As seis falácias que assombram a ciência econômica

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economicoUm comentarista econômico certa vez afirmou que “sempre que você reunir meia dúzia de economistas e pedir a opinião deles, haverá seis recomendações completamente distintas de políticas econômicas”.
Um comentário certeiro. Mas, se a economia é uma “ciência”, então por que ela desafia a precisão, a certeza, e a relativa unanimidade de opinião que caracterizam várias outras ciências — física, química e matemática, por exemplo?

Se as leis da economia e da ação humana existem e são imutáveis, por que os economistas têm opiniões tão distintas no que diz respeito a questões de suma importância? O economista A defende um corte de impostos enquanto o economista B defende um aumento de impostos. O economista C defende um aumento das tarifas de importação ao passo que o economista D defende o livre comércio. O economista E defende agências reguladoras e um estado regulador, sendo que o economista F defende a livre iniciativa e a livre entrada de empreendedores em qualquer setor do mercado.

Com efeito, se há algo com que todos os economistas concordam é que eles discordam em tudo.

Porém, a verdade é que em toda essa Torre de Babel há um padrão. Podemos dizer que há um método nessa loucura. O fato de que os economistas não pensam de maneira igual é possível de ser explicado. Por onde começar?

Em primeiro lugar, a economia simplesmente não é física, nem química e nem matemática. A economia lida com o estudo da ação humana, e os seres humanos não são robôs programados. Seres humanos não possuem um comportamento previsível que pode ser matematizado. Cada indivíduo possui sua própria criatividade, suas próprias motivações, e seus próprios interesses. Há indivíduos dóceis e há indivíduos irascíveis, há indivíduos submissos e há indivíduos ousados, há indivíduos complacentes e há indivíduos ambiciosos, há os espertos e há os imbecis. Como já havia dito Adam Smith há mais de duzentos anos, “No grande tabuleiro da sociedade humana, cada peça tem uma vontade própria; e todas essas vontades próprias são distintas daquela vontade única que o governo pode querer impor a todos.”

Essa inerente variabilidade dos indivíduos tende a gerar uma discórdia entre aqueles que observam esse conjunto de pessoas, e pode facilmente ludibriar qualquer previsão feita por aqueles que são arrogantes o bastante para querer gerenciar essas pessoas por meio de ferramentas matemáticas.

Sendo eles próprios indivíduos, os economistas irão divergir em seus valores e em seus juízos éticos. O economista de tendência mais socialista irá divergir a respeito de uma determinada política daquele outro economista que é mais libertário. Ambos podem até concordar sobre qual será o resultado final de uma política, mas irão discordar sobre se tal resultado é “bom” ou “ruim”.

Pessoas bem-intencionadas e que prezam a verdade, mas que operam sob premissas éticas distintas, muito frequentemente chegarão a conclusões bem divergentes.

No que mais, economistas podem divergir entre si simplesmente porque possuem dados distintos ou insuficientes ou não-confiáveis.

Estas são algumas das razões por que bons economistas podem divergir entre si. No entanto, o objetivo deste artigo é buscar outros motivos para essa confusão econômica. A economia, afinal, é assombrada por mais falácias do que qualquer outra área estudada pelo homem.

Assim como há um encanamento de qualidade e um encanamento vagabundo, há um raciocínio econômico sensato e um raciocínio econômico fantasioso. Há a “economia boa” e há a “economia ruim”. A economia ruim pode ser caracterizada pela promoção de lógica insensata, por pressuposições errôneas e fictícias, e pela simples vigarice intelectual.

Pode parecer uma simplificação demasiada, mas creio que a essência da “economia ruim” pode ser destilada em seis falácias. Cada uma delas contém uma armadilha que apenas o economista bem-treinado saberá contornar.

1. A falácia dos termos coletivos

Exemplos de termos coletivos são “sociedade”, “comunidade”, “nação”, “classe” e “nós”.

É de suprema importância lembrar que tais termos são meras abstrações, produtos da imaginação. Não são entidades vivas, que respiram, pensam e agem. A falácia aqui é justamente a de presumir que um coletivo é, com efeito, uma entidade viva, que respira, pensa e age.

O bom economista reconhece que a única entidade viva, que respira, pensa e age, é o indivíduo. A fonte de toda a ação humana é o indivíduo. Outras pessoas podem aquiescer com a ação de um indivíduo, ou até mesmo participar em conjunto, mas tudo o que ocorrer como consequência pode ser atribuído a indivíduos específicos e identificáveis.

Considere isso: poderia existir uma abstração chamada “sociedade” se todos os indivíduos desaparecessem? É óbvio que não. Em outras palavras, um termo coletivo não existe na nossa realidade, independentemente das pessoas específicas que o compõem.

Para se atribuir corretamente responsabilidades, causa e efeito, é absolutamente essencial que economistas evitem a falácia dos termos coletivos. Aquele que não o fizer irá incorrer em horrendas generalizações. Ele irá atribuir crédito ou culpa a entidades inexistentes. Ele irá ignorar as ações reais (ações individuais) que estão ocorrendo no mundo à sua volta. Ele pode até acabar falando sobre “a economia” como se ela fosse um ser humano que joga tênis e come cereais no café da manhã.

2. A falácia da composição

Esse erro envolve indivíduos. A lógica é a de que o que é verdade para um indivíduo será verdade para todos os outros indivíduos.

O exemplo mais comum é o daquele sujeito que fica de pé na arquibancada do estádio durante o jogo de futebol. É verdade que, ao agir assim, ele poderá enxergar melhor; mas se todo mundo também ficar de pé, a visão de vários espectadores individuais provavelmente ficará pior.

Um falsificador que imprimir um milhão de cédulas de dinheiro certamente irá se beneficiar (caso ele não seja descoberto); mas se todos nós nos tornarmos falsificadores e cada um imprimir um milhão de cédulas de dinheiro, é bem óbvio que o efeito será bem distinto.

Vários manuais de economia falam sobre o agricultor que fica em melhor situação por ter tido uma colheita farta, mas alertam que isso não ocorrerá caso todos os agricultores também tenham colheitas fartas. Isso ao menos sugere que já há um reconhecimento da falácia da composição nos livros-textos de economia. Mas é fato que o erro ainda é persistente em vários outros raciocínios econômicos.

O bom economista é aquele que vê as árvores e não ignora a floresta, ou vê a floresta e não ignora as árvores. Ele é consciente de todo cenário.

3. A falácia de que “dinheiro é riqueza”

Os mercantilistas de século XVII elevaram esse erro ao paroxismo da política nacional. Sempre propensos a acumular cada vez mais ouro e prata, eles fizeram guerras contra seus vizinhos e saquearam seus tesouros. Se a Inglaterra era mais rica do que a França, isso se devia, de acordo com os mercantilistas, ao fato de que a Inglaterra possuía mais metais preciosos, os quais normalmente estavam nos cofres do rei.

Foi Adam Smith, em “A Riqueza das Nações”, que demoliu essa ideia tola. Um povo se torna próspero à medida que aumenta a oferta de bens e serviços, e não a quantidade de dinheiro. Todo o dinheiro do mundo — papel ou metálico — ainda deixará o sujeito morto de fome caso não haja oferta de bens ou serviços.

A ideia de que “dinheiro é riqueza” é uma das que mais afligem o mundo atual, e está por trás das mais estapafúrdias teorias monetárias. Vários países já incorreram em hiperinflação e foram à ruína exatamente ao perseguirem essa ilusão.

O bom economista reconhece que a criação de dinheiro não representa um atalho para a riqueza. Somente a produção de bens e serviços demandados pelos consumidores e bem valorados no mercado pode aliviar a pobreza e promover a prosperidade.

4. A falácia de se produzir apenas por produzir

Embora a produção seja essencial para o consumo, é importante não inverter os fatores. Produzimos para que possamos consumir; não consumimos para que haja produção.

Gosto de escrever e de lecionar, mas prefiro tomar sol em Acapulco. No entanto, antes de ter condições de ir para Acapulco tive de trabalhar escrevendo este artigo e ensinando esses princípios para meus alunos, pois esta é a única ordem possível dos fatores. Escrever e lecionar são os meios; ir à praia e tomar sol em Acapulco são os fins.

Uma economia livre é uma economia dinâmica. É a arena em que ocorre aquilo que o economista Joseph Schumpeter chamou de “destruição criativa”. Novas ideias suplantam ideias antigas; novos produtos e novos métodos substituem produtos e métodos antiquados; e várias novas indústrias e tecnologias tornam obsoletas indústrias e tecnologias de outrora.

Isso ocorre porque a produção deve constantemente mudar de forma para se conformar com as contínuas alterações nas demandas dos consumidores. Para a saúde de uma economia dinâmica é necessário que indústrias obsoletas e defasadas possam morrer e que indústrias novas e criativas possam prosperar.

Um mau economista que seja vítima dessa antiga falácia agirá como o faraó que acredita que a construção de pirâmides por si só representava pujança econômica; ou como o político que implementa um programa de cavar buracos para em seguida tapá-los, apenas para manter as pessoas “empregadas”.

Atualmente, sempre que uma indústria passa por dificuldades, algumas pessoas exigem que ela seja socorrida “custe o que custar”. Elas querem que bilhões em subsídios sejam dados a ela para impedir que o veredito do mercado seja executado. O mau economista irá se juntar a esse coro e ignorar os efeitos deletérios que isso acarretaria para o consumidor.

O bom economista, por outro lado, não confunde meios com fins. Ele sabe que falências são algo positivo para uma economia porque permitem que aqueles concorrentes mais produtivos tenham a oportunidade de comprar os ativos das empresas falidas a preços de barganha, permitindo-os fortalecer suas operações. Em uma economia que permita esse tipo de crescimento e mudança, os empregos perdidos em um processo de falência serão rapidamente repostos por outros, uma vez que as empresas mais eficientemente geridas ganham acesso a mais ativos e se expandem.

O bom economista entende as reais implicações das ajudas financeiras: elas são concebidas para imunizar alguns empreendedores dos efeitos de suas decisões ruins. As ajudas financeiras dadas pelos governos são uma tentativa de abolir os efeitos do insucesso econômico.

O bom economista, enfim, entende que a produção só é importante porque o consumo é ainda mais importante. E se os consumidores não mais querem os produtos de uma empresa, ela tem de falir.

Quer um exemplo dessa falácia? Que tal as várias propostas de se impedir que os consumidores comprem carros importados para “proteger” as montadoras nacionais dessa concorrência?

5. A falácia do “almoço grátis”

O Jardim do Éden é coisa de um passado distante, mas ainda assim várias pessoas (inclusive economistas) creem e agem como se bens econômicos pudessem ser criados sem absolutamente nenhum custo.

É importante ser inequívoco quanto a isso: se há economia envolvida, então alguém está pagando.

Um bom exemplo disso são os gastos do governo. O bom economista entende que o governo, por sua própria natureza, só pode dar aquilo que ele antes tomou de alguém. Uma universidade pública, uma saúde estatal ou até mesmo um simples parque é algo que está sendo custeado pelos impostos de milhões de cidadãos.

Um amigo meu certa vez me disse que tudo o que uma pessoa precisa saber sobre economia está incluído na seguinte frase: “Quanto irá custar e quem irá pagar?”. Esse pequeno ensinamento carrega uma grande sabedoria para o economista: não seja superficial em seu raciocínio.

6. A falácia do curto prazo

Em certo sentido, essa falácia é um sumário das cinco falácias anteriores.

Algumas ações parecem benéficas no curto prazo, mas geram desastres no longo prazo: beber em excesso, dirigir de maneira imprudente, gastar como se não houvesse amanhã e imprimir dinheiro, apenas para ficar em algumas.

O mau economista enxerga apenas aquilo que está imediatamente ao alcance de sua visão; o bom economista consegue ver além. O mau economista enxerga apenas as consequências diretas de uma política implantada; o bom economista consegue ver as consequências indiretas e mais ocultas.

Bastiat sempre enfatizou que, na economia, há aquilo que se vê e aquilo que não se vê. Um economista tem de ser igualmente versado nas duas artes. É essencial que o invisível esteja incluído em qualquer consideração sobre uma situação.

Políticos que têm um horizonte temporal curto e que pensam apenas nas próximas eleições frequentemente defendem políticas que geram benefícios de curto prazo em detrimento de seus custos futuros. É lamentável que eles várias vezes tenham o apoio de economistas.

O bom economista não sofre dessa miopia. O período de tempo que ele considera em suas análises é longo e elástico, e não curto e fixo.

Conclusão

É isso. Não é a solução final para toda a confusão que existe nas ciências econômicas, mas ao menos é um começo.

Sou do tipo otimista e estou convencido de que uma boa economia é mais do que possível; é imperativo. E para que ela seja predominante é necessário, no mínimo, entender todo o pedestal de falácias que dá sustento à má economia.

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