Cada ciência é regida por suas leis ou princípios fundamentais, como, por exemplo, as definições de Euclides na Geometria ou as Leis de Newton na Mecânica. Porém, existem leis que não se limitam a um só campo científico, que se aplicam a tudo que existe, como a lei da causalidade que estabelece que todo efeito deve ter uma causa. E do mesmo modo que há leis que regem tudo que existe, também existem leis que são aplicadas a toda ordem conceitual, das quais depende a validade de todo e qualquer julgamento — são as Leis do Pensamento. E as três mais básicas são:
(1) Lei da não contradição: Dois julgamentos contraditórios (A é B, A não é B) não podem ser ambos verdadeiros.
(2) Lei da identidade: Tudo é o que é (A=A)
(3) Lei do terceiro excluído: De dois julgamentos contraditórios (A é B, A não é B), um deve ser verdadeiro e o outro falso.
Se estas leis não são observadas, nossos julgamentos são falsos.[1] No entanto, quando chegamos à Filosofia Política, estas leis não costumam ser muito respeitadas. A maioria das correntes de pensamento político não leva a Lógica em consideração, e acabam propondo um verdadeiro oximoro. De liberais clássicos a social-democratas, por maiores que sejam suas diferenças, todos têm em comum a ideia de que o estado deve ser o fornecedor de segurança e justiça. Porém, por mais que o estado seja ineficiente em cumprir todas as funções propostas pelas mais variadas ideologias, ele pode, ao menos teoricamente, desempenhar tais funções, ao passo que “segurança e justiça” são algo que, por definição, o estado não pode fornecer.
A definição de estado comumente aceita é a de uma instituição que (a) detém o monopólio de uso da força e de tomador de decisão final em um determinado território e (b) obtém seus recursos por meio da violação da propriedade alheia (=impostos). E a definição de segurança e justiça é a de proteção da propriedade, a começar pela propriedade sobre o próprio corpo. Ora, como alguém pode sequer conceber que uma instituição que deve atacar a propriedade deve, ao mesmo tempo, defender a propriedade? O lobo deve caçar as galinhas e proteger o galinheiro? O goleiro deve defender o gol e jogar a bola para dentro do mesmo gol? Dizer que o estado deve fornecer segurança só faria sentido no Mundo Bizarro do Super Homem, onde tudo é ao contrário, onde os cavalos cavalgam as pessoas e os limpadores de rua devem sujar as ruas.
O estado pode ser o fornecedor de alimentos? Sim, independentemente do fato de que vai haver escassez de comida e de que, onde quer que ele tenha se encarregado desta função, fez milhões morrerem de fome — levando a situações extremas, como na China comunista, em que as pessoas literalmente “comeram criancinhas”. Afinal, não existe contradição em dizer que os alimentos devem ser fornecidos por assaltantes. O mesmo raciocínio serve para todos os outros bens e serviços, desde educação até viagens espaciais: pode ser imoral e antissocial tomar violentamente recursos de alguns para pagar a doutrinação escolar e a ida ao espaço de outros, mas ao menos a defesa do que a estatal NASA e as escolas públicas fazem não viola os princípios básicos da Lógica.
O que todas estas correntes políticas deveriam dizer é “o estado deve fornecer saúde, habitação, moeda, previdência, telefonia, roupas, sorvete e qualquer outro bem ou serviço, menos segurança”. Já para os defensores do estado mínimo minarquista, que dizem que uma gangue de ladrões deve ser também e tão somente a polícia e o juiz, não há salvação; a incoerência é inerente à proposição básica dessa filosofia.[2]
Existem, na realidade, dois sistemas em que a Lógica é respeitada. O primeiro deles é o comunismo, que defende que nem segurança e nem justiça devem ser fornecidas pelo estado. Muito pelo contrário, os socialistas assumem que a segurança e a justiça devem ser atacadas pelo estado, ao dizer que a propriedade privada deve ser abolida. Respeita a Lógica, mas não a dignidade humana e a ética; e se o sistema fosse rigorosamente aplicado, levaria ao fim da humanidade — o que torna o comunismo ainda mais bizarro que as outras correntes ilógicas.
O segundo é o completo oposto do comunismo, um sistema em que a propriedade individual é totalmente respeitada, as leis são iguais para todos e a nenhum grupo é concedido o direito de roubar os outros e de violar sistematicamente os direitos de propriedade alheios. Em suma, uma Sociedade de Leis Privadas, como foi brilhantemente exposto por Hans-Hermann Hoppe em palestra dada no Brasil, também conhecido como anarcocapitalismo.
Esta filosofia tem sua origem no economista belgo-francês Gustave de Molinari, que em seu ensaio de 1849, levando em conta a Lógica irrefutável da ciência econômica, formula a questão: “Se o livre mercado deve ofertar todos os outros bens e serviços, por que não também os serviços de segurança?” E chega à rigorosa conclusão: “Que a produção de segurança deveria, nos interesses dos consumidores desta mercadoria intangível, permanecer sujeita à lei da livre competição.” Assim sendo, trata-se de um sistema em que nem as leis do pensamento, nem as leis econômicas e nem as leis naturais são ignoradas, já que a única serventia dispensada à instituição da espoliação legal é a de desaparecer.
Portanto, devo, assim como Molinari, rigorosamente concluir que, para aqueles que não querem sair por aí em discussões de filosofia política dizendo que um triângulo deve ter quatro lados, que “A deve ser B” e “A não deve ser B” são duas proposições verdadeiras, que atacar/violar e defender/proteger devem ser funções de uma mesma instituição, e que também não objetivam a total degradação da humanidade, existe uma única opção, A Sociedade de Leis Privadas:
________________________________________________
Notas
[1] Principles of Logic, George Hayward Joyce.
[2] Algumas pessoas, quando confrontadas sobre a contradição de seus pensamentos, dizem que é impossível não ser assim; dizem que para A se defender de B, ele deve necessariamente atacar C antes — outra declaração digna do Mundo Bizarro. Só parecem se esquecer de C; quem o protegerá de A? C trabalha, cria riqueza e quer evitar que esta seja espoliada por larápios. Então o larápio A diz para C:
A – Para você evitar que B roube suas riquezas, entregue parte dela a mim.
C – Eu não concordo.
A – Você não está entendendo. Eu não pedi seu consentimento. Entregue a quantia que eu pedir, pois só assim vou lhe proteger de B. E se eu não lhe proteger de B, preencha um boletim de ocorrência.