O famoso tratado econômico de John Maynard Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, foi publicada no dia 4 de fevereiro de 1936. A influência que exerceu sobre a profissão econômica após seu lançamento foi espantosa. E seu impacto sobre a política e a teoria econômica ao longo dos últimos 75 anos tem sido imensa. Paul Samuelson, falecido professor do MIT, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1970, e um dos mais influentes expositores da economia keynesiana no período pós-Segunda Guerra Mundial, contribuiu com um ensaio para uma obra intitulada The New Economics, editada por Seymour Harris em 1948, dois anos após a morte de Keynes. Em um trecho frequentemente citado, Samuelson explicou:
É praticamente impossível para os estudantes de hoje compreender com plenitude o efeito do que tem sido denominado ‘Revolução Keynesiana’ sobre aqueles que foram instruídos na [pré-keynesiana] tradição ortodoxa. Ter nascido economista antes de 1936 era uma dádiva, sim; mas o mesmo não pode ser dito daqueles que nasceram muito antes! … A Teoria Geral pegou a maioria dos economistas de menos de 35 anos com a inesperada virulência de uma doença que primeiramente ataca e dizima uma tribo isolada de ilhéus do sul do Pacífico. Economistas acima de 50 anos se mostraram bastante imunes à enfermidade. Com o tempo, a maioria dos economistas dentro deste intervalo de idade começou a apresentar febres, frequentemente sem saber ou admitir a causa… Essa impressão foi confirmada pela rapidez com que os economistas ingleses, além daqueles de Cambridge, assimilaram o novo Evangelho … em Oxford; e ainda mais surpreendente, os jovens espertos e valentes da London School of Economics
… jogaram fora seu vestuário hayekiano e se juntaram à corrente dominante. Neste país [Estados Unidos], aconteceu praticamente a mesma coisa…. Finalmente, e talvez ainda mais importante do ponto de vista do longo prazo, a análise keynesiana começou a penetrar os livros-textos básicos de economia; e, como todos sabem, tão logo uma ideia consegue adentrar esses livros-textos, por pior que seja, ela se torna praticamente imortal.
Mesmo hoje, quando a análise keynesiana tradicional já foi desafiada e abandonada por vários economistas — além de clamorosamente refutada pelos recentes acontecimentos econômicos mundiais —, o arcabouço keynesiano ainda assombra todos os livros-textos de macroeconomia, comprovando a observação de Samuelson de que, “por pior que ela seja”, ela se tornou “praticamente imortal.”
A essência da teoria de Keynes é mostrar que uma economia de mercado, quando deixada sozinha, funcionando por conta própria e sem um governo fazendo “ajustes finos” em suas variáveis, não possui um mecanismo de autocorreção que a faça voltar para o pleno emprego quando o sistema econômico caiu em uma depressão. No âmago desta abordagem estava a crença de que ele havia demonstrado um erro na Lei de Say.
Assim rotulada em homenagem ao economista francês do século XIX Jean-Baptiste Say, a ideia fundamental da Lei de Say é a de que os indivíduos produzem para poder consumir. O economista clássico David Ricardo expressou-a desta forma:
Ao produzir, portanto, ele necessariamente se torna ou o consumidor dos seus próprios bens ou o comprador e consumidor dos bens de alguma outra pessoa…. Bens produzidos sempre são comprados com outros bens produzidos, ou por serviços; o dinheiro é somente o meio de troca, o meio pelo qual a troca é efetuada.
Keynes argumenta que não há garantia nenhuma de que aqueles que venderam bens ou venderam sua mão-de-obra no mercado — e que, por isso, receberam uma renda — irão necessariamente utilizar a quantia total dessa renda recebida para comprar bens e serviços ofertados por outras pessoas. Assim, os gastos totais em bens e serviços poderão ser menores do que a renda total.
Isso, por sua vez, significa que as receitas totais auferidas pelas empresas que vendem bens e serviços no mercado podem ser menores do que os gastos incorridos por elas ao trazerem tais bens e serviços ao mercado. Com o total de receita de vendas sendo menor que os gastos, os empreendedores não terão outra opção senão cortar gastos, reduzir a produção e diminuir o número de empregados, de modo a minimizar suas perdas durante esse período de “problemas e negócios ruins”.
Porém, argumenta Keynes, isso meramente intensifica o problema do desemprego e da queda da produção. À medida que trabalhadores são demitidos, suas rendas necessariamente diminuem. Com menos renda para gastar, os desempregados reduzem seus gastos com consumo. Isso resulta em uma queda adicional da demanda por bens e serviços oferecidos no mercado, o que amplia o número de empresas que verão suas receitas de venda declinando em relação aos seus custos de produção. E isso irá desencadear uma nova rodada de cortes na produção e no emprego, culminando em uma espiral contracionista na produção e no emprego.
Por que os trabalhadores não iriam aceitar salários menores — o que os tornariam novamente atraentes para serem recontratados por empregadores — em decorrência desta queda da demanda no mercado? Porque, disse Keynes, os trabalhadores sofrem de “ilusão monetária”. Se os preços dos bens e serviços estão diminuindo por causa de uma queda da demanda dos consumidores, então os trabalhadores poderiam aceitar um salário mais baixo e ainda assim não ficarem em uma situação pior em termos de poder de compra real — caso o corte em seus salários nominais não seja, na média, maior do que a redução ocorrida no nível médio de preços.
Mas os trabalhadores, argumenta Keynes, geralmente pensam apenas em termos de seus salários nominais, e não em termos de seus salários reais, isto é, o que sua renda monetária representa em termos de poder de compra real no mercado. Assim, os trabalhadores iriam preferir aceitar o desemprego a um corte em seus salários nominais.
Se os consumidores estão demandando menos bens e serviços no mercado, isso necessariamente significa que eles estão poupando mais. Por que então essa renda não consumida não iria ser gasta contratando mão-de-obra e comprando recursos de maneira diferente, a saber, na forma de mais investimentos? Afinal, os poupadores têm mais dinheiro para emprestar para potenciais tomadores de empréstimo. E com mais poupança, os juros sobre os empréstimos seriam menores. Por que isso não ocorreria?
A resposta de Keynes foi insistir na afirmação de que os interesses dos poupadores e dos investidores não são os mesmos. As pessoas que possuem renda podem perfeitamente querer consumir uma menor fatia de sua renda, poupar mais e oferecer essa fatia poupada para tomadores de empréstimo, de quem cobrariam juros. Mas não há certeza, insiste Keynes, de que os empreendedores estarão dispostos a pegar emprestado essa maior fatia da poupança e utilizá-la para contratar mão-de-obra para produzir bens que serão vendidos no futuro.
Dado que o futuro é incerto e o amanhã pode ser radicalmente diferente da realidade de hoje, declara Keynes, os empreendedores podem facilmente se deixar levar por imprevisíveis ondas de otimismo e pessimismo, as quais aumentam e diminuem seu interesse e disposição para pegar empréstimos e investir. Uma redução hoje na demanda por consumo da parte das pessoas que possuem renda pode ser motivada por um desejo delas de aumentar seu consumo futuro, utilizando essa poupança. Mas os empreendedores, segundo Keynes, não podem saber antecipadamente como essas pessoas irão querer aumentar seu consumo no futuro ou quais bens em específico estarão em maior demanda quando esse futuro chegar. Como resultado dessa incerteza, a redução na atual demanda dos consumidores pelos bens atualmente produzidos irá meramente fazer com que os atuais incentivos dos empreendedores para fazer novos investimentos também sejam reduzidos.
Se, por algum motivo, houver uma onda de pessimismo no ambiente empreendedorial, o que resultaria em uma redução na demanda por empréstimos para investimento, isso faria com que houvesse uma redução na taxa de juros. Tal redução na taxa de juros, por causa dessa queda na demanda por investimentos, faria com que poupar fosse algo menos atrativo, dado que agora os juros que remuneram essa poupança a ser emprestada são menores. Como resultado, os gastos em consumo irão aumentar à medida que a poupança diminui. Assim, ao passo que os gastos em investimento podem estar diminuindo, um maior volume de gastos em consumo compensaria essa diferença e garantiria uma demanda de “pleno emprego” para a mão-de-obra e os recursos da sociedade.
Mas Keynes não quer permitir que isso aconteça, por causa daquilo que ele chama de “lei psicológica fundamental” da “propensão para consumir”. À medida que a renda aumenta, diz ele, os gastos em consumo também tendem a aumentar, mas menos do que o aumento da renda. Ao longo do tempo, portanto, à medida que a renda da sociedade se eleva, uma porcentagem cada vez maior é poupada em vez de consumida.
Na Teoria Geral, Keynes lista uma variedade daquilo que ele chamou de fatores “objetivos” e “subjetivos” que ele considera influir sobre as decisões das pessoas de consumir parte de sua renda. Do lado “objetivo”: um lucro inesperado; uma mudança na taxa de juros; uma mudança nas expectativas sobre a renda futura. Do lado “subjetivo”: “Prazer, Imediatismo, Generosidade, Irreflexão, Ostentação e Extravagância”.
Após essa lista, ele meramente declara que os fatores “objetivos” têm pouca influência sobre as decisões de quanto consumir de uma dada quantia de renda — inclusive uma mudança na taxa de juros. E os fatores “subjetivos” são basicamente invariáveis, sendo “hábitos formados pela raça, educação, costumes, religião e moralidade atual … e os já estabelecidos padrões de vida.”
Com efeito, Keynes chega à peculiar conclusão de que, dado que os desejos do homem são determinados e fixados basicamente pelo seu ambiente social e cultural, e que eles mudam muito lentamente, “quanto maior … o consumo que já nos fornecemos antecipadamente, mais difícil será encontrar algo a mais com o qual nos fornecermos”. Traduzindo: os homens esgotam os desejos e necessidades para os quais gostariam que fossem feitos mais investimentos; os recursos da sociedade — inclusive a mão-de-obra — ameaçam se tornar maiores do que a demanda para a utilização deles.
Keynes, em outras palavras, inverte o mais fundamental conceito da ciência econômica. Em vez de nossos desejos e necessidades serem sempre maiores do que os recursos e meios disponíveis para satisfazê-los, a realidade, segundo Keynes, é que o homem está enfrentando um mundo “pós-escassez”, no qual os meios à nossa disposição estão se tornando maiores do que os fins para os quais eles podem sem empregados. A crise da sociedade é uma crise de abundância! Quanto mais ricos nos tornamos, menos trabalho haverá para as pessoas, pois, na visão de Keynes, a capacidade e o desejo do homem de imaginar novas e diferentes maneiras para melhorar sua vida são finitos. O problema econômico é que estamos excessivamente bem.
Como consequência, a parte da renda que não foi gasta poderá se acumular como poupança não utilizada e não investida (o temido “entesouramento”); e quaisquer que sejam os investimentos que venham a ser empreendidos, estes poderão flutuar erraticamente para cima ou para baixo por causa daquilo que Keynes chamou de “espírito animal” — a psicologia irracional dos empreendedores em relação a um futuro incerto.
A economia de livre mercado, portanto, estará sempre atormentada pelo constante perigo das ondas de expansão e recessão econômica, com longos períodos de alto desemprego e indústrias ociosas — e tudo causado pelo comportamento errático e imprevisível dos empreendedores, bem como da propensão a poupar das pessoas. O problema da sociedade advém do fato de que as pessoas consomem muito pouco e poupam em excesso, o que impede que haja empregos para todos aqueles que desejam trabalhar aos salários determinados pelo mercado. E como os trabalhadores se recusam a aceitar que seus salários reajustados para baixo em decorrência de qualquer declínio na demanda por seus serviços, o desemprego só tende a aumentar.
Apenas uma instituição pode intervir e servir de mecanismo estabilizador para manter o pleno emprego e a produção em nível constante: o governo, por meio de várias e ativas políticas monetárias e fiscais.
Esta é a essência da economia keynesiana.