Livre Mercado e o princípio antidiscriminação

3
Tempo estimado de leitura: 6 minutos

[Lee esto en Español]

Se entendermos os direitos humanos como direitos derivados do conceito de autopropriedade, fica claro que não existe um direito como o direito de não ser discriminado. Tenho o direito de falar, mas não tenho o direito de forçar os outros a me ouvirem ou a “amplificarem” a minha voz. Tenho a liberdade de fazer meus negócios lícitos, mas não tenho o direito de forçar os outros a me assistirem ou me reconhecerem, muito menos de exigir que alguém tome medidas para me fazer “sentir vista”. Tenho o direito de adotar a minha identidade pessoal ou cultural, mas não de forçar os outros a celebrar essa identidade.

O liberalismo clássico promove a liberdade contratual, a liberdade de associação e a liberdade de expressão, liberdades que, da mesma forma, denotam o direito dos outros de não celebrar contratos, de não se associar a outros e de não ouvir ninguém que exija sua atenção. Se as pessoas optarem por não se associar a nós, não temos o direito de forçá-las a fazê-lo. No exemplo de Murray Rothbard, “basta dizer aqui que qualquer argumento proclamando o direito e a bondade de, digamos, três vizinhos, que anseiam formar um quarteto de cordas, forçando um quarto vizinho na ponta da baioneta a aprender e tocar viola, dificilmente merece um comentário sóbrio”.

Os defensores do princípio antidiscriminação argumentariam que tais decretos dizem respeito apenas a atividades e serviços essenciais, como habitação, educação, saúde ou emprego. O raciocínio deles é que, se algo é essencial à vida, a pessoa necessitada tem o direito de forçar outras pessoas a fornecê-lo. Isso acaba deixando qualquer pessoa que ofereça bens e serviços à mercê daqueles que os consideram capazes de satisfazer suas necessidades. Por exemplo, um empregador fica assim à mercê de quem precisa de um emprego. Ele deve oferecer o emprego e não tem o direito de rejeitar ninguém que queira se eles tiverem um traço pessoal “protegido” – por exemplo, com base em sua raça ou sexo. Esses defensores da antidiscriminação argumentam que, se essa obrigação resultar na falência de qualquer empregador devido ao custo do pagamento de indenizações ou do custo de estar envolvido em litígios antidiscriminação, que assim seja. Os progressistas preferem ver um empregador falir do que permitir a liberdade de contratar e demitir à vontade. Poucas empresas sobreviveriam à enxurrada de ações judiciais antidiscriminação que custaram a Tesla milhões de dólares:

      “Em 2021, o júri concedeu a Diaz quase US$ 7 milhões em indenizações compensatórias por sofrimento emocional e US$ 130 milhões em danos punitivos, projetados para punir a conduta ilegal e dissuadi-la no futuro. A Tesla também enfrenta alegações de tolerar preconceito racial generalizado na fábrica de Fremont em uma ação coletiva no tribunal estadual da Califórnia e um processo separado do órgão de vigilância de direitos civis do estado fazendo alegações semelhantes.”

O mesmo raciocínio se aplica à habitação. Os locatários têm de fornecer habitação a quem dela necessita, e se isso resultar numa falta de habitação disponível, que assim seja. Os progressistas preferem colapsar o mercado imobiliário do que permitir que os proprietários tenham liberdade contratual. O slogan “Quem lacra, não lucra” não tem sentido para aqueles que preferem ir à falência do que viver em um mundo onde não têm poder para policiar práticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). Sua prioridade primordial é garantir que todos estejam praticando os valores do DEI. Por exemplo, a Harvard Business Review relata como incorporar o DEI nas práticas do local de trabalho: “As organizações devem conhecer, implantar e, em última análise, superar as políticas antidiscriminação estabelecidas por lei… Suas ações podem incluir coisas tão sutis quanto microvalidações, pequenos gestos que podem ajudar a neutralizar os sinais desagradáveis e desrespeitosos que as microagressões enviam.”

Distinguindo direitos de “valores compartilhados”

O chamado direito de não ser discriminado foi inventado por progressistas que consideram insatisfatórios os resultados da liberdade individual. A liberdade individual é insuficiente para promover os valores DEI. Eles também estão preocupados com o fato de que, sem leis que proíbam a discriminação, qualquer pessoa possa optar por não interagir com outras pessoas com base em sua raça ou sexo. Acima de tudo, esses progressistas estão preocupados que as pessoas fiquem impunes se tiverem comportamentos discriminatórios. Sentem-se no direito de aplicar o que descrevem como “consequências” para quem não quer associar-se aos outros. Eles não podem tolerar a ideia de que alguém, em algum lugar, está discriminando os outros ou deixando de garantir que os outros se sintam vistos e ouvidos. Isso é inaceitável em sua visão de utopia. Sua convicção é que as pessoas devem ser forçadas a se comportar de maneiras que os progressistas consideram salutares e alinhadas com o que eufemisticamente chamam de “nossos valores compartilhados” e “boa democracia”.

O direito de celebrar contratos ou de comprar e vender propriedade não implica o direito de forçar outros a nos contratar ou transferir propriedade para nós, muito menos nos fazer sentir valorizados e incluídos. Parte da confusão conceitual aqui decorre da presunção de que “direitos” refletem valores democráticos e quaisquer direitos acordados por maioria de votos. Os progressistas supõem que qualquer reivindicação acordada por uma maioria equivale a um direito, do qual decorre que a força legal é necessária para proteger e fazer valer esse direito.

Na verdade, valores democráticos não são a mesma coisa que direitos. Os direitos à vida, à liberdade e à propriedade baseiam-se na autopropriedade e pertencem igualmente a cada ser humano. A vida, a liberdade e a propriedade são direitos individuais, não apenas “valores compartilhados”. Esses direitos são frequentemente descritos como inalienáveis, o que significa que ninguém tem poder ou autoridade para aboli-los. Mesmo que uma maioria concordasse por processo democrático em privar os outros desses direitos básicos, esse acordo não aboliria esses direitos, mas constituiria simplesmente uma tirania.

Medo dos mercados

Outra preocupação que dá origem às leis antidiscriminação é que, sem essas leis, as pessoas ficarão à mercê de mercados cruéis. Essa é uma preocupação para aqueles que consideram o capitalismo e o livre mercado como tirânicos, embora não pareçam ter certeza do que esses termos significam e apenas os usam para denotar os riscos, as incertezas e a imprevisibilidade geral da vida. As ideologias socialistas, ao contrário, parecem oferecer uma fonte de conforto e uma rede de segurança contra as incertezas da vida. O socialismo apela àqueles que buscam segurança acima de tudo, pois o Estado promete protegê-los dos perigos da vida. Sua busca por segurança se sobrepõe a qualquer interesse em produtividade ou prosperidade.

Como eles não têm interesse na troca pacífica em mercados livres, sua única opção restante é lutar pelos recursos existentes, constantemente preocupados com a redistribuição de riqueza e como conjurar novas reivindicações para persuadir o governo a implementar transferências de riqueza de um grupo para outro. Eles não estão interessados em abrir novos caminhos, mas apenas em persuadir o Estado a aproveitar o terreno já aberto por outros. Segundo Rothbard, eles preferem caminhos políticos à prosperidade:

    “A outra forma é mais simples, pois não exige produtividade, é a forma de apreensão de bens ou serviços alheios pelo uso da força e da violência. Este é o método do confisco unilateral, do roubo da propriedade alheia. Este é o método que Oppenheimer chamou de “os meios políticos” para obter riqueza.”

O capitalismo, que pode ser definido nas palavras de Elaine Sternberg como “um sistema econômico caracterizado por propriedade privada abrangente, preços de livre mercado e ausência de coerção”, provou ao longo do tempo ser o único caminho para a prosperidade. O livre mercado, o livre intercâmbio e a liberdade humana são o único caminho confiável para a paz e a prosperidade. Como explica Rothbard:

      “O caminho social ditado pelas exigências da natureza do homem, portanto, é o caminho dos “direitos de propriedade” e do “livre mercado” de doação ou troca de tais direitos. Por esse caminho, os homens aprenderam a evitar os métodos da “selva” de lutar por recursos escassos para que A só possa adquiri-los às custas de B e, em vez disso, multiplicar enormemente esses recursos em produção e troca pacíficas e harmoniosas.”

O livre mercado nada mais é do que pessoas livres interagindo em trocas voluntárias baseadas na propriedade privada. Ludwig von Mises disse: “O processo de mercado é um plebiscito repetido diariamente, e expulsa inevitavelmente das fileiras de pessoas lucrativas aquelas que não empregam sua propriedade de acordo com as ordens dadas pelo público”.

Ter medo do livre mercado é ter medo da interação humana e, portanto, medo da própria vida. Esse é o medo que anima a lei antidiscriminação: o medo de que não basta ter o direito de celebrar e fazer cumprir contratos, pois há o risco de que haja pessoas que não queiram fazer contratos com outras pessoas com base em sua raça ou sexo.

O erro nessa forma de pensar é que ela busca garantias na interação humana e aproveita o poder do Estado para fazer valer tais garantias. As pessoas são levadas pelo medo a declarar “Eu quero entrar em um contrato com você, portanto, você DEVE fechar um contrato comigo, ou então”.

A liberdade individual é essencial para a prosperidade, e a liberdade implica o direito dos outros de fazerem suas próprias escolhas, que podem não coincidir com nossas próprias preferências e desejos. Como disse Walter Williams coloca, “Toda seleção requer necessariamente e simultaneamente a não seleção. A escolha exige discriminação.”

 

 

 

Artigo original aqui

3 COMENTÁRIOS

  1. No Brasil a coisa é mais grave porque o lado “conservador” ou “direita”, que supostamente deveria se opor a esse comportamento, também é um admirador escancarado do controle social.

    A frase “as pessoas devem ser forçadas a se comportar de maneiras que os eles consideram salutares” se encaixa como uma luva nos “cidadãos de bem”. Muitos deles proclamam abertamente sua saudade da censura praticada nos tempos da ditadura dos militares e mostram verdadeiro horror diante da possibilidade de que pessoas adultas sejam livres para pensar de modo diferente daquele que eles consideram “correto”. Liberdade de expressão para eles é caso de polícia.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui