Controle de preços: quando boas intenções não bastam

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“É quase ilimitado o poder conferido pelo controle da produção e dos preços” – F.A Hayek, O caminho da servidão (1944).

O controle de preços já foi adotado em diversas épocas e nos mais variados locais e embora ele tenha se mostrado contraprodutivo, ainda é comum ver políticos defendendo esse tipo de medida e recebendo grande apoio popular. Porém esse apoio vem do desconhecimento de qual é a verdadeira função dos preços. Função que iremos explicar ao longo desse texto.

Antes de tudo é preciso entender que o valor das coisas é subjetivo. Se eu coloco a venda um produto por 10 reais, significa naquele momento eu valorizo mais os 10 reais do que o meu produto, senão eu não o venderia. E caso alguém o compre, aquela pessoa só está comprando porque ela valoriza mais o meu produto do que os 10 reais dela. Caso uma das partes não acreditasse que a troca é benéfica, ela não ocorreria.

Sabendo que o valor das coisas é subjetivo, vamos entender a formação dos preços. O preço é análogo a um cabo-de-guerra, as pessoas tentarão “puxá-lo” para o lado que for mais conveniente para elas. Cada comprador valoriza subjetivamente um produto, de forma que estão dispostos a pagar preços diferentes. O vendedor, a fim de aumentar sua renda, prefere vender para aqueles dispostos a pagar mais (como num leilão), e o comprador, a fim de manter seu dinheiro, prefere comprar de quem cobra menos. Assim, o preço é o resultado dessa barganha entre vendedores e compradores. Quanto mais vendedores, menor o poder de barganha de cada um deles (eles competirão pela venda), assim, os compradores terão mais opções e tendem a comprar de quem cobrar o menor preço. A lógica se mantém na situação inversa: quanto mais compradores, menor o poder de barganha de cada comprador (eles competirão pela compra), e o número de pessoas dispostas a pagar mais caro aumenta, os vendedores terão mais opções e venderão para os que estiverem dispostos a pagar mais, ou seja, cobrarão mais caro sem diminuir as vendas, e assim o preço sobe.

Agora vamos entender para que servem os preços. A função dos preços é transmitir informações entre os agentes econômicos, para que estes tomem decisões. Quais são essas informações? São os custos e a razão demanda/oferta, isso reflete nos preços. Um exemplo: se acontecer algo que prejudique a safra de arroz, ele será menos produzido e terá sua oferta diminuída. Ao ficar mais escasso, haverá menos arroz para a mesma quantidade de compradores, logo, a competição dos compradores pelo arroz aumenta, e pelo processo já explicado, o preço sobe. Repare, a informação do problema ocorrido na safra foi levada ao consumidor através do preço, porém não é necessário entender nada de arroz, nem saber o que aconteceu com a safra ou qualquer que seja a causa do aumento, para tomar a decisão de comprar menos arroz devido à sua escassez, basta ver o preço na etiqueta do supermercado para assim o comprador tomar a decisão que julgue mais adequada. Uns deixarão de comprar, outros substituirão o arroz por outro alimento, outros não se sentirão afetados e continuarão comprando. Preço é a forma de comunicação dos agentes econômicos (vendedores e compradores). É o valor pelo qual o vendedor aceita renunciar a seu produto. O preço é a combinação das informações econômicas de um determinado produto.

Qualquer mudança nessas informações tende a ser refletida no preço. Obviamente, isso tudo não se restringe ao arroz, vale para todos os bens escassos.

O sistema de preços comunica informações que influenciam a tomada de decisão das pessoas. Os preços são uma forma de controlar a escassez: um produto escasso se torna mais caro, fazendo com que os compradores consumam menos, caso contrário, poucos compradores poderiam rapidamente acabar com os estoques. A diferença de preço de um mesmo produto em lugares distintos permite aos vendedores saber onde há maior demanda, onde as pessoas necessitam mais daquele produto, ou seja, onde estão dispostas a pagar mais. A fim de aumentar sua renda, os vendedores optarão por comercializar onde o preço é maior, e assim, vendendo primeiro onde o preço é mais alto, as necessidades dos consumidores que mais desejam aquele bem são atendidas primeiro. Porém, o preço não se mantém alto eternamente, conforme a necessidade é suprida, a informação (demanda/oferta) muda: uma vez que os consumidores já estão satisfeitos e não têm a intenção de comprar mais do produto em questão, a demanda diminui; e o produto que antes era escasso, agora está disponível, a oferta aumentou. O preço que antes era alto, agora é mais baixo. E assim, novos vendedores sabem que deverão comercializar em outros lugares menos saturados.

Agora que sabemos para que servem os preços vamos entender o problema de controlá-los. Controle ou tabelamento de preços é o nome dado a quando a variação “natural” de um preço é impedida por meio de uma ordem coercitiva (imposta através da força). Controlar um preço faz com que a informação transmitida seja diferente da informação real, e quando os agentes econômicos avaliarem suas decisões, decisões irracionais parecerão racionais.

Investimentos inviáveis parecerão lucrativos, empréstimos inviáveis de crédito parecerão vantajosos, produtores não saberão quanto produzir e comerciantes e clientes ficarão desorientados, mas dificilmente perceberão isso. O controle de preços pode ocorrer de duas formas: impedir os preços de subir ou de abaixar. Analisaremos esses dois casos nos parágrafos seguintes.

Proibindo o preço de aumentar: imagine que João é um pai de família que vende um produto X e obtém sua renda a partir disso. Devido a algum motivo, o custo desse produto aumenta, de forma que o comerciante precisa despender mais dinheiro para poder revendê-lo. A fim de manter a sua renda e seu poder de compra, o comerciante sente-se inclinado a repassar esse aumento do custo, incluindo-o no preço final do produto. Agora suponha que seja aprovada uma lei que proíbe esse preço de aumentar. O primeiro pensamento que nos vem à cabeça é: “isso é bom, assim os consumidores ficam protegidos do aumento do preço”, porém, este raciocínio é “míope” e somente enxerga a primeira consequência dessa proibição. Como dito, o comerciante não pretende ter sua renda diminuída, isso significaria menos poder de compra e redução do seu padrão de vida e de seus familiares. Para evitar que isso aconteça, ele preferirá vender outros produtos no lugar do produto X. Como consequência a oferta do produto X diminui, pois, João e os demais comerciantes têm agora um menor incentivo para vendê-lo.

Mas as pessoas ainda irão desejar tal produto, ou seja, ainda existirá a mesma demanda pelo produto X. Do ponto de vista dos consumidores, a situação piorou, pois, como os comerciantes perderam o incentivo para vender tal produto, ele desaparece das prateleiras.

Assim, não é possível para João vender seu produto legalmente e manter sua renda ao mesmo tempo. Porém, com a diminuição da oferta e sabendo que ainda existem pessoas dispostas a comprar, vendê-lo de forma ilegal se torna atrativo. Na ilegalidade não há controle de preços e o comerciante se vê tentado a manter sua renda, ou até incrementá-la consideravelmente, pois a escassez do produto aumenta seu valor e os riscos envolvidos na ilegalidade só valem a pena se um alto preço for cobrado. Se não for João, algum outro comerciante mais ousado o fará. Essa é mais uma consequência previsível criada por controle de preços: mercados negros.

Podemos ver que nesse caso existe um abismo entre as intenções e os resultados. A intenção era de ajudar o consumidor fazendo com que ele não pagasse mais caro pelo produto X, porém o que aconteceu de fato foi que agora o consumidor se vê diante de um novo trade-off (escolha), entre ou ficar sem o produto ou pagar um preço muito maior do que seria se não existisse o controle de preços.

Expectativa: produto caro –> produto barato

Realidade: produto caro –> produto em falta ou ainda mais caro no mercado paralelo.

Agora que sabemos o que ocorre quando um preço é proibido de subir, vamos analisar o que acontece quando a queda de um preço é proibida.

Proibindo o preço de diminuir: se a situação anterior causa escassez do produto, esta causa excesso. Ao proibir que o preço caia, teremos um produto com um preço forçadamente maior do que o preço real. Como explicado anteriormente, o preço carrega informações sobre a razão demanda/oferta de um bem, e as pessoas irão agir conforme essas informações. Ao aumentar forçadamente o preço de um produto, a informação repassada se distancia da informação real e decisões irracionais serão tomadas. Com um preço artificialmente alto, tal bem será falsamente visto como lucrativo pelos comerciantes. Produtores se sentirão tentados a aumentar a produção desse bem, visto que o preço está alto, gerando um aumento de oferta. Porém, do ponto de vista dos consumidores, o produto está mais caro do que deveria, o que leva as pessoas a comprarem menos, diminuindo a demanda. Logo essa situação cria um excesso de oferta em relação a demanda, fazendo com que estoques fiquem parados e investimentos não recebam o retorno esperado, pois as vendas diminuem e não se pode baixar o preço. Porém, estoques são custosos, existem gastos associados a mantê-los, fazendo com que se livrar do produto gere menos prejuízos do que mantê-lo ali, na expectativa de que um dia seja vendido. Geralmente os Estados cobram impostos sobre vendas e doações, fazendo com que a simples doação do produto em excesso (e que não será vendido) também represente custo e prejuízo aos comerciantes.

Dessa forma, a única opção não custosa é simplesmente descartar o produto. Quando surgem notícias sobre produtos que foram destruídos pelos produtores, muito provavelmente há um controle de preços por trás.

Como vimos nessas explicações, as tentativas de impedir a flutuação “natural” dos preços até podem possuir boas intenções, mas as leis da economia nos permitem prever e a história nos fornece evidências de que essas boas intenções não estão embutidas nas consequências. Embora o discurso seja de que isso vai ajudar a população, o resultado é bem diferente. Seguindo um raciocínio do Nobel em economia Milton Friedman: “não se pode julgar políticas públicas por suas intenções e sim por seus resultados”.

Um exemplo disso que ainda está próximo a nós, é o que ocorreu no Brasil no final da década de 1980. Nessa época houve um controle generalizado dos preços e o presidente José Sarney tabelou o preço de vários produtos e convocou a população a fiscalizar os preços dos supermercados. Como dito, quanto mais severo é o tabelamento, mais severas são as consequências. O incentivo era comprar os produtos o mais rápido possível antes que os estoques acabassem. O resultado prático foi uma alta escassez de produtos, enormes filas e, como esperado, um grande mercado paralelo onde os produtos eram vendidos mais caros. Pergunte a alguém que viveu na época sobre os famosos “fiscais do Sarney”. Eles têm experiências interessantes para contar.

 

[Artigo escrito em coautoria com Douglas Martins Renesto, editor da página Economia para iniciantes]

1 COMENTÁRIO

  1. Ótimo artigo, além dos controles de preços no governo Sarney que geravam filas enormes em todos comércios de alimentos pois não eram produzidos em quantidade suficiente temos um exemplo mais recente quando o governo Dilma incentivou a venda de caminhões subsidiando juros nos financiamentos o que aumentou muito o número de caminhões e consequentemente reduziu o preço do frete causando a greve dos caminhoneiros no governo Temer, para piorar o governo Temer criou a tabela de fretes o que fez com que as empresas para evitar pagar altos fretes comprassem seus próprios caminhões piorando ainda mais a situação dos caminhoneiros.

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