A insensatez do Nobel de economia de 2013

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size_380_fama_x_shillerA edição de 1974 do “Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel”, concedido pelo Banco Central da Suécia, foi um paradoxo.  O prêmio foi dividido entre dois economistas de ideias completamente distintas: Friedrich Hayek e Gunnar Myrdal.  Ambos foram premiados por seus trabalhos sobre flutuações monetárias e ciclos econômicos.

No início de suas carreiras, havia algumas afinidades entre eles: ambos partiam dos mesmos fundamentos estabelecidos pelo economista Knut Wicksell; ambos enfatizavam a importância da “incerteza knightiana” (em homenagem ao economista Frank Knight, trata-se do risco que não é possível de ser mensurado ou calculado); e ambos deram importância ao papel das expectativas ex ante versus os resultados ex post nas decisões de investimento.  No entanto, quando ambos foram premiados com o Nobel, eles já estavam em extremos opostos.  Hayek havia direcionado seu trabalho para o estudo dos fundamentos de uma sociedade livre ao passo que Myrdal havia assumido uma inclinação decididamente mais socialista.

O prêmio Nobel deste ano de 2013 foi compartilhado por três economistas eminentes: Eugene Fama, Lars Peter Hansen e Robert Shiller.  Neste artigo, meu objetivo é comparar as contribuições e as realizações de Fama e Shiller, e constatar o que a premiação de ambos realmente representa.  Como veremos, embora estes dois acadêmicos tenham ganhado o prêmio por causa de seu trabalho a respeito da precificação de ativos, os resultados e as conclusões de seus respectivos estudos estão em total divergência entre si.

Fama é mais conhecido por seu trabalho sobre a hipótese do mercado eficiente (HME).  Falando resumidamente, tal hipótese diz que todas as informações relevantes já estão embutidas nos preços dos ativos e os mercados basicamente não podem errar porque eles já contêm todas as informações relevantes.  Logo, não há bolhas na economia e, consequentemente, não há estouro de bolhas.  Segundo a HME, os mercados são eficientes quando todas as informações relevantes a respeito de um determinado setor da economia ou de uma empresa já estão ponderadas e refletidas no preço de seus ativos e ações. Uma vez que informações futuras a respeito das ações ainda não são conhecidas, e não podem ser conhecidas antecipadamente, não há como nenhum investidor “vencer” o mercado, isto é, alcançar consistentemente retornos superiores à média do mercado.

Fama construiu toda a sua teoria baseando-se nesta conclusão, e foi ainda mais adiante: não apenas é impossível um indivíduo vencer o mercado, como também qualquer retorno de mercado será aleatório — a natureza desconhecida do futuro implica que o preço de qualquer ação tem de seguir um imprevisível “passeio aleatório“.

É claro que tal concepção de conhecimento e de eficiência interpreta erroneamente, e de forma grave, a natureza de ambos os conceitos.  Para que a HME seja verdadeira, não somente todo o conhecimento disponível tem de ser interpretado da mesma maneira por absolutamente todos os investidores, como também o impacto deste conhecimento tem de ser idêntico entre todos eles!

Observe que a primeira condição implica que não há absolutamente nenhum elemento subjetivo na formação do conhecimento.  Todos os elementos subjetivos foram removidos do processo de formação do conhecimento.  Isso significa que a teoria é toda construída sobre elementos objetivos.  Já a última condição implica que não há absolutamente nenhuma diferença no comportamento e na percepção dos investidores — todos eles têm absolutamente os mesmos objetivos; todos eles interpretam de maneira idêntica todo o conhecimento disponível; e todos eles têm preferências temporais exatamente iguais.  (Leitores interessados podem ler meus trabalhos anteriores sobre HME aqui e aqui).

Se a HME não passa de um enfadonho conto de fadas que descreve como as pessoas agiriam sob a mais irrealista das condições e de como o resultado deste arranjo fictício são mercados eficientes, o trabalho de Robert Shiller faz o extremo oposto, e se concentra em buscar maneiras de mostrar como os mercados são ineficientes.

Um dos mais famosos trabalhos de Shiller é seu artigo de 1981 intitulado “Do Stock Prices Move Too Much To Be Justified By Subsequent Changes In Dividends?“, no qual ele desafia a posição dominante da hipótese do mercado eficiente.  Seus trabalhos subsequentes se concentraram em explicar o papel que os aspectos comportamentais têm na criação de bolhas.  Para Shiller, bolhas e expansões econômicas são uma mera questão de psicologia, não tendo relação alguma com variações da oferta monetária.

Sob vários aspectos, Shiller é uma das mais proeminentes personalidades na área das finanças comportamentais.  Um dos principais pontos desta sub-disciplina é a crença de que os agentes econômicos tomam decisões baseando-se em simples regras práticas e heurísticas, e não na lógica.  Os adeptos dessa teoria (também chamada de behaviorista) acreditam que a maneira como um indivíduo pensa um determinado problema (isto é, a maneira como ele estereotipa um problema) irá determinar como ele irá responder a um evento.  Um dos pilares da economia comportamental é a crença de que os mercados são, ou ao menos podem ser, ineficientes — e isso é observado seja em uma precificação errônea de ativos ou em tomadas de decisão não-racionais.

Não é nenhum exagero afirmar que a economia comportamental não tem nada em comum com a hipótese do mercado eficiente.

Fora da torre de marfim, Shiller é provavelmente mais conhecido pelo livro que publicou em 2000, Irrational Exuberance.  Partindo da crença de que investidores estão sujeitos a surtos de exuberância irracional, Shiller tentou explicar como a aparente bolha no mercado de ações dos EUA — que chegou ao seu ápice no ano 2000 — foi gerada por investidores que, de maneira totalmente irrealista, basearam suas expectativas de retornos futuros não em algum evento fundamental, mas sim em suas próprias e descontroladas crenças a respeito de um crescimento econômico futuro pra lá de otimista.

Não me entendam mal: todos os economistas concordam que a psicologia tem sim um papel nos movimentos do mercado.  No entanto, o que realmente comanda as oscilações econômicas são as variações na oferta monetária causadas pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias.  Shiller nega isso completamente.  Como consequência, ele não considera o Banco Central como sendo a causa do problema, mas sim a primeira linha de defesa contra os ciclos econômicos.  Ato contínuo, ele recomenda várias políticas econômicas de cunho altamente regulador.

Mas o que é realmente interessante nesta questão do Nobel é notar que Eugene Fama foi um severo crítico do livro e da abordagem de Shiller, chegando a dizer que “Robert … tem sido consistentemente pessimista em relação aos preços”.  Com efeito, nesta mesma entrevista, Fama gabou-se de ter cancelado sua assinatura daThe Economist porque a revista estava utilizando exageradamente a palavra “bolha”.  Ele disse isso em abril de 2010, quase um ano e meio após o início de uma crise que todos os economistas, jornalistas e leigos diriam que foi precipitada por uma bolha nos preços dos imóveis e no crédito imobiliário.

Em 2008, Shiller publicou outro livro, agora sobre a crise financeira americana, intitulado The Subprime Solution.  O livro não apenas negligencia totalmente a volumosa criação de crédito e a redução nas exigências para a concessão de empréstimos imobiliários como as causas da crise, como também recomenda abertamente que o governo americano implemente um novo New Deal, com um forte aumento nos gastos públicos.  Ora, em termos de gastos nominais, isso foi exatamente o que governo americano fez nos últimos cinco anos.  Podemos ver o quão benéfico isso foi para a economia.  (Sem considerar toda a explosão da dívida pública, que será legada para as futuras gerações de americanos.)

Eugene Fama e Robert Shiller não têm quase nada em comum, exceto pelo fato de ambos serem economistas bem conhecidos que publicaram trabalhos na ampla seara da precificação de ativos.  Suas abordagens são diametralmente opostas uma da outra.  Suas previsões sobre preços de ativos e sobre a capacidade de agentes econômicos tomarem decisões informadas e “corretas” não poderiam ser mais diferentes entre si.  No entanto, eles são os co-recipientes do Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel concedido pelo Banco Central da Suécia.

Ao contrário da vida real, o comitê do Nobel e os economistas por ele premiados não estão limitados por um desventurado fato da vida: prejuízos.  Já no mundo dos investimentos, a realidade é mais crua.  E o fato é que investidores utilizam modelos baseados tanto na HME quanto na economia comportamental.  Fundos de pensão que utilizam o dinheiro de viúvas e órfãos são administrados por banqueiros e economistas treinados no espírito destes trabalhos laureados com o Nobel.  E isso tem sérias consequências.  Tanto Fama quanto Shiller podem ser elogiados por seus respectivos trabalhos, os quais são tidos como perspicazes, independentemente de sua real utilidade ou acurácia.  Mas o problema é que teorias ruins geram prejuízos financeiros para inocentes.  Ainda pior é a credibilidade imerecida que este prêmio confere aos seus recipientes.

Cinco anos atrás, Barack Obama foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz pelos seus “extraordinários esforços” em estabelecer uma cooperação internacional.  Vimos como tudo isso terminou.  Um efeito colateral benéfico desta insensata premiação foi o descrédito e a má reputação que ela trouxe para todo o comitê do Nobel.  Torçamos para que os laureados deste ano possam gerar o mesmo efeito sobre o prestígio do Nobel de economia.

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