Por que a Arábia Saudita não trocará o dólar pelo yuan

1
Tempo estimado de leitura: 4 minutos

Há inúmeros artigos mencionando que a Arábia Saudita poderá utilizar o yuan, a moeda doméstica da China, para as suas exportações de petróleo.

Quanto a Arábia Saudita exporta para a China? De acordo com a Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, as principais exportações do reino são para a China ($45.8B), Índia ($25.1B), Japão ($24.5B), Coreia do Sul ($19.5B) e os Estados Unidos ($12.2B). As exportações de petróleo bruto alcançaram US$ 145 bilhões no total.

A Arábia Saudita é o maior exportador mundial de petróleo com US$ 145 bilhões, sendo a China o maior comprador, com US$ 204 bilhões em 2019.

As contas públicas da Arábia Saudita são exemplares. De um déficit de 4,8%, o reino espera um superávit em 2022, e sua relação da dívida pública em relação ao PIB (produto interno bruto) é de 30,8%, uma das mais baixas do mundo.

Mas a Arábia Saudita realmente precisa utilizar o yuan? Não. Suas reservas em moeda estrangeira, incluindo o ouro, ficaram em 472,8 bilhões de dólares em 2020, apesar da queda das exportações e da demanda de petróleo, resultantes da pandemia. Está, então, sob alguma pressão para mudar de moeda? Muito menos. Suas reservas cobrem confortavelmente sua dívida externa, dando-lhe um nível invejável de estabilidade em comparação com outras nações da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que têm grandes déficits comerciais e fiscais.

Então, o que a Arábia Saudita ganharia com o uso do yuan? Não maiores exportações para a China. A China precisa mais de suas importações de petróleo do que a Arábia Saudita precisa da moeda interna chinesa. Não há evidência real de que as exportações para a China cairiam se a Arábia Saudita continuasse a usar o dólar americano.

A utilização do yuan nas transações globais é muito limitada. Considerando os números compilados pela Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, a Bloomberg observou que “a atividade no renminbi, como a moeda também é chamada, subiu para seu segundo nível mais alto em 2021”. No entanto, isso apenas significa uma modesta taxa de 2,7% do mercado em relação aos 41% do dólar, que tem ocupado o primeiro lugar durante décadas. O euro é usado em 36,6% das transações globais, a libra britânica em 5,9% –  mais do dobro do uso do yuan apesar de o Reino Unido ser uma economia muito menor – e o iene japonês é usado tanto quanto o yuan, em 2,6%.

Mais importante ainda, apesar do grande aumento da importância da economia chinesa em todo o mundo, a importância do yuan como moeda pouco melhorou em relação a sua alta de 2015, quando atingiu a quarta posição.

O leitor poderá se perguntar: por qual motivo o yuan é usado apenas em 2,7% das transações globais apesar de ser 14% do PIB mundial, e o que aconteceu em 2015? A resposta está no fato do yuan ser a única moeda emitida por um líder econômico global que possui controles de capital e preços fixos. Como tal, qualquer detentor da moeda chinesa enfrenta a ameaça constante de uma desvalorização abrupta e a incapacidade de usar a moeda livremente em pagamentos. Foi exatamente isso que ocorreu em 2015. O banco central chinês anunciou uma desvalorização agressiva.

O yuan não é uma alternativa ao dólar americano devido ao controle do capital, dos preços fixos e, pior ainda, porque a política monetária do Banco Popular da China é ainda mais agressiva do que a do Federal Reserve. A expansão da oferta de dinheiro na China tem sido várias vezes maior que a dos Estados Unidos por duas décadas, com uma demanda global significativamente menor para o yuan.

Vale a pena notar também que mesmo as grandes empresas petrolíferas chinesas preferem o dólar americano para transações internacionais. Observando o open interest no Índice de Commodities de Xangai, o chamado índice petroyuan, pode-se ver que o uso do yuan nas transações globais de petróleo é extremamente limitado.

As reservas de ouro aparentemente grandes da China representam menos de 0,3% de sua oferta monetária (M2) e suas indubitavelmente grandes reservas de dólares americanos, US$ 3,35 trilhões, mal cobrem seus passivos cambiais.

Se os produtores de petróleo e mercadorias em outros países, particularmente na América Latina, aceitaram a moeda chinesa no passado, isso se deve aos grandes compromissos de dívida que adquiriram com o gigante asiático, e não por razões práticas de uso da moeda de reserva.

Qualquer produtor de commodities que aceite o yuan ao invés do dólar americano deve saber que os controles de capital e a fixação de preços são ameaças muito importantes, e não há nenhuma indicação real de que o Banco Popular da China irá mudar alguma dessas ameaças.

A realidade é que o yuan tem todos os elementos negativos das moedas fiduciárias – impressão massiva, falta de lastro real, incentivo do banco central para corroer o poder de compra – e nenhum dos benefícios do dólar, do euro e da libra – o preço flutuante livre, segurança jurídica e do investidor, bem como um sistema financeiro aberto.

A Arábia Saudita pode até usar algum yuan em suas exportações de petróleo, mas a realidade é que nenhuma moeda fiduciária com controle de capital é uma alternativa real a outras moedas fiduciárias e que o advento das moedas digitais do banco central torna esta diferença ainda mais significativa. Moeda digital de banco central é rastreamento disfarçado de dinheiro, e os riscos de impressão massiva, erosão do poder de compra e controle das transações são muito maiores do que sob as moedas tradicionais.

A Arábia Saudita poderia fugir para o ouro ou moedas criptográficas para escapar da máquina de impressão de dinheiro, mas dificilmente substituirá uma moeda fiduciária fortemente impressa, mas aberta e segura, o dólar americano, por uma moeda fechada e mais vulnerável.

 

 

 

Artigo original aqui

 

 

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.