“A liberdade não vale nada se você está morto”

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Esse é o lema não oficial dos covidianos. E é um dos sintomas de mais de um século de educação progressista ensinando a doutrina tragicômica de que a “ciência” nos mostraria o caminho certo e que o Estado nos guiaria através dele.

Trágica por causa dos resultados, e cômica porque, se essas crias do sistema de doutrinação em massa realmente fossem tão esclarecidas quanto acreditam ser, poderiam perceber o quão ridícula a ideia soa, se o significado das palavras for respeitado.

A “ciência” não é uma religião oficial onde diretores de agências de pesquisa ditam para a plebe o que é certo e o que é errado. É um método exploratório para tentar chegar a um modelo do universo mais próximo da realidade. Um método que, mesmo em seu estado ideal, implica tentativa e erro através de um processo, necessariamente demorado, de observação da evidência em relação a uma hipótese, e de validação por outros cientistas, até chegar a um nível de concordância que justifique um consenso – e mesmo um consenso de longa data está sempre sujeito a reavaliação. A expressão “cientificamente comprovado” é uma contradição em termos, usada como instrumento retórico por pessoas ignorantes ou desonestas.

E o estado da ciência praticada por humanos nunca é ideal (deveria ser óbvio). A comunidade científica está sujeita aos mesmos problemas de qualquer instituição humana: modinhas que ganham importância desmerecida, estruturas estabelecidas hostis à inovação, corrupção dos propósitos originais por interesses paralelos.

O establishment científico hoje, com sua burocracia esclerótica espalhada por uma miríade de universidades e agências financiadas primariamente pelo Estado, é um caso gritante de uma instituição que se tornou um fim em si própria, preocupada principalmente em justificar sua verba e influência. Obviamente existem exceções, mas é impossível expandir tanto, e de tal maneira, sem sacrificar a qualidade.

É só olhar o que se passa por “pesquisa” para a maioria dos acadêmicos hoje, especialmente nas instituições menos prestigiosas, e mais ainda nas chamadas “ciências humanas”: são burocratas de carreira buscando qualquer assunto que “cole” para preencher sua cota de artigos – e poucos assuntos “colam” como aqueles que estão na moda e recebem financiamento de programas estatais, como “aquecimento global” ou “racismo sistêmico”. É um ritual mecânico desconectado de seu propósito original.

Esse tipo de charlatanismo sempre existiu – mas hoje se tornou a regra. E a repetição maciça, infelizmente, empresta legitimidade ao que deveria ser motivo de vergonha.

Incidentalmente, o Estado em si está sujeito aos mesmos problemas, só que piores: com seu status de monopolista da violência, o poder máximo em qualquer sociedade, a tendência natural à corrupção institucional é amplificada ao máximo. O processo do “todos fazem, então vou fazer também” já é bem conhecido dos brasileiros que entram em contato, mesmo que superficialmente, com a máquina estatal. Não só o poder corrompe aqueles que um dia foram virtuosos, mas também atrai aqueles que já são propensos à corrupção, por frouxidão ou má índole.

A ciência visa chegar a uma visão de mundo consistente, que explique a realidade como um todo. Onde está a consistência em esperar que uma instituição reconhecidamente corrupta e incapaz transforme o mundo em um lugar virtuoso? Isso não é uma atitude racional, é tribalismo primitivo: quero a coroa e o cetro para mim, ou pelo menos para meus amigos, para fazer o que eu gosto.

Ou seja, a fantasia progressista está errada nas duas pontas: quanto ao poder da “ciência” de nos informar o caminho correto além de qualquer dúvida, e quanto ao caráter do Estado como refúgio dos bons e dos sábios. A combinação desses dois devaneios tem nome: CIENTIFICISMO. A transformação da ciência em uma crença religiosa, e do Estado em uma teocracia baseada nela.

Essa crença na natureza pseudo-divina do Estado está dolorosamente clara quando olhamos para o fenômeno Covid: convencidos de que o Estado deve estar agindo de forma benevolente, de acordo com princípios “científicos” e portanto (na sua concepção) inquestionáveis, muitas pessoas aceitam passivamente a imposição de lockdowns, e até atacam com ódio quem ousa reclamar.

Tão convencidos estão de que o Estado deve estar agindo pelo bem, e que não deve ser questionado sob risco de dar munição aos hereges – perdão, “negacionistas” – que os covidianos ignoram teimosamente a tendência na comunidade científica de criticar os lockdowns como medidas mais destrutivas do que benéficas, especialmente entre os menos afluentes. A própria OMS, citada como desculpa pelo YouTube, Google, Facebook, Twitter & cia. para censurar qualquer opinião anti-lockdown, já disse que lockdowns são ruins e que outras alternativas devem ser buscadas. Já admitiu também que a evidência de pessoas sem sintomas transmitindo o Covid é fraquíssima. O famoso estudo que justificou a contra-indicação de HCQ, alardeada pela mídia (afinal, era o remédio do Bolsonaro e do Trump!), há muito foi retraído (sem alarde). Os próprios números oficiais mostram que a mortalidade do Covid entre pessoas jovens e sadias é irrisória, e que as jurisdições com restrições mais draconianas se saíram pior.

Nada disso é de fontes “negacionistas” – a não ser que se defina “negacionismo” como “discordar de medidas tomadas pelo Estado”. Mas a existência de uma narrativa robusta contra os lockdowns não parece incomodar os covidianos, que continuam se agarrando ferrenhamente à visão apocalíptica do Covid apresentada pela mídia, “experts”, e políticos em Março de 2020, e que pouco mudou até aqui: uma praga para rivalizar com a Peste Negra, que deve ser combatida a qualquer custo.

Esse aspecto de ignorar a realidade e focar no moralismo dá as caras também nas medidas que proíbem especificamente atividades de lazer ou “não essenciais”. O suposto risco mortal de sair de casa é aceitável, se o objetivo for comprar papel higiênico, dizem nossos sábios líderes. Porém, se quiser levar a namorada a um restaurante, ou tomar cerveja com os amigos em um bar, claramente você não está levando a sério nossos decretos: como ousas? Não sabes que é para teu próprio bem? Como podes usar a liberdade que tão magnanimamente te concedemos para um fim tão ignóbil? Tu és “livre”, sim – para fazer o bem. O bem conforme definido por nós. E nada mais!

Esse comportamento já foi muito bem documentado na Era Progressista americana, culminando com a desastrosa Proibição do álcool nas décadas de 1920 e 1930. Grupos religiosos ostensivamente cristãos faziam lobby por todo tipo de medida ridícula para pressionar as pessoas a se comportarem “virtuosamente” – as chamadas “blue laws”. Até hoje sobrevive uma aversão do americano comum contra o estereótipo do “ianque”, o protestante anglo-saxão com nariz empinado, que se vê no direito de impor sua moralidade superior – para o bem dos não-iluminados.

Aqueles que julgam estar agindo em nome de uma causa superior sempre têm maior facilidade em impor sua vontade por meios escusos, incluindo violência. Quando o estrago fica evidente, se auto-justificam: “não podemos perder! Talvez tenhamos cometido uns errinhos aqui e uns exageros ali, mas é tudo pelo futuro glorioso!” Qualquer semelhança com os comunistas ou os “exportadores de democracia” (via bombardeio aéreo), entre outros, não é mera coincidência.

Hoje, o progressismo messiânico descartou a Bíblia, e abraçou o cientificismo. Mas a arrogância, a arbitrariedade e a hipocrisia são idênticas à época em que a eugenia e a proibição do álcool eram bandeiras progressistas. Eles estão convencidos de que sabem como criar o mundo ideal. E a liberdade de cada um viver como quer, assumir os riscos que julga adequados, é para eles uma piada de mau gosto, coisa de gente mesquinha e sem visão, que merece ser pisoteada.

Para os salvadores do mundo, ir ao bar é criminosamente mundano.

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