O mito do “poder econômico”

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Uma crítica muito comum à posição libertária é a seguinte: é claro que não gostamos da violência, e os libertários prestam um serviço útil ao enfatizar seus perigos. Mas você é muito simplista porque ignora as outras formas significativas de coerção exercidas na sociedade – o poder coercitivo privado, além da violência exercida pelo Estado ou pelo criminoso. O governo deve estar pronto para empregar sua coerção para controlar ou compensar essa coerção privada.

Em primeiro lugar, essa aparente falha da doutrina libertária pode ser rapidamente removida limitando o conceito de coerção ao uso da violência. Essa restrição teria ainda o mérito de confinar estritamente a violência legalizada da polícia e do judiciário à esfera de sua competência: o combate à violência. Mas podemos ir ainda mais longe, pois podemos mostrar as contradições inerentes ao conceito mais amplo de coerção.

Um tipo bem conhecido de “coerção privada” é o vago “poder econômico”, mas que soa ameaçador. Uma ilustração favorita do exercício de tal “poder” é o caso de um trabalhador despedido do emprego, especialmente por uma grande empresa. Isso não é “tão ruim quanto” a coerção violenta contra a propriedade do trabalhador? Não seria esta outra forma mais sutil de roubo do trabalhador, visto que ele está sendo privado do dinheiro que receberia se o empregador não tivesse exercido seu “poder econômico”?

Vamos examinar esta situação de perto. O que exatamente o empregador fez? Ele se recusou a continuar fazendo uma determinada troca, que o trabalhador preferia continuar fazendo. Especificamente, A, o empregador, recusa-se a vender uma certa quantia em dinheiro em troca da compra dos serviços de mão-de-obra de B. B gostaria de fazer uma determinada troca; A não gostaria. O mesmo princípio pode ser aplicado a todas as trocas em toda a extensão da economia. Um trabalhador troca trabalho por dinheiro com um empregador; um varejista troca ovos por dinheiro com um cliente; um paciente troca dinheiro com um médico por seus serviços; e assim por diante. Em um regime de liberdade, onde a violência não é permitida, todo homem tem o poder de fazer ou não trocas como e com quem entender. Então, quando as trocas são feitas, ambas as partes se beneficiam. Vimos que, se uma troca for coagida, pelo menos uma das partes perde. É duvidoso que até mesmo um ladrão ganhe a longo prazo, pois uma sociedade em que a violência e a tirania são praticadas em grande escala diminuirá tanto a produtividade e ficará tão infectada com medo e ódio que até mesmo os ladrões podem ficar infelizes ao se comparar seu destino com o que poderia ser se eles se engajassem na produção e troca no mercado livre.

“Poder econômico”, então, é simplesmente o direito sob liberdade de se recusar a fazer uma troca. Todo homem tem esse poder. Todo homem tem o mesmo direito de se recusar a fazer uma troca que lhe é oferecida.

Agora, deve ficar evidente que o estatista do “meio-termo”, que admite o mal da violência, mas acrescenta que a violência do governo às vezes é necessária para neutralizar a “coerção privada do poder econômico”, está preso em um contradição inescapável. A se recusa a fazer uma troca com B. O que devemos dizer, ou o que o governo deve fazer, se B empunhar uma arma e ordenar que A faça a troca? Esta é a questão crucial. Existem apenas duas posições que podemos assumir sobre o assunto: ou que B está cometendo violência e deve ser impedido imediatamente, ou que B está perfeitamente justificado em dar este passo porque ele está simplesmente “neutralizando a sutil coerção” do poder econômico exercido por A. A agência de defesa deve correr em defesa de A ou se recusar deliberadamente a fazê-lo, talvez auxiliando B (ou fazendo o trabalho de B para ele). Não há meio termo!

B está cometendo violência; Não há dúvida sobre isso. Nos termos de ambas as doutrinas, essa violência é invasiva e, portanto, injusta, ou defensiva e, portanto, justa. Se adotarmos o argumento do “poder econômico”, devemos escolher a última posição; se o rejeitarmos, devemos adotar a primeira. Se escolhermos o conceito de “poder econômico”, devemos usar a violência para combater qualquer recusa de troca; se o rejeitarmos, usaremos a violência para evitar qualquer imposição violenta de troca. Não há como escapar dessa escolha de um ou outro. O estatista do “meio-termo” não pode logicamente dizer que existem “muitas formas” de coerção injustificada. Ele deve escolher um ou outro e tomar sua posição de acordo. Ou ele deve dizer que existe apenas uma forma de coerção ilegal – violência física evidente – ou ele deve dizer que existe apenas uma forma de coerção ilegal – recusa de troca.

Já descrevemos totalmente o tipo de sociedade construída sobre bases libertárias – uma sociedade marcada pela paz, harmonia, liberdade, utilidade máxima para todos e melhoria progressiva dos padrões de vida. Qual seria a consequência de se adotar a premissa de “poder econômico”? Seria uma sociedade de escravidão: pois o que mais seria proibir a recusa de trabalhar? Também seria uma sociedade onde os evidentes iniciadores de violência seriam tratados com gentileza, enquanto suas vítimas seriam repreendidas como sendo “realmente” responsáveis ​​por sua própria situação. Tal sociedade seria verdadeiramente uma guerra de todos contra todos, um mundo no qual a conquista e a exploração iriam correr soltas.

Analisemos mais a fundo o contraste entre o poder da violência e o “poder econômico”, entre, enfim, a vítima de um bandido e o homem que perde o emprego na Ford Motor Company. Vamos simbolizar, em cada caso, o suposto detentor do poder como P e a suposta vítima como X. No caso do bandido ou ladrão, P saqueia X. P vive, em suma, atacando X e todos os outros X. Este é o significado de poder em seu sentido político original. Mas e o “poder econômico”? Aqui, em contraste, X, o aspirante a funcionário, está f uma fazendo um reivindicação estridente da propriedade de P! Nesse caso, X está saqueando P em vez do contrário. Aqueles que lamentam a situação do operário automobilístico que não consegue obter um emprego na Ford não parecem perceber que antes da Ford e sem a Ford não haveria tal emprego a ser obtido. Ninguém, portanto, pode tem qualquer tipo de “direito natural” a um emprego na Ford, ao passo que é válido afirmar um direito natural à liberdade, um direito que cada pessoa pode ter sem depender da existência de outros (como a Ford). Em suma, a doutrina libertária, que proclama um direito natural de defesa contra o poder político, é coerente e válida, mas qualquer direito proclamado de defesa contra o “poder econômico” não faz nenhum sentido. Aqui, de fato, existem enormes diferenças entre os dois conceitos de “poder”.[1]

 

Artigo original aqui.

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[1] Sobre os problemas espúrios de “poder de barganha”, consulte Scoville e Sargent, Fact and Fancy in the T.N.E.C. Monographs, pp. 312–13; e W.H. Hutt, Theory of Collective Bargaining (Glencoe, Ill .: Free Press, 1954), Parte I.

 

5 COMENTÁRIOS

  1. Impressionante como a visão do que é agressão difere entre rothbard e hayek… A postura de rothbard é clara e precisa e não gera dúvidas nem para uma criança… A postura de hayek é confusa, mistura a noção de poder econômico e valida em varios casos o uso da força pelo estado! Não a toa essa pandêmia foi um show de liberals e hayekianos defendendo lockdown e vacinação… O rothbardiano verdadeiro, não precisa estudar muito nem pensar muito… vacinação obrigatória, lockdown é agressão independente da gravidade da pandemia! O PNA é sobre propriedade do seu corpo e qq forma de vacinação obrigatória é uma agressão… muito diferente dos liberais que afirmam que não se vacinar ou andar sem mascára é romper o PNA…

    • Excelente comentário. Liberal é que nem parafuso ruim, só dar um apertadinha a mais que ele espana…

    • Eu já vi liberal randiano propondo campos de segregação para infectados… por ser uma ameaça ao PNA, que nem você colocou…

  2. Excelente artigo. Isso que Rothbard ataca no artigo é o que o direito trabalhista brasileiro conhece como “hipossuficiência do trabalhador”, ou então no direito do consumidor por “hipossuficiência do consumidor”. Podem trabalhar esses termos no SEO de vocês indicando para esse artigo, quem sabe não salva uma alma da alienação do que o estado chamada de “estudo do direito” que deveria ser chamado de “estudo das regras arbitrárias da gangue oficial”

  3. O Rothbard tem um argumento parecido com “não existe meio termo” para defender os comunistas. Ele diz que se os comunistas acham que o capital é explorador, tem mais é que fazer alguma coisa sobre essa injustiça. Ele comenta apenas a consequência lógica do pensamento, mas é óbvio que ele diz que estão errados: o capital não explora ninguém em um mercado livre…

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