Legislações antitruste e agências reguladoras não podem existir em uma sociedade livre

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ist2_3589389-fair-use-iLegislações antitruste e agências reguladoras não têm lugar em uma sociedade livre.  Legislações antitruste e agências reguladoras devem ser totalmente eliminadas.  Seus conceitos filosóficos, políticos e econômicos devem ser totalmente desacreditados, e as leis que permitem sua prática devem ser eliminadas.

Uma primeira, essencial e inevitável medida é, acima de tudo, entender o quão ruins são os conceitos de liberdade de entrada, monopólio e concorrência que sustentam a teoria e a prática do antitruste.

Em seu ensaio “Os Direitos do Homem”, Ayn Rand criticou os conceitos predominantes sobre liberdade de expressão e de impressa.  Liberdade de expressão e de imprensa, disse ela, não significa que um indivíduo tenha o direito de dizer o que quiser, em qualquer lugar e a qualquer momento, e que é censura negar ao indivíduo este seu suposto direito.  Ninguém tem o direito de utilizar a propriedade alheia contra a vontade de seus proprietários.  Houvesse este direito, não haveria civilização.

Com base neste fundamento, argumenta Rand, não existe algo como ter direito a receber moradias, automóveis, empregos, educação ou serviços médicos.  Existe apenas o direito do indivíduo de empreender as ações necessárias para obter a renda com a qual poderá então adquirir tais bens, comprando-os de outros indivíduos que os estejam voluntariamente ofertando.  Ao empreender tais ações, obviamente, o indivíduo não pode agredir a vida, a propriedade e a liberdade de ninguém.

Similarmente, o mesmo raciocínio se aplica à liberdade de entrada no mercado.  Liberdade de entrada não significa capacidade de entrar em um dado setor.  Se as pessoas não possuem a capacidade de entrar em uma determinada área da economia (porque, por exemplo, elas não possuem o capital para isso), isso não significa que a liberdade de entrada no mercado foi violada.  Assim, por exemplo, se for necessário um investimento mínimo de, digamos, $1 bilhão, para se ter uma mínima esperança de poder competir no setor de aparelhos eletrônicos e informática, isso não significa de modo algum que tal setor não possui liberdade de entrada, ou que a minha liberdade, como indivíduo, de entrar em tal setor foi violada de alguma forma só porque eu pessoalmente não tenho a capacidade de levantar o bilhão necessário.

O fato de eu não possuir ou não poder levantar o capital necessário não implica uma violação da minha liberdade de entrada, assim como o fato de eu não possuir um canal de televisão ou um jornal, e não gozar do apoio de nenhum deles, não implica uma violação da minha liberdade de expressão ou de imprensa.

Sob quais circunstâncias a liberdade de entrada estaria sendo violada?  Ela estaria sendo violada se eu realmente possuísse ou pudesse obter o capital necessário — e, obviamente, fosse também capaz de satisfazer vários outros requerimentos necessários para poder concorrer, como ter montado uma equipe com administradores capacitados e mão-de-obra qualificada, dominar conceitos tecnológicos etc. — e fosse coercivamente impedido de entrar neste setor pelo governo.

Isto seria o equivalente à censura.  Tal arranjo também poderia muito adequadamente ser descrito como monopólio, pois eu estaria agora lidando com um mercado, ou com parte de um mercado, que estaria fechado para mim em decorrência do elemento essencial da iniciação de força física pelo governo — um mercado do qual fui forçosamente excluído e que, como consequência, foi transformado em monopólio de outros.  É assim que a aplicação de legislações antitruste e a existência de agências reguladoras rotineiramente fazem com que haja uma violação do princípio da liberdade de entrada, e consequentemente promovam a criação de monopólios.

Violações da liberdade de entrada e o concomitante estabelecimento de monopólios são consequências rotineiras da imposição de legislações antitruste e da existência de agências reguladoras.  Seguidamente, elas forçosamente excluem dos mercados exatamente aquelas empresas que, na ausência de ambas, estariam operando neste mercado — ou seja, empresas que de fato possuem o capital necessário e satisfazem todos os outros requisitos necessários para concorrer.

Toda decisão antitruste para proibir a fusão de uma empresa ou para obrigar a venda de alguns de seus ativos, e toda decisão regulatória relativa à determinação de quais empresas podem operar em um mercado, representam decisões que coercivamente excluem de um mercado ou de parte de um mercado uma empresa que de outra forma estaria naquele mercado.  Trata-se de uma decisão que viola a liberdade de entrada e a liberdade de concorrência daquela empresa, monopolizando o mercado contra ela.

Esta mentalidade não percebe qualquer violação da liberdade de entrada quando, por exemplo, uma grande empresa telefônica é proibida por uma agência governamental de entrar no mercado de telefonia atualmente servido por outra empresa telefônica.  Na maioria das vezes, tal proibição à liberdade de entrada é exatamente o que estimula fusões e aquisições, pois só assim uma determinada empresa passa a poder competir em um dado mercado.  No entanto, quase sempre tais fusões e aquisições são proibidas pelo governo, que, ao fazer isso, diz estar justamente protegendo a livre concorrência!  Vemos isso seguidamente no setor aéreo, no setor alimentício e no setor telefônico, por exemplo.

A correta compreensão do conceito de monopólio mostra que o fato de existir apenas um vendedor em um determinado mercado não significa que haja ali um monopólio.  Da mesma forma, é perfeitamente possível haver um monopólio em um mercado em que haja milhares de vendedores.  Antes da Segunda Guerra Mundial, a Alcoa era a única produtora de lingotes de alumínio nos EUA.  No entanto, ela conquistou e manteve tal posição unicamente por causa da sua eficiência competitiva, uma vez que havia liberdade de entrada no mercado para qualquer outro produtor.  Ou seja, a Alcoa conquistou sua posição porque soube manter seus custos de produção em níveis mais baixos do que os de seus potenciais concorrentes e, consequentemente, podia vender também a preços mais baixos que os de seus concorrentes, os quais, justamente por não serem capazes de produzir a custos igualmente baixos, não podiam vender a preços baixos, pois isso afetaria sua lucratividade.

Da mesma maneira, é perfeitamente possível existirem milhares de produtores protegidos por tarifas de importação, as quais garantem um monopólio do mercado doméstico para produtores domésticos.  Com efeito, um monopólio pode existir em circunstâncias nas quais vários milhares de pequenos e ineficientes produtores são protegidos da concorrência de um número muito pequeno de produtores que, em última análise, iria desalojá-los do mercado.  De fato, é possível proteger milhares de produtores ineficientes da concorrência de um só produtor que, por sua eficiência, seria capaz de substituir todos eles.

Tal seria o caso, por exemplo, se houvesse milhares de pequenos produtores de alumínio protegidos contra a concorrência da Alcoa.  Eles seriam os monopolistas, e não a Alcoa.  Monopólio não depende do número de produtores.  Monopólio deve ser entendido como um mercado, ou fatia de um mercado, que foi reservado para uso exclusivo de um ou mais produtores por meio da iniciação de força física do governo, ou com a sanção do governo.

Se o governo americano quisesse fatiar a Microsoft em duas empresas distintas — como quis fazer no ano 2000 —, uma restringida a lidar com sistemas operacionais, e a outra restrita a aplicativos, isso iria significar a monopolização de um destes dois ramos de produção de software contra Bill Gates, que estaria agora coercivamente excluído da produção de um deles.

Um rápido parênteses sobre a questão da alta quantia de capital necessária para um empreendimento: longe de representar algum tipo de obstáculo à concorrência, uma alta quantia de capital é justamente resultado da concorrência.  Ela é resultado do fato de que, para concorrer, você tem de pelo menos igualar os preços baixos dos concorrentes; e para ser capaz de operar lucrativamente a estes preços baixos, você tem de ter baixos custos de produção.  Um alto investimento em capital é normalmente um pré-requisito para se conseguir estes baixos custos de produção.

Da mesma forma, essa necessidade de uma alta quantia de capital pode ser eliminada — e é aí que entram as agências reguladoras e as legislações antitruste — se os preços dos produtos e serviços vendidos forem altos o bastante para cobrir os altos custos de produção resultantes de um baixo investimento.  Se, por exemplo, os automóveis voltassem a ser produzidos um de cada vez, manualmente, em estruturas parecidas com um celeiro, como era no início do século XX, poderíamos ter hoje milhares de pequenas fábricas automotivas, e qualquer indivíduo com alguns milhões de dólares seria capaz de entrar neste setor.

Isso deixaria os defensores das legislações antitruste plenamente felizes, pois em seu mundo de fantasias, tal arranjo representaria uma aproximação da teoria da concorrência pura e perfeita.  No mundo real, no entanto, isso representaria a ausência exatamente daquele tipo de concorrência que ajudou a aprimorar enormemente a indústria automotiva.

Quanto à concorrência, a defesa da existência de agências reguladoras e de legislações antitruste se baseia em um conceito de concorrência tão confuso, que na prática abandona toda e qualquer referência ao fenômeno da concorrência verdadeira.  Com efeito, tal conceito vê o fenômeno da concorrência verdadeira — o qual, obviamente, é uma espécie de rivalidade — como sendo contrário ao seu conceito de concorrência.

Sob o capitalismo, a busca por altos lucros leva a contínuas inovações na forma de produtos aprimorados e de mais eficientes métodos de produção.  Continuamente, a concorrência elimina estas altas taxas de lucro e faz com que todo o benefício das inovações seja repassado aos consumidores na forma de produtos progressivamente melhores a preços reais progressivamente menores.  Neste cenário, altas taxas de lucro só podem ser obtidas em decorrência da introdução de seguidas inovações, as quais permitem uma redução dos custos de produção.

Ao longo do século XX, este processo de inovação e competição fez com que os preços reais de bens e serviços fossem reduzidos muito provavelmente em bem mais de 90%.  Esta magnitude pode ser inferida do fato de que, em 1910, o trabalhador médio trabalhava aproximadamente sessenta horas por semana e obtinha o padrão de vida típico daquela época.  Hoje, o trabalhador médio trabalha aproximadamente quarenta horas por semana e obtém um padrão de vida pelo menos dez vezes maior.

Assim, por dois terços das horas de trabalho, o trabalhador médio obtém um número dez vezes maior de bens e serviços, o que implica uma queda nos preços reais para 6,67% do seu nível inicial — isto é, uma queda de 93,33%.  Ou, colocando de outra forma, um simples décimo daqueles dois terços — ou 6,66% — é hoje suficiente para comprar bens equivalentes ao padrão de vida médio de 1910.  Isso significa que, na média, graças ao capitalismo, houve, desde 1910, uma queda nos preços reais da ordem de 93,33%.

Esta incrível concorrência de preços do mundo real é ignorada pela teoria “microeconômica” contemporânea e pelos defensores de agências reguladoras e de legislações antitruste.  Seu conceito de concorrência de preços advém da equação ‘preço é igual a custo marginal’, algo que nenhuma empresa pratica.  E, justamente por isso, o mercado é denunciado por não estar permitindo uma concorrência de preços e, consequentemente, por não estar operando em seu “ótimo”.

A ideia de igualar preço a custo marginal não apenas é de uma ignorância ímpar, como também é absurda.  Pense nos assentos vazios que você frequentemente vê nos cinemas, em eventos esportivos, em aviões, ônibus e trens.  Pergunte a si próprio qual é o custo marginal de permitir ou aceitar mais um cliente em tais casos.  Obviamente, é zero ou próximo de zero.  O efeito de o preço ter de ser igual ao custo marginal nestes casos seria simplesmente o de impedir a existência da indústria em questão — a menos, é claro, que o governo a estatizasse ou que pelo menos a subsidiasse enquanto cobra um preço igual ao custo marginal.

Para quase todas as outras indústrias, como siderúrgicas ou automóveis, o custo marginal é constante para um alto volume de produção.  O efeito de ter de cobrar um preço igual ao custo marginal em tais circunstâncias seria o de impedir que os custos fixos fossem cobertos.  Como resultado, haveria apenas indústrias muito pequenas e com preços altos o bastante para cobrir todos os seus custos e, com isso, impedir que o capital investido nelas seja exaurido.

A situação resultante deste arranjo seria uma de seguidos e insolúveis gargalos no sistema econômico devido à ausência de capacidade fixa.  Isso dificilmente seria uma boa maneira de justificar que a teoria de que preços devem ser iguais ao custo marginal representa um padrão racional de atividade econômica.

Para os defensores de legislações antitruste e de agências reguladoras, o conceito de concorrência advém de um mundo de sonhos platônico, no qual a concorrência gera condições — principalmente a existência de um enorme número de vendedores individualmente insignificantes que ofertam bens homogêneos e idênticos — que fazem com que empreendedores em busca do lucro voluntariamente igualem seus preços ao custo marginal.

Tal igualdade, por sua vez, só pode ser vista como desejável sob uma perspectiva completamente coletivista que distorce a natureza da propriedade privada, dos preços e, é claro, da própria concorrência.  Eis aí as bases intelectuais do antitruste e das regulações de mercado — deploráveis ao ponto de serem hilárias.

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