Da liberdade como o princípio primário da Ética: Aristóteles e a ascensão da política apolítica

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O direito, por ser algo não dado pelos eventos fenomênicos físicos, mas, no âmbito prático das coisas, a expressão jurídica de uma valoração intersubjetiva humana, faz derivar o seu valor fundamentalmente das preferências valorativas dos agentes para os quais ele possui uma importância incontestavelmente inigualável.

Ora, o homem é substancialmente tendente ao que lhe é bom (ou seja, ao que lhe é benevolente), e, em razão de o que lhe é bom justificar-se eticamente, posto que o que lhe é malevolente é precisamente o injusto, sabe-se que o homem, atuando livremente, sempre preferirá o seu bem favoravelmente ao afastamento do seu mal, já que se faz absolutamente inegável o fato de que, por tender ao seu bem inexoravelmente, as suas ações livres sempre serão comparativamente as que mais irão lhe aproximar da sua autorrealização, o sumo alcance do que lhe é bom. Portanto, obstaculizar agressivamente (i. e., tributariamente e danosamente) a liberdade do homem (a manifestação prática das suas ações livres – em suma, da sua tendência natural ao bem) sempre configurará um atentado eticamente indefensável ao bem humano (à satisfação humana), uma vez que este vê-se expresso unicamente mediante o praticar diário da liberdade, o exercício do homem da sua tendência ao que lhe é objetivamente bom.

Deste modo, tudo o que se fizer produto direto da liberdade há de constituir, necessariamente, uma dada forma da manifestação da tendência que o homem substancialmente tem à busca do que é objetivamente benévolo ao seu ser. Logo, o ato de lesar violentamente a liberdade (inclui-se: as suas extensões lógicas: vida; (auto)propriedade), seja por vias tributárias (tipicamente estatais) ou seja por vias diretamente predatórias, sempre operará desfavoravelmente ao bem (i. e., favoravelmente ao antônimo deste, o mal), já que, sendo o homem naturalmente inclinado ao bem, o ato de alterar agressivamente o curso natural das suas ações forçando-o à consecução de determinados atos inalteravelmente se porá a pressupor a manifestação do mal, uma vez que o homem, por lhe ser ontologicamente intrínseco rumar em liberdade apenas à consecução das ações que lhe são benevolentes (satisfatórias) sempre em detrimento das que lhe são malévolas (insatisfatórias), ao modificar involuntariamente o curso das suas ações por fatores coativos externos, se põe a produzir o seu próprio mal, já que o homem, ante uma lesão (inclui-se: taxação/dano/fraude), vendo-se ter de lidar com uma interrupção forçada do exercício da sua tendência natural ao bem, vê-se miseravelmente desumanizado, posto que, sendo necessariamente malévolas as ações às quais recorre somente por efeito de coerção em função de lhe ser substantivo tender naturalmente ao bem e apartar-se do mal em liberdade, o que é-lhe objetivamente malévolo enquanto tal vê-se manifesto exclusivamente sob a coação, visto que, por efetuar livremente (voluntariamente) tão-só as ações que lhe são boas em decorrência da sua natureza irremediavelmente inclinada ao benévolo (isto é, por inclinar-se ao bem apenas espontaneamente e jamais por efeito de coerção (violência (seja a de caráter tributário ou outra))), vislumbra na realização das ações não livres e involuntárias o cume do que lhe é incomensuravelmente malevolente – eticamente indefensável.

O direito, portanto, por auferir o ético (i. e., o bem), impreterivelmente, tem de rechaçar intransigentemente toda e qualquer forma de lesão à liberdade (inclui-se: propriedade; vida), porque a sua supressão há de significar, em vista do que foi acima exposto, a personificação do mal (i. e., do antiético), para o qual o direito, em função de fazer-se persistir somente sob a preservação do ético, deve prover um término, o que implica que é absolutamente primordial ao direito prezar a liberdade punitivamente às condutas violentas, nas quais está inegavelmente inclusa a conduta operacional estatal.

Ora, certo é que o direito, enquanto instrumento regente da sociedade, parte da intenção humana, isto é, é intencionado; e, por sê-lo, assim, há de expressar inerentemente na sua forma de ser as preferências valorativas intersubjetivas individuais que determinam a sua importância social. Ora, determina-se praxeologicamente o fato de que o indivíduo expressa o valor que atribui à maçã apenas comendo-a. Da mesma forma, o homem expressa o valor que atribui ao ético apenas prezando e respeitando o seu mantenedor, o direito; e uma vez que lhe é essencial direcionar-se ao ético, também lhe é essencial valorar o direito enquanto ferramenta eficientemente disposta à preservação da sua tendência ao bem (i. e., ao ético).

Ora, como vimos, o ético, enquanto sinônimo do bem, do justo, vê-se manifesto somente sob a liberdade humana em função de o homem tender ao bem jamais por efeito de coações, porém apenas atuando livremente (i. e., atuando em liberdade), devido à inclinação que tem naturalmente a ele.

Como o ético é inclusivo às virtudes, grande parte dos ativistas jurídicos atuais se põe a determinar as ações que, alegadamente, fazem de um homem um ser virtuoso, porém o que se faz completamente desconhecível a esses ativistas jurídicos mesmos é o fato de que o homem não é comportamentalmente numênico, o que implica que a plenitude da sua autorrealização, absolutamente, jamais há de se ver caracterizável objetivamente por uma consciência que não a do Eu, posto que, em função de o homem ter as suas preferências valorativas frontalmente dependentes das conjunturas e das contingências particulares sob as quais atua, as suas finalidades sempre se farão extremamente relativas e, por isso, como as ações virtuosas são apenas as que se destinam efetivamente à satisfação plena dos intentos mutáveis do sujeito, é completamente cabível deduzir que, ao passo que a particularidade do sujeito condiciona determinantemente a contingência (isto é, a subjetividade) dos seus fins e, consequentemente, das suas valorações, as ações humanas ditas virtuosas jamais se determinarão universalmente, mas apenas subjetivamente, posto que, absolutamente, em razão de o valor ser subjetivo por efeito da subjetividade do agente que o atribui a algo, não existem ações valorosas (virtuosas) em si mesmas, mas apenas ações cujo valor decorre unicamente da efetividade que a consecução das mesmas possui objetivamente à supressão das exigências subjetivas (naturalmente não universais) de um agente (sujeito) particular.

Ora, é absolutamente inegável que as ações valorosas ao médico serão quase inteiramente distintas das ações valorosas ao advogado. Analogamente, nunca visa-se negar que as ações valorosas ao eletricista muito provavelmente não terão nenhum valor para o bombeiro, já que as suas finalidades, e, por conseguinte, as suas preferências valorativas, se distinguem amplamente à medida que suas profissões (ou, melhor, os atos necessários à execução das funções próprias às mesmas) se diferenciam reciprocamente com amplidão, o que, inescapavelmente, faz com que o que é incomensuravelmente valoroso, p. ex., ao eletricista possa não ser de forma alguma ao bombeiro, e vice-versa.

Portanto, somente o indivíduo que atua, no exercício da introspecção, pode determinar o que lhe apraz, isto é, o que lhe é valor, sendo, por efeito disso, absolutamente impossível a qualquer consciência externa ao agente (inclui-se: “sociedade”; “coletivo”; “vontade geral”; estado; governo; “nação”; etc.) saber o que é-lhe definitivamente valoroso. As dificuldades epistemológicas resultantes da tentativa de determinação objetiva do subjetivo (particular) e do que se faz detectável apenas introspectivamente são inúmeras, já que, p. ex., o estado, idealmente, para gerir o direito de modo a fazer virtuosos os homens, deveria não só poder abstrair objetivamente as diferenças de preferências valorativas que imperam entre os indivíduos segundo as suas incontáveis particularidades, de maneira a poder saber quais ações são e quais não são valorosas a cada integrante da sociedade, mas, idem, deveria poder conhecer não introspectivamente o que se faz conhecível apenas por introspecção (i. e., as dadas ações cuja consecução proporciona ao agente que espontaneamente a visa a virtude superlativa do estar feliz exclusivamente sob a sua forma concreta que lhe é expressamente valorosa em particular). Ora, como um indivíduo iria articular a totalidade das suas finalidades e o integral do estado situacional específico sob o qual as mesmas se veem consideradas completamente satisfeitas? Impossível!

Portanto, não é cabível ao direito prezar o ético e as ações virtuosas que se fazem irreversivelmente inclusas no mesmo pela determinação do seu conteúdo (i. e., pela determinação de certas ações tidas como intrinsecamente virtuosas às quais o homem supostamente tem de ver-se obrigado a recorrer), mas, essencialmente, pela preservação do elemento comum por intermédio do qual o indivíduo não apenas detecta a sua vocação (i. e., algo cuja consecução lhe é valorosa e há de apresentar-se ao concreto manifestamente como a expressão material do atingimento da sua felicidade, a forma incontestavelmente suma do ser virtuoso), porém, também, as ações específicas na procura verdadeiramente assídua da consecução das quais se faz verdadeiramente virtuoso e valoroso a si mesmo, isto é, se faz rumar à atuação virtuosa (eticamente defensável por natureza) cuja assimilação plena lhe provê mais daquilo que lhe faz plenamente feliz, o qual, por sua vez, está inserido substancialmente no ético, no que é, objetivamente, bom ao homem enquanto tal. E esse elemento é a Liberdade, o que não se nega devido às qualidades ontológicas do homem que fazem dele um ser que tende ao bem (à conjunção de tudo o que lhe é incomensuravelmente valoro) apenas naturalmente.

O que implica que o direito erra desgraçadamente quando proposita prescrever coativamente ao agente as supostas ações necessárias ao alcance do seu bem, não só por obstruir completamente a manifestação do que é benévolo ao agente mediante medidas coativas operacionalmente supressivas à sua liberdade, mas, idem, por presumir poder determinar de forma objetiva o que se faz discernível apenas introspectivamente e o que se vê expresso nuamente tão-só na ausência de prescrições coativas quaisquer.

Quer dizer, o direito, em suma, erra irreparavelmente ao pretender determinar o suposto conjunto de ações cuja consecução, de maneira alegadamente universal, torna o indivíduo um ser virtuoso com a finalidade de prescrevê-las opressivamente ao indivíduo mesmo em detrimento dos seus atos livres e, fundamentalmente, idem, ao esquecer do fato de que o que visa determinar vê-se concretizado e plenamente observável ao exterior sempre e somente na ausência de prescrições coativas opressivas à liberdade.

Aristóteles afirmava que o homem tende ao bem e que este configura a felicidade do homem mesmo, condicionada pelo exercício das suas virtudes. Portanto, a felicidade humana se daria exclusivamente pela finalização do curso natural do homem enquanto ser (o seu telos), no qual se inclui substantivamente a efetivação máxima das tendências que lhe são naturais.

Sendo o homem tendente naturalmente ao que lhe é bom, sendo a satisfação das finalidades humanas absolutamente benévola e sendo a felicidade humana boa em si por constituir essencialmente a realização do ético, isto é, do bem humano, pode-se frisar que o conteúdo da felicidade humana é o bem do homem, a satisfação plena das suas finalidades, à qual se direciona por natureza.

Entretanto, como a felicidade humana se apresenta no plano concreto tão-só sob a forma da felicidade de um sujeito extremamente particular, um ser inequivocamente individual, e como as finalidades humanas são distintas e peremptoriamente condicionadas pelas peculiaridades qualitativas do agente que fazem deste um ser subjetivo cujos fins, por efeito da sua particularidade, não se fazem determináveis objetivamente, conclui-se que, sendo a felicidade humana fundamentalmente constituída pela satisfação das finalidades humanas e sendo estas muitissimamente diversas em decorrência da diversidade que reina espontaneamente entre os homens, a felicidade humana, embora seja absolutamente boa em si, sempre terá um conteúdo diverso, um conteúdo cuja forma material (i. e., cuja manifestação concreta) divergirá de indivíduo para indivíduo conforme o corpo das divergências de fins que impera entre eles.

Isto é, o bem do homem sempre comporá o conteúdo da sua felicidade, mas, sendo esse bem mesmo condicionado pelas satisfação das finalidades do agente, e sendo tais finalidades imensuravelmente diversas em função da particularidade do agente em questão, cujo bem é a sua felicidade (i. e., o alcance pleno dos seus fins), determina-se implicativamente que a forma da manifestação material da felicidade humana sempre se verá diversa, por efeito de fazer-se concernir substancialmente ao agente que é feliz, ao homem que alcança os seus fins relativos, ao ser invariavelmente diverso que cumpre suas funções igualmente diversas.

Ora, a felicidade humana, se apresentando sob a forma da satisfação concreta dos fins humanos, os quais se fazem absolutamente diversos pela diversidade qualitativa absoluta do agente que os porta, sempre ver-se-á diversamente manifesta em função da realidade natural humana, que é homogeneamente diversa; e como a felicidade humana sempre operará no âmbito individual do ser, a sua concretização sempre se fará completamente tão-só na forma do bem de um indivíduo, um sujeito, um ser subjetivo.

Como vimos, o indivíduo ruma naturalmente ao bem, ao que lhe é bom. E, por rumar naturalmente ao bem, deduz-se que o ato de lhe impor forçosamente a consecução de um curso de ação não natural pressupõe o mal, pois, ora, se, no âmbito teleológico, tudo o que é natural ruma ao bem, tudo o que se distingue do natural de algum modo (o não natural) não está a ir ao bem, mas diretamente ao que lhe é antagônico, o mal, sumamente. E, como a imposição de algo será sempre a imposição de algo não natural, visto que, se fosse verdadeiramente natural, não haveria necessidade alguma de imposição, é-nos cabível inferir que toda e qualquer forma de imposição é maléfica, infeliz e antiética, por violentar o curso natural das coisas, a tendência natural (espontânea (livre)) ao bem, ao ético. Sendo, então, o curso natural das coisas, no âmbito político, condicionado substancialmente pela preservação da liberdade individual, um direito natural, cabe inferir que tudo o que se impõe opressivamente à liberdade configura um mal, algo eticamente indefensável.

Não cabe ao direito, em vista disso, determinar o conteúdo das virtudes ou do bem humano precisamente em função da não universalidade valorativa do homem enquanto indivíduo, mas, mediante o uso das vias que lhe são próprias, preservar o fator comum que condiciona universalmente a tendência de todos os homens às suas respectivas felicidades: liberdade.

Desta forma, o direito estaria a cumprir o papel que lhe confere sentido existencial.

Segundo Aristóteles, os homens são naturalmente sociais e políticos e a Política deve ter por fim último o bem comum, a felicidade dos componentes da polis.

Todavia, senhores, como se viu, a felicidade não pode possivelmente prescindir da liberdade sem deixar de sê-la. O que implica que uma política agressiva à liberdade não é “política”, mas, por extensão, “apolítica”, uma vez que não preserva o fator que condiciona os componentes da polis às suas respectivas felicidades, mas o agride violentamente.

Por isso, tudo o que se faz produto da liberdade ruma ao bem, e o que não se faz produto dela, ao mal, inevitavelmente. A cooperação, portanto, por ser inerentemente interativa (livre), ruma ao ético, e o que a violenta em prol da sua antítese (coação) ruma, consequentemente, ao mal, ao antiético. Sendo, então, a cooperação condicionada inigualavelmente pela propriedade, o direito sempre deverá resguardá-la, posto que a mesma condiciona fundamentalmente uma forma de expressão da tendência humana ao bem, ao eticamente defensável. O direito, portanto, não pode prescindir da propriedade, tampouco da liberdade.

Em suma, senhores, tudo o que é produto das interações humanas livres ruma ao bem. A política atual, por basear-se, assim, em interações humanas não livres (coercitivamente motivadas), inibe a tendência humana ao bem, compelindo miseravelmente o não natural (o antiético) à concretude, o que contraria o direito em essência e, homologamente, a Política concebida por Aristóteles, O Filósofo, como diziam os escolásticos.

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente!

    Essa tendência ao mal como consequência da naturalização da política como uma forma de sistema agressivo, tem impactos diretos na maneira como os mercados derivados desta forma de organização apolítica (coercitiva) operam na realidade. Eu tenho a impressão que o capitalismo selvagem é exatamente a expressão material desta situação. O capitalismo atual, monopolista e regulado, tende para o mal, ainda que seus integrantes estejam orientados supostamente por condições de mercado, trocas voluntárias e lei da oferta e da procura. É um simulacro, visto que a tendência dos mercados como uma tendência do ser humano a buscar o bem, jamais se concentraria desta maneira. Sem o estado leviatã, qualquer corporação encontraria dificuldades para se estabelecer em larga escala – a excessão provável de grandes extenções de terra para produção de alimentos.

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