A Política Monetária do Estatismo

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[Este artigo é o capítulo 14 do livro TEORIA DA MOEDA E DO CRÉDITO, de Ludwig von Mises, cuja tradução está em andamento. Para saber mais detalhes, confira aqui]

  1. A Teoria Monetária do Estatismo

 

O estatismo, como teoria, é a doutrina da onipotência do estado; e, como política, é a tentativa de controlar todos os assuntos mundanos por ordens e proibições provenientes da autoridade. A sociedade ideal do estatismo é um tipo específico de comunidade socialista; nas discussões envolvendo essa sociedade ideal, é comum que se fale de socialismo de estado ou, em algumas conexões, de socialismo cristão. Superficialmente considerada, a sociedade ideal estatista não difere muito da forma exterior assumida pela organização capitalista da sociedade. O estatismo não almeja, de modo algum, a transformação formal de toda a propriedade dos meios de produção em propriedade estatal por meio de uma completa derrubada do sistema jurídico estabelecido. Apenas as maiores empresas industriais, bem como as maiores empresas de mineração e de transporte, devem ser estatizadas; na agricultura, assim como na indústria de pequena e média escalas, a propriedade privada deve continuar existindo nominalmente. Entretanto, todas as empresas devem tornar-se empresas estatais de fato. Os proprietários devem, é verdade, receber o título e a dignidade da propriedade, bem como um direito ao benefício de uma renda “razoável”, “conforme a sua posição”; mas, na verdade, todos os negócios devem ser transformados em repartições governamentais, e todos os meios de subsistência, em profissões oficiais. Sob qualquer variedade de socialismo de estado, não há espaço para empreendimentos independentes. Os preços devem ser controlados de forma autoritária; a autoridade tem o dever de estabelecer o que deve ser produzido, assim como a maneira pela qual produzir e a quantidade a ser produzida. Não deve haver especulação, lucro “excessivo”, prejuízo. Não deve ocorrer inovação caso ela não seja decretada pela autoridade. O agente estatal deve tudo dirigir e supervisionar.[1]

Uma das peculiaridades do estatismo é que ele não consegue conceber seres humanos vivendo juntos em sociedade de outra maneira que não seja conforme o seu próprio ideal socialista particular. A semelhança superficial que existe entre o estado socialista que é o seu ideal e padrão e a ordem social baseada na propriedade privada dos meios de produção faz com que ignore as diferenças fundamentais que separam os dois. Tudo que contradiz a suposição de que os dois tipos de ordem social sejam semelhantes é considerado pelo estatista como uma anomalia transitória e uma transgressão culposa de decretos autoritários — como evidência de que o estado deixou as rédeas do controle escaparem e só precisa tomá-las mais firmemente nas mãos para que tudo volte a estar maravilhosamente em ordem. Que a vida social dos seres humanos esteja submetida a limitações definidas; que ela seja regida por um conjunto de leis comparáveis às da Natureza; trata-se de noções desconhecidas para o estatista. Para ele, o estatista, tudo é uma questão de Macht — poder, força, supremacia. E a sua concepção de Macht é grosseiramente materialista.

Toda palavra de pensamento estatista é contraditada pelas doutrinas da sociologia e da economia; é por isso que os estatistas se esforçam para determinar que essas ciências não existem. Na sua opinião, os assuntos sociais são moldados pelo estado. Para a legislação, para as normas estatais, todas as coisas são possíveis; e não há esfera em que a intervenção estatal não seja onipotente.

Durante muito tempo, os estatistas modernos não se encorajaram a defender uma aplicação explícita dos seus princípios à teoria da moeda. É verdade que alguns, Adolf Wagner e Lexis em especial, expressaram opiniões — acerca do valor interno e externo da moeda e acerca da influência do balanço-de-pagamentos sobre a condição das trocas — que continham todos os elementos de uma teoria estatista da moeda; mas sempre com muita cautela e reserva. O primeiro a se aventurar numa aplicação explícita dos princípios estatistas na esfera da doutrina monetária foi Knapp.

A política do estatismo teve o seu ápice durante o período da guerra mundial, que por si só foi a consequência inevitável do domínio da ideologia estatista. Na “economia de guerra”, os postulados do estatismo se realizaram.[2] A economia de guerra e a economia de transição mostraram aquilo que o estatismo vale, assim como aquilo que a política do estatismo é capaz de alcançar.

Uma análise da doutrina e da política monetárias estatistas tem uma importância que não se limita à história das ideias. Pois, apesar de todo o seu insucesso, o estatismo ainda é a doutrina dominante, pelo menos no continente europeu. É, de qualquer forma, a doutrina dos governantes; as ideias do estatismo prevalecem na seara monetária. Por mais convencidos que estejamos de que ele não possui valor científico algum, ignorá-lo não nos fará bem hoje em dia.[3]

 

  1. Prestígio Nacional e Taxa de Câmbio

 

Para o estatista, a moeda é uma criatura do estado, e a estima em que a moeda for considerada é a expressão econômica do respeito ou prestígio desfrutado pelo estado. Quanto mais poderoso e mais rico for o estado, melhor será a sua moeda. Assim, durante a guerra, afirmava-se que “o padrão monetário dos vencedores” seria, em última análise, a melhor moeda. No entanto, a vitória e a derrota no campo de batalha só podem exercer uma influência indireta sobre o valor da moeda. De maneira geral, um estado vitorioso tem mais probabilidades que um estado conquistado de ser capaz de renunciar ao auxílio da impressora, pois é provável que seja mais fácil, por um lado, limitar as suas despesas e, por outro, obter crédito. Mas as mesmas considerações sugerem que o aumento das perspectivas de paz promoverá uma estimativa mais favorável inclusive da moeda do país derrotado. Em outubro de 1918, o marco e a coroa subiram; acreditava-se que, mesmo na Alemanha e na Áustria, seria possível contar com uma cessação da inflação — uma expectativa que, reconhecidamente, não se cumpriu.

A história também demonstra que, às vezes, o “padrão monetário dos vencedores” pode se revelar muito ruim. Raramente houve vitórias mais brilhantes que aquelas finalmente alcançadas pelos insurgentes americanos comandados por Washington contra as tropas inglesas. Mas o dólar “continental” americano não se beneficiou delas. Quanto mais orgulhosamente a bandeira estrelada subia, mais a taxa de câmbio afundava, até que, no exato momento em que a vitória dos rebeldes foi assegurada, o dólar ficou totalmente sem valor. O curso dos acontecimentos não foi diferente pouco tempo depois na França. Apesar das vitórias do exército revolucionário, o prêmio metálico aumentou de forma continuada, até que finalmente, em 1796, o valor da moeda afundou a zero. Em ambos os casos, o estado vitorioso levou a inflação ao extremo.

A riqueza de um país também não exerce qualquer influência na valoração da sua moeda. Nada é mais errôneo que o hábito generalizado de considerar o padrão monetário como algo da natureza dos pertences do estado ou da comunidade. Quando o marco alemão foi cotado a dez cêntimos em Zurique, os banqueiros disseram: “Agora é o momento de comprar marcos. A comunidade alemã está, de fato, mais pobre hoje que antes da guerra, o que justifica uma valoração baixa do marco. Todavia, a riqueza da Alemanha certamente não está reduzida a um duodécimo daquilo que era antes da guerra; então o marco está fadado a subir.” E, quando o marco polaco afundou a cinco cêntimos em Zurique, outros banqueiros disseram: “Este nível baixo é inexplicável. A Polônia é um país rico; tem uma agricultura pujante, tem madeira, carvão e petróleo; portanto, a sua taxa de câmbio deveria ser incomparavelmente mais alta.”[4] Tais observadores fracassam em reconhecer que a valoração da unidade monetária não depende da riqueza do país, mas sim da relação entre a quantidade de moeda e a demanda por ela, de modo que até mesmo o país mais rico pode ter uma moeda ruim e até mesmo o país mais pobre, uma moeda boa.

 

  1. A Regulamentação de Preços por Decreto Autoritário

 

O instrumento mais antigo e popular da política monetária estatista é o estabelecimento oficial de preços máximos. Os preços elevados, raciocina o estatista, não são a consequência de um aumento na quantidade de moeda, mas sim o efeito de uma atividade condenável por parte de “touros”[5] e “aproveitadores”; bastará suprimir as suas maquinações para garantir a cessação do aumento dos preços. Assim, torna-se crime punível exigir — ou, inclusive, pagar — preços “excessivos”.

Como a maioria dos outros governos, a administração austríaca durante a guerra iniciou esse tipo de disputa entre a legislação criminal e o aumento de preços no mesmo dia em que colocou a impressora em movimento a serviço das finanças nacionais. Suponhamos que, a princípio, ela tenha sido nisso bem-sucedida. Desconsideremos completamente o fato de que a guerra também fez a oferta de mercadorias diminuir; e suponhamos que não tenham surgido, do lado das mercadorias, forças em ação para modificar a proporção de troca entre as mercadorias e a moeda. Devemos, ainda, ignorar o fato de que a guerra, ao tornar maior o tempo necessário para o transporte de dinheiro, assim como ao restringir o funcionamento do sistema de compensação e ao exercer influências de outras maneiras, elevou a demanda por moeda de agentes econômicos individuais. Que nós nos limitemos a discutir esta questão: quais consequências necessariamente surgiriam se, ceteris paribus, com uma quantidade crescente de moeda, os preços fossem restringidos ao nível antigo por compulsão oficial?

Um aumento na quantidade de moeda suscita o aparecimento no mercado de um novo desejo de compra, que antes não existia; surgiu “novo poder de compra”, costuma-se dizer. Se os novos potenciais compradores competirem com os compradores que já estão no mercado, então, enquanto não for permitido aumentar os preços, apenas uma parte do poder de compra total poderá ser exercida. Isso significa que há potenciais compradores que saem do mercado sem terem alcançado o seu objetivo, embora estivessem dispostos a concordar com o preço exigido; trata-se de potenciais compradores que regressam para as suas casas com o dinheiro com o qual se propuseram a comprar. A hipótese de um potencial comprador que está disposto a pagar o preço oficial receber ou não receber a mercadoria que deseja depende de todos os tipos de circunstâncias, as quais são, do ponto de vista do mercado, bastante sem importância; por exemplo, se ele estava no local a tempo; ou se ele tem relações pessoais com o vendedor; ou outros acasos semelhantes. O mecanismo do mercado já não mais funciona para realizar uma distinção entre os potenciais compradores que ainda são capazes de comprar e os que não o são; não mais promove uma harmonização entre oferta e demanda através de variações de preço. A oferta fica aquém da demanda. A interação do mercado perde o sentido; outras forças têm de tomar o seu lugar.

Mas o governo que coloca em circulação as cédulas recém-criadas o faz porque deseja retirar mercadorias e serviços das suas trajetórias anteriores para direcioná-las a alguma outra finalidade almejada. Ele possui o desejo de adquirir tais mercadorias e serviços; não deseja arregimentar, requisitar tais bens pela força — um procedimento que é também bastante concebível. Deve, portanto, querer que seja possível obter tudo por meio da moeda e apenas por meio da moeda. Para o governo, não é vantajoso que surja no mercado uma situação que faça com que alguns dos potenciais compradores voltem para casa sem terem alcançado o seu objetivo. O governo tem o desejo de realizar aquisições; deseja utilizar o mercado, não desorganizá-lo. Mas o preço oficialmente estabelecido desarranja, transtorna, desordena o mercado em que produtos e serviços são comprados e vendidos por moeda. O comércio, na medida do possível, busca alívio de outras formas; redesenvolve um sistema de troca direta, no qual produtos e serviços são trocados sem a instrumentalidade da moeda. Aqueles que são forçados a disponibilizar produtos e serviços a preços estabelecidos não os disponibilizam a todos, mas apenas às pessoas a quem desejam fazer um favor. Os potenciais compradores esperam em longas filas para agarrarem o que podem obter antes que seja tarde demais; eles correm sem fôlego de loja em loja, na esperança de encontrar um lugar que ainda não esteja esgotado.

Pois, uma vez que tenham sido vendidas as mercadorias que já estavam disponíveis quando o seu preço foi autoritariamente estabelecido num nível abaixo do exigido pela situação do mercado, então os depósitos esvaziados não são novamente preenchidos. É proibido cobrar além de um determinado preço, mas a produção e a venda não foram tornadas compulsórias. Não existem mais vendedores. O mercado deixa de funcionar. Mas isso significa que a organização econômica baseada na divisão do trabalho passa a ser impossível. O nível de preços monetários não pode ser controlado sem solapar o sistema de divisão social do trabalho.

Portanto, o estabelecimento oficial de preços, o qual tem a intenção de definir valores e salários geralmente abaixo do nível que atingiriam num livre mercado, é completamente impraticável. Se os preços de tipos individuais de mercadorias e serviços estão submetidos a tais restrições, então ocorrem perturbações que são, pela capacidade de ajuste inata à ordem econômica baseada na propriedade privada, novamente resolvidas o suficiente para possibilitar a continuidade do sistema. Se tais regulamentações são tornadas gerais e realmente impingidas, então fica óbvia a sua incompatibilidade com a existência de uma ordem social baseada na propriedade privada. A tentativa de reprimir os preços dentro de limites tem de ser abandonada. Um governo que se propõe a abolir preços de mercado é inevitavelmente conduzido à abolição da propriedade privada; ele deve reconhecer que não existe meio-termo entre o sistema de propriedade privada dos meios de produção combinado com a liberdade de contrato e o sistema de propriedade comunal dos meios de produção — ou socialismo. Aos poucos, gradualmente, o governo é forçado a proceder à produção compulsória, à obrigação universal ao trabalho, ao racionamento do consumo e, finalmente, à regulamentação oficial da totalidade da produção e do consumo.

Esse é o caminho que a política econômica tomou durante a guerra. O estatista, que proclamara jubilosamente a capacidade do estado de fazer tudo que quisesse, descobriu, porém, que os economistas tinham razão e que não era possível agir apenas com regulamentação de preços. Visto que desejavam eliminar a interação do mercado, tinham de ir mais longe em comparação com aquilo que inicialmente pretendiam. O primeiro passo foi o racionamento dos bens de primeira necessidade; mas logo foi imperioso recorrer ao trabalho compulsório e, finalmente, à subordinação da totalidade da produção e do consumo aos ditames do estado. A propriedade privada existia apenas no nome; na verdade, fora abolida.

O colapso do militarismo foi também o fim do socialismo do período da guerra. Entretanto, nenhuma melhor compreensão do problema econômico foi mostrada sob a revolução que sob o antigo regime. Todas as mesmas experiências tiveram de ser novamente vivenciadas.

As tentativas que foram feitas com o auxílio da polícia e da legislação criminal para impedir um aumento dos preços não foram prejudicadas porque as autoridades não agiram com severidade suficiente ou porque as pessoas encontraram maneiras de escapar das regulamentações. Tais tentativas não fracassaram porque, conforme diz a lenda socialista-estatista, os empresários não tinham espírito público. Elas estavam fadadas ao fracasso porque a organização econômica baseada na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção só pode funcionar enquanto a determinação de preços no mercado for livre. Se a regulamentação dos preços tivesse sido bem-sucedida, ela teria paralisado o organismo econômico inteiro. A única coisa que possibilitou a continuidade do funcionamento do aparato social de produção foi a aplicação incompleta das normas, a qual se deveu à paralisia dos esforços daqueles que deveriam tê-las impingido.

Durante milhares de anos, em todas as partes da Terra habitada, inúmeros sacrifícios foram feitos à quimera de preços justos e razoáveis. Aqueles que violaram as normas regulamentadoras de preços foram duramente punidos; os seus bens foram confiscados, e eles mesmos foram encarcerados, torturados, condenados à morte. Zelo e energia certamente não faltaram aos agentes do estatismo. Mas, por tudo isso, os assuntos econômicos não podem ser conduzidos por magistrados e policiais.

 

  1. A Teoria do Balanço-de-pagamentos como Base da Política Monetária

 

De acordo com a visão atual, a manutenção de condições monetárias sólidas somente é possível com um “balanço-de-pagamentos positivo”. Um país com um “balanço-de-pagamentos negativo” é considerado permamentemente incapaz de estabilizar o valor da sua moeda; supõe-se que a depreciação monetária tenha uma base orgânica e seja irremediável exceto pela remoção dos defeitos orgânicos.

A refutação dessa objeção — e de objeções relacionadas — está implícita na teoria quantitativa e na Lei de Gresham. A teoria quantitativa demonstra que a moeda nunca pode fluir permanentemente para o exterior de um país no qual apenas moeda metálica seja usada (a “moeda puramente metálica” do princípio monetário). O aperto no mercado interno suscitado pelo efluxo de parcela do estoque de moeda reduz os preços das mercadorias, assim restringindo a importação e incentivando a exportação, até que haja novamente moeda suficiente no território. Os metais preciosos que desempenham a função de moeda são distribuídos entre indivíduos — e, em consequência, entre países separados — conforme a extensão e a intensidade da demanda de cada um por moeda. São supérfluas as intervenções estatais com a intenção de assegurar à comunidade a quantidade necessária de moeda por meio da regulamentação dos seus movimentos internacionais. Um efluxo indesejado de moeda nunca pode ser outra coisa além do resultado de uma intervenção estatal que dê o mesmo curso forçado a moedas de valores diferentes. Para preservar imperturbado o sistema monetário, tudo que o estado precisa — e pode — fazer é abster-se de tal intervenção. Isso configura a essência da teoria monetária dos economistas clássicos e dos seus sucessores imediatos, a Escola da Moeda. É possível refinar e ampliar essa doutrina com o auxílio da moderna teoria subjetiva; mas é impossível derrubá-la — e é impossível colocar qualquer outra coisa no seu lugar. Aqueles que são capazes de esquecer isso apenas demonstram que são incapazes de raciocinar como economistas.

Quando um país substituiu moeda metálica por moeda-crédito ou dinheiro fiduciário porque a equiparação legislada entre o papel emitido em excesso e a moeda metálica coloca em movimento o mecanismo descrito pela Lei de Gresham, é frequentemente afirmado que o balanço-de-pagamentos determina a taxa de câmbio. Mas trata-se também de uma explicação bastante inadequada. A taxa de câmbio é determinada pelo poder de compra possuído por uma unidade de cada tipo de moeda; a taxa de câmbio deve ser determinada a um nível tal que não faça diferença se as mercadorias são compradas diretamente com um tipo de moeda ou se são compradas indiretamente, através de moeda do outro tipo. Se a taxa de câmbio se afasta da posição que é determinada pela paridade do poder de compra, que chamamos de taxa natural ou de equilíbrio, então determinados tipos de transação se tornariam lucrativos. Ficaria rentável a compra de mercadorias com a moeda que estava subvalorizada pela taxa de câmbio em comparação com a proporção dada pelo seu poder de compra, assim como a venda delas pela moeda que estava supervalorizada na taxa de câmbio em comparação com o seu poder de compra. E, porque havia tais oportunidades de lucro, existiria uma demanda no mercado de câmbio pela moeda que estava subvalorizada pelas casas de câmbio, e isso elevaria a taxa de câmbio até que ela atingisse a sua posição de equilíbrio. As taxas de câmbio variam porque a quantidade de moeda varia e porque os preços das mercadorias variam. Conforme já foi observado, o fato de que essa relação básica não é realmente expressada na sequência temporal dos eventos se deve unicamente à técnica de mercado. De fato, sob a influência da especulação, a determinação das taxas de câmbio antecipa as variações esperadas nos preços das mercadorias.

A teoria do balanço-de-pagamentos esquece que o volume do comércio exterior é completamente dependente dos preços; que a exportação e a importação não podem ocorrer caso não existam diferenças de preços para tornar rentável o comércio. A teoria se apega aos aspectos superficiais dos fenômenos que analisa. Não se pode duvidar que, caso simplesmente verifiquemos as flutuações diárias ou horárias das casas de câmbio, só seremos capazes de descobrir que a situação do balanço-de-pagamentos em qualquer momento determina a oferta e a demanda no mercado de câmbio. Mas trata-se apenas do início de uma investigação adequada sobre os determinantes da taxa de câmbio. A pergunta seguinte é: O que determina a situação do balanço-de-pagamentos em qualquer momento? E não existe outra resposta possível para isso a não ser que são o nível de preços e as compras e as vendas induzidas pelas margens de preços que determinam o balanço-de-pagamentos. Num momento em que a taxa de câmbio está subindo, mercadorias estrangeiras só podem ser importadas caso consigam encontrar compradores apesar dos seus preços elevados.

Uma variedade da teoria do balanço-de-pagamentos tenta fazer uma distinção entre a importação de bens de primeira necessidade e a importação de bens que podem ser dispensados. Os bens de primeira necessidade, diz-se, têm de ser comprados seja qual for o seu preço, simplesmente porque não se pode viver sem eles. Em consequência, deve ocorrer uma depreciação contínua na moeda de um país que é obrigado a importar bens de primeira necessidade e que é apenas capaz de exportar bens relativamente dispensáveis. Argumentar dessa maneira significa esquecer que a maior ou menor necessidade ou dispensabilidade de bens individuais se expressa de forma plena na intensidade e na extensão da demanda por eles no mercado — e, portanto, na quantidade de moeda que é paga por eles. Por mais forte que possa ser o desejo dos austríacos por pão, carne, carvão ou açúcar estrangeiros, eles só podem obter essas coisas se forem capazes de pagar por elas. Se os austríacos quiserem importar mais, devem exportar mais; se eles não podem exportar bens manufaturados e semimanufaturados, então devem exportar ações, títulos e produtos financeiros de vários tipos. Se a circulação de cédulas não fosse aumentada, então os preços dos objetos que foram colocados à venda teriam de diminuir se a demanda por bens importados — e, portanto, os preços deles — aumentasse. Ou então o movimento ascendente dos preços dos bens de primeira necessidade teria de ser compensado por uma queda no preço dos bens dispensáveis cuja compra fosse restringida de modo a permitir a compra dos bens de primeira necessidade. Não se pode falar de um aumento generalizado de preços. E o balanço-de-pagamentos seria colocado em equilíbrio, seja pela exportação de produtos financeiros e afins, seja pelo aumento da exportação de bens dispensáveis. Somente quando o pressuposto acima não se sustenta, somente quando é aumentada a quantidade de cédulas em circulação, é que as mercadorias estrangeiras ainda podem ser importadas nas mesmas quantidades apesar de uma subida na moeda estrangeira; só porque essa suposição não se sustenta é que a alta na moeda estrangeira não estrangula a importação e incentiva a exportação até que apareça novamente um balanço-de-pagamentos positivo.

O antigo erro mercantilista envolvia, portanto, um espectro do qual não precisamos ter medo. Nenhum país, nem mesmo o mais pobre, precisa abandonar a esperança de condições monetárias sólidas. Não é a pobreza dos indivíduos e da comunidade, nem o endividamento com as nações estrangeiras, nem o desfavorecimento das condições de produção que força para cima a taxa de câmbio, mas sim a inflação.

Disso resulta que todos os meios utilizados para impedir uma subida da taxa de câmbio são inúteis. Caso a política inflacionária continue, eles permanecem ineficazes; caso não exista política inflacionária, eles então são supérfluos. O mais importante desses métodos é a proibição ou limitação da importação de determinados bens que são considerados dispensáveis — ou, no mínimo, menos indispensáveis que outros. Isso faz com que as somas de moeda interna que teriam sido utilizadas para a aquisição dessas mercadorias sejam utilizadas para outras compras; e, naturalmente, os únicos bens aqui referidos são aqueles que, de outra forma, teriam sido vendidos no exterior. Tais bens serão agora comprados no território por preços mais elevados que aqueles oferecidos no exterior para tais bens. Assim, a redução das importações — e, portanto, da demanda por moeda estrangeira — é equilibrada, do outro lado, por uma redução correspondente das exportações — e, portanto, da oferta de moeda estrangeira. As importações são, na verdade, pagas pelas exportações — e não pela moeda, conforme o diletantismo neomercantilista ainda continua a acreditar. Caso realmente se deseje represar a demanda por moeda estrangeira, então a quantidade de moeda na medida em que se deseja parar a importação deve ser retirada das pessoas que se encontram no território — digamos, pela tributação — e mantida fora de circulação; ou seja, não usada para fins estatais, mas destruída. Isto é, uma política deflacionária deve ser colocada em prática. Em vez de ser restringida a importação de chocolate, vinho e limonada, os membros da comunidade devem ser destituídos do dinheiro que, de outra forma, gastariam com essas mercadorias. Então devem limitar o consumo dessas mercadorias ou de outras. No primeiro caso, menos moeda estrangeira será desejada; no segundo, mais moeda estrangeira será oferecida, em comparação com anteriormente.

 

  1. A Supressão da Especulação

 

Não é fácil determinar se ainda exista quem adira de boa-fé à doutrina que conecta a depreciação da moeda à atividade dos especuladores. Essa doutrina é um instrumento indispensável da forma mais rasa de demagogia; é o recurso dos governos em busca de um bode expiatório. Dificilmente existem hoje em dia autores independentes que a defendam; aqueles que a apoiam são pagos para fazê-lo. No entanto, algumas palavras devem ser dedicadas a ela, pois a política monetária dos dias atuais se baseia em grande parte nela.

A especulação não determina os preços; ela deve aceitar os preços que são determinados no mercado. Os esforços da especulação são direcionados para estimar corretamente situações futuras de preços e agir em conformidade com isso. A influência da especulação não pode modificar o nível médio dos preços durante um dado período; o que ela pode fazer é diminuir a diferença entre os preços mais altos e os preços mais baixos. As flutuações de preços são reduzidas pela especulação — e não agravadas, conforme diz a lenda popular.

É verdade que o especulador pode desviar-se, perder-se na sua estimativa de preços futuros. O que geralmente se negligencia quando se considera essa possibilidade é o fato de que, nas condições dadas, prever o futuro de forma mais correta está muito além das capacidades da maioria das pessoas. Se assim não o fosse, o grupo oposto de compradores ou vendedores teria levado a melhor no mercado. O fato de a opinião aceitada pelo mercado ter se revelado falsa mais tarde não é lamentado por ninguém com mais genuína tristeza que pelos especuladores que a detinham. Não erram por malícia premonitória; afinal, o seu objetivo é obter lucros — e não sofrer prejuízos.

Até mesmo os preços que são estabelecidos sob a influência da especulação resultam da cooperação de duas partes, os “touros” e os “ursos”. Cada uma das duas partes é sempre igual à outra na força e na extensão dos seus compromissos. Cada uma tem a mesma responsabilidade pela determinação dos preços. Ninguém é desde o início e para sempre “touro” ou “urso”; um negociante torna-se um “touro” ou um “urso” apenas com base num resumo da situação do mercado — ou, mais corretamente, com base nas negociações que se seguem a esse somatório. Qualquer um pode mudar de posição a qualquer momento. O preço é determinado a esse nível em que as duas partes se equilibram. As flutuações da taxa de câmbio não são determinadas apenas pela venda realizada pelos “ursos”, mas também pela compra realizada pelos “touros”.

A visão estatista conecta o aumento no preço das moedas estrangeiras às maquinações de inimigos do estado tanto no território quanto no exterior. Tais inimigos, afirma-se, vendem moeda interna com intenção especulativa e compram moeda estrangeira com intenção especulativa. Dois casos são concebíveis. Ou esses inimigos são, nos seus negócios, motivados pela esperança de obterem lucro, quando o mesmo é verdadeiro tanto em relação a eles quanto em relação a todos os outros especuladores. Ou desejam prejudicar a reputação do estado do qual sejam inimigos ao deprimir o valor da sua moeda, ainda que eles próprios sejam lesados pelas operações que provocam esse fim. Considerar a possibilidade de tais empreendimentos significa esquecer que eles são pouco viáveis. As vendas dos “ursos”, se agissem contra o sentimento do mercado, imediatamente iniciariam um movimento contrário; as quantias vendidas seriam absorvidas pelos “touros” na expectativa de uma reação vindoura, sem qualquer efeito digno de menção sobre a taxa de câmbio.

Na verdade, tais abnegadas manobras baixistas — que são realizadas não com a intenção de obter lucro, mas sim com a intenção de prejudicar a reputação do estado — pertencem ao reino das fábulas. É verdade que podem muito bem ser realizadas operações em mercados de câmbio que tenham por objetivo não a obtenção de lucro, mas sim a criação e a manutenção de uma taxa que não corresponda às condições de mercado. Mas esse tipo de intervenção sempre provém dos governos, que se responsabilizam pela moeda e habitualmente têm em vista o estabelecimento e a manutenção de uma taxa de câmbio acima da taxa de equilíbrio. Trata-se de manobras artificiais altistas, não baixistas. É claro que essa intervenção também deve permanecer ineficaz no longo prazo. Na verdade, em última instância, só há uma maneira de impedir uma nova queda no valor da moeda — parar de aumentar a circulação de cédulas; e apenas uma forma de aumentar o valor da moeda — reduzir a circulação de cédulas. Qualquer intervenção — como a do Reichsbank alemão na primavera de 1923, em que apenas uma pequena parcela da crescente expansão de cédulas foi recuperada pelos bancos através da venda de títulos estrangeiros — seria necessariamente malograda.

Guiados pela ideia de oposição à especulação, governos inflacionistas se deixaram envolver em medidas cujo significado é pouco inteligível. Assim, num momento foi proibida a importação de cédulas; depois a exportação delas sofreu proibição; e, novamente, tanto a exportação quanto a importação foram proibidas. Os exportadores foram proibidos de vender por meio das cédulas do seu próprio país, e os importadores, de comprar com elas. Todo o comércio em termos de moeda estrangeira e metais preciosos foi declarado um monopólio estatal. Foi proibida a cotação de taxas de moeda estrangeira nas casas de câmbio situadas no território; e tornou-se punível com severidade a comunicação de informações sobre as taxas determinadas dentro do território fora das casas de câmbio e sobre as taxas negociadas em casas de câmbio estrangeiras. Todas essas medidas se mostraram inúteis e provavelmente teriam sido mais rapidamente abandonadas em comparação com o que realmente foi o caso se não houvesse fatores importantes em prol da sua continuidade. Além da já referida importância política inserida na manutenção da proposição de que a queda no valor da moeda deveria ser atribuída apenas a especuladores perversos, não se deve olvidar que qualquer restrição comercial fomenta interesses escusos que, a partir de então, opõem-se à sua remoção.

Em algumas vezes, são feitas tentativas de demonstrar a conveniência de medidas contra a especulação por meio da referência ao fato de que ocorrem momentos em que não há ninguém em oposição aos “ursos” no mercado cambial — de modo que somente eles consigam determinar a taxa de câmbio. Isso, obviamente, não é correto. No entanto, deve-se notar que a especulação exerce um efeito peculiar no caso de uma moeda cuja depreciação progressiva é esperada enquanto for impossível prever quando a depreciação irá parar — se é que ela irá parar. Embora, em geral, a especulação reduza a diferença entre os preços mais altos e os preços mais baixos sem modificar o nível médio de preços, aqui, quando o movimento presumivelmente continuará na mesma direção, isso naturalmente não pode ser o caso. O efeito da especulação nesse caso é permitir que a flutuação — que de outra maneira ocorreria de modo mais uniforme — prossiga aos trancos e barrancos com a interposição de pausas. Se as taxas de câmbio começam a subir, então, em relação àqueles especuladores que compram conforme a sua própria visão das circunstâncias, são adicionados grandes números de intrusos. Esses aderentes fortalecem o movimento iniciado pelos poucos que confiam numa opinião independente, levando-o mais longe em contraste com aquilo que teria percorrido sob a influência apenas dos especuladores profissionais especializados. Pois a reação não pode se instalar de forma tão rápida e eficaz como de costume. Claro, trata-se da suposição geral de que a depreciação da moeda irá ainda mais longe. Mas finalmente os vendedores de moeda estrangeira devem fazer uma aparição, e então o movimento crescente das casas de câmbio faz uma pausa; talvez até mesmo um movimento de retrocesso se estabeleça por um tempo. Portanto, depois de um período de “moeda estável”, tudo recomeça.

É evidente que a reação começa tarde, mas ela deve iniciar assim que as taxas de câmbio estiverem muito à frente dos preços das mercadorias. Se a diferença entre a taxa de câmbio de equilíbrio e a taxa de mercado for grande o suficiente para incentivar transações rentáveis de mercadorias, então também surgirá uma demanda especulativa pelo papel-moeda interno. Somente quando o espaço para tais transações tiver novamente desaparecido em razão de uma alta dos preços das mercadorias é que se estabelecerá uma nova subida do preço da moeda estrangeira.

O estatismo acaba por julgar como comportamento repreensível em si mesmo a posse de moeda estrangeira, saldos dessa natureza e títulos estrangeiros. Desse ponto de vista, é dever dos cidadãos — não que isso seja afirmado em tantas palavras, mas trata-se do tom de todas as declarações oficiais — suportar as consequências nefastas da depreciação monetária em relação à sua propriedade privada e não fazer tentativas de escapar dela por meio da aquisição de bens que não sejam devorados pela depreciação monetária. Do ponto de vista do indivíduo, declaram, pode, de fato, até mesmo parecer proveitoso salvar-se do empobrecimento por meio de uma fuga do marco; mas do ponto de vista da comunidade isso é prejudicial, devendo, portanto, ser condenado. Essa exigência realmente chega ao ponto de ser um frio pedido — por parte daqueles que desfrutam dos benefícios da inflação — de que todos os outros devam entregar a sua riqueza como sacrifício à política destrutiva do estado. Nesse caso, como em todos os outros em que são feitas afirmações semelhantes, não é verdade que exista uma oposição entre os interesses do indivíduo e os interesses da comunidade. O capital nacional é composto pelo capital dos membros individuais do estado; e, quando o segundo é consumido, nada sobra do primeiro. O indivíduo que toma medidas para investir a sua propriedade de tal forma que ela não possa ser devorada pela depreciação monetária não prejudica a comunidade; pelo contrário, ao tomar medidas para preservar a sua propriedade privada da destruição, ele também preserva da destruição parte da propriedade da comunidade. Se ele a entregasse sem oposição aos efeitos da inflação, tudo que faria seria promover a destruição de parte da riqueza nacional e enriquecer aqueles aos quais a política inflacionária traz lucro.

É verdade que setores significativos das melhores classes do povo alemão deram crédito às afirmações dos inflacionistas e da sua imprensa. Muitos achavam que estavam realizando um ato patriótico quando não se livravam dos seus marcos ou das suas coroas e dos seus títulos denominados em marcos ou coroas, mas os mantinham. Ao fazê-lo, não serviram à pátria. O fato de eles e as suas famílias terem, como consequência, afundado na pobreza significa apenas que alguns dos membros daquelas classes do povo alemão das quais se esperava a reconstrução cultural da nação estão reduzidos a uma condição em que não se encontram capazes de serem úteis — nem à comunidade nem a si próprios.

 

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Notas

[1] Sobre isso, verificar o meu livro Die Gemeinwirtschaft, 2ª edição (Jena, 1922), página 211 e seguintes.

[2] Conferir o meu livro Nation, Staat und Wirtschaft (Viena, 1919), página 108 e seguintes.

[3] Cassel diz, com razão: “Uma compreensão perfeitamente clara do problema monetário, provocado pela guerra mundial, nunca poderá ser alcançada até que a interpretação oficial dos assuntos tenha sido desmentida ponto por ponto e toda a luz lançada sobre todos os delírios com os quais as autoridades tentaram obcecar ao máximo possível a mente pública.” (Cassel, Money and Foreign Exchange after 1914 [Londres, 1922], página 7 e seguintes.) Conferir a crítica de Gregory aos argumentos estatistas mais importantes na sua obra Foreign Exchange before, during and after the War (Londres, 1921), especialmente a página 65 e seguintes.

[4] Um líder da república soviética húngara disse ao autor na primavera de 1919: “O papel-moeda emitido pela república soviética deveria realmente ter a maior taxa de câmbio ao lado do dinheiro russo, pois, através da socialização da propriedade privada de todos os húngaros, o estado húngaro tornou-se, ao lado da Rússia, o estado mais rico do mundo e, em consequência, o mais merecedor de crédito.”

[5] Existe no mercado financeiro a prática de chamar de “bulls” (“touros”) e “bears” (“ursos”) as pessoas (investidores/especuladores) que, respectivamente, operam conforme perspectivas de alta e de baixa. (N. do T.)

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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