¡Pobres hermanos!: Por que a Argentina está em crise?

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Elucidações teóricas precedentes: capital e extorsão (taxação)

Diz-se que uma pessoa é rica quando à mesma é acessível uma grande variedade de bens úteis.

Quando se fala de “felicidade espiritual”, fale-se essencialmente de uma felicidade psíquica que tende a ser inacessível às habilidades sensitivas do homem. Uma pessoa, portanto, mesmo sendo economicamente muito pobre, pode ser feliz espiritualmente, mas não materialmente. Assim, emprego aqui o termo “felicidade” num sentido puramente econômico, sempre dependente da magnitude da disponibilidade de bens cujo uso tende a suplantar as necessidades humanas intersubjetivamente consideradas mais urgentes.

O homem é, então, mais feliz materialmente à medida que ao mesmo é acessível uma vasta quantidade de objetos pelo uso dos quais pode suprir as suas necessidades.

Será pobre, por isso, aquele que miseravelmente não puder suprir a fatia grossa das suas necessidades em função de faltar-lhe os bens necessários à supressão da mesma.

É absolutamente inegável, à vista disso, que a felicidade de dado indivíduo está diretamente relacionada com a produtividade econômica da sociedade em que vive. Se dada sociedade, assim, dispõe de auxiliadores capitalísticos tecnologicamente avançados (produtivos), pelo emprego dos quais pode-se confeccionar com pouco tempo e força de trabalho uma considerável quantidade de bens utilitariamente aprazíveis, diz-se que a mesma é rica. Por quê?

Ora, o homem é feliz materialmente ao passo que consegue alcançar as suas finalidades. Entretanto, a consecução de toda e qualquer finalidade exige meios temporais e materiais. Por exemplo, a consecução das finalidades relativas à nutrição corporal exige meios temporais (o tempo ao largo do qual o homem ingere e digere os alimentos) e meios materiais (os alimentos). Vivemos num mundo sobre o qual impera a escassez de meios materiais, isto é, não há bananas suficientes para todos, não há casas suficientes para todos, não há bicicletas suficientes para todos, etc., etc. Da mesma forma, o homem é como qualquer outro animal no que toca a natureza do ciclo biológico, isto é, tem um tempo de vida limitado.

As finalidades efetivamente alcançáveis humanas são, desse modo, limitadas pela quantidade de meios materiais e temporais disponíveis. O homem, sob condições de escassez praticamente universal, por querer quase sempre suplantar um número de finalidades que excede muito desproporcionalmente a disponibilidade presente de meios materiais e temporais, vê-se obrigado a eleger subjetivamente as suas finalidades mais improrrogáveis, escalando-as numa dimensão sempre simétrica à quantidade limitada de meios da qual dispõe.

Por exemplo, Robinson Crusoé, mesmo que queira entreter-se em montanhas russas, não poderá fazê-lo, já que não possui os meios necessários à construção de uma, tampouco os necessários à manutenção de um padrão vida minimamente satisfatório ao atendimento das exigências fisiológicas humanas mais básicas. Crusoé, então, vê-se compelido a ordenar a sua escala de finalidades colocando-a em dimensões diretamente proporcionais às dimensões da quantidade de meios materiais e temporais efetivamente empregáveis da qual dispõe. Não pode, por exemplo, construir uma habitação se não possui a força de trabalho necessária e não pode apossar-se de tal força de trabalho se se sente constantemente desnutrido ou desidratado.

Perceba que Crusoé poderia desejar o alcance de inumeráveis finalidades: dançar com sua esposa, tomar uma limonada gelada, descansar com tranquilidade em sua cama, etc., etc., mas a quantidade de meios materiais e temporais presentemente disponível a ele limita o número das suas finalidades efetivamente alcançáveis, obrigando-o, assim, a eleger as suas finalidades mais improrrogáveis pondo-as num número compatível com o que pode ser efetivamente alcançado.

O homem, por essa razão, no prefácio da civilização, saciava apenas infinitesimalmente as suas finalidades relativas à nutrição, hidratação, habitação, etc., porque lhe faltavam os meios necessários para satisfazer-se mais que suficientemente.

Eis, no entanto, senhores, que o homem descobre o artifício do capital!

O homem sempre desejará ser o mais economicamente feliz possível, isto é, sempre quererá alcançar o maior número de finalidades possível e, implicativamente, sempre quererá aumentar ao máximo possível a quantidade de meios disponíveis. Em virtude disso, sempre irá preferir mais bens a menos bens.

O mantimento da vida, enquanto tal, é o seu meio mais fundamental concebível, precisamente porque o homem não pode, por exemplo, dançar estando morto, ou saborear o melhor vinho estando morto, etc., etc. O mantimento da vida, porém, por não advier do ar, mas de atos humanos previamente planejados, exige um consumo contínuo e diário de bens (alimentos, abrigos, água bebível, etc.), o que obriga o homem a não poder cessar totalmente o seu consumo presente.

Em razão de o alcance das suas finalidades futuramente imperantes ser conjecturável apenas pelo alcance das suas finalidades presentemente imperantes, o homem sempre preferirá bens presentes a bens futuros.

Além disso, já que o homem não pode cessar totalmente o seu consumo diário e já que a efetuação de todo e qualquer consumo requer impreterivelmente o emprego de meios temporais, o tempo sempre será escasso, o que implica que o homem sempre preferirá bens mais duráveis a bens menos duráveis, que, por não precisarem ser renovados continuamente, amplificam os meios temporais dispostos ao alcance de finalidades futuras, posto que a renovação de um bem útil exige o emprego de meios temporais escassos, o que implica que a desnecessidade de se renovar dado bem sempre amplificará relativamente a quantidade de meios temporais dispostos à consecução doutras finalidades.

Por essa razão, o homem somente trocará bens presentes por bens futuros se a quantidade prognosticável de bens futuros se mostrar apreciavelmente superior à quantidade de bens presentes. De modo mais específico, o homem somente trocará bens presentes por bens futuros se o previsível aumento da quantidade de bens futuros em relação à quantidade de bens presentes se mostrar suficientemente compensatória à abstenção do consumo dos bens presentes. Neste contexto, o homem somente procurará investir em bens de capital e não em bens de consumo se a abstenção do uso presente dos referidos bens de consumo for mais que proporcionalmente compensada por um aumento apreciável da quantidade de bens de consumo futuros em relação à quantidade de bens de consumo presentes decorrente do emprego produtivo dos bens de capital.

Este é, em suma, o fenômeno da preferência temporal. Diz-se que o indivíduo tem uma preferência temporal alta quando o mesmo prefere bens presentes a bens futuros e baixa quando prefere bens futuros a bens presentes, simplificando.

H. H. Hoppe, em seu magnífico Democracia – O Deus que falhou, explica o porquê de o investimento em bens de capital configurar elementarmente o preâmbulo da civilização, a saída de um estilo de vida visivelmente animal, e as conjunturas que o condicionam:

“De fato, se todos os bens presentes fossem consumidos e se nenhum desses bens presentes fosse investido em métodos de produção que consomem tempo, a taxa de juros seria infinitamente alta, o que, em qualquer lugar fora do Jardim do Éden, equivaleria a uma simples existência animal, i.e., a uma degradante vida primitiva de subsistência, com as pessoas encarando a realidade com apenas as suas mãos nuas e o seu desejo de gratificação instantânea.

A oferta – bem como a demanda – de empréstimos só surge – e esta é a condição humana – se, em primeiro lugar, for reconhecido que os processos indiretos de produção (mais detalhados, mais longos) geram uma maior ou melhor produção (output) por insumo (input) do que os processos diretos (menos detalhados, mais curtos). Em segundo lugar, deve ser possível, por meio da poupança, acumular o montante de bens presentes (de consumo) necessário para prover todas as necessidades e todos os desejos cuja satisfação durante o prolongado tempo de espera for considerada mais urgente do que o incremento no bem-estar futuro esperado pela adoção de um processo de produção mais demorado.

Sendo satisfeitas essas condições, a formação e a acumulação de capital são estabelecidas e continuam a ser praticadas.”

O homem, quando ainda não tencionava auferir concepções ético-morais, não estava seguro de que viveria por muitos anos, já que poderia a qualquer momento ser assassinado ou agredido. Nos primórdios históricos, reinava a parasitagem, quer dizer, o homem não estava seguro de que, mesmo tendo por elevada a sua expectativa de vida, gozaria livremente da sua maior produção futura de bens de consumo advinda do investimento em bens de capital, visto que poderia ser extorquido ou morto. O homem não estava seguro de que o investimento em bens de capital era efetivamente compensador, já que era quase ininterruptamente atormentado por enfermidades terminais (mortais), as quais sempre operavam frustrando os seus planejamentos.

Em virtude disso, nos primórdios históricos, claramente, o homem vivia na mais cabal miserabilidade. Ele não conhecia técnicas pelas quais pudesse amenizar os impactos destrutivos de certos fenômenos naturais sazonais e não havia desenvolvido instituições protetivas aos seus direitos de propriedade.

Eis, senhores, que vem à percepção humana a propriedade e eis que, finalmente, o homem se torna um ser civil. Eis, senhores, que o homem supera essas condições animalescas e ruma à civilização pelo hábito da poupança.

Hoppe, por seu discernimento, explica com clareza a importância da poupança para o processo civilizacional:

“[…] não importando qual seja o grau original de preferência temporal de uma pessoa ou qual seja a distribuição original de tais taxas dentro em uma determinada população, uma vez que isso for baixo o suficiente para que se permita a formação de qualquer nível de poupança, de capital e de bens de consumo duráveis, põe-se em movimento uma tendência à queda da taxa de preferência temporal, a qual é acompanhada por um “processo de civilização”.

O poupador troca bens presentes (de consumo) por bens futuros (de capital) com a expectativa de que estes ajudarão a produzir uma oferta maior de bens presentes no futuro. Se ele tivesse uma expectativa contrária, ele não teria poupado. Se essa expectativa se revelar correta e se todo o resto continuar a ser o mesmo, cairá a utilidade marginal dos bens presentes em relação à utilidade marginal dos bens futuros. A sua taxa de preferência temporal será menor. Ele poupará e investirá mais do que no passado, e a sua renda futura será ainda maior, levando a mais uma redução em sua taxa de preferência temporal. Passo a passo, a taxa de preferência temporal aproxima-se do zero, sem, contudo, jamais alcançá-lo. Em uma economia monetária, como resultado da sua entrega de dinheiro presente, o poupador espera receber mais tarde um rendimento maior em termos reais. Com uma renda mais elevada, a utilidade marginal do dinheiro presente cai em relação à do dinheiro futuro; a proporção de poupança sobe; e o futuro rendimento monetário será ainda maior.

Além disso, em uma economia de trocas, o poupador/investidor contribui também para a redução da taxa de preferência temporal dos não poupadores. Com a acumulação de bens de capital, a relativa escassez de mão-de-obra aumenta, e os salários, ceteris paribus, aumentarão. Maiores taxas de salários implicam uma oferta crescente de bens presentes para os antigos não poupadores. Portanto, até mesmo os indivíduos que eram anteriormente não poupadores verão as suas taxas pessoais de preferência temporal caírem.

Ademais, como resultado indireto do aumento dos rendimentos reais provocado pela poupança, a nutrição e a saúde melhoram, e a expectativa de vida tende a aumentar. Em um desenvolvimento semelhante à transformação da infância para a idade adulta, com uma maior expectativa de vida objetivos mais distantes são adicionados à escala de valores presentes do indivíduo. A utilidade marginal dos bens futuros em relação à dos bens presentes aumenta, declinando também a taxa de preferência temporal.

Simultaneamente, o poupador/investidor dá início a um “processo de civilização”. Ao gerar uma tendência à queda da taxa de preferência temporal, ele – bem como todos aqueles que, direta ou indiretamente, estão conectados a esse indivíduo através de uma rede de trocas – desenvolve-se e amadurece: ocorre a transição da infância à fase adulta e da barbárie à civilização.

Ao construir uma estrutura de capital e de bens de consumo duráveis em expansão, o poupador/investidor também expande constantemente o alcance e o horizonte dos seus planos. Cresce o número de variáveis que estão sob o seu controle e que são tomadas em consideração em suas ações do presente. Portanto, isso aumenta o número e o horizonte de tempo das suas predições sobre eventos futuros. A partir disso, o poupador/investidor fica interessado em adquirir e melhorar constantemente o seu conhecimento relativo a um número cada vez maior de variáveis e de inter-relações entre essas variáveis. Contudo, uma vez que tenha adquirido ou melhorado o seu próprio conhecimento e o verbalizado ou demonstrado em suas ações, esse tipo de conhecimento se torna um “bem livre” (abundante; não escasso), disponível à imitação e à utilização por outros para os seus próprios fins. Então, em virtude das ações do poupador, até mesmo as pessoas de visão de curto prazo, orientadas para o presente, serão gradualmente transformadas, passando da condição de bárbaras para a condição de civilizadas. A vida deixa de ser curta, bruta e desagradável, tornando-se mais longa e cada vez mais refinada e confortável.”

Como é de se notar, a extorsão é a antítese suma da civilização, visto que corrói predatoriamente o aparato produtivo capitalístico reduzindo a quantidade de bens presentes dispostos à poupança. A extorsão (principalmente a de natureza institucional (governamental/estatal)), portanto, por conta de muitas vezes vir a repetir-se ciclicamente, tende a aumentar a preferência temporal do indivíduo, visto que o mesmo, prevendo uma subtração forçosa dos seus bens, decidirá invariavelmente consumi-los o mais rápido possível de modo a aproveitar o valor presente dos seus bens referidos, uma vez que o valor futuro dos mesmos será, prevê, nulo, já que não possuem absolutamente nenhum valor os bens expropriados (despossuídos).

A extorsão, enquanto ato antieconômico, atrapalha o curso da civilização não tão-só por reduzir a quantidade de bens presentemente dispostos à poupança, mas, também, por inserir no homem uma tendência ao consumo imediatista e não à poupança.

Em Democracia, explica Hoppe:

“[…] caso ocorram violações dos direitos de propriedade e os bens apropriados ou produzidos por A sejam roubados, danificados ou expropriados por B; ou caso B restrinja, de alguma forma, os usos que A está autorizado a fazer dos seus bens (além de não ser permitido a A causar qualquer dano físico à propriedade de B), então a tendência à queda da taxa de preferência temporal será perturbada, interrompida ou até mesmo invertida.

As violações dos direitos de propriedade – e o efeito que elas engendram sobre o processo de civilização – podem ser de dois tipos. Elas podem assumir a forma de atividades criminosas (incluindo negligência); ou podem assumir a forma de interferência governamental ou institucional.

A característica marcante das invasões criminosas dos direitos de propriedade é que tais atividades são consideradas ilegítimas ou injustas não só pela vítima, mas também pelos proprietários em geral (e, possivelmente, até mesmo pelos próprios criminosos). Portanto, considera-se que a vítima tem o direito de defender-se caso seja necessário (através da retaliação) e de punir e/ou exigir uma compensação do agressor.

O impacto do crime é duplo. Por um lado, a criminalidade diminui a oferta de bens da vítima (o apropriador/produtor/comerciante), sendo elevada, assim, a sua taxa efetiva de preferência temporal (supondo-se dado o seu padrão de preferência temporal). Por outro lado, à medida que as pessoas percebem o risco de danos futuros, elas realocarão os seus recursos. Elas construirão muros e cercas; instalarão fechaduras e sistemas de alarme; construirão ou comprarão armas; e contratarão serviços de proteção e de seguro. A existência do crime, portanto, implica um retrocesso no processo que conduz à queda da taxa de preferência temporal em relação às vítimas em questão, ocasionando gastos que, na perspectiva das vítimas reais e potenciais, poderiam ser considerados um desperdício caso não houvesse crime.

Dessa maneira, o crime – ou uma mudança em sua taxa – tem o mesmo tipo de efeito na preferência temporal que a ocorrência – ou a frequência – de catástrofes “naturais”. As inundações, as tempestades, as ondas de calor e os terremotos também reduzem a oferta de bens presentes das suas vítimas, aumentando, assim, a sua taxa efetiva de preferência temporal. E a percepção da alteração dos riscos de catástrofes naturais também conduz a realocações de recursos e a caros ajustes – como a construção de barragens, de sistemas de irrigação, de diques de contenção, de abrigos; ou como a compra de seguros por danos de um terremoto. Tais ajustes e realocações seriam desnecessários caso não existissem tais riscos naturais.

No entanto, mais importante do que isso, uma vez que as vítimas reais e potenciais estão autorizadas a se defenderem, a se protegerem e a se garantirem contra ambos os desastres sociais – os crimes e as catástrofes naturais –, o efeito destes sobre a preferência temporal são temporários e não sistemáticos. As vítimas reais pouparão ou investirão uma quantidade menor de bens em função do fato de estarem mais pobres. E as diferentes percepções dos riscos entre vítimas reais e potenciais moldam a direção (o sentido) das suas ações futuras. Porém, enquanto a proteção física e a defesa forem permitidas, a existência de desastres sociais ou de catástrofes naturais não implica que o grau de preferência temporal das vítimas reais ou potenciais – o grau da sua visão de longo prazo, da sua orientação para o futuro – será sistematicamente alterado. Depois de os prejuízos serem verificados e depois de as atividades serem redirecionadas, a tendência à queda da taxa de preferência temporal e o processo civilizatório retomarão o seu percurso anterior. Nesse ínterim, pode-se esperar que a proteção contra o crime e contra os desastres naturais receberá contínuo aperfeiçoamento.

As coisas, entretanto, mudam radicalmente – comprometendo permanentemente o processo de civilização – sempre que as violações dos direitos de propriedade assumem a forma de interferência governamental. A marca distintiva das violações governamentais do direito de propriedade privada é que, ao contrário das atividades criminosas, elas são consideradas legítimas não apenas pelos agentes do governo que se dedicam a elas, mas também pelo público em geral (e, em casos raros, até mesmo pela vítima). Assim, nessa situação, a vítima não pode legitimamente defender-se de tais violações.

A instituição de um imposto governamental sobre os bens ou os rendimentos viola os direitos de propriedade do produtor tanto quanto o roubo. Em ambos os casos, a oferta de bens do apropriador/produtor é diminuída contra a sua vontade e sem o seu consentimento. A moeda governamental – i.e., a criação de “liquidez” – não menos significa uma expropriação fraudulenta dos donos de propriedade do que as operações de uma gangue criminosa de falsificadores. Ademais, as regulações do governo acerca do que um proprietário pode ou não pode fazer com a sua propriedade – para além da regra de que ninguém pode causar danos físicos à propriedade dos outros e de que todas as trocas (comércio) uns com os outros devem ser voluntárias e contratuais – implicam uma “apropriação” da propriedade de alguém da mesma forma como o fazem os atos de extorsão, de roubo ou de destruição. Mas a tributação, a criação de “liquidez” perpetrada pelo governo e as regulações governamentais, ao contrário dos seus homólogos penais, são consideradas legítimas; e a vítima da interferência do governo, ao contrário da vítima de um crime, não tem o direito à defesa física e à proteção da sua propriedade.

Graças, então, à sua legitimidade, as violações governamentais dos direitos de propriedade afetam sistematicamente as preferências temporais individuais de forma diferente – e muito mais profunda – do que a criminalidade. Assim como a criminalidade, a interferência governamental nos direitos de propriedade privada reduz a oferta de bens presentes de uma pessoa, aumentando, assim, a sua efetiva taxa de preferência temporal. As agressões governamentais, em contraste com os crimes, ao mesmo tempo aumentam o grau de preferência temporal das vítimas reais e potenciais porque elas implicam também uma redução da oferta de bens futuros (uma redução da taxa de retorno sobre o investimento). O crime, por ser ilegítimo, ocorre apenas intermitentemente – o assaltante desaparece da cena com o seu saque e deixa a sua vítima sozinha, livre e em paz. Portanto, pode-se lidar com o crime através do aumento da demanda por produtos e serviços de proteção (em relação ao aumento da demanda por produtos e serviços que não sejam de proteção) a fim de restaurar ou até mesmo aumentar a futura taxa de retorno de investimento e fazer com que seja menos provável que o mesmo ou um outro assaltante possam ser bem-sucedidos uma segunda vez com a mesma ou com uma outra vítima. Em contraste, por serem legítimas, as violações governamentais dos direitos de propriedade são contínuas. O agressor não desaparece na clandestinidade, mas permanece ao redor; e a vítima não pode se armar contra ele, mas deve permanecer indefesa (pelo menos é o que, geralmente, dela se espera). Em consequência disso, futuras violações de direitos de propriedade, ao invés de se tornarem menos frequentes, institucionalizam-se. A taxa, a regularidade e a duração das futuras agressões aumentam. Ao invés de promoverem e melhorarem a sua proteção, as vítimas reais e potenciais das violações governamentais dos direitos de propriedade – como demonstrado pela sua contínua desproteção vis-à-vis os seus agressores – reagem a isso associando um risco permanentemente maior à totalidade da sua produção futura e ajustando sistematicamente para baixo as suas expectativas em relação à taxa de retorno de todos os investimentos futuros.

Competindo com a tendência à queda da taxa de preferência temporal, uma tendência oposta passa a surgir com a existência do governo. Ao reduzir simultaneamente a oferta de bens presentes e de (esperados) bens futuros, as violações governamentais dos direitos de propriedade não apenas elevam as taxas de preferência temporal (supondo-se dados os padrões), como também aumentam os padrões de preferência temporal. Em função de os apropriadores/produtores estarem (e virem a si próprios assim) indefesos contra futuras agressões por parte dos agentes do governo, a sua esperada taxa de retorno de ações produtivas e orientadas para o futuro (visão de longo prazo) é reduzida em todos os aspectos; em decorrência disso, as vítimas reais e potenciais tornam-se mais orientadas para o presente (visão de curto prazo).”

Diante disso, esclarece-se facilmente a crise na Argentina, já que nesse país os fatores anticivilizacionais são bastante perceptíveis e intensivos.

Fatores da decadência econômica argentina

Quando um governo tem os seus gastos maiores que as suas arrecadações, diz-se que ele tem um déficit fiscal e, para quitá-lo, geralmente recorre à impressão de moeda fiduciária (no nosso caso, pesos argentinos).

Recordemos, porém, que o valor de uma mercadoria monetária (moeda) é determinado espontaneamente pela relação oferta-demanda como o valor de qualquer outra mercadoria na economia. A taxa de juros é, assim, nada mais que o preço da mercadoria monetária, isto é, o montante de recursos exigido pelo banqueiro em troca do seu capital monetário; da mesma forma que o preço de um pacote de feijão é configurado pelo montante de recursos exigido pelo vendedor em troca do seu pacote de feijão.

À vista disso, quando o governo imprime dinheiro põe-se a desvalorizá-lo, já que aumenta artificialmente a sua oferta sem que a população tenha efetivamente apresentado um aumento correspondente de demanda.

Em função de a mercadoria moeda ter se desvalorizado relativamente às outras em virtude do aumento artificial da oferta, os vendedores passam a exigir uma quantidade consideravelmente maior de recursos monetários em troca dos seus produtos para compensar a desvalorização relativa da unidade monetária, isto é, aumentam os preços.

Muitas vezes, confunde-se, por isso, aumento de preços com a inflação, mas, como diz o economista argentino Javier Milei, a inflação é um fenômeno monetário e não mercadológico, sendo o elemento mercadológico (aumento de preços) originalmente decorrente do elemento monetário (expansão monetária/impressão de dinheiro/inflação).

Os preços, por causa da inflação, aumentam generalizadamente e a moeda perde o seu valor.

Sendo o poder aquisitivo da unidade monetária mensurado pela quantidade total de bens compráveis pelo seu uso, o pobre, o que possui uma disponibilidade de recursos monetários demasiadamente limitada, sempre sairá prejudicado, pois passará a necessitar de mais recursos para comprar a quantidade de bens que antes comprava, tendo obrigatoriamente, portanto, de restringir o seu consumo deixando não supridas certas necessidades que antes supria tranquilamente.

De 1991 a 2001, o gasto do governo (estado) argentino aumentou exponencialmente (cerca de 129%).

Os investidores estrangeiros ficaram extremamente receosos em relação ao rumo da economia argentina, já que previam que o governo quitaria o seu déficit fiscal imprimindo pesos argentinos, desvalorizando progressivamente a sua moeda com referência às demais, o que acabaria por encarecer sobremodo a importação de capital e intensificar os efeitos inflacionários da expansão monetária.

A previsibilidade de uma inflação progressiva, por sua vez, não somente tende a espantar potenciais investidores (ofertantes), mas tende a fazer cair enormemente a taxa de poupança mesmo antes do aumento da oferta de dinheiro circulante, já que se o indivíduo espera uma queda do poder aquisitivo das suas unidades monetárias – seguindo a mesma lógica dos fatores empobrecedores originais da extorsão – ele decidirá consumi-las o mais rapidamente possível de maneira a aproveitar o valor presente das suas unidades monetárias por presumir que o valor futuro será comparativamente menor.

A taxa de poupança, assim, diminui.

Os bancos, por registrarem reduções consecutivas no número de depositantes ativos (em outras palavras, reduções consecutivas no montante de capital financeiro disponível, implicativamente), aumentam a taxa de juros, o que acaba por inviabilizar financeiramente determinados investimentos, tornar demasiadamente onerosas determinadas operações empresariais e, por conseguinte, aumentar o desemprego, empobrecendo, então, os indivíduos.

A diminuição da oferta doméstica de bens de consumo e de capital com referência à demanda efetiva, consequente do aumento da taxa de juros (original da queda da taxa de poupança (decorrente da previsibilidade de expansões monetárias futuras)), impele os ofertantes remanescentes a importarem capital no mercado internacional de capitais. A importação de capital, internacionalmente, no entanto, se dá em dólares, o que obriga os referidos ofertantes remanescentes a demandarem dólares ao invés de pesos argentinos para importarem capital, o que implica num agravamento significante da desvalorização da moeda argentina em relação às demais.

Os indivíduos, na economia, apenas por preverem quedas crescentes do poder aquisitivo da moeda, agravam essas quedas.

Ademais, como o risco de insolvência dos bancos argentinos era estrambólico, o governo argentino teve de lidar com uma restrição rígida de créditos no mercado bancário internacional. Por isso, o governo viu-se obrigado a recorrer ao mercado creditício doméstico para financiar-se, competindo empréstimos com os agentes privados, aumentando consideravelmente a demanda de crédito internamente, intensificando a subida da taxa de juros, inviabilizando financeiramente investimentos antes viáveis e, por fim, agravando os seus fatores empobrecedores.

Desde então, a Argentina não controla a sua inflação e os gastos governamentais são crescentes.

 

Alguns gráficos são bastante ilustrativos.

Soluções aceitáveis

Muitos “economistas” supõem que a política fiscal pode ser bem-sucedida se usufruída com “inteligência”. Ah! Inteligência, o que seria da mão dirigista governamental sem você para guiá-la?!

O problema da ciência econômica (que não tende a atingir muito fortemente as outras ciências), senhores, é que muitos opinam acerca da mesma visando pretensamente a aplicação sociopolítica de fórmulas mágicas. Ora, se perguntasse para o brasileiro médio: “Existe assimetria entre matéria e antimatéria no universo observável?”, ele certamente responderia: “Não sei.”, já que não estudou física e já que até mesmo os físicos mais estudiosos não conseguem conceber uma resposta satisfatoriamente embasada. Se pergunto, todavia, ao brasileiro médio: “O que pode-se fazer para sair da pobreza?”, ele certamente não responderá: “Não sei.”, mesmo, de fato, não sabendo o que pode-se fazer para sair da pobreza, mas responderá: “Deve-se tributar os mais ricos, distribuir coativamente a riqueza, socializar os bens, solicitar direitos sociais ao estado e, por último, eleger políticos inteligentes.”. Eis, porém, a mais socratiquíssima questão: Donde o brasileiro médio em foco tirou todas essas fórmulas mágicas?; ou: Em que base faz repousar os seus conhecimentos pseudo-econômicos?

A solução para a Argentina (e para qualquer país em situação similar) é mais simples do que muitas pessoas pensam. Consiste basicamente em eliminar (por inteiro) os fatores empobrecedores e inflacionários. São, absolutamente: banco central; taxação (extorsão governamental); inflação; gastos públicos; regulamentações; proibições; licenças; intervenções; controle de preços; manipulação da taxa de juros; todas as “leis” que ignoram a propriedade privada; e, por consequência, estado.

Infelizmente essas propostas não são bem-vindas nos centros acadêmico-universitários, uma vez que contrapõem frontalmente as intenções nefastas das autoridades políticas e financeiras. Logo, sendo as intenções de tais autoridades explicitamente contrárias à prosperidade econômica, por que dever-se-ia confiar às mesmas a aplicação coercitiva das suas “políticas salvadoras?”.

Javier Milei há tempo disse que “os economistas austríacos são impassivelmente repudiados pelos integrantes da corrente intelectual dominante em razão de eles derivarem logicamente os seus teoremas irrefutáveis do primeiro e mais fundamental princípio econômico: “bens são escassos”, o que acaba por ofender o caráter heroico do estado, cuja nascença se dá essencialmente pela negação de tal princípio”.

As botas sujas do estado, lambidas pelos expoentes da intelectualidade juspositivista, são as mesmas que esmagam a economia.

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente artigo. Ajudou-me a compreender algo que eu jamais neguei a validade: as bases da civilização são fundadas no investimento e não no consumo. Mas apesar disso, sempre me incomodou não saber como se chegou a estas conclusões. Tinha uma dificuldade grande para contrapor o campo mainstrain. Em tempo, é curioso ver a máfia estatal através de suas intenções manifestas declararem que são gestores, preocupados com a escassez, quando, como notou o autor, o estado é obrigado a negar a validade da lei da escassez.

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