O americano Jim Rogers e o suíço Marc Faber, dois dos maiores gurus do mundo dos investimentos, concordam entre si a respeito de vários assuntos. Porém, há um quesito que os separa nitidamente: o futuro da economia chinesa e o consequente impacto que isso teria sobre as commodities ao redor do mundo.
Tanto Rogers quanto Faber vêm há muito tempo alertando sobre os efeitos deletérios das políticas monetária e fiscal dos EUA, e continuamente enfatizam que a recente valorização das ações ao redor do mundo decorre principalmente da impressão de dinheiro, uma espécie de política “Robin Hood às avessas” feita pelos governos, na qual a impressão de dinheiro retira poder de compra dos pobres e aumenta a dos ricos.
Ambos vivem na Ásia, pois suas perspectivas quanto à economia mundial, bem como quanto à possibilidade de uma recuperação sustentável da economia americana, são — para colocar de maneira suave — um tanto negativas.
O conflito
Marc Faber, gestor de fundos de investimento e editor do boletim Gloom Boom & Doom, acredita que uma forte desaceleração da economia chinesa já está em marcha.
Em uma entrevista por telefone concedida à rede CNBC na sexta-feira passada, ele disse que, caso a economia chinesa faça um “pouso brusco”, isso trará um enorme impacto negativo para as commodities globais. Foi ainda mais fundo e disse estar “mais preocupado com uma desaceleração da economia chinesa do que com uma recessão na Europa”.
Por outro lado, Jim Rogers, o lendário investidor global e presidente da Rogers Holdings, sediada em Cingapura, disse que Faber está com noções erradas a respeito da China.
“O Marc ainda não entendeu muito bem a China. De fato, ocorrerão vários pousos bruscos nos próximos anos, mas a aterrissagem da China será bem menos bruta que outras, como Grécia, EUA et al.”, disse Rogers à CNBS na sexta-feira.
Em novembro, a atividade industrial da China caiu para seu nível mais baixo em 32 meses, segundo estatísticas do HSBC, reavivando temores de que a potência asiática está perdendo vigor em meio às aflições econômicas globais.
O economista-chefe do HSBC para assuntos econômicos da China, Qu Hongbin, disse esperar que o arrefecimento da demanda doméstica e o enfraquecimento da demanda externa pelos produtos chineses gere uma redução adicional na produção interna chinesa durante os próximos meses.
De acordo com Marc Faber, “a economia chinesa é formada por vários setores, e creio que alguns deles provavelmente já estão em recessão”. E foi adiante: “Creio que o crescimento da China será muito mais baixo do que estão prevendo, e é até possível que possamos testemunhar um pouso brusco sem absolutamente nenhum crescimento.”
Ainda segundo Faber, especificamente o mercado de commodities será o mais impactado por essa desaceleração econômica da China.
“Creio que muitas pessoas realmente irão se importar caso a China cresça apenas 5% ao invés de 10%; ou, no caso de um pouso brusco, cresça 0% — pois a China é de longe o maior comprador de commodities do mundo”, disse ele.
“Se a economia chinesa esfriar, a demanda por commodities também vai esfriar. Consequentemente, as economias do Brasil, da Argentina e de todos os países exportadores de commodities serão afetadas, e isso fará com que eles, por estarem exportando menos, também comprem menos produtos da China. E isso pode gerar uma espiral recessiva”, acrescentou Faber.
Rogers concorda que o mercado de commodities sofrerá uma correção, mas rebateu a visão de Faber de que isso será algo devastador. “Sim, haverá uma arrefecida no mercado de commodities, pois ele está em ascensão há anos. Todos os mercados altistas passam por um período de desaceleração e subsequente retração”, disse Rogers. “Em 1987, as ações ao redor do mundo declinaram de 40 a 80%, mas isso não representou o fim do período de alta nas ações. Tal fim só ocorreu em 2000”.
Antes desta declaração de Rogers, Faber havia dito o seguinte sobre a visão de Rogers a respeito do mercado de commodities: “Se eu sempre tivesse sido um otimista com relação a commodities e não tivesse previsto o crash de 2008, então, obviamente, tendo essencialmente amarrado minha reputação às commodities, eu continuaria sendo um otimista quanto a esse mercado.”
Ao que Rogers retrucou: “Proclamei repetidas vezes, em todas as minhas entrevistas, que um investidor não deve comprar commodities durante uma fase altista. Também expliquei que eu não estava vendendo e nem pretendo vender as commodities em que estou investido, pois, naquela época já estávamos [e ainda estamos] em um mercado altista que vai durar ainda um bom tempo, embora correções de curto prazo não estejam descartadas”. E ele acrescentou: “Quando um investidor faz várias especulações baixistas [fica vendido; faz uma venda a descoberto] e os preços desses bens declinam de 90 a 100%, então pode-se dizer que ele teve um bom ano, ainda que suas posições compradas [especulação altista] também tenham declinado de preço”.
De acordo com Rogers, é Faber quem tem feito previsões erradas, argumentando que ele “perdeu completamente” o longo período altista do mercado de commodities, que começou no início de 1999.
O crescimento econômico da China desacelerou de 9,5% no segundo trimestre para 9,1% no terceiro trimestre. As causas, especula-se, foram os esforços do governo para controlar a inflação de preços e a turbulência econômica na Europa e nos Estados Unidos, o que afetou a atividade econômica do país.
O vice-primeiro-ministro chinês, Wang Qishan, que também é o principal ministro das finanças do país, recentemente alertou que a China precisa corrigir “problemas estruturais” em seu sistema financeiro para poder lidar com uma recessão global “de longo prazo” que ameaça a segunda maior economia do planeta.
“Para uma economia como a chinesa, que depende fortemente de exportações, o segredo é compreender bem a situação e colocar a casa em ordem”, disse Qishan à agência estatal de notícias Xinhua.
Em uma subsequente entrevista à CNBC, já no sábado, Faber reiterou seu ponto de vista: os dados podem ser manipulados, mas eu diria que há uma óbvia desaceleração na economia chinesa, e creio que há uma chance de um pouso brusco.
Faber prosseguiu e explicou em mais detalhes as consequências não premeditadas do afrouxamento monetário: “Quando o senhor Bernanke se tornou presidente do Fed, o índice S&P 500 estava em 1264 — isso foi em 1º de fevereiro de 2006. Hoje está em 1244. Ou seja, o mercado hoje está mais baixo do que naquela época. Nesse meio tempo, o ouro foi para US$ 1.740, sendo que estava em US$ 570 quando Bernanke assumiu… O afrouxamento monetário não significa que a economia irá melhorar, pois o dinheiro criado pode perfeitamente ir para apenas determinados setores da economia… O mercado de ações da China pode apresentar alguma recuperação, mas não creio que veremos novos recordes de alta. Creio que a economia irá se enfraquecer porque se trata de uma economia bastante voltada para o setor de bens de capital, e o investimento em capital é algo bastante volátil.”
Não vamos vender nosso ouro
Mas se a China e as commodities conseguiram erguer uma divisória entre os dois lendários investidores, ainda há um investimento que os une: o ouro — embora ambos sejam enfáticos quanto à possibilidade de uma correção no valor do metal.
O preço do ouro bateu recorde no início de setembro, chegando a US$ 1.900. No final do mês, porém, já havia caído para abaixo de US$ 1.600. Atualmente está na casa de US$ 1.730.
Na sexta-feira passada, Faber previu que o ouro continuará recebendo, ao menos no curto e no médio prazo, um estímulo em decorrência das políticas monetárias expansionistas do Fed e do Banco Central Europeu. Faber crê que esses bancos centrais continuarão imprimindo dinheiro na esperança de estimular suas economias.
Ainda de acordo com Faber, a recente disparada do ouro para US$ 1.900, ocorrida em setembro, não significa que haja uma “bolha” nessa commodity, alimentada pela criação de dinheiro dos bancos centrais. “Não creio que o ouro esteja em uma bolha”, disse ele à Bloomberg em uma entrevista telefônica. “Quando você compra ouro, você está fazendo um seguro contra falhas sistêmicas nos mercados financeiros.”
O preço do ouro está mais barato hoje do que estava há dez anos, embora em termos nominais hoje esteja de 4 a 5 vezes maior, argumenta ele. “Comparado à base monetária, comparado à dívida dos governos, comparado ao aumento da riqueza que houve no mundo, e comparado ao aumento das reservas internacionais, o preço atual do ouro ainda está baixo”, disse Faber ainda no dia 5 de agosto.
Faber também diz que seu portfólio de investimento é bem diversificado, sendo dividido igualmente em quatro partes: ouro, imóveis, ações, e dinheiro e títulos. Ele acrescenta que mantém uma boa quantidade de dinheiro em mãos para comprar mais ativos caso haja mais correções nos mercados.
Por sua vez, Jim Rogers continua comprado em commodities e bastante otimista. “O ouro subiu 600% na década de 1970 e depois caiu 50% na década de 1980, o que assustou muita gente. Depois retomou sua alta contínua e subiu mais 850%. Correções são absolutamente normais em todos os mercados”, disse ele à CNBC na sexta feira.
Em entrevista concedida ao britânico Investment Week no dia 5 de dezembro, Rogers reiterou que o ouro está demorando mais do que o esperado para sofrer uma forte correção. “É muito incomum um ativo subir continuamente por 11 anos sem sofrer nenhuma correção. Tenho ouro e não pretendo vendê-lo. Tem havido algumas correções no seu preço nos últimos três meses, mas ainda estou esperando uma correção bem mais intensa. Só não tenho ideia do quanto será essa correção. Se o preço do ouro cair porque o mundo está indo à falência, então ele teria de estar precificado a uns US$ 900 para que eu volte a comprar mais. Se houver uma ocorrência mais artificial, então talvez um valor entre US$ 1.200 e US$ 1.400 já me seja atraente”, disse ele.
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Sobre o Dr. Marc Faber
Nascido em Zurique, cresceu e estudou em Genebra e em Zurique. Formou-se em Ciências Econômicas na Universidade de Zurique e, aos 24 anos, obteve seu Ph.D em economia. Entre 1970 e 1978, o Dr. Faber trabalhou para o banco de investimento White Weld & Co. nas filiais de Nova York, Zurique e Hong Kong.
Mora na Ásia desde 1973. De 1978 a fevereiro de 1990, foi o gerente do banco de investimento Drexel Burnham Lambert, em Hong Kong. Em junho de 1990, criou sua própria empresa, que atua como consultora de investimentos e administradora de fundos.
A partir de 2000, Faber decidiu dedicar mais tempo tanto na produção de seus boletins informativos quanto na expansão de suas consultorias. Voltou a morar em sua casa em Chiang Mai, na Tailândia, mantendo apenas um pequeno escritório administrativo em Hong Kong.
O Dr. Faber publica um amplamente lido boletim mensal sobre investimentos, o ‘The Gloom Boom & Doom Report’, que dá ênfase a oportunidades de investimentos mais atípicas. É também o autor de vários livros.
Sobre Jim Rogers
Nascido em Maryland e criado no Alabama, Rogers sempre se manteve um passo à frente do pensamento convencional dos investidores. Dentre suas várias façanhas, Rogers foi o co-fundador, junto com George Soros (hoje os dois mal se falam), do hedge fund Quantum Fund. Durante seus dez anos junto ao fundo, seu portfólio se valorizou em mais de 4.000%, enquanto o S&P 500 subiu menos de 50%.
Rogers se aposentou do Quantum em 1980 e depois se tornou professor visitante de finanças na Columbia University Graduate School of Business entre 1989 e 1990, e moderador dos programas televisivos The Dreyfus Roundtable and The Profit Motive with Jim Rogers.
Para salientar suas convicções de que a prosperidade futura virá da Ásia, mais especificamente da China, Rogers mudou-se com a família para Cingapura, e suas duas filhas pequenas já falam mandarim.
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