O cavalo de Troia da concorrência

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“Pode parecer estranho ao leitor que um dos mais importantes controles governamentais sobre as competições eficientes e, portanto, concessões de quase-monopólio, são as leis antitruste” – Murray Rothbard

Um ponto interessante sobre a concorrência (e sua regulação) é que muitos a vêm como um perigo no livre mercado, ou seja, desregulado e privatizado, e, de outro lado, tem aqueles que pensam que apenas o governo é o grande culpado, o que, é claro, possui sua verdade, mas como gosto de dizer, não é toda  a verdade.

Na primeira parte acima, excetuando os liberais clássicos ligados a escola austríaca e, principalmente, os libertários (austrolibertários), o resto, mais e outros menos, são favoráveis a alguma medida de regulação; o ponto é: a maioria crê naquela velha máxima do mercado ineficiente que irá se autodestruir caso não seja comandado por uma pessoa (entidade) de fora, pois o livre mercado, na visão desses senhores, irá proporcionar ou irá resultar no grande poder econômico das corporações e ninguém será capaz de barrá-los ou opor-se a eles.

Na segunda parte mais acima, outros, como dito, depositam todos os males no governo, e pode ser dito que estão corretos, mas não no todo, pois é verdade que as regulações estatais não deveriam ocorrer, é verdade que não deveria existir barreiras e outras medidas anticoncorrênciais, é verdade que quem detém o poder é o governo e ele o usa para seu próprio bem, mesmo que propague (mentirosamente) aos quatro ventos que seja para o bem social. Contudo, apesar de tudo isso, empresários foram atrás dos políticos para iniciar esta corrida contra a competição. A história mostra basicamente que empresas mais eficientes  e que ofertavam melhores produtos e serviços por preços cada vez mais baratos estavam largando na frente e deixando seus concorrentes vendo poeira, pois bem, o que estes fizeram: foram atrás do poder governamental para limparem seus rostos e atirar nas costas dos seus concorrentes. Deu início a milhares de intervenções no âmbito concorrencial, e não parou por aí, pois o governo passou a intervir cada vez mais na economia de mercado.

Pois bem, veja-se: com a solicitude de certos empresários, foi possível levar os políticos a se mexerem e levar o discurso para os perigos de uma concorrência forte e desimpedida dos meios coercitivos de estado; foi possível eles adentrarem na economia mais um pouco prejudicando a mesma. Não que os políticos e o governo não pudessem entrar mais cedo ou mais tarde por puro maquiavelismo deles, mas, perceba: o que os fez mexer antecipadamente foram pedidos vindo do setor que deveria preocupar-se em lutar pela propriedade privada e pela liberdade, mas que, em sentido oposto, foi buscar por meios coercitivos para se protegerem contra a concorrência que existia na época e vinha os deixando em maus lençóis.

Por isso que digo que é verdade que o governo é o grande culpado pelos males das regulamentações e de todo o intervencionismo feito na economia, mas ele possui aliados, e estes fazem parte do mercado, são empresários que buscam se proteger frente aos demais, são empresas que buscam prejudicar as demais e se estabelecer no mercado, não pela competição, mas pela força. É o cavalo de Troia que aparece como um presente abençoado pelos deuses, mas que traz destruição; no caso, é a proteção abençoada pelo governo que fere e limita a concorrência; por isso, do presente e das supostas boas ações, é preciso ter os olhos voltados a realidade, para que não se perca e dependa das mentiras dos outros.

De todo modo, voltemos a parte do perigo do livre mercado para mostrar as incongruências e contradições de suas ideias. Os favoráveis dizem que o mercado falho leva a concentrações empresariais e o poder econômico prejudicaria os consumidores e a sociedade para atingir seus próprios interesses de dominação. Começando neste ponto já se percebe que eles atribuem ao mercado aquilo que pretendem fazer, pois quando ingerem suas mãos na economia ocorre o que imputavam ao mercado-livre. Ou seja, suas ações vão em sentido contrário ao que diziam proteger ou evitar, pois conquistam as más ações que imputavam ao seu inimigo imperfeito. Ademais, é bem possível perceber – sem ser presunçoso – que imputavam as más ações e/ou resultados ao mercado que eles próprios tinham em mente e como objetivo de atingir.

Mas, é claro, podemos falar sobre isso em relação ao corpo político, pois alguns, realmente pensam, em termos intelectuais, que é necessário existir a intervenção para regular a economia ou alguma área desta. No entanto, partem de princípios e preceitos errôneos, e chegam a resultados errôneos. Por exemplo, acreditar que monopólios naturais são um mal que deve ser combatido e/ou regulado é dizer que o governo é capaz de efetuar esta realização, quando, na verdade, não o é. Mas, antes, é necessário dizer que sequer monopólios são naturais, pois estes são, apenas e tão somente, crias estatais. Por meio das regulamentações e impedimentos que são criados, torna o mercado ou a área de mercado propicio para uma concentração empresarial exercer monopólio; não tem nada de natural em proibir e barrar outras empresas de competir. Dizer que em determinado setor é naturalmente favorável para que exista um monopólio e fechar este setor antecipadamente a esta suposta formação natural monopolista é uma forma de antecipar um crime do qual nunca aconteceu e talvez nunca venha a ocorrer. É brincar no escuro e acreditar que nunca haverá luz, quando foi o próprio sujeito que apagou a luz do quarto. Os monopólios naturais são imaginados numa imagem congelada, não vêm o filme desenvolver-se; ficam presos a falácias que fogem a realidade das coisas e das leis econômicas.

Monopólios são crias estatais, e apenas isso. Não existe o monopólio de mercado livre, o que existe ou pode existir é uma grande empresa lançar-se a frente de outras e conseguir para si uma grande fatia de seu mercado, no entanto, isso não é problema algum para se preocupar, pois o mercado é um processo e não um ponto imóvel numa linha; o mercado não está parado no tempo, mas desenvolvendo-se a cada instante em busca de atrair consumidores, melhorar a qualidade de vida e trazendo inovações que podem beneficiar a coletividade. Impedir, por meio de barreiras, que empresas possam concorrer livremente é trazer uma situação ilógica, incongruente e futurista-imaginária para o presente em nome desse futuro que não chegaria nunca. Em outras palavras: é um absurdo intelectual, uma asneira pura e simples tomar essas medidas em busca de prevenir algo que não se realizará trazendo para a realidade presente o que se buscava evitar. Monopólios são criados pelas barreiras impostas no mercado; são criados porque a competição foi freada e seu volante foi tomado; o monopólio tem natureza coercitiva, decorre do uso da força governamental para impedir que empresas possam concorrer livremente.

Mercados regulados são mercados acorrentados na mais depravada ignorância intelectual da sociedade que se levou a acreditar que seria o governo o ser dirigente e planificador da economia. É uma sociedade que crê que regulações são superiores as práticas mercantis, ou seja, que imposições governamentais são mais inteligíveis e melhores do que o mercado em sua natureza livre de ser. Mercados regulados são a baixeza intelectual de pessoas que se recusam a enxergar todo o mal causado aos indivíduos, as empresas e a concorrência, em benefício da política e de empresários que se preocupam mais em ferir seus competidores do que agradar seus consumidores. Toda as mazelas que ocorrem no âmbito social (ligadas as ações humanas) ocorrem em situações em que o mercado, claramente, está: preso pela política, regulado e controlado. Quando problemas econômicos sérios surgem, sua origem é puramente interventora, e sua solução não-interventora, portanto, mercadista. Até porque, ora, é exatamente essa a raiz econômica, ou seja, o estado primário das coisas é a escassez, falta de recursos e mão de obra, falta de capital, falta de ideias, falta de possibilidades, em suma, estar numa situação de coisas em que é preciso sair de uma situação menos favorável para buscar uma mais satisfatória, possibilitando um aumento no padrão de vida e propiciando segurança para que a sociedade possa desenvolver-se; e isso foi propiciado pelo mercado, não pelo governo.

Uma situação de mercado que impossibilita a concorrência não existe e não deveria sequer ser levada a sério, pois no mercado de competição existe sempre a possibilidade de entrada de novos competidores, e isso é fator de impulso para que empresas de maior porte ajam alertas e busquem um melhor desempenho, bem como com a tecnologia em desenvolvimento tornou-se possível que empresas de pequeno porte concorram com empresas de porte maior em nível local, ou seja, a questão a ser levada em conta na concorrência é apenas deixar que o mercado seja livre e possibilite um acesso fácil para empreender e abrir negócios, ao invés de buscar regulá-lo e criar barreiras para justificar situações criadas pelo governo em nome do livre-mercado. Ademais, quem vai, em última medida, escolher (ter a liberdade) de quem consumir, são os consumidores, mas, para que isso ocorra, torna-se necessário que haja opção, que haja liberdade de concorrência.

Portanto, o ponto central desse tema está no fato de que monopólios não pertencem a economia de mercado, mas são desenvolvidos e criados pelo governo por meio da força deste em nome de um evento futuro incerto e irrealizável. Tudo que precisa ser feito para proteger a concorrência, o mercado, a economia, é liberdade; esse é o ponto essencial do negócio a ser entendido, mas que muitos (a maioria) não conseguem entender e agem conforme senhores do tempo em busca de crimes futuristas que nunca hão de se realizar se deixados em paz, mas são realizados quando trazidos ao presente por meio da força. Qualquer forma de concentração econômica não é um problema em si mesmo, torna-se um problema quando a economia fica regulada com barreiras e armadilhas impostas na economia, tornando o processo de mercado um lugar a ser lutado no campo político e judicial, ao invés de se manter focado no mercado e nos consumidores; deslocar essa atenção natural do processo de concorrência, além de ser improdutiva, é injusta, porque usa da coerção e artimanhas político-legislativas para se ver em situação melhor do que seus concorrentes e/ou impedir ou dificultar novos concorrentes no setor de atuação.

Concentrações econômica não são e nunca serão um problema ao consumidor ou a sociedade como um todo, se houver liberdade de entrada, liberdade de produção e liberdade de trabalho; pelo contrário, será se estas haverem de ser reguladas e aprisionadas, e isso só ocorre por meio do poder de estado que o governo possui, não ocorre por meio do mercado ou do poder econômico. Este, na verdade, torna-se um empecilho se cumulado ao poder político, mas se deixado apenas no campo econômico (seu lugar por natureza), quem sai ganhando é toda a coletividade, e isso é só mais uma contradição dos pensadores iluministas manchados no coletivismo que privilegia indivíduos e grupos em relação ao todo. Estão tão cegos pelo combate ao indivíduo que propagam um suposto coletivismo que irá propiciar melhoras para poucos, em malefício de muitos.

Creio que, como já pontuado, os argumentos pró-regulações e, portanto, pró-antitruste, sejam fáceis de serem entendidos: o mercado livre se autodestruirá e levará a um aumento de concentrações econômicas tornando o poder econômico imbatível e prejudicial à coletividade, portanto, aos consumidores. O que causa complicações é mostrar a realidade para essas teorias dispersas de senso real e verdadeiro. Por isso, Alceu Garcia é direto:

Essas leis são no mínimo inúteis e em geral altamente nocivas por desprezarem o interesse do consumidor e idealizar a concorrência sob a forma do modelo falacioso da concorrência perfeita. Sua aplicação na prática privilegia os interesses escusos de produtores superados economicamente por concorrentes mais eficientes, cuja estrutura produtiva é destruída ou seriamente afetada, desatendendo as preferências dos consumidores livremente manifestadas. (GARCIA, 2002)

Bem como, DiLorenzo mostra-nos o que os congressistas à época da votação do debate sobre o tema antitruste pensavam, assim disse Willian Mason:

[…] Os trustes tornaram os produtos baratos; mas se o preço do petróleo, por exemplo, fosse reduzido para um centavo (de dólar) o barril, não seria corrigido o mal feito a este país pelos “trustes”, que destruíram a competição legítima e retirado homens honestos dos negócios. (Apud DILORENZO, 2019)

No mesmo sentido, disse o Senador Edward:

Embora, por enquanto, o truste do açúcar talvez tenha reduzido os preços do açúcar, e o truste do petróleo certamente reduziu imensamente os preços do petróleo, isso não altera o erro de princípio de qualquer truste. (Apud DILORENZO, 2019)

E, se a situação não está clara, William Baxter, antigo diretor da divisão antitruste do US Justice Department, disse que “as leis antitrustes produzem resultados consistentemente antiéticos à perspectiva e ao objetivo da eficiência econômica”. (Apud, DILORENZO, 2019)

Portanto, para não alongar o texto sem necessidade, DiLorenzo nos diz:

Assim, o Congresso reconheceu que os trustes eram realmente responsáveis por melhorar a vida dos consumidores, reduzindo preços “imensamente”. Eles se opunham, entretanto, ao fato de empresários (“homens honestos”) menos eficientes (menores) estarem saindo dos negócios.

[…]

Se os trustes estivessem restringindo a oferta (ou reduzindo a sua expansão) e aumentando preços, os pequenos negócios não teriam reclamado, uma vez que eles se beneficiariam dos preços (mais altos). Esse ponto é de considerável importância. É amplamente reconhecido que as pequenas empresas sempre iniciaram processos antitruste contra seus competidores maiores (e frequentemente mais eficientes). Como Armentano, Demsetz e outros têm demonstrado essas ações tipicamente protegem as pequenas empresas da competição e inevitavelmente levam a preços mais altos. Se as grandes empresas nesses casos estivessem fazendo conluios e elevando os preços nas respectivas indústrias, é lógico que as pequenas empresas também se beneficiariam e não abririam processos antitruste contra elas. O ponto é que, assim como as pequenas empresas frequentemente se beneficiaram da aplicação das leis antitruste ao longo dos anos (às custas das grandes empresas e dos consumidores), elas provavelmente foram uma das principais forças por trás da criação dessas leis. (DILORENZO, 2019)

Perceba-se, pois, que não importa se estamos falando sobre pequenas, médias ou grandes empresas, o que de fato importa é de que modo o mercado se presenta, ou seja, se possui liberdade de competição ou não; outro ponto que se pode perceber é que num regime de liberdade mercantil, grandes empresas são benéficas em relação aos consumidores, e num regime de monopólios (filho do ato de coerção) o que ocorre é o oposto, sendo o consumidor, por ato de não ter opção, levado a consumir de empresa(s) que em nada estão trabalhando para melhorar, definitivamente, suas vidas e desejos. Malek, pois, mostra-nos que não se trata de uma legislação com escopo protetora em relação a sociedade, mas protetora em relação a suas próprias cabeças, assim sendo:

As empresas às vezes exortam o governo a intervir quando os seus concorrentes constituem uma ameaça para elas. Esta é a força motriz por trás da legislação antitruste. O suposto objetivo do antitruste é garantir a concorrência necessária à prosperidade de uma economia de mercado. Mas, na realidade, o antitruste é um porrete usado pelas empresas contra seus concorrentes com melhor desempenho. […]

Uma rápida olhada nos casos julgados pelo FTC é suficiente para demonstrar esse ponto. Escolha qualquer caso dentre os inúmeros existentes e você vai encontrar uma força oculta por trás dele: uma empresa que procurou o Estado para elaborar uma queixa contra um concorrente. (MALEK, 2004)

Portanto, que não se diga que regulação e proteções legislativas podem e/ou conseguem trazer resultados positivos para a sociedade ou para os consumidores, pois a economia caminha em sentido oposto a violência dos atos coercitivos governamentais; a economia, logo, o mercado, precisa de liberdade, e de apenas isso, o resto os indivíduos se viram como vem se virando no decorrer de toda a história, e nunca haverá de ter sociedade livre sem indivíduos buscando sair de situações menos satisfatórias para alcançar melhores condições, respeitando o direito natural, a propriedade privada e a liberdade; criando inovações e melhoras sociais, abrindo empresas e correndo riscos, pois, apesar destes, isto nunca impediu pessoas de montarem um negócio e gerarem valor.

 

REFERÊNCIAS

DILORENZO, Thomas James. As Origens do Movimento Antitruste: A Perspectiva de um Grupo de Interesse. Redalyc, 2019.

GARCIA, Alceu. Crítica à Economia Política do Prof. Benayon. Textos Yuri Vieira, 2002.

MALEK, Ninos Pierre. Anti-Trust is Anti-Competitive. Mises Institute

ROTHBARD, Murray Newton. Governo e Mercado: A Economia da Intervenção Estatal. Rothbard Brasil, 2012.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom.
    Eu excluiria os liberais deste contexto. Pois ainda que eles concordem em alguns pontos que leis anti-truste é que criam monopólios de verdade, eles apoiam o que talvez ajude a explicar muito do intervencionismo atual nos mercados: as leis de propriedade intelectual. O liberal acredita que se ele cria algum tipo de valor, ele pode obter o monopólio sobre sua criação. E convenhamos, isso só é possível se ele pedir ajuda para a máfia estatal punir a concorrência que possa copiar-se umas as outras.

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