A lei não foi feita para ser seguida: sobre os absurdos governamentais do último ano

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Se os eventos recentes estão te espantando ou, pelo menos, deixando um desconforto e uma sensação de “realmente precisava ser assim?”, então esse texto é para você.

Três minutos rodando manchetes de um grande site de notícias ou jornal é tempo mais do que suficiente para ficar com uma pulga atrás da orelha sobre as medidas políticas e governamentais no mundo todo. Notícias extremas sobre o fechamento de comércios “não-essenciais” para evitar contágio por covid-19, recordes nos números de internações depois de dezenas de previsões e estimativas de picos de contágio previstos pelos especialistas, a recente anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Parece que o caos está mais caótico do que sempre foi, não é?

As esperanças parecem se dissipar neste cenário de unilateralidade das decisões governamentais, enquanto o povo é deixado à margem de decisões que visam atingir metas particulares de um grupo: a classe política. O principal medo da classe política é ter que produzir algo, circular e alocar recursos de forma produtiva e útil. Ao utilizarem das ignorâncias da população, a classe política consegue, de forma muito eficaz, se nomear responsável pela preservação da vida, da economia e da civilização. Os políticos são protetores da lei, logo protetores da ordem e do desenvolvimento.

Palavras vazias.

O discurso político é criticado desde a antiguidade como meio vazio de comunicação, focado no convencimento dos interlocutores e afastado da busca pela verdade. O estudo da dialética aristotélica já apontava os problemas da retórica pura, instrumento necessário à transmissão de argumentos, mas útil enquanto acessório à busca pela verdade e insignificante enquanto puro – diz sem dizer nada.

O problema é que existe uma busca dos grupos controladores (Estado e/ou grupos contíguos) pela manutenção da ignorância e do relativismo nas grandes massas. Quantas vezes já fomos enganados com a frase “o que é verdade para mim não é verdade para você” ou “a sua verdade ou a minha verdade?”, juízos desse tipo comprovam como as pessoas estão perdidas em um oceano de ideias e, estando perdidas, são mais fáceis de absorver absurdos. O relativismo é uma espécie de oceano em fúria, axiomas e verdades justificadas são âncoras que aparecem para fornecer bases sólidas ao indivíduo.

Afinal, o inferno está cheio de boas intenções, não é? Não basta imaginar fazer o bem para fazê-lo.

Para você que acredita que não existem verdades sugiro um exercício simples: tente discordar que pessoas não agem sem fazer uma ação ou tente provar que valores não existem sem usar valores para justificar sua ação presente.

As proposições elaboradas pela Escola Austríaca, em primeiro momento no estudo praxeológico da economia com Ludwig Von Mises (“você age”) e posteriormente com as demais teorias que dela se desdobraram (ética argumentativa e estoppel dialógico, principalmente) têm ganhado espaço pela simplicidade de raciocínios sólidos não pautados em particularidades ou utilitarismos. São teorias baseadas na redução substancial de proposições capazes de explicar diversas bases jurídicas, econômicas e práticas da vivência humana sem precisar de aspectos contingenciais, sem recorrência incondicional[1].

As leis e, especialmente, a Constituição, não foram pautadas em axiomas ou no método de justificação racional de raciocínios, mas foram pautadas na conveniência e articulação de grupos políticos detentores do monopólio da violência. São a expressão ressonante de vontades e valores particulares.

O próprio regramento aplicável aos “representantes do povo” é desprovido de uma lógica objetiva, justamente para acomodar os interesses políticos. O processo de impeachment é talvez o caso mais claro, dado que inexistem definições exatas dos crimes de responsabilidade e desde o procedimento até o julgamento, todos os atos têm caráter subjetivo, que permite fechar os olhos ou manter punho de ferro de acordo com a conveniência e as articulações políticas dos grupos requerentes.

Há quem use o poder político de forma ainda mais direta. Foram vários os casos de prefeitos e governadores que usaram do regime de urgência das licitações voltadas para medidas de combate ao Covid-19 para usar recursos para fins particularmente valorizados. Não foram raros os casos em que milhões de reais foram investidos em hospitais de campanha que sequer foram usados e ainda assim foi alegado o colapso da capacidade do sistema de saúde. Estranha é a inércia da população em não pressionar os políticos e simplesmente aceitar continuar pagando impostos mesmo tendo diminuição das receitas e da renda.

E para além destes políticos que se apropriam da máquina estatal de forma mal-intencionada para o seu próprio benefício, há também aqueles que fazem o mesmo, mas com as melhores das intenções. Os defensores ferrenhos de valores “universais” como a educação “pública, gratuita e de qualidade” muitas vezes o fazem por acreditar estar escolhendo o lado dos mais pobres, mas desconhecem (ou propositalmente ignoram) os trade-offs por trás dessas escolhas políticas. Sabemos que a gratuidade para um é um custo para outros.

A formação jurídica atual não ensina a distinção entre moralidade e legalidade, afinal, se ensinasse os cursos de direito sequer iriam propor que os alunos levassem a Constituição a sério, o que não ocorre – pelo contrário, existe um endeusamento da “Carta Magna”.

Um exemplo claro que todo ser humano deve ter em mente ao estudar leis é a escravidão. Nos diversos países que legalizaram em suas leis a propriedade de outros seres humanos para realização de trabalho compulsório nunca foi discutido se seria uma regra universal ou se os escravos seriam, de fato, seres humanos. Considerando que a natureza ontológica dos escravos não foi alterada pelas leis de libertação (eles não se tornaram humanos, sempre foram), é facilmente concluído que o erro estava nos legisladores e nas leis. Em resumo: o fato da escravidão ser permitida não a torna moralmente positiva. A análise dos fatos deve ocorrer per se, individualmente e, reduzida à substância para não fruir dos problemas marginais dos seres.

Logo, a legalidade não é fator de razoabilidade ou de dever intrínseco.

Quando um texto normativo consegue ser compreendido pela razão como imoral ou, em termos libertários, antiético, sua validade é imediatamente contestada. A manutenção da eficácia da norma acaba sendo pautada apenas pela violência dos que dela usufruem. A lei também implica mesma escala de valores e preferência da economia. Reatividade, eficácia dos espólios e “manutenção da ordem” são, dentre outros, fatores considerados pelos legisladores. A partir do momento que uma norma se torna inflamatória ou incita reatividade nos legislados, talvez seja hora de retirá-la de circulação, é o mesmo princípio de uma empresa que vincula um produto que não agrada mais os consumidores, exceto que a empresa não controla quando os clientes irão comprar ou deixar de comprar seus produtos, obrigando-os a comprar mesmo quando não quiserem.

Se um conjunto de regras – como a Constituição Federal do Brasil -permite que alguns indivíduos tenham maior prioridade na definição da circulação de recursos do que outros – não no sentido de influência e know-how, mas de controle unilateral das regras do jogo, então talvez, mas só talvez, esse não seja um bom dispositivo de regras.

A definição dos serviços essenciais e não-essenciais é um exemplo claro de como a política está restrita à visão unilateral dos políticos da mesma forma que qualquer outra atividade econômica, mas viabilizada através da imposição. É fato que a maioria dos políticos têm um perfil físico similar no Brasil, são homens na faixa de 40 a 60 anos, não costumam ser atletas, gostam de bens materiais, se dizem cristãos (pouco praticantes) na maioria dos casos, não possuem compromisso com a justificativa racional de suas ações e acreditam que seus valores importam mais que os das demais pessoas. Sendo esse o “homem político médio” é evidente que suas preferências de consumo seguirão seu perfil pessoal físico e mental.

Quando um homem desse perfil tem a chance de definir o que é essencial e não essencial é claro que irá preferir o que mantém sua existência, afinal ninguém muda da água para o vinho tão rápido. Quando uma lei é feita, portanto, ela irá transparecer as preferências desses homens.

O ponto absurdo é que eles mesmos definem maiores taxações para o que não é essencial para eles, definem também proibições dos produtos que não consomem, aumento de burocracia para as atividades que podem enfraquecê-los e o fortalecimento das atividades que os mantêm no poder. No período de pandemia foram os responsáveis por definir o fechamento das atividades que não frequentam ou não consomem, deixando um ar de “salvadores da nação” e “preocupados com o bem comum”.

A falta de capacidade técnica da população para raciocinar (gerada pela própria definição estatal das pautas de estudo, i.e., centralização pelo Ministério da Educação – MEC), faz com que a análise crítica pare na aparência e não transpasse à essência do problema. A análise pouco crítica faz com que pessoas acreditem que o fechamento de shopping centers que empregam milhares, senão milhões de pessoas, pelo Brasil não são essenciais, mas a manutenção dos salários dos políticos e, inclusive, o aumento da tributação sejam necessários (ou aceitáveis). Esse cenário de anestesia mental é perfeito para espoliar mais e mais a população, mantendo uma desigualdade artificial[2].

Quando te disserem “siga a lei”, pense duas vezes, pois a lei já justificou absurdos atentados de um grupo contra outro. Não seguir as leis estatais não implica um cenário de barbárie ou completo caos, visto que a agressão e a propriedade são anteriores ao estabelecimento dessas leis[3]. Não existe um dever natural de pagar tributos, custear uma educação mal planejada, custear a saúde e as despesas de outrem, quem tenta justificar esse tipo de premissa tem sérias chances de ser autoritário.

Ajudar o próximo deve ser um ato de consciência do agente, afinal, de nada adianta tirar o casaco de uma pessoa para cobrir outra, o resultado final continuará sendo uma pessoa com frio.

 

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Notas

[1] Aqui é fundamental compreender como as teorias jurídicas (bases) libertárias não incorrem nos mesmos problemas epistemológicos que demais teorias usadas para justificar as leis estatais, constituições e assim em diante. Para entender como não há incidência da falácia naturalista/guilhotina de Hume e dos problemas de justificação do trilema de Münchhausen consultar Cappelozzi, L. G. Ontologia das Regulações Estatais: críticas teóricas e perspectivas praxeológicas.

[2] A desigualdade referida seria uma não natural de mercado ocasionada pelas preferências individuais, mas uma desigualdade causada por fato positivo, por exemplo a subtração ativa de propriedades legitimamente adquiridas e frutos do trabalho individual para custeio de atividades improdutivas e sem demanda – a atividade política.

[3] Observado que as mencionadas regras necessitam, por exemplo, de um corpo para verbalizar as palavras ou de um papel para registrar o que foi proposto, sendo necessária uma propriedade sobre os recursos escassos utilizados, ainda que a propriedade não seja juridicamente reconhecida, será uma propriedade por si só.

1 COMENTÁRIO

  1. “Logo, a legalidade não é fator de razoabilidade ou de dever intrínseco.”
    O argumento da escravidão ter sido legal também é muito utilizado pela esquerda radical comunista. A única questão, é que eles o fazem de maneira tática, não moral. Ou seja, ainda que reconheçam a escravidão como uma imoralidade da lei, não se importam em nenhum momento com outras leis que possam parecer sem razoabilidade ou imoralidade. Como os decretos de máscara, por exemplo.
    A esquerda em peso também acha belo e moral qualquer legislação que considere o racismo crime. Para um libertário, fundamentalmente um “crime” sem vítima.
    Uma violação de propriedade básica é o assassinato. Qualquer criança de 5 anos sabe que é impossível acaba com este tipo de crime. Ainda que vivessemos em uma sociedade sem escassez, os crimes de assassinato ainda existiriam. É uma verdade biológica praxiológica. Deste modo, esses crimes são punidos. Existem leis porque o comportamento existe na realidade e presume-se corretamente que são imutáveis. É possível demonstrar de maneira tranquila que devem existir leis pesadas contra homicídios – pena de morte seria o mínimo.
    No caso de leis que punem atos de racismo, não existe algo que se possa chamar de racismo inato – ou estrutural. Poderíamos dizer que é circunstancial. Ou seja, não é um comportamento do ser humano imutável. Portanto, as leis que punem o racismo são imorais. Não é somente pela questão de ser um crime sem vítima, mas igualmente porque uma lei que pune um ato de racismo está intrinsecamente afirmando que o racismo é um comportamento imutável. E isso é uma tremenda bobagem. Ainda que possa existir uma sociedade onde não ocorra um assassinato por décadas, ainda assim as leis vão continuar existindo pois trata-se de um comportamento imprevisível e aleatório. Ou seja, o racismo só existe porque “leis” que punem o racismo.

    O esquerdista padrão – e como consequência, toda a população -, gritam por todos os lados: “racismo é crime”! até conservadores caem nesta falácia. Essas leis deveriam simplesmente serem abolidas – assim como homofobia, pois a única coisa que trazem é tensão social. E isso não é o que se espera de uma lei.

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