Coronavírus e o Leviatã

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Em sua magistral obra Crisis and Leviathan, Robert Higgs mostra que o crescimento do governo no século XX pode ser amplamente explicado baseando-se nas crises e as respostas dadas a elas. Essas crises podem ser reais (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Grande Depressão, estagflação) ou imaginadas (desigualdade, os vários ismos). Em ambos os casos, novos programas, agências e políticas governamentais são estabelecidos, supostamente como respostas temporárias à emergência em questão. Mas, como Higgs mostra com ricos detalhes históricos, a maioria das medidas temporárias se torna permanente – explicitamente ou de forma revisada, com base no original.

Como resumi a tese de Higgs em um artigo anterior:

Higgs (1987) observou que as funções extras assumidas pelo Estado durante o período do New Deal permaneceram amplamente em vigor depois que a crise passou, levando a um “efeito catraca” no qual as agências governamentais se expandem para explorar as oportunidades percebidas no curto prazo, mas não recuaam quando as circunstâncias mudam. Higgs (1987) sugere que funcionários do governo (reguladores, tribunais e políticos eleitos), bem como agentes privados (como executivos de empresas, agricultores e sindicatos) desenvolvam capacidades no planejamento econômico e social durante períodos de crise e que, devido a altos custos de transação e indivisibilidades, tendem a possuir excesso de capacidade em períodos entre as crises. Para alavancar essa capacidade, eles buscam maneiras de manter essas medidas “temporárias” em vigor. De fato, muitas agências do New Deal eram versões pouco disfarçadas das agências da Primeira Guerra Mundial que permaneceram inativas por toda a década de 1920 – o Conselho das Indústrias de Guerra tornou-se a Administração Nacional de Recuperação, a Corporação Financeira de Guerra tornou-se a Corporação Financeira da Reconstrução, o Conselho de Guerra e Trabalho tornou-se o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas e assim por diante. Em muitos casos, os estatutos constitutivos das agências do New Deal foram copiadas literalmente dos predecessores da Primeira Guerra Mundial. O efeito catraca de Higgs (1987) ilustra que o excesso de capacidade nas capacidades organizacionais não é alavancagem necessária assim que criado, levando a um crescimento organizacional contínuo e suave, mas pode permanecer inativo até que surjam as circunstâncias econômicas, legais ou políticas corretas, levando a saltos repentinos e descontínuos em tamanho ou escopo organizacional.

Como o leviatã se expandirá – temporária e permanentemente através do efeito catraca – em resposta ao COVID-19? É muito cedo para fazer previsões definitivas, mas podemos tentar adivinhar com base na experiência e no nosso conhecimento de como os governos funcionam.

Primeiro, podemos esperar que os controles do governo sobre viagens e aglomerações sejam mais rígidos. Seja por aprovação legislativa, ação executiva unilateral ou decreto judicial, o princípio de que os governos devem controlar o movimento e a reunião de pessoas para impedir a propagação da doença foi claramente estabelecido (ou restabelecido). Como sabemos pelo trabalho de Higgs, os recursos adicionais nessa área adquiridos pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e outras agências provavelmente serão mantidos e colocados em uso muito tempo depois que a crise diminuir. E mais intervenções governamentais nos setores biomédico e de saúde são praticamente garantidas.

O segundo provável efeito a longo prazo é ideológico. Já estamos vendo o meme de que a crise foi causada (ou pelo menos exacerbada) pelo “neoliberalismo” – que, graças à difusa (?)ideologia libertária departamentos de saúde pública foram “enfraquecidos” e, portanto, estão incapacitados para agir com a força que deveriam ter:

Libertários: O estado é uma porcaria, vamos diminuir os serviços públicos

* A pandemia chega, o serviço público oco é incapaz de responder efetivamente *

Libertários: Viu, nós dissemos que o governo é uma porcaria

Obviamente, sabemos que nos EUA o CDC inicialmente impediu que laboratórios particulares testassem ou desenvolvessem novos testes sem a aprovação do FDA (a ANVISA americana). Em geral, a saúde pública (e privada) nos EUA, como na maioria dos países, opera dentro de uma rede emaranhada de regulamentos federais, estaduais e locais, subsídios, restrições e outros controles.

É impossível saber como um sistema médico de livre mercado lidaria com algo como o corona. Mas nos dirão que não há entusiastas do livre mercado durante uma pandemia (e que, na melhor das hipóteses, aqueles que preferem os direitos de propriedade, mercados e preços devem adotar o “libertarianismo da capacidade do Estado“). A defesa dos mercados terá que ser feita, como diria Mises, com mais vigor.

 

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