sobre a incapacidade induzida dos angolanos, e não só, em saber lidar com o próprio meio, que a presente obra se ocupa a abordar.
Deste modo, a primeira parte desta obra é dedicada à análise política, procurando mostrar o que representam as instituições políticas de hoje e como elas surgiram, moldando-se até aos dias de hoje. Procura explicar, com base na praxeologia, como ocorreu o processo de interrupção da construção da civilização própria, e aponta caminhos para o retorno à velha ordem, marcada essencialmente pela descentralização política, pelo respeito à propriedade privada e pacificidade no geral. A obra faz ainda uma incursão história que vai desde o período pré-colonial, colonial, aos posteriores caminhos percorridos até chegarmos aos nossos dias. Toda essa incursão só pode ser compreendida se conhecermos, ao detalhe, a nossa história, as instituições que a compõem e o que elas realmente significam. Isso implica uma análise teórica profunda de vários marcos e acontecimentos históricos do longo percurso na construção de Angola de hoje.
E, a propósito desse percurso histórico, o que realmente significa ser angolano? O período que corresponde à Independência significa realmente soberania dos angolanos? O calar das armas simboliza a paz e a liberdade dos povos que habitam o território hoje Angola? A longa guerra fratricida que assolou o País foi motivada pela busca da paz? O que motiva os conflitos em Cabinda e em África, no geral, e como podemos resolvê-los? Todos estes assuntos são abordados ao pormenor nessa primeira parte.
Para além disso, a obra também se dedica a uma discussão e enquadramento teórico de várias instituições políticas criadas para manter o status quo, desde a problemática da desigualdade, assimetrias regionais, autarquias locais, a educação estatal, a descentralização administrativa, a segurança; tudo isso feito com o intuito de se aprimorar uma compreensão melhor do nosso percurso histórico.
A segunda parte é dedicada ao diagnóstico dos problemas económicos, procurando com isto analisar, de uma forma pormenorizada, como as instituições políticas impactam a vida económica dos angolanos. Nos últimos anos, a nossa economia tem sido marcada por um forte proteccionismo que impede a entrada livre de bens e serviços produzidos no exterior, resultando dessa proibição a elevação dos preços. Esse processo começou com a proibição de importação de viaturas usadas, após o que se seguiu a proibição da importação do cimento, sendo que, nos dias de hoje, essa escalada de proibições estende-se até a maioria de bens essenciais como: açúcar, óleo alimentar, arroz, massa, só para citar alguns.
Temos observado também um fenómeno inflacionário permanente, cujo efeito imediatamente notável é a subida diária de preços, e também se nota um índice de desemprego involuntário crescente, fenómenos estes que concorrem para o agravamento das já precárias condições sociais dos angolanos. Esses e outros aspectos são devidamente narrados e, para cujo combate, são pormenorizadamente apontadas soluções, à luz da teoria económica.
A obra termina prestando um tributo a todos os empreendedores, pela audácia e persistência em produzir bens e serviços que mantêm a sociedade, em meio a muitas adversidades, sem os quais, as sociedades sucumbiriam.
Como dissemos no início, o objectivo desta obra é levar o público e especialmente os leitores a uma compreensão sobre a necessidade de se construir a civilização própria, que não pode ser feita, necessariamente, copiando padrões de outras civilizações. Tendo em conta que, por percalço histórico, esse processo de construção civilizacional foi interrompido, todo o esforço deve, então, ser empreendido na direcção do retorno à velha ordem perdida. Os leitores desta obra compreenderão, no final, que, sem o abandono das instituições políticas e económicas actuais e a consequente retoma da velha ordem, Angola e a África, no geral, nunca conhecerão a paz e a prosperidade social. Cabe-nos a nós, portanto, a escolha do caminho a trilhar.
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Notas
[1] Ludwig von Mises, Ação Humana – Um Tratado de Economia, Instituto Rothbard, São Paulo, 2010.