Palestra proferida no Ludwig von Mises Institute em 19 de outubro de 2002.
Por “natureza benevolente do capitalismo” refiro-me ao fato de que ele promove a vida humana e o bem-estar, e o faz para todos. Inúmeras observações desse tipo — as quais foram desenvolvidas ao longo de mais de três séculos — foram feitas por uma série de grandes pensadores, indo desde John Locke até Ludwig von Mises e Ayn Rand. Eu apresento o máximo possível delas no meu livroCapitalism.
Irei aqui discutir brevemente apenas treze dessas observações que considero serem as mais importantes, e as quais acredito — quando tomadas juntas — serem capazes de tornar a argumentação em favor do capitalismo irresistível. Irei discuti-las aproximadamente na mesma sequência em que aparecem no meu livro. Apenas peço desculpas pela brevidade e concisão. Cada uma dessas observações por si sós requereriam uma discussão muito maior do que todo o tempo que me foi alocado para palestrar hoje. Felizmente posso valer-me do fato de que, ao menos em meu livro, creio tê-las apresentado nos detalhes que merecem.
E agora, permitam-me começar.
1) A liberdade individual — uma característica essencial do capitalismo — é a base da segurança, no sentido tanto da segurança pessoal quanto da segurança econômica. Liberdade significa a ausência de iniciação de força física. Quando um indivíduo é livre, ele está seguro — protegido — dos crimes comuns, pois ele está livre exatamente de atos como assalto e agressão, roubo, estupro e assassinato, todos os quais representam iniciação de força física. Ainda mais importante, obviamente, é o fato de que, quando um indivíduo é livre, ele está livre da iniciação de força física oriunda do governo, a qual é potencialmente muito mais mortífera que qualquer força oriunda de uma gangue privada qualquer. (A Gestapo e o KGB, por exemplo, com seus métodos de escravização e o assassinato de milhões de cidadãos, fazem com que criminosos comuns pareçam indivíduos quase que afáveis em comparação.)
O fato de a liberdade ser sinônimo de ausência de iniciação de força física também significa que a paz é um corolário da liberdade. Onde há liberdade, há paz, pois não há nenhum uso da força: na medida em que a força não é iniciada por ninguém, o uso da força como meio de defesa ou de retaliação não é requerido.
A segurança econômica fornecida pela liberdade deriva-se do fato de que, sob a liberdade, qualquer um pode escolher fazer aquilo que julga ser o melhor para seu próprio interesse, sem medo de ser impedido pela força física de qualquer outro, desde que ele próprio não inicie o uso da força física. Isso significa, por exemplo, que ele pode escolher o mais bem remunerado trabalho que encontrar e comprar produtos dos ofertantes mais competitivos que houver; ao mesmo tempo, ele pode manter toda a renda que auferir e poupar o tanto que quiser, investindo sua poupança da maneira mais lucrativa que conseguir. A única coisa que ele não pode fazer é iniciar força contra terceiros. Com o uso da força proibido, a única maneira de um indivíduo aumentar a quantidade de dinheiro que ganha é utilizando seu raciocínio para descobrir como oferecer às outras pessoas mais ou melhores bens e serviços pelo mesmo valor monetário vigente, uma vez que essa é a maneira de induzi-las a voluntariamente gastar mais de seus fundos para comprar dele os mesmos bens e serviços que poderiam adquirir de seus concorrentes. Assim, a liberdade é a base para que todos sejam tão economicamente seguros quanto o exercício de seu raciocínio e o raciocínio de seus fornecedores possam permitir.
2) Um aumento contínuo na oferta de recursos naturais acessíveis e economicamente utilizáveis torna-se possível na medida em que o homem torna-se capaz de converter uma maior parcela dessa virtual infinitude que é a natureza em bens e riqueza econômica. Para tal ele se baseia tanto no crescente conhecimento que adquire sobre a natureza quanto no crescente poder físico capaz de exercer sobre ela. (Para uma elaboração desse ponto importante, por favor vejam o capítulo 3 do meu livro, ou o meu ensaio “O ambientalismo à luz de Menger e Mises“).
3) A produção e a atividade econômica, por sua própria natureza, servem para melhorar o ambiente do homem. Isso porque, do ponto de vista da física e da química, toda a produção e toda a atividade econômica consistem em rearranjar, em combinações distintas, os elementos químicos fornecidos pela natureza, e transportá-los para diferentes localidades geográficas. O propósito que norteia esse rearranjo e transportação é essencialmente fazer com que os elementos químicos possibilitem um aprimoramento da relação entre a vida humana e o bem-estar. Tal procedimento coloca os elementos químicos em combinações e localidades nas quais eles podem fornecer uma maior utilidade e um maior benefício aos seres humanos.
Por exemplo, a relação dos elementos químicos ferro e cobre com a vida e o bem-estar do homem é enormemente melhorada quando ambos são extraídos de debaixo da terra e utilizados para fabricar produtos como automóveis, geladeiras e cabos elétricos. Da mesma forma, a relação de elementos químicos como carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio com a vida e o bem-estar do homem é aperfeiçoada quando eles podem ser combinados para produzir energia e luz elétrica. A relação de um pedaço de terra com a vida e o bem-estar do homem é aprimorada quando, ao invés de ter dormir sobre ela dentro de um saco de dormir e ter de tomar precauções contra cobras, escorpiões e animais selvagens, ele pode dormir dentro de uma moderna e bem construída casa erigida sobre esse pedaço de terra, com todos os utensílios e confortos que já consideramos rotineiros.
A totalidade dos elementos químicos constitui o ambiente externo material do homem, e é precisamente para aprimorar essa relação que servem a produção e a atividade econômica.
4) A divisão do trabalho — uma característica dominante do capitalismo e cujo desenvolvimento pleno pode existir apenas sob o sistema capitalista — proporciona, entre outros benefícios, enormes ganhos para todos. Isso ocorre por meio da multiplicação da quantidade de conhecimento que entra no processo produtivo, fenômeno esse que gera, como consequência, um aumento contínuo e progressivo da própria quantidade de conhecimento.
Apenas considere isso: cada ocupação distinta, cada sub-ocupação, possui seu próprio e único corpo de conhecimento (a soma de todo o conhecimento em uma dada especialidade). Em uma sociedade capitalista, baseada na divisão do trabalho, a quantidade de corpos de conhecimento distintos entrando no processo de produção é proporcional à quantidade de empregos existentes. A totalidade desse conhecimento opera em benefício de cada indivíduo consumidor, quando este compra os produtos produzidos por outros — sendo que o mesmo é válido para o indivíduo produtor, na medida em que sua produção é auxiliada pelo uso de bens de capital previamente produzido por outros.
Assim, imagine um determinado indivíduo que trabalha como carpinteiro. Seu corpo de conhecimento é a carpintaria. Porém, enquanto consumidor, ele se beneficia de todas as outras ocupações distintas que existem no sistema econômico. A existência de um corpo de conhecimento tão extenso e disperso é essencial para a existência de uma infinidade de produtos — sendo que cada produto requer em seu processo de produção mais conhecimento do que qualquer indivíduo — ou um pequeno número de indivíduos — pode ter. Dentre tais produtos, é claro, temos o maquinário, algo que não poderia ser produzido na ausência de uma divisão do trabalho extremamente ampla e do vasto corpo de conhecimento que isso gera.
Ademais, em uma sociedade capitalista, baseada na divisão do trabalho, uma grande proporção dos membros mais inteligentes e ambiciosos da sociedade — tais como os gênios e outros indivíduos de grande talento — escolhem sua especialização exatamente nas áreas que têm o efeito de melhorar e aumentar progressivamente o volume de conhecimento que é aplicado na produção. Este é o efeito gerado quando tais indivíduos se especializam em áreas como ciência, invenção e negócios.
5) Pelo menos desde a época de Adam Smith e David Ricardo já se sabe que a economia capitalista gera uma tendência à equalização da taxa de retorno do capital (taxa de lucro) em todos os ramos do sistema econômico. Por exemplo, se em uma determinada área as taxas de retorno estão acima da média, isso fornecerá um incentivo — bem como os meios — para se aumentar o investimento naquela área, o que gerará mais produção e oferta, o que consequentemente provocará uma redução nos preços e na taxa de retorno. Inversamente, se as taxas de retorno estão abaixo da média, o resultado será uma redução no investimento e uma redução na produção e na oferta, seguidas de um aumento nos lucros e na taxa de retorno. Dessa forma, taxas de lucro altas caem e taxas baixas sobem.
O funcionamento desse princípio serve não apenas para manter as diferentes áreas de uma economia capitalista em equilíbrio adequado entre si, mas também para dar aos consumidores o poder de determinar o tamanho relativo das várias indústrias, algo que pode ser feito por meio de seus hábitos de compra ou de abstinência de compra, para usar as palavras de von Mises. Onde os consumidores gastam mais, os lucros sobem, e onde os consumidores gastam menos, os lucros caem. Em resposta aos lucros maiores, o investimento e a produção aumentam; e em resposta aos lucros menores ou aos prejuízos, o investimento e a produção diminuem. Assim, o padrão de investimento e produção é forçado a seguir o padrão de gastos do consumidor.
Talvez ainda mais importante, essa tendência à uniformização da taxa de retorno sobre o capital investido serve para criar um padrão de progressivo aperfeiçoamento nos produtos e métodos de produção. Qualquer empreendimento poderá auferir uma taxa de retorno acima da média caso introduza um produto novo ou aprimorado que os consumidores queiram comprar, ou um método mais eficiente e de mais baixo custo de se produzir um produto já existente. Porém, o alto lucro que esse empreendimento desfrutar irá atrair novos concorrentes, fazendo com que essa inovação seja amplamente adotada. E assim que isso ocorrer — isto é, a concorrência do setor aumentar e a inovação for amplamente adotada —, os altos lucros desaparecerão, sendo que o resultado final é que foram os consumidores que ganharam todo o benefício da inovação. Eles acabaram ganhando melhores produtos e pagando preços mais baixos.
Se a empresa que fez a inovação quiser continuar obtendo uma taxa de lucro excepcional, ela terá de introduzir outras inovações, as quais acabarão gerando os mesmos resultados. Obter uma alta taxa de lucro por um longo período de tempo requer a introdução de uma série contínua de inovações, com os consumidores obtendo o total benefício de todas elas, desde a primeira até as mais recentes.
6) Como von Mises demonstrou, em uma economia de mercado — que é o que o capitalismo é —, a propriedade privada dos meios de produção traz benefícios para todos, tanto para seus proprietários quanto para os não-proprietários. Os não-proprietários se beneficiam dos meios de produção pertencentes a outras pessoas. Eles obtêm esse benefício ao comprarem os produtos fabricados por aqueles meios de produção. Para que eu possa me beneficiar com as fábricas e equipamentos de uma montadora de automóveis, ou com os campos petrolíferos, oleodutos e refinarias de uma empresa de petróleo, eu não preciso ser acionista dessas empresas. Tudo o que eu tenho de fazer é ter a capacidade de comprar o automóvel ou a gasolina ou qualquer coisa que elas produzam.
Ademais, graças ao aspecto dinâmico e progressivo do princípio da uniformidade-da-taxa-de-lucro ou taxa-de-retorno que expliquei acima, o benefício geral trazido pelos meios de produção privados aos não-proprietários aumenta continuamente, uma vez que eles podem comprar cada vez mais e melhores produtos a preços reais progressivamente decrescentes. Não se pode deixar de enfatizar que esses ganhos progressivos, e o padrão de vida crescente que proporcionam, dependem primordialmente das instituições capitalistas da propriedade privada dos meios de produção, da busca pelo lucro, e da concorrência econômica — sem as quais não seriam possíveis. São essas instituições que fundamentam uma motivada e efetiva iniciativa individual, que consequentemente faz aumentar o padrão de vida.
7) Um corolário do benefício geral criado pela propriedade privada dos meios de produção é o benefício para a sociedade gerado pela instituição da herança. Não apenas os herdeiros mas também os não-herdeiros se beneficiam de sua existência. Os não herdeiros se beneficiam porque a instituição da herança estimula a poupança e a acumulação de capital, no sentido de que leva as pessoas a acumular e manter capital para ser transmitido a seus herdeiros. O resultado da existência desse capital adicional acumulado é a existência de mais meios de produção produzindo para o mercado, gerando mais e melhores produtos para que todos possam comprar.
O efeito desse capital adicional, obviamente, é a criação de uma demanda adicional por mão-de-obra e, consequentemente, por maiores salários. A demanda por mão-de-obra — já deveria estar claro — é uma forma fundamental por meio da qual todos os meios de produção em mãos privadas operam para o benefício dos não-proprietários. O capital é a base tanto da demanda por mão-de-obra quanto da oferta de produtos.
8) No capitalismo, não apenas o ganho de um indivíduo não significa uma perda para outro — desde que esse ganho advenha de um aumento na produção total —, como também — nos casos mais importantes como, por exemplo, naqueles em que grandes fortunas industriais são construídas — o ganho de um homem gera positivamente ganhos para outros homens. Isso advém do fato de que os simples requisitos aritméticos para se construir uma grande fortuna são: obter uma alta taxa de lucro sobre o capital por um prolongado período de tempo, e poupar e reinvestir a grande parte desses lucros obtidos, ano após ano.
Como já vimos, a obtenção de uma alta taxa de lucro durante um prolongado período de tempo, frente à concorrência, requer a introdução de uma série de inovações significativas. Essas inovações representam produtos melhores e mais baratos para os consumidores. A poupança e o reinvestimento dos lucros obtidos nas inovações constituem a acumulação dos meios de produção, o que também é benéfico para os consumidores. Assim, tanto em sua origem — nos altos lucros — como em seu destino — a acumulação de capital —, as grandes fortunas industriais representam benefícios correspondentes para o público consumidor em geral. Por exemplo, o velho Henry Ford iniciando seu empreendimento com um capital de US$25.000 em 1903 e terminando com um capital de US$1 bilhão em 1946 foi apenas um lado de uma moeda em cujo outro lado estava o cidadão comum, que passou a poder comprar um automóvel muito melhor e mais eficientemente produzido — produzido em larga escala nas fábricas que representavam o bilhão de Ford.
9) Como von Mises demonstrou, a competição econômica que ocorre sob o capitalismo é radicalmente diferente da competição biológica que prevalece no reino animal. Com efeito, seu caráter é diametralmente oposto. As espécies animais têm de lidar com meios de subsistência escassos e naturais, cuja quantidade eles não podem aumentar. Já o homem, em virtude de possuir a razão e a inteligência, pode aumentar a oferta de todas as coisas das quais dependem sua sobrevivência e bem-estar. Assim, ao invés da competição biológica de animais brigando entre si para arrebatar uma fatia de quantidades limitadas de recursos naturais, com os fortes triunfando e os fracos perecendo, a competição econômica sob o capitalismo é uma disputa para ver quem mais consegue aumentar a quantidade de bens existentes, sendo que o resultado prático de tal competição é fazer com que todos vivam melhor e mais longevamente.
De maneira completamente distinta aos leões numa selva, que precisam competir por uma oferta limitada de animais como zebras e gazelas, por meio do poder de seus sentidos e membros, os produtores no capitalismo competem por uma quantidade limitada de dinheiro que está nas mãos dos consumidores, pelo qual competem oferecendo os melhores e mais econômicos produtos que suas mentes são capazes de conceber. Dado que tal competição é do tipo que visa à criação positiva de riqueza nova e adicional, não há perdedores reais no longo prazo. Há apenas ganhadores.
A competição dos agricultores e dos fabricantes de equipamentos agrícolas permite que os famintos e os fracos possam se alimentar e crescer saudáveis; a competição dos fabricantes de produtos farmacêuticos permite que os doentes possam recuperar sua saúde; a competição dos fabricantes de óculos, lentes de contato e aparelhos auditivos permite que muitas pessoas que de outra forma não poderiam ver ou ouvir, agora o possam. Longe de ser uma competição cujo resultado é “a sobrevivência do mais forte”, a competição no capitalismo é mais acuradamente descrita como uma competição cujo resultado é a sobrevivência de todos, ou pelo menos de um número cada vez maior de pessoas, proporcionando maior longevidade e melhores condições de vida. O único sentido no qual é correto dizer que no capitalismo somente o mais “forte” ou mais “apto” sobrevive é quando se pensa nos produtos criados: apenas os produtos mais aptos e os mais sólidos métodos de produção sobrevivem, até que sejam substituídos por produtos e métodos de produção ainda mais aptos, gerando os efeitos sobre a sobrevivência humana acima descritos.
Como von Mises também já demonstrou, ao desenvolver a lei das vantagens comparativas de David Ricardo e extrapolá-las até a lei da associação, existe espaço para todos na competição do capitalismo. Mesmo aqueles que são menos capazes que os outros, em todos os sentidos, ainda têm seu lugar. Com efeito, em grande medida, a competição sob o capitalismo, longe de ser uma questão de conflito entre seres humanos, é um processo que organiza harmoniosamente aquele grande sistema de cooperação social conhecido como divisão do trabalho. Ela decide até que ponto cada indivíduo, dentro desse abrangente sistema de cooperação social, irá dar sua contribuição específica — quem, por exemplo, e por quanto tempo, será o presidente de uma indústria, quem será o zelador e quem irá preencher todas as posições intermediárias.
Nessa competição, cada indivíduo, por mais limitadas que sejam suas habilidades, pode superar todos os demais — sem se importar com o quão mais talentosos estes são — na busca de seu nicho produtivo. Literalmente, e sendo este um acontecimento diário e banal, aqueles cujas habilidades não são maiores do que as necessárias para ser um zelador são capazes de superar, sem qualquer dificuldade, os maiores gênios produtivos do mundo — para obter um emprego de zelador. Por exemplo, Bill Gates pode ser um indivíduo tão superior que, além de ser capaz de revolucionar a indústria de software, ele também é capaz de limpar cinco vezes tantos metros quadrados de um escritório na mesma duração de tempo que qualquer zelador do planeta, e ainda fazer um serviço melhor. Mas Gates pode ganhar um milhão de dólares por hora administrando a Microsoft, e os zeladores podem estar dispostos a trabalhar por, digamos, $10 a hora, sendo que essa propensão deles para executar o mesmo serviço a um centésimo de milésimo do salário que Gates cobraria supera enormemente a menor habilidade que possuem, de modo que são eles agora que estão em clara preferência e vantagem na situação.
Ao mesmo tempo, pelo fato de os gênios produtivos serem livres para revolucionar com sucesso produtos e métodos de produção, aqueles indivíduos cujas habilidades não são maiores do que as requeridas para serem zeladores poderão, como consequência do trabalho dos gênios, usufruir não apenas alimentos, roupas e abrigo, mas também produtos como automóveis, televisões e computadores, produtos cuja própria existência eles provavelmente jamais poderiam conceber por conta própria.
Os prejuízos associados à competição são, em sua maioria, apenas perdas de curto prazo. Por exemplo, assim que os ferreiros e criadores de cavalo que perderam seus negócios por causa da invenção do automóvel encontraram outras linhas de trabalho de mesmo nível, o único efeito duradouro do automóvel sobre eles é que, como consumidores, eles passaram a poder desfrutar as vantagens do automóvel em relação ao cavalo. Similarmente, os fazendeiros que utilizavam mulas, e que foram desalojados do mercado pela concorrência dos fazendeiros que utilizavam tratores, não morreram de inanição — eles simplesmente tiveram de mudar sua linha de trabalho; e quando o fizeram, passaram a usufruir, junto com todo o resto, uma oferta muito mais abundante de comida e de outros produtos, os quais puderam ser produzidos precisamente porque utilizaram a mão-de-obra liberada pela agricultura.
Mesmo naqueles casos em que uma concorrência isolada resulta em um indivíduo tendo de passar o resto de sua vida em uma situação econômica inferior àquela que desfrutava antes, como por exemplo o dono de uma fábrica de chicotes de cavalo tendo de viver o resto de sua vida como um assalariado comum após ter ido à falência por causa da invenção do automóvel — mesmo ele não pode alegar sensatamente que a competição o prejudicou. O máximo que ele pode razoavelmente alegar é que, de agora em diante, os formidáveis benefícios que a concorrência lhe traz são menores do que os ganhos ainda mais formidáveis que ele dela obtinha anteriormente. Pois é a concorrência que sustenta a produção e a oferta de tudo que ele continua apto a comprar e é ela a responsável pelo poder de compra de cada unidade monetária de sua renda e da renda de todos. E, é claro, é a concorrência também que faz aumentar sua renda real, retirando-a do nível para o qual havia caído.
Pra dizer a verdade, sob o capitalismo a concorrência eleva o padrão de vida do assalariado médio para níveis maiores até mesmo do que aqueles desfrutados pelas pessoas mais ricas do mundo, que viveram algumas gerações atrás. (Hoje, por exemplo, um assalariado médio em um país capitalista possui um padrão de vida maior até mesmo que o da Rainha Vitória em provavelmente todos os aspectos, exceto na capacidade de contratar servos).
10) E agora — mais uma vez créditos para Mises —, longe de representar o caos sem planejamento e a “anarquia da produção” alegada pelos marxistas, o capitalismo é na realidade um sistema econômico tão inteiramente e racionalmente planejado quanto é humanamente possível. O planejamento que ocorre no capitalismo, sem ser reconhecido como tal, é o planejamento feito por cada participante individual do sistema econômico. Qualquer indivíduo que pense em praticar uma atividade econômica que irá lhe beneficiar, e em como desenvolvê-la, está incorrendo em um planejamento econômico. Indivíduos planejam comprar casas, automóveis, eletrodomésticos e principalmente alimentos. Planejam para quais trabalhos treinar e onde oferecer e aplicar as habilidades que possuem. As empresas planejam a introdução de novos produtos ou a interrupção da produção de alguns já existentes; elas planejam mudar seus métodos de produção ou continuar aplicando os métodos que utilizam presentemente; planejam abrir filiais ou fechar filiais; planejam contratar novos empregados ou demitir os que atualmente empregam; planejam incrementar seus estoques ou reduzi-los.
Vários outros exemplos de planejamento econômico diário e rotineiro incorrido por indivíduos e empresas podem ser encontrados. O planejamento econômico privado está em todo lugar à nossa volta e todas as pessoas o praticam. Porém, para todos, exceto os estudiosos de Mises, ele é invisível. Para aqueles que ignoram os ensinamentos de Mises, planejamento econômico é jurisdição exclusiva do governo.
Um imenso e difuso planejamento econômico não apenas existe no âmbito privado como também é totalmentecoordenado, integrado e harmonizado de modo a produzir um sistema econômico coesivamente planejado. O meio que possibilita essa ocorrência é o sistema de preços. Todo o planejamento econômico dos indivíduos e das empresas privadas ocorre tendo por base uma consideração sobre os preços — preços que constituem custos e também receita ou renda. Indivíduos que planejam comprar bens ou serviços de qualquer tipo estão sempre considerando os preços desses bens ou serviços e estão preparados para alterar seus planos em decorrência de uma mudança nos preços.
Os indivíduos que planejam vender bens ou serviços sempre levam em consideração os preços que podem esperar por eles, e estão também preparados para mudar seus planos caso haja uma mudança nos preços. As empresas, obviamente, baseiam seus planos em uma consideração tanto das receitas de venda quanto dos custos — portanto, dos respectivos preços que constituem ambos — e estão preparadas para alterar seus planos em resposta a mudanças na lucratividade.
Desta forma, quando minha esposa e eu nos mudamos para a Califórnia, por exemplo, nosso plano de vida era comprar uma casa em uma montanha com vista para o Oceano Pacífico. Porém, após vermos os preços de tais casas, rapidamente decidimos que era necessário rever nosso plano e procurar uma casa vários quilômetros no interior. Desta forma, fomos levados a alterar nosso plano de moradia de uma forma que harmonizava com os planos das outras pessoas, as quais também haviam planejado comprar o mesmo tipo de casa que minha esposa e eu queríamos comprar, mas que estavam mais dispostas e podiam destinar mais dinheiro aos seus planos do que nós podíamos. As ofertas mais altas das outras pessoas e a nossa consideração dessas ofertas geraram uma harmonização do nosso plano de moradia com o delas.
Similarmente, um ingênuo aspirante a universitário pode ter um plano de carreira que o levaria a se especializar em literatura francesa medieval ou em poesia da Renascença. Mas em algum momento antes do final de seu ensino médio, ele chega à conclusão que, caso persista nesse plano de carreira, a probabilidade de passar o resta da vida esfomeado em um sótão é muito alta. Por outro lado, se ele mudar seu plano de carreira e se especializar em uma área como contabilidade ou engenharia, ele pode esperar um padrão de vida muito confortável. E, ato contínuo, ele muda seu plano de carreira e sua especialização. Ao mudar seu plano de carreira baseando-se em uma consideração sobre sua renda futura esperada, o estudante está fazendo uma mudança que gera maior harmonia com os planos das outras pessoas no sistema econômico — pois a execução dos planos dessas outras pessoas irá requerer muito mais os serviços de contadores e engenheiros do que de especialistas em literatura.
Um último exemplo: quando os consumidores mudam seus planos de dieta — e passam a comer, digamos, mais peixe e frango e menos carne vermelha —, isso resulta em uma correspondente mudança nos seus padrões de compra e abstenção de compra. Assim, a fim de manter sua lucratividade, os supermercados e restaurantes precisam planejar mudanças em suas ofertas, isto é, aumentar as quantidades de peixe e frango, bem como as de refeições baseadas em peixe e frango, e diminuir as quantidades de carne vermelha nas prateleiras e nas refeições. Essas alterações de planos, e a correspondente alteração de compras, que elas induzem nos supermercados e restaurantes resultam em subsequentes alterações nos planos e nas compras dos fornecedores dos supermercados e restaurantes, bem como nos planos e nas compras dos fornecedores desses fornecedores, e assim sucessivamente até que todo o sistema econômico tenha sido suficientemente replanejado de acordo com as mudanças ocorridas inicialmente nos planos e nas compras dos consumidores.
O sistema de preços, e as considerações de custos e receitas que ele permite aos indivíduos, faz com que o sistema econômico esteja sendo continuamente replanejado em resposta às mudanças na demanda e na oferta, de modo a maximizar os ganhos e a minimizar as perdas e a garantir que cada processo individual de produção seja feito de modo a colaborar ao máximo com a produção de todo o resto do sistema econômico.
Por exemplo, como resultado de um decréscimo na oferta de petróleo, haverá um aumento em seus preços e nos preços dos produtos derivados do petróleo. Todos os compradores individuais levarão em consideração esses preços mais altos em relação às suas próprias circunstâncias específicas — no caso dos consumidores, suas próprias necessidades e desejos; no caso das empresas, sua capacidade de transmitir o aumento de preços para os consumidores. E todos eles irão considerar as alternativas existentes ao petróleo e aos produtos derivados do petróleo em cada caso particular.
Desta forma, com base em seu pensamento individual e em seu planejamento, cada um dos participantes irá reduzir sua demanda por esses itens da maneira que menos venha a prejudicar seu bem-estar. E assim, o pensamento e o planejamento de todos os participantes do sistema econômico que utilizam petróleo ou produtos derivados do petróleo irão determinar — como resposta ao aumento de preços — onde e em que quantidade o montante demandado desses produtos irá diminuir.
Esse é claramente um exemplo de resposta que tenta minimizar os efeitos de uma queda na oferta. A redução na oferta será seguida de uma equivalente redução de seu emprego naquelas atividades menos importantes para as quais a oferta anterior era suficiente.
Similarmente, o sistema de preços e o pensamento e planejamento individual de todos os participantes levam a uma maximização dos ganhos quando ocorre um aumento na oferta de qualquer fator de produção escasso. A quantidade adicional é absorvida naquelas aplicações em que ela é mais altamente valorizada, isto é, naqueles em que a oferta adicional pode ser absorvida sem que isso provoque grandes reduções nos preços.
Ironicamente, ao passo que o capitalismo é um sistema econômico extensa e racionalmente planejado e continuamente replanejado em resposta às mudanças nas condições econômicas, o socialismo, como Mises já demonstrou, é incapaz de fazer um planejamento econômico racional. Ao destruir o sistema de preços e suas fundações — a saber, a propriedade privada dos meios de produção, a busca pelo lucro e a concorrência —, o socialismo destroi a divisão intelectual do trabalho que é essencial para o planejamento econômico racional. Ele exige a tarefa impossível de fazer com que o planejamento de todo o sistema econômico seja executado por uma única mente, como se fosse um todo indivisível, algo que apenas uma divindade onisciente poderia fazer.
O que o socialismo representa é algo tão distante de um planejamento econômico racional que na verdade ele constitui o exato oposto: a proibição do planejamento econômico racional. Em primeira instância, por sua própria natureza, o socialismo consiste na proibição do planejamento econômico feito por todas as pessoas da sociedade, excetuando-se o ditador e os outros membros do comitê de planejamento central. Eles desfrutam o privilégio monopolístico do planejamento pois seguem a crença absurda e virtualmente insana de que seus cérebros podem alcançar as mesmas capacidades totalmente perceptivas e conhecedoras das divindades oniscientes. Mas não podem. Consequentemente, o socialismo na realidade representa uma tentativa de substituir o pensamento e o planejamento de dezenas e centenas de milhões, ou mesmo bilhões, de pessoas pelo pensamento e planejamento de apenas um homem, ou no máximo de um punhado deles. Por sua própria natureza, essa tentativa de fazer com que os cérebros de alguns poucos supram as necessidades e desejos de muitos tem tão pouca possibilidade de êxito quanto teria uma tentativa de fazer com que as pernas de poucos fossem um veículo para transportar o peso de muitos.
Para que haja um planejamento econômico racional, é necessário que o planejamento e o pensamento de todos os indivíduos sejam independentes, operando em um ambiente em que haja propriedade privada dos meios de produção e um livre sistema de preços — ou seja, no capitalismo.
11) Volto-me agora para a questão do monopólio. O socialismo é o sistema do monopólio. O capitalismo é o sistema da liberdade e da livre concorrência.
Como Mises demonstrou, os requerimentos essenciais dados pela natureza para a vida humana, como água potável, terra arável e os suprimentos acessíveis de praticamente todos os minerais, existem em quantidades tão grandes que nem todas as fontes disponíveis podem ser exploradas. A mão-de-obra que seria necessária para tal empreendimento não está disponível. Ela está empregada em pedaços de terra e em depósitos minerais que são mais produtivos ou nas numerosas operações de manufatura e comércio, onde, por meio dos preços de mercado, seu emprego demonstra ser mais importante do que na produção de quantias adicionais de minerais ou de commodities agrícolas.
Nessas condições, e na ausência de interferência governamental, o fator necessário para permitir que qualquer produtor (ou combinação de produtores) se torne o único ofertante de qualquer bem é que o preço que ele venha a cobrar seja tão baixo que faça não valer a pena para outros ofertantes em potencial entrarem nessa atividade. A posição de ofertante único é assegurada pelo baixo preço praticado, sendo que tal prática não provê uma base para se impor futuramente um preço elevado.
O mesmo ponto essencial se aplica aos casos em que a necessidade de se investir grandes somas de capital limita severamente o número de ofertantes. Aqui, um grande capital é necessário para que seja possível obter baixos custos de produção, que são necessários para que seja lucrativo vender a preços baixos.
Monopólio é na prática o resultado da intervenção do governo. Especificamente, trata-se da limitação de um mercado ou de parte de um mercado para um ou mais ofertantes por meio da iniciação de força física. Concessões exclusivas dadas pelo governo, tarifas protecionistas e leis de licenciamento para diversas atividades são alguns exemplos.
12) O capitalismo é um sistema que permite que os salários reais cresçam progressivamente, que as horas de trabalho sejam encurtadas e que as condições de trabalho melhorem constantemente. Ao contrário do que ensinaram Karl Marx e Adam Smith, empresários e capitalistas (os detentores do capital) não deduzem seus lucros daquele montante que supostamente era, em sua origem, salários completos para os trabalhadores — ou o que naturalmente ou por justiça deveriam ser salários completos dos trabalhadores. A forma original e primária de renda é o lucro, e não os salários.
Os trabalhadores manuais que produziam e vendiam produtos, seja no “estado original e rude da sociedade” de Adam Smith ou na “circulação simples” de Karl Marx, não ganhavam salários, mas sim receitas de vendas. Quando um indivíduo vende um pão ou um par de sapatos ou qualquer outro produto, esse indivíduo não recebe como pagamento um salário, mas sim uma receita de venda. E exatamente porque aqueles trabalhadores manuais não se comportavam como capitalistas — isto é, não compravam com o intuito de vender posteriormente, mas sim apenas na qualidade de meros consumidores —, eles não faziam gastos a fim de produzir quaisquer bens que poderiam ser vendidos. Portanto, eles não incorriam em nenhum custo monetário que deveria ser deduzido de suas receitas de venda; ou seja, o valor total de suas receitas de venda era lucro, e não salários. O lucro, portanto, é a forma original e primária de renda do trabalho.
Contradizendo Adam Smith e Karl Marx, é somente com a chegada dos capitalistas e com a acumulação de capital que o fenômeno dos salários tem seu surgimento, junto com a demanda por bens de capital. Tanto os salários quanto os gastos com bens de capital aparecem como custos monetários de produção que precisam ser deduzidos das receitas de venda. Quanto mais capitalista é o sistema econômico — no sentido de que há um maior volume de compras de capital com o propósito de obter maiores receitas de venda —, maiores são os salários e outros custos relativos às receitas de venda; e, portanto, menores são os lucros em relação tanto às receitas de venda quanto aos salários.
Em outras palavras, os capitalistas são responsáveis não pela criação do fenômeno do lucro e sua obtenção da dedução dos salários, mas sim pela criação dos fenômenos dos salários e dos custos monetários, e a dedução destes das receitas de vendas, as quais originalmente eram lucro em sua totalidade. Os capitalistas são responsáveis pela criação dos salários, que são retirados das receitas de vendas. Se dessas receitas não fossem subtraídas uma fatia para o pagamento de salários, elas representariam o lucro total. Quanto mais numerosos e ricos são os capitalistas, maiores são os salários em relação aos lucros.
O fato de que assalariados podem estar dispostos a trabalhar em troca de um mínimo para a subsistência, na ausência de qualquer alternativa melhor, e que os empresários e capitalistas, como quaisquer outros compradores, preferem pagar menos e não mais, são proposições corretas em si, porém completamente irrelevantes para a determinação dos salários que os assalariados devem de fato aceitar. Esses salários são determinados pela concorrência entre os empregadores pela aquisição de mão-de-obra — a qual, além de ser fundamentalmente o elemento mais útil no sistema econômico, é intrinsecamente escassa.
Nessa concorrência, vai contra o próprio interesse de qualquer empregador permitir que os salários caiam abaixo do ponto que corresponde ao pleno emprego do tipo de trabalho em questão, na localidade geográfica em questão. Tais baixos salários significam que a quantidade de mão-de-obra demandada excede a oferta disponível, isto é, existe uma escassez da mão-de-obra em questão. Uma escassez de mão-de-obra é comparável a um leilão no qual ainda há dois ou mais licitantes que competem pelo mesmo bem. A única maneira de o licitante que mais quer o bem — no caso, a mão-de-obra de alguém — poder obtê-lo, é superando as propostas feitas por seus competidores e, dessa forma, tornando o bem tão caro para eles que não lhes restará outra alternativa que não sair de cena e permitir que o licitante mais empenhado garanta para si o bem em questão.
No mercado de trabalho pode haver dezenas ou mesmo centenas de milhões de trabalhadores. Mas a escassez de mão-de-obra significa que há empregos em potencial para um número muito maior que esse. O fato de que cada um de nós gostaria de se beneficiar da mão-de-obra de pelo menos dez outras pessoas pode ser visto como um indicador da magnitude da escassez de mão-de-obra.
Quando o salário de um determinado tipo de trabalho cai para um nível menor do que aquele que corresponde ao pleno emprego, os empregadores que não podiam ou não estavam dispostos a pagar aquele nível mais alto agora poderão contratar mão-de-obra; e tudo em detrimento daqueles outros empregadores que podiam e estavam dispostos a pagar o nível de salário mais alto. A situação é exatamente a mesma que ocorreria em um leilão caso o licitante mais poderoso perdesse o item que ele quer para um outro licitante menos poderoso. A maneira do licitante mais poderoso assegurar a mão-de-obra de que precisa é elevando seu preço de oferta e, com isso, derrotando a concorrência dos empregadores menos poderosos.
Agora, dado o nível monetário dos salários — o qual, como vimos, é determinado pela concorrência entre empregadores por mão-de-obra escassa —, o que determina os salários reais, isto é, os bens e serviços que os assalariados podem comprar com o dinheiro que ganham, são os preços. Os salários reais sobem apenas quando os preços caem em relação aos salários.
O que faz os preços caírem em relação aos salários é um aumento na produtividade da mão-de-obra, isto é, do produto por unidade de trabalho. Um aumento na produtividade da mão-de-obra significa uma maior oferta de bens de consumo em relação à oferta de mão-de-obra, e, consequentemente, preços menores dos bens de consumo em relação aos salários. Se pudéssemos de alguma maneira mensurar a oferta de bens de consumo, uma duplicação da produtividade da mão-de-obra iria gerar uma duplicação da oferta de bens de consumo em relação à oferta de mão-de-obra e, dado o mesmo gasto global com bens de consumo e mão-de-obra, o resultado seria uma queda dos preços dos bens de consumo pela metade, sendo que os salários globais continuariam no mesmo nível. Em outras palavras, isso iria dobrar os salários reais.
O aumento na produtividade da mão-de-obra é sempre o elemento essencial na elevação dos salários reais. É o que possibilita que aumentos na quantidade de dinheiro e no volume de gastos, que são responsáveis por níveis médios maiores nos salários monetários (nominais), sejam acompanhados por preços que não aumentam ou que pelo menos não aumentam na mesma medida que os salários.
E o que é responsável pelo aumento na produtividade da mão-de-obra são as atividades dos empresários e capitalistas. Suas inovações progressivas e a acumulação de capital que praticam permitem o aumento da produtividade da mão-de-obra; e, consequentemente, dos salários reais.
13) Finalmente, meu último ponto: um sistema monetário com reservas de 100% (para depósitos em conta-corrente) e tendo por lastro algum metal precioso tornaria uma sociedade capitalista à prova de inflação e de deflação/depressão. O aumento modesto na oferta de metais preciosos, e consequentemente o modesto incremento no volume de gastos que isso ocasiona, não seria capaz de elevar os preços por causa da vigorosa taxa a que a produção e a oferta de praticamente todos os bens que não sejam metais preciosos aumentam no capitalismo. Os preços muito provavelmente tenderiam a cair, como ocorreu nos EUA durante o século XIX.
Já preços em queda devido a um aumento na produção, por sua vez, não constituem deflação. Eles não implicam qualquer redução na taxa média de lucro, isto é, da taxa média de retorno sobre o capital investido. Tampouco implicam maiores dificuldades na quitação de dívidas. Entretanto, uma queda nos lucros e um súbito aumento na dificuldade de se pagar as dívidas são sintomas essenciais de deflação/depressão.
Com efeito, como mostro em meu livro, o modesto aumento na quantidade de dinheiro e no consequente volume de gastos que ocorre sob um sistema monetário com 100% de reservas e baseado em metais preciosos serve para acrescentar um componente positivo para a taxa de retorno e fazer com que o pagamento de dívidas ligeiramente mais fácil, não mais difícil. A queda de preços causada por um aumento na produção não interfere nisso. Quando os preços caem devido ao fato de o aumento da produção ser maior que o aumento na quantidade de dinheiro e no volume de gastos, o vendedor comum passa a ter uma quantidade de bens para vender que é proporcionalmente maior do que a queda nos preços, o que o permite ganhar mais dinheiro, e não menos.
A genuína deflação, aquela que acompanha uma depressão, é a contração financeira — isto é, uma diminuição na quantidade de dinheiro e no volume de gastos. É isso que aniquila a lucratividade e faz com que a quitação de dívidas seja mais difícil. Mas tal contração é exatamente o que um sistema monetário com 100% de reservas e baseado em metais preciosos impede. Ele a impede porque, assim que o dinheiro baseado em metais preciosos surge, ele não pode desaparecer subitamente, como ocorre com a atual moeda escritural criada do nada pelos bancos: quando os bancos quebram, o dinheiro some e há uma contração da oferta monetária. E como a taxa de aumento dos metais preciosos é modesta, ela não gera uma redução substancial e artificial na demanda por dinheiro (para fins pessoais ou empresariais), redução essa que rapidamente se reverteria quando o aumento na quantidade de moeda fosse interrompido ou se desacelerasse.
Tampouco o contínuo aumento da poupança e da acumulação de capital que ocorre sob o capitalismo faz reduzir a taxa de retorno sobre o capital. A poupança nominal que advém da renda monetária do indivíduo, advém em grande parte de uma taxa de retorno que é elevada pelo aumento na quantidade de dinheiro e no volume dos gastos; e desde que a quantidade de dinheiro e o volume de gastos continuem aumentando modestamente, essa poupança não reduz a taxa de retorno.
Se não houvesse nenhum aumento na quantidade de dinheiro e no volume de gastos, a taxa de retorno seria menor, porém estável nesse nível mais baixo. A acumulação de capital ocorreria simplesmente em decorrência dessa queda nos preços, o que significa que um nível constante de gastos poderia comprar quantidades cada vez maiores de bens de capital.
Como mostro em meu livro, em tal contexto a função da poupança ocorre inteiramente em nível global, no qual determina questões tão vitais quanto o grau em que o sistema econômico se concentra na produção de bens de capital em relação aos bens de consumo e a duração do período de produção. Os elementos essenciais para a acumulação de capital, portanto, são uma produção suficientemente alta de bens de capital e um período suficientemente longo de produção, tudo isso em conjunto com progresso tecnológico e tudo o mais que sirva para aumentar a produção — acima de tudo, liberdade econômica.