A economia e o cidadão

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[Este artigo foi extraído do capítulo 38 de Ação Humana]

A economia não pode ser relegada às salas de aula e aos departamentos de estatística, e nem pode ser deixada a cargo de círculos esotéricos. A economia é a filosofia da vida humana e da ação, e diz respeito a todos e a tudo. É o âmago da civilização e da própria existência do homem.

Mencionar este fato não significa ceder à fraqueza tão comum que consiste em supervalorizar a importância de seu próprio ramo do conhecimento. Não são os economistas que atribuem essa importância à ciência econômica; são as pessoas em geral.

Todos os temas políticos da atualidade tratam de problemas comumente denominados de econômicos. Todos os argumentos usados hoje em dia nos debates sociais e políticos são de natureza essencialmente praxeológica e econômica. Todas as mentes se preocupam com doutrinas econômicas. Filósofos e teólogos parecem estar mais interessados em problemas econômicos do que nos problemas que as gerações passadas consideravam objeto da filosofia e da teologia. Os romances e as peças teatrais de hoje tratam, todos, de temas humanos – inclusive as relações sexuais – sob o ângulo de doutrinas econômicas. O mundo todo, consciente ou inconscientemente, pensa em economia. Ao se filiar a um partido político, ao colocar o seu voto, o cidadão implicitamente está manifestando-se sobre teorias econômicas.

Nos séculos XVI e XVII a religião era o tema central das controvérsias políticas europeias. Nos séculos XVIII e XIX, na Europa como na América, a questão dominante era governo representativo versus absolutismo. Hoje, é economia de mercado versus socialismo.

Esse é, certamente, um problema cuja solução depende inteiramente da análise econômica. É inútil recorrer a slogans vazios ou ao misticismo do materialismo dialético.

Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem – seja quem for – não usar o melhor de sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos “entendidos” e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação de outras pessoas. Para o homem consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua descendência.

São muito poucos os que podem contribuir com alguma ideia que produza consequências para o acervo do pensamento econômico. Mas todos os homens sensatos precisam familiarizar-se com as lições da economia. Nos dias que correm, esse é um dever cívico primordial.

Queiramos ou não, o fato é que a economia não pode continuar sendo um esotérico ramo do conhecimento, acessível apenas a um grupo de estudiosos e de especialistas. A economia lida com problemas fundamentais da sociedade; concerne a todos e pertence a todos. É a preocupação mais importante e mais característica de todos os cidadãos.

A economia e a liberdade

O papel proeminente que as ideias econômicas representam na administração pública explica por que os governos, os partidos políticos e os grupos de pressão procuram restringir a liberdade de pensamento econômico. Procuram propagar a “boa” doutrina e silenciar as “más” doutrinas. Para eles, a verdade não tem força suficiente para impor-se por si mesma. Para poder prevalecer, a verdade precisa ser respaldada pela ação violenta da polícia ou de outros grupos armados. A verdade de uma doutrina depende de que seus defensores sejam capazes de derrotar pela força os partidários das outras doutrinas. Fica implícita a noção de que Deus ou alguma entidade mítica dirige o curso das atividades humanas e confere a vitória aos que lutam pela boa causa. O poder vem de Deus e sua missão sagrada é exterminar os heréticos.

Não vale a pena repisar as contradições e inconsistências dessa doutrina de intolerância e perseguição de dissidentes. Jamais em tempo algum o mundo conheceu um sistema de propaganda e de opressão tão bem arquitetado como o que é adotado pelos governos contemporâneos, pelos partidos políticos e pelos grupos de pressão. Apesar disso, todos esses edifícios desmoronarão como castelos de cartas, tão logo uma grande ideologia os enfrente.

Não só nos países governados por bárbaros ou por déspotas, mas também nas assim chamadas democracias ocidentais, o estudo de economia está praticamente proscrito. A discussão pública sobre os problemas econômicos ignora quase que inteiramente tudo o que os economistas disseram nos últimos duzentos anos. Preços, salários, juros, lucros são manipulados como se sua determinação não estivesse sujeita a qualquer lei. Os governos decretam e tentam impor valores máximos para as mercadorias e mínimos para os salários. As autoridades exortam os empresários a reduzir os lucros, a diminuir os preços e a aumentar os salários, como se esses assuntos dependessem apenas da boa vontade dos indivíduos. Nas relações econômicas internacionais, as pessoas recorrem irresponsavelmente a um mercantilismo primário. São poucos os que têm consciência dos erros de todas essas doutrinas em voga, e que compreendem por que tais políticas invariavelmente provocam desastres.

Esta é a triste realidade. Mas só há uma maneira de modificá-la: prosseguir, sem descanso, na busca da verdade.

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

1 COMENTÁRIO

  1. O problema é que à ascensão da República representou exatamente à propensão dos intelectuais aos ensinamentos econômicos falsos e insensatos. Assim como à antiga república romana se tornou imperialista depois de séculos de expansão e enriquecimento, os EUA e às demais repúblicas e nações de livre-mercado foram pelo mesmo caminho de expansão, estabelecendo o domínio de uma elite profundamente interligada entre si. O conhecimento econômico do povo só vale ao mesmo nível de seus intelectuais, e assim como aqui no Brasil o liberalismo clássico foi inexistente, nos EUA o apego às instituições estatais fizeram com que o povo americano se tornasse subserviente à figuras centralizadoras como Lincoln. Enquanto houver algum lastro cultural de obediência aos agentes autoritários nós nunca veremos o libertarianismo, de qualquer forma que seja, triunfando, pois à pseudofilosofia do estatismo já está, há muito, enraizado na mente de todos como um parasita, ao passo que ameaçar corta-lo fará com que os indivíduos imediatamente resistam. Logo, não basta apenas buscar pela verdade, é necessário que à razão prevaleça, e isso significa opor-se ao Estado de todas às maneiras, e é essencial cultivar instituições que busquem prevalecer contra o Estado no longo-prazo, e quanto mais iniciativas houver, melhor, pois os próprios agentes estatais estão em constante ação para preservar o status quo.

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