O celular de um milhão de pesos

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Com a insanidade sendo a regra e a virtude uma exceção, há certas coisas com as quais já deixamos de nos chocar.

Você abre o jornal e está lá: terrorismo no Oriente Médio; guerra no leste europeu; inflação na América Latina… nada disso parece capaz de nos tirar o sono.

E por quê deveria ser diferente?

Bem, não que fosse salutar adotar uma postura alarmista ante qualquer infortúnio que se abata sob algum indivíduo aleatório residindo a muitas milhas de distância… afinal, temos os nossos próprios problemas com que nos preocupar, não é mesmo?

Mas verdade seja dita, talvez fosse mais prudente observar os sintomas do que se passa no mundo, e não permitir que esse pseudo estoicismo com o qual nos acostumamos resultasse numa atitude completamente apática e indiferente.

Via de regra, para que nos tire do sério, a tragédia nas páginas dos jornais precisa desafiar nosso senso de realidade e de proporção. E por acaso, foi exatamente isso o que me ocorreu quando tomei conhecimento do famigerado iPhone ofertado por 1 milhão de pesos na Argentina.

Não que preços exorbitantes sejam uma novidade por aquelas bandas. Contudo, por já contar com uma certa idade, esse episódio me fez lembrar da histórica corrida aos bancos em 2001 na Argentina, episódio este ocasionado por uma política de intervencionismo cambial.

E é aí que vem o ponto chave: em 2001, época do mencionado Corralito, ainda vigorava a paridade entre peso e dólar. Assim, em teoria, ter cem pesos na carteira equivaleria a ter cem dólares, e vice-versa.

Por isso, ao me lembrar dessa época de vinte anos atrás, tive um choque de realidade ao imaginar um único celular sendo comercializado por um milhão de pesos. E se não bastasse isso, a situação de desabastecimento ainda implica que a quantidade de iPhones disponíveis ainda é ínfima no país.

Então vem o questionamento: Como chegamos nesse ponto?

Bem, a esquerda latino-americana parece não ter dúvidas sobre quem foi o causador de toda essa miséria. As redes sociais estão repletas de memes indicando uma lista de países em que o “neoliberalismo” falhou, e dentre eles encontra-se a Argentina de Mauricio Macri.

Mas deixando de lado as postagem de humor notoriamente duvidoso, os críticos do capitalismo fariam bem em lembrar que nosso país vizinho já recorreu ao FMI mais de vinte vezes desde 1956. Assim, se alguns acham que um mandato mequetrefe de um liberalismo questionável deve ser imputado como responsável pela crise atual, então, com muito mais rigor deveríamos julgar o peronismo, o qual tem sido a força política dominante durante o último século na Argentina.

Falando em peronismo, para se ter uma ideia da inabalável crença esquerdista no poder de seus líderes, durante o ano de 2008 foram apresentados ao Congresso da Argentina vários projetos para o redesenho dos pesos em circulação. Um deles, assinado entre outros por Roy Cortina (Partido Socialista) e Claudio Morgado (Frente para a Vitória), propôs a adição de Eva Perón ao anverso das cédulas e no verso uma imagem relacionada ao voto feminino.

A imagem de Eva Perón acabou abençoando as impressoras argentinas em 2012, nos turbulentos anos de mandato de Cristina Kirchner.

Note o roteiro: Uma unidade monetária perde sua paridade com o dólar em 2001, chegando a valer menos de 1% de seu valor original em 2022, e no meio desse caminho, tudo o que os socialistas fazem para salvar o sistema financeiro é imprimir mais dinheiro com o adicional de que dessa vez a inditosa cédula será abençoada por um idolatrado rosto da história peronista…

Bem, verdade seja dita, as evidências falam por si mesmas. Seja na Argentina peronista, seja na Venezuela chavista, a cada vez que o intervencionismo econômico promete o paraíso, o resultado inegável é a concretização do próprio inferno.

Vistos esses fatos, não é demais lembrar que a economia não é outra coisa, senão a ciência da ação humana, e como tal, é válida para todo e qualquer país. A América Latina não é uma exceção à regra, e seu momento presente deveria servir como advertência.

Por isso, urge constatar que as loucuras keynesianas já estão degringolando a economia global, e muito disso se deve as insanidades despóticas do “fique em casa”.

Se a isso somarmos as absurdidades das políticas ESG, além do recrudescimento do socialismo chinês, e a malfadada tentativa ocidental de isolar a Rússia do comércio internacional… bem, o resultado claro é que cada um de nós deveria já estar pensando na fuga para as colinas.

Por isso, diante do caos que se avizinha, dois desdobramentos parecem possíveis para o futuro próximo:

1- as pessoas perceberão que não podem se sujeitar aos desvarios do controle estatal da moeda, buscando assim ferramentas que garantam sua soberania financeira;

Ou…

2- como é de praxe, o cidadão comum ficará passivo, sendo levado como ovelha para o matadouro, e como cordeiro mudo diante do seu tosquiador, sem saber se seu sangue será derramado pelo leviatã ou por meros salteadores famélicos.

Independente de qual seja a sua aposta, o que parece certo é que o mundo tal qual o conhecemos está por um fio.

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