Como combater a segregação racial: uma lição do mercado

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Quem nunca ouviu falar das duas principais concorrentes de refrigerantes de cola, Pepsi e Coca? O que poucos sabem, entretanto, é que a Pepsi ultrapassou a Coca pela primeira vez na época das leis de segregação racial dos Estados Unidos. A Pepsi não só ganhou o mercado de consumidores afro-americanos, como também foi pioneira na contratação de negros para o marketing, em tempos das conhecidas “Leis de Jim Crow”. Tudo isso talvez almejando apenas o “terrível” lucro!

Após o fim da Guerra Civil americana, a escravidão foi proibida, mas os estados do sul criaram as leis de Jim Crow, as quais exigiam instalações separadas para brancos e negros em todos os locais públicos nos estados que faziam parte dos antigos Estados Confederados da América e em outros estados, a partir de 1870. A segregação racial, chamada de “separados, mas iguais”, foi estendida às instalações e aos transportes públicos, incluindo os ônibus e trens; até mesmo banheiros, restaurantes e bebedouros eram separados para brancos e negros. E Essa lei persistiu até 1964, quando foi instituída a “lei dos direitos civis”.

Sabendo disso, não é difícil de imaginar como era a atmosfera de racismo nesses estados durante esses anos. No final do século XIX, a conhecida atualmente como Coca-Cola, que havia sido lançada a priori como remédio pelo farmacêutico John Pemberton, feita de um xarope de folhas de coca, grãos de noz-de-cola e álcool, já estava sendo vendida com bastante sucesso em vários estados americanos, além de países como México e Canadá. No início do século XX, quando os negros começaram a consumir o refrigerante, começaram a surgir protestos nas ruas e cartas com reclamações para membros do governo e diretores da Coca para que proibissem imediatamente a venda e a distribuição do produto para a comunidade negra, pois, segundo eles, os negros poderiam “viciar na cocaína contida no refrigerante e passar a aterrorizar a população branca”.

No entanto, já em 1903 a cocaína, antes presente em 9 miligramas por copo de Coca-Cola, foi retirada da fórmula. Porém, isso não impediu que o alarde racista continuasse. Em 1910, por exemplo, o médico Hamilton Wright começou uma campanha para a proibição total das drogas dentro dos EUA; submeteu um relatório ao Senado, dizendo que “esse novo vício, o vício em cocaína… tem sido um incentivo potente para levar os negros humildes de todo o país à criminalidade”.

A partir daí surgiram manchetes na mídia ligando os negros ao uso de cocaína e crimes. O New York Times publicou uma matéria com a seguinte manchete: “OS “DEMÔNIOS” NEGROS DA COCAÍNA SÃO UMA AMEAÇA NO SUL: Assassinatos e insanidades aumentam entre negros de classe baixa porque eles começaram a “cheirar” desde que o Whisky foi proibido”. (Esse artigo inclusive pode ser encontrado na íntegra no site do New York Times hoje). A matéria conta a história de um “um negro até então inofensivo”, que teria cheirado cocaína e entrado em estado de delírio violento. O chefe da polícia teria sido obrigado a atirar nele várias vezes para conseguir derrubá-lo. Assim, segundo a matéria, a cocaína estava transformando homens negros em brutos “super-humanos”. Como o médico citado na matéria dizia “um crioulo da cocaína certamente é difícil de matar”.

A partir disso, a Coca-Cola decidiu sustar a venda do produto em estabelecimentos frequentados por negros. Além disso, direcionou suas campanhas publicitárias somente para a população branca e em locais frequentados por ela durante décadas. Observando esse cenário, a partir de 1940, a Pepsi, que já havia falido pelo menos duas vezes nas décadas de 20 e 30 devido às famosas crises dessa época causadas pelo governo americano, enxergou a comunidade negra como uma salvação para o seu negócio.

Walter Mack, presidente da Pepsi na década de 1940, percebeu que as estratégias de marketing da empresa frequentemente ignoravam os clientes negros ou os retratavam de maneiras pouco lisonjeiras e estereotipadas. Nessa época, a empresa vinha se apresentando como uma opção mais barata, porque suas garrafas continham 12 onças (o que equivale a aproximadamente 350 ml) de refrigerante, em comparação com as 6 onças (aproximadamente 175 ml) da Coca-Cola. No entanto, o menor custo por onça levou algumas pessoas a achar que a Pepsi era um produto de menor qualidade.

Mack, então, muito antes de surgir obrigatoriedade por leis positivadas de cotas ou qualquer coisa do gênero, contratou voluntariamente uma equipe de comerciantes negros para promover as vendas nas comunidades negras. A estratégia deu certo e a equipe se destacou por sua diversidade. O primeiro recruta, Hennan Smith, trabalhou com publicidade em jornais. No final da década, outros recrutas formidáveis incluindo Jean Emmons, que não conseguia encontrar um emprego adequado, apesar de possuir um MBA da Universidade de Chicago, e Richard Hurt, que cobriu Jackie Robinson e a integração de negros no beisebol da liga principal por um período de um ano para o Harlem newspaper.

Eles muitas vezes usavam a raça como um ponto de venda explícito. Divulgaram uma reportagem da revista Time em que o presidente da Coca-Cola, Robert W. Woodruff, fez um brinde à campanha de reeleição de Herman Talmadge, o governador da Geórgia firmemente segregacionista. A Pepsi atacou a relutância amplamente percebida da Coca-Cola em contratar negros. Tudo isso, somado às visitas dos membros da equipe a engarrafadores, mercearias, sapatarias, convenções e conferências de professores e médicos, deixaram claro que a Pepsi adotou uma postura diferente em relação à raça e estava cortejando ativamente a comunidade negra.

Indo de encontro aos estereótipos populares, a Pepsi promoveu uma imagem diferente dos negros em sua publicidade. A equipe convenceu artistas populares como Duke Ellington, um famoso compositor de jazz, a apoiar a Pepsi. Eles apresentavam perfis de cidadãos negros de destaque, como Ralph Bunche, cuja diplomacia lhe rendeu um Prêmio Nobel da paz. Além disso, seus anúncios mostravam cidadãos de classe média que se importavam com suas famílias, empregos e comunidades, e que sabiam um bom valor quando viam um. A estratégia da Pepsi foi certeira e trouxe bons frutos não só para a companhia, mas também colaboraram para a campanha do movimento dos direitos civis dos negros.

Durante a década de 1950 as vendas da Pepsi aumentaram dramaticamente, superando a Coca-Cola na comunidade negra por uma margem de três para um. Anos mais tarde, a técnica seria conhecida como “publicidade de nicho”, uma abordagem para conquistar um lugar distinto no mercado chamando a atenção para a importância econômica do que era então chamado de “mercado negro” e projetou uma visão mais progressiva da vida dos negros. Além disso, os retratos biográficos e afins eram tão inspiradores que professores começaram a usar anúncios da Pepsi na sala de aula, despertando a imaginação dos alunos para os tipos de vida que eles poderiam levar.

Diante desses fatos, pode ser que alguns teimem em afirmar que a empresa fez isso buscando apenas o lucro e que não se importava com os negros de verdade. Bom, como toda empresa, a principal motivação deve ser sempre o lucro, sim. Mas isso nem de longe é algo ruim. O lucro é que todos buscam e devem buscar, pois é o incentivo correto para a produção. Qualquer indivíduo, ao tentar melhorar sua qualidade de vida buscando mais lucro, acaba por melhorar a vida de terceiros também por meio das trocas voluntárias no comércio. Não temos como afirmar exatamente quais eram as motivações da empresa nessa estratégia de marketing. E isso nem faz diferença, pois, mesmo considerando que o intuito da empresa era apenas buscar o lucro, nada muda o fato de que enquanto o lucro “malvadão” ajudou desconstruir preconceitos, o “bonzinho” do estado usava violência para excluir negros da sociedade há mais de 70 anos.

Os esforços da Pepsi para expandir as vendas, concentrando-se na comunidade negra, ajudaram a mostrar que os negros podiam ter o mesmo desempenho que os brancos numa grande corporação e que os racistas sempre estiveram errados. O marketing da Pepsi foi certamente mais eficiente que qualquer lei rabiscada pelo estado seria para influenciar o comportamento das pessoas. O marketing especificamente para afro-americanos permitiu à Pepsi expandir às custas da Coca-Cola, pois esta última ao se recusar vender para negros, deixou um mercado inteirinho de bandeja para a concorrente.

É assim que funciona o mercado: se alguém se recusa a prestar um serviço para terceiros, por qualquer motivo que seja, não existe nada que impeça o aparecimento de outros produtores para oferecer o serviço demandado. Só quem tenta impedir ou dificultar esse tipo de coisa é o estado por meio de suas leis, como foi o caso dessas leis de Jim Crow. Não se engane, o estado nunca esteve preocupado em fazer outra coisa a não ser extorquir os indivíduos. O mesmo estado que instituiu a escravidão como algo “legal”, hoje tenta ludibriar as pessoas com um monte de leis positivadas de “inclusão”, com “ações afirmativas”, que não tem absolutamente serventia nenhuma a não ser atrapalhar ainda mais a vida dos indivíduos e promover mais um tipo de segregação.

Quem traz soluções rápidas e baratas que atendem as demandas de fato é o mercado, todo o resto é mundo do faz de conta.

 

 

 

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente!

    O detalhe importante aqui é a defesa da propriedade privada, o que inclui o direito de discriminar.

    Como saberíamos que o comportamento da Coca era anti-econômico se ela, usando o seu direito a propriedade privada, se recusasse a vender aos negros? Os agentes econômicos reagem a informações o tempo inteiro, e sem liberdade de expressão, esse processo torna-se ineficiente.

    É o caso hoje em dia da ditadura sanitária. Em um mundo ideal, os agentes econômicos poderiam proibir os indivíduos de entrar em suas propriedades sem máscara. No entanto, quanto tempo levaria para o mercado punir esse comportamento, já que focinheira para seres humanos é anti-natural?

    Se algum dia esses decretos foram abolidos, sequer um comércio vai exigir uso de focinheira….

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