O problema com o transporte público

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Um amigo meu trabalha para o setor público, especificamente no trânsito. Quando pedi que ele me dissesse qual o valor que ele via no “transporte público” para a sociedade, ele respondeu:

     Você deve ser alguém da idade da pedra! O transporte público cumpre uma função importante. Fornece transporte para pessoas que não podem pagar por soluções privadas e também resolve o problema de congestionamento e poluição em cidades lotadas. E pode fazer algumas destas coisas melhor do que a iniciativa privada, especialmente no que diz respeito às pessoas pobres que estão longe de seus empregos.

Mas como funciona exatamente o setor privado? Muitas pessoas pensam no lucro como um palavrão, algo explorador. Elas atribuem julgamentos morais às empresas que visam o lucro. No entanto, o conceito de lucro, especialmente quando combinado com o seu corolário (prejuízo), tem um valor social.

Como disse Ludwig von Mises: “No sistema capitalista de organização econômica da sociedade, os empresários determinam o curso da produção. No desempenho desta função, estão sujeitos incondicional e totalmente à soberania do público comprador, os consumidores.”

Além do mais, o mercado livre é a forma mais pura de democracia:

         Os consumidores, pelas suas compras e abstenção de comprar, elegem os empresários num plebiscito repetido diariamente, por assim dizer. Eles determinam quem deve possuir e quem não deve possuir, e quanto cada proprietário deve possuir. . . . A escolha não é inalterável e pode ser corrigida diariamente. . . . Cada votação dos consumidores acrescenta apenas um pouco à esfera de ação do eleito. Para alcançar os níveis superiores de empreendedorismo, ele precisa de um grande número de votos, repetidos continuamente durante um longo período de tempo, uma série prolongada de golpes bem-sucedidos. Ele deve enfrentar um novo julgamento a cada dia, deve submeter-se novamente à reeleição, por assim dizer.

Na economia moderna, o cálculo monetário permite aos participantes saber se estão produzindo valor e qual poderá ser o valor do seu “capital”, porque lhes permite calcular lucros e prejuízos. Assim, no setor privado, as decisões que afetam os recursos limitados (escassos) da economia, como os utilizados para o transporte público, são tomadas através da aplicação deste teste de lucros e prejuízos aos planos de negócios. Isto garante que os consumidores obtenham de fato aquilo de que necessitam com mais urgência, o que Mises chama de principal problema econômico.

Também garante que o capital esteja nas melhores mãos – aqueles que sabem como fornecer estes bens mais urgentemente necessários com o maior lucro. Assim, os empreendedores de sucesso tornam-se cada vez mais os administradores desse capital, para que este seja alocado aos seus fins mais valorizados.

É importante ressaltar que o capital deve ser valorizado pelo consumidor: “Os lucros e as prejuízos são gerados pelo sucesso ou fracasso no ajuste do curso das atividades de produção à demanda mais urgente dos consumidores”.

Os departamentos públicos, ignorando o teste de lucros e prejuízos, podem não satisfazer eficazmente as necessidades dos consumidores. Isto pode levar à má alocação de recursos e ao desperdício de capital.

Mas que estrutura de incentivos, pergunta Mises, existe no sector público que visa o problema econômico primário? “Nenhum bem deve permanecer não produzido pelo fato de os fatores necessários à sua produção terem sido utilizados – desperdiçados – para a produção de outro bem para o qual a procura do público é menos intensa.”

Veja, o problema não é apenas se o governo está fornecendo coisas que as pessoas precisam, mas se está fornecendo essas coisas sem sacrificar algo que as pessoas precisam mais.

Essencialmente, porque o governo ignora lucros e prejuízos, “eles estão, dentro dos limites definidos pela quantidade de capital à sua disposição, em posição de desafiar os desejos do público”.

Um sistema de preços no setor privado permite o cálculo do valor de um serviço em comparação com outros bens sociais. Mas, ao contornar este sistema, os serviços públicos eliminam uma ferramenta crítica que ajuda a priorizar os recursos escassos e a compreender as necessidades dos consumidores na sociedade.

Além disso, a empresa privada é responsável perante os seus consumidores e acionistas.

Os serviços fornecidos pelo governo, como monopólios, conduzem frequentemente à estagnação e à diminuição da produtividade devido à falta de concorrência. Os monopólios estatais também correm o risco de uma distorção dos benefícios devido ao incentivo ao comportamento rent-seeking e a outros possíveis abusos devido à desconexão na responsabilização perante consumidores e investidores. E um monopólio do setor público, uma vez que ignora lucros e prejuízos e não pode, portanto, calcular se os recursos que cooptou estão sendo utilizados para os fins mais valorizados, verá sempre a necessidade de mais despesas, especialmente quando fornece serviços grátis ou com desconto.

Como resultado, a procura de transportes públicos é subsidiada e incentivada, mas o fornecedor não tem como saber se os recursos que está desviando de outras áreas de produção potencial não serviriam melhor os consumidores naquela área do que nesta.

Os serviços públicos parecem frequentemente carecer de recursos devido à procura artificialmente elevada.

Além disso, é essencial desafiar a suposição de que a escassez de estradas é um problema que ocorre naturalmente e não uma consequência da interferência governamental. A forma como as cidades estão organizadas e, portanto, a configuração dos seus sistemas de trânsito, também pode ser atribuída à intervenção governamental.O livro A privatização de rua e estradas, de Walter Block explora muitas maneiras pelas quais o setor público torna as ruas e estradas piores do que seriam em mãos privadas. A “tragédia dos comuns” é um problema em todos os “bens” públicos.

A ausência de um sistema de preços “funcional” não permite que as pessoas racionem o bem ou serviço entre si. É importante perceber que cada intervenção transfere o poder econômico das mãos dos consumidores para as mãos dos produtores, quer seja a entidade governamental ou um oligarca protegido. Como disse Mises: “O resultado de [qualquer intervenção] é afrouxar o controle que os consumidores exercem sobre o curso da produção”. Assim, se você dirige uma empresa do setor público, você está ignorando o valor que os consumidores atribuem a ela.

A noção de que o transporte público oferece algo que o sistema de mercado não pode ou não conseguiu oferecer é sempre duvidosa, pois há muitos exemplos empíricos em que os sistemas de mercado ofereceram melhores soluções em tempo real, mesmo nesta indústria.

Num mercado livre, os consumidores têm uma vasta gama de escolhas, cada uma adaptada às suas necessidades únicas. Compare isto com um sistema controlado pelo estado, onde as opções padrão são a norma e a falta de escolhas pode ser frustrante e ineficaz para os consumidores.

Assim, embora o transporte público pareça uma boa ideia, ele atropela as necessidades mais urgentes dos consumidores, reduz as escolhas dos consumidores e introduz as armadilhas dos monopólios – entregar menos por mais, clientelismo e desperdício. É função do empresário num sistema de mercado “tomar decisões” (“agir”) relativamente ao emprego do escasso capital disponível para a sua utilização mais lucrativa. A evolução dos preços e a livre troca permitem um cálculo de custos e lucros para este fim específico. Quanto mais intensa for a demanda do consumidor, mais lucrativa será a produção do bem.

Tais incentivos levam os empresários a alinhar a produção com as exigências mais urgentes dos consumidores (as suas preferências). O surgimento do lucro sinaliza um desajuste nesse alinhamento. Ele surge porque a mudança é uma constante na vida, que traz infinitas oportunidades para os empreendedores que observam os problemas que precisam ser resolvidos. E “os lucros elevados são a prova de que desempenharam bem a sua tarefa de eliminar os desajustes da produção”.

Os lucros encorajam mais produção da coisa até que se chegue a um ponto em que os custos de oportunidade do capital eliminem a oportunidade de lucro e comecem a indicar outros fins de maior valor para as unidades adicionais desse bem de capital. Mas nenhum destes cálculos é possível sem a fixação de preços de mercado dos bens de capital e de consumo.

Ninguém estaria em condições de calcular os retornos de capital utilizados para avaliar o uso que gera maior lucro, uma vez que é isso que os consumidores devem exigir com maior urgência.

O transporte público atinge seu objetivo de fornecer soluções de transporte para os necessitados?

Bem, claro. Mas a que custo não podemos saber. Só podemos saber que cria e subsidia as demandas sobre a infra-estrutura existente e a disponibilidade de capital.

Não podemos saber se os burocratas estão prestando o serviço economicamente, se o melhor burocrata está encarregado da operação, ou se o capital está sendo utilizado à serviço do problema econômico primário.

Mas se estes argumentos são tão claros, porque é que temos bens públicos e o setor público os fornece? Há boas probabilidades de que o capital esteja sendo desperdiçado em bens que os burocratas valorizam mais do que o consumidor no esquema das coisas.

Serão os burocratas bem-intencionados como o meu amigo ou revelam-se irresponsáveis ​​e poderosos, em posição de distribuir favores aos seus comparsas fornecedores? Sem dúvida é também uma forma de ganhar dinheiro e impostos para todos os que se aproveitam do sistema. Na economia, muitas vezes é o que não se vê que não é compreendido. No caso do capital desperdiçado, o que não se vê é o que poderia ter sido feito se esse capital tivesse sido desviado para onde os consumidores precisavam mais urgentemente que ele fosse.

 

 

 

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