A tirania Covid não foi capaz de abalar a crença hobbesiana

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O Estado é uma organização criminosa. Para os libertários, esta é uma afirmação óbvia. Para a grande maioria dos cidadãos, porém, um delírio teórico de quem é incapaz de compreender a teoria contratualista de Thomas Hobbes e as consequências advindas do que o teórico chamou de estado de natureza.

Para Hobbes, no mundo pré-político, num estado de completa liberdade e ausência de leis, o egoísmo, o autointeresse e os desejos conflitantes tornariam impossível a convivência em sociedade. O argumento a favor da concepção de um Estado baseia-se na inalterável realidade da escassez. Se a condição natural do homem é a escassez e se todos vivessem em condições de plena liberdade, não haveria nada que pudesse reprimir os desejos conflitantes dos diferentes grupos de pessoas. Em desacordo com a lei de associação de David Ricardo que, como Hobbes, reconhece que indivíduos são dotados de diferentes capacitações, potenciais e habilidades que podem ser mais ou menos adequados para as diferentes funções sociais, a teoria hobbesiana propõe que um tomador de decisão supremo, cujo poder de decisão esteja restrito a determinado território, possua o poder de decidir, numa relação de interesses conflituosos, qual lado está sendo injustiçado e qual comete a injustiça. Enquanto a teoria ricardiana enxerga nas diferenças individuais a emergência de um sistema baseado na especialização do trabalho e a consequente prosperidade advinda de maior produtividade e aumento dos rendimentos individuais que decorrem do arranjo cooperativo, Hobbes acredita que os contratos feitos entre indivíduos livres seriam uma impossibilidade prática e, portanto, insuficientes para garantir a paz. De acordo com Hobbes, precisamos de um tomador de decisão supremo (Leviatã) que possua o monopólio da tomada de decisões para todos os casos de conflito.

Para o filósofo anarcocapitalista Hans-Hermann Hoppe, a teoria hobbesiana nasce de uma argumentação falaciosa e, por esta razão, compara a um milagre o fenômeno do surgimento do aparato estatal de compulsão e coerção como nós o conhecemos. De acordo com Hoppe, a falácia da argumentação em torno da necessidade da existência de um ser supremo que possa arbitrar todas as questões que envolvem o intrincado mundo das relações humanas pode ser facilmente compreendida “quando você percebe que, se existe uma instituição que tenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, então consequentemente essa instituição também vai definir quem está certo e quem está errado em casos de conflito nos quais essa mesma instituição esteja envolvida. Ou seja, ela não é apenas uma instituição que decide quem está certo ou errado em conflitos que eu tenha com terceiros, mas ela também é a instituição que vai decidir quem está certo ou errado em casos em que ela própria está envolvida em conflitos com outros”.

Em palavras mais simples, poder-se-ia dizer que, ao colocar nas mãos do Estado o poder de decisão sobre nossas vidas, os cidadãos estão colocando o governo e seus membros acima da lei moral geral que orienta o comportamento humano. Senão, vejamos:

É comumente aceito que um cidadão honesto receba seus rendimentos por meio da venda de bens e serviços produzidos por ele mesmo de forma totalmente voluntária. Dito de outra forma, é consenso que todo cidadão honesto deveria auferir seus próprios rendimentos pelos chamados meios econômicos. Esta exigência, no entanto, desaparece quando substituímos o cidadão pelo Estado. Como o Estado, afinal, obtém suas receitas? Por meio do roubo à propriedade privada. Por meio da ameaça direta de confisco e detenção caso sua exigência de pagamento não seja prontamente atendida.

É senso comum que quaisquer indivíduos e grupos criminosos que cometem agressão contra pessoas inocentes devem ser devidamente punidos. Não é preciso ser um defensor das teorias rothbardianas para concordar com essa afirmação. Somente os seguidores das ideias rothbardianas, porém, concordarão que o Estado usa os recursos extraídos coercitivamente de seus súditos para punir todos os que lhe desobedecem. Nas palavras do próprio Rothbard, “na sociedade, somente o governo tem o poder de cometer a agressão contra os direitos de propriedade dos seus súditos, seja para extrair a sua renda, para impor o seu código moral, ou para matar aqueles dos quais ele discorda. Além do mais, todo e qualquer governo, até mesmo o menos déspota, sempre obteve o volume de sua renda através do poder coercivo da taxação. E já que vimos que o impulso central do pensamento libertário é se opor a qualquer agressão contra os direitos de todos à vida e à propriedade, o libertário necessariamente se opõe à instituição do Estado por ser o inimigo inerente e majoritariamente mais importante destes direitos preciosos”. 

É o Estado quem expropria a iniciativa privada e, sob ameaça, estabelece que não comunistas devem conviver pacificamente com comunistas. É o Estado quem decreta que não comunistas devem, por meio de seu trabalho, financiar as ideias comunistas. Sob o pretexto da igualdade de oportunidades, o Estado coloca, num mesmo ambiente (normalmente conhecido como escola), jovens das mais variadas crenças e os submete igualmente às doutrinas socialistas que justificam sua existência e importância.

O Estado e os funcionários que estão em sua folha de pagamento (dentre eles, merecem destaque os professores) fazem, não raro, um amplo trabalho de “conscientização” buscando persuadir a quem for possível a respeito da inevitabilidade de sua existência e da legitimidade da vida nababesca que ostentam todos os seus membros.

A despeito de tudo o que sofrem os seus súditos, a propaganda estatal parece ter sido bem sucedida. Por todos os lados há pessoas clamando pela benevolência estatal. Sempre há alguém que credite ao Estado a responsabilidade por reduzir preços e elevar o padrão de vida da coletividade quando é, ele mesmo, o causador do empobrecimento (particularmente, gerado por impressão de moeda) que asfixia qualquer possibilidade de promoção do bem-estar.

Este anseio pela benevolência estatal tornou-se mais evidente durante os anos de 2020 e 2021. A submissão cega e a fé dogmática na clarividência estatal nunca foram tão notórias. Ao redor do globo a peste chinesa, ao contrário do que esperava todo defensor das ideias da livre associação, não foi capaz de provocar qualquer movimento na fé dogmática das pessoas no Estado (mesmo diante dos resultados desastrosos de suas políticas sanitárias).

A liberdade de associação dos cidadãos foi cerceada, projetos empreendedoriais foram destruídos, decretos fizeram com que um simples passeio ao ar livre transformasse o cidadão comum num criminoso da pior estirpe. A recusa em fazer uso de um pedaço de pano que cobrisse seu rosto fez com que esse mesmo cidadão, que ainda em 2019 se considerava relativamente livre, fosse igualado a um assassino. Não satisfeitos, governadores e prefeitos querem, agora, impor o passaporte vacinal. Sem a comprovação de que você foi vacinado pelo Estado, seu direito de ir e vir será restringido e com ele todas as relações humanas e sociais inerentes à civilização.

Hobbes estava errado. E a grande maioria dos cidadãos continua, mesmo que de forma tácita, acreditando neste erro. O Estado, este ser supremo a quem conferimos autonomia, é a raiz de todos os males que enfrentamos. Não obstante os alertas libertários, a fé nas propostas estatais continua inabalável. Não importa quantas vezes os políticos e suas promessas falhem. A única lição que fica é que a grande maioria das pessoas não aprendeu nenhuma lição com o covidianismo e com a ditadura sanitarista.

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