É correto um libertário votar em Milei?

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Me fizeram uma pergunta sobre votar em Javier Milei, o soi-disant anarcocapitalista ou libertário que concorre à presidência da Argentina. Posso dizer com certeza que dos poucos vídeos e declarações que vi do cara, ele parece incrível, comparado a qualquer político de quem já ouvi falar, considerando que ele parece estar familiarizado com a economia austríaca e o anarco-libertarianismo rothbardiano, e ainda por cima é um estudioso.[1] Duvido que ele consiga aprovar grande parte do seu programa radical se for eleito, mas mesmo que conseguisse dolarizar a economia e parar a hiperinflação, isso seria uma enorme vantagem.[2]

De qualquer forma, não sei bem por que alguém solicitaria a minha opinião sobre a moralidade ou a praticidade do voto, muito menos na Argentina, muito menos para um determinado candidato. Não sou argentino, não conheço os questionadores e, mais precisamente, não sou um especialista em moral/ética. Mas ei, eles perguntaram.

Reformularei a pergunta (para anonimizar, simplificar e esclarecer) e depois seguirei com uma versão editada da minha resposta.

Pergunta:

Javier Milei é um candidato libertário à presidência da Argentina, que se declara anarcocapitalista e chama abertamente impostos de roubo e o estado de máfia organizada. Alguns libertários aqui são mais puristas, que questionam se existe alguma boa razão para votar, em qualquer político, ou mesmo se votar é eticamente legítimo. Alguns acusam aqueles de nós que planejam votar nele de estatista; outros acham que vale a pena votar nele, pois poderia aproximar a Argentina do anarcocapitalismo e ajudar a reduzir e talvez reverter o crescimento do estado. A sua candidatura e, mais ainda, uma vitória, também poderiam ajudar a colocar ideias libertárias em discussão, para ajudar a desafiar o status quo anteriormente dominante entre esquerda e direita. Os críticos pensam que o voto em si legitima o sistema estatista e a democracia e, portanto, nenhum libertário deveria votar. Há um intenso debate sobre isso entre os libertários latino-americanos. Qual é a sua opinião?

Kinsella:

Não sei se existe uma resposta objetiva e clara à moralidade ou conveniência do voto, para um libertário, seja a partir de princípios morais ou especialmente a partir de princípios libertários, ou mesmo de uma perspectiva tática. Eu certamente não acredito pessoalmente que o voto seja proibido per se só pelos princípios libertários. Isto é, votar não é necessariamente antilibertário, e isso ocorre por duas razões. Primeiro, votar não é necessariamente um ato de agressão. (Pode-se facilmente imaginar situações em que isso seja defensivo ou uma tentativa legítima de alcançar um resultado melhor, embora o segundo melhor.)

Em segundo lugar, poder-se-ia argumentar que é imoral (errado) votar – ou mesmo que é imoral ou errado cometer agressão; mas, tecnicamente falando, a moralidade das ações de alguém não está dentro da esfera do libertarianismo. As normas libertárias são metanormas que nos dizem quais leis são justificadas; não são morais normais que orientam diretamente a ação humana no dia a dia.[3]

Deixe-me tentar elaborar. O libertarianismo não nos diz diretamente como agir moralmente, apenas nos informa quais leis são justas.[4] Eu também não acredito pessoalmente (e digo isto como um ser humano normal, não como um libertário) que seja necessariamente imoral votar. Eu realmente acho que votar é geralmente fútil e inútil, mas não vejo nada de errado com isso, per se, pelo menos se votarmos no candidato ou resultado obviamente mais libertário. Votar no socialismo, pelo contrário, poderia ser considerado um tipo de agressão.[5]

Assim, embora respeite os argumentos em contrário, discordaria da minha amiga Wendy McElroy no seu clássico artigo “Por que eu não votaria nem mesmo contra Hitler”.[6]

Se eu estivesse na Argentina votaria no Milei! Mas, novamente, digo isso como um ser humano, seguindo intuições e valores morais normais, não como um libertário, já que não acho que o libertarianismo seja um guia para o comportamento moral em si, é um guia sobre quais leis podemos apoiar.. E, como observado acima, não creio que votar seja necessariamente um ato de agressão ou de legitimação do estado, embora em alguns casos (votar num tirano ou socialista) possa ser.

 

 

Artigo original aqui

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Notas

[1] Veja seu capítulo “Capitalism, Socialism, and the Neoclassical Trap”, em David Howden &, eds., The Emergence of a Tradition: Essays in Honor of Jesús Huerta de Soto, Vol. II (Palgrave Macmillan, 2023), que infelizmente tem um preço proibitivo para editora acadêmica, mas ouvi rumores de que cópias gratuitas podem ser encontradas online.

[2] Para mais sobre Milei veja Fernando Chiocca, “ O grande triunfo da esquerda: uma direita socialista,” Instituto Rothbard (1 de julho de 2023); e Javier Milei, “El retiro de Bernanke y el futuro de los emergentes” (Sábado 3 de agosto, 2013).

[3] Veja, sobre isso, Kinsella, “Dialogical Arguments for Libertarian Rights,” in Legal Foundations of a Free Society (Houston, Texas: Papinian Press, 2023)

[4] Novamente, veja, sobre isso, Kinsella, “Dialogical Arguments for Libertarian Rights,” p. 126 n.2.

[5] Veja minha análise de causalidade e responsabilidade em “Causalidade e Agressão”, em LFFS.

[6] Wendy McElroy, “Por que eu não votaria nem mesmo contra Hitler”, Liberty 9, não. 5 (maio de 1996): 46–47. Para outros argumentos libertários contra o voto, veja aqueles coletados em “I Don’t Vote”, Openly Voluntary. Outros, como Walter Block, discordam. Ver, por exemplo, Walter E. Block,” Voting: Rejoinder to Casey, McElroy, Ward, Pugsley, Konkin and Barnett, Political Dialogues: Journal of Political Theory (2018): 23–38, e idem,If You Have To Vote for a President,”, LewRockwell.com (28 de junho de 2004).

4 COMENTÁRIOS

  1. Políticos são como “ônibus”: se eles estão indo na mesma direção que você, você embarca. Se eles mudam de direção, você simplesmente cai fora. Agora, não deixa de ser irônico que alguns “ancaps bolsonaristas” por aí tenham dezenas de restrições ao voto em Milei, mas tenham feito campanha para o ultraestatista, centralista e funcionário público de carreira, Jair Messias.

  2. Votar é uma ação. Vc não julga a eticidade de uma ação com base em sua consequência. A não ser que seja uma mera análise consequencialista, mas aí, não estaríamos falando de ética. Ao menos não se uma ética a priori.

      • “Se dá quando pessoas com ideias próximas às nossas, como políticos e bilionários, tentam nos convencer a relativizar princípios para apoiar suas incursões contra a ordem natural.”

        Ótima avaliação. Já discuti isso com alguns libertarios desiludidos com tudo isso, e eles sempre se mostram desapontados com o movimento como um todo exatamente por causa da falta de consistência demostrada pelos supostos “líderes e influenciadores”, como Hélio Beltrão, Paulo Kogos e demais individuos pouco preocupados com à verdade e a razão de fato; o movimento libertario americano, por exemplo, já está aí há muitas décadas e fez pouca, se nenhuma diferença no cenário político americano, pois, ao se tornar partido político, à crença idionda de que mudanças possam surgir por meio da própria política lhes ilude. Ron Paul possuí alguns méritos, mas ele também está longe de fazer qualquer diferença significativa, e é só mais um político que também faz parte do sistema.

        Rothbard certamente cometeu um erro em aceitar tudo isso. Os libertarios não são revolucionários violentos, mas também estão longe de partilharem de qualquer essência política em seus ideais, e não há como pôr relatividade no meio de tudo isso: pois à crença geral de todos os indivíduos que se consideram libertarios é que o Estado é de alguma forma inerentemente maléfica e deve ser limitado ou aniquilado, e enquanto à primeira situação é ilusória, à segunda não é, pois é possível criar uma sociedade sem interferência do Estado, só é necessário união e iniciativas criativas pela liberdade, algo que vêm surgindo pelo Brasil e mundo à fora. Já os libertarios políticos se encontram em estagnação completa.

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