Por que eu não votaria nem mesmo contra Hitler

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Na última Conferência da Liberdade, um debate surgiu durante um painel sobre terrorismo. Como eu considero a política eleitoral equivalente ao terrorismo, minha posição inicial é a de condenar o voto. Meus argumentos se dirigiram aos libertários que se consideram anarquistas mas se deslumbram em aplausos pelo primeiro libertário querendo seguir uma carreira política. Nas duas longas horas de debate que seguiram, uma questão foi levantada: “Se você pudesse ter feito o voto decisivo em uma eleição contra Hitler, você o faria?”. Eu respondi, “Não, mas eu não teria nenhum problema moral em acertar um tiro em sua cabeça”. Basicamente adotei uma postura muito mais rígida sobre a questão de eliminar a ameaça de Hitler.

Eu considero uma bala como um ato de autodefesa que uma cédula eleitoral jamais seria. Uma arma pode ser friamente apontada ao alvo desejado, enquanto uma cédula ataca terceiros inocentes, fazendo-lhes arcar com as consequências das ações do político que apoiei, colocando-o em uma posição de poder sobre suas vidas. Qualquer um que coloque um homem em uma posição de poder indevido – como no caso do poder político – deve dividir a responsabilidade de qualquer direito infringido por ele.

A questão que se seguiu foi: “Se não houvesse outra estratégia possível, você teria votado contra Hitler?”. Essa premissa nos leva a um mundo imaginário, que nos nega uma das mais básicas realidades da existência: a presença constante de alternativas. Basicamente, a pergunta se tornou, “se a estrutura da realidade fosse rearranjada em um padrão diferente, você continuaria com a mesma postura moral”? Tendo que a minha moral é derivada da minha observação sobre a realidade, eu não tenho uma forma possível de responder a essa pergunta. Mas minha primeira reação foi perguntar o que eu andei fazendo durante os anos e meses anteriores a essa questão, que levaram-me ao ponto em que votar contra ou a favor de Adolf seriam as minhas únicas opções.

Eu apenas posso responder pela realidade em que eu vivo, e, em um mundo repleto de alternativas, eu não votaria contra Hitler. Deixe-me levantar uma questão mais fundamental: Qual é a natureza do estado? De acordo com Max Weber, estado é a instituição que requisita para si um monopólio do uso da força em determinada área. É uma forma de poder institucionalizado, e, o primeiro passo para se dissecar sua essência seria analisando a definição de “poder” e a de “instituição”

Albert Jay Nock escreveu sobre dois tipos de poderes: social e estatal. O poder social ele definiu como a liberdade que os indivíduos realmente exercem sobre sua própria vida – isso é, as escolhas que eles podem fazer livremente, como por exemplo onde e como morar. Já o poder estatal ele definiu como o controle que o governo exerce sobre a vida dos outros – isso é, as escolhas que o governo faz sobre como os indivíduos devem viver. Como pode-se notar, esses dois conceitos são inversos e antagônicos, quando um aumenta o outro necessariamente deve diminuir.

Destaquei a palavra “realmente” pois o poder do estado não se resume a isso – o número de leis em um livro, ou a extensão do território abarcada por elas. O poder de um estado encontra-se nas condições sociais, como se as pessoas vão obedecer às suas leis e quantos recursos serão gastos para forçar os indivíduos a obedecerem. A chave do contexto social do poder do estado é o quão legítimo o estado parece ser para seus comandados. Se as pessoas saírem desse véu de legitimação à autoridade, não obedecerão ao estado, e este não terá mais de onde captar recursos, como impostos e mão de obra, necessários para sua sobrevivência.

Em outras palavras, a liberdade não depende tanto da revogação de leis como depende de enfraquecer a autoridade do estado. A liberdade não depende – como os políticos corriqueiramente querem nos fazer acreditar – de convencermos pessoas o suficiente para “votar sabiamente”, para que desta forma, libertários possam ocupar lugares no poder político e fazer com que algumas leis sejam revogadas. Infelizmente esse processo acaba por reforçar toda a estrutura institucional que produz as leis injustas em primeiro lugar: ele reforça a estrutura de poder aceitando que a autoridade é uma ferramenta de mudança. Mas a autoridade do estado jamais poderá reforçar o poder social.

Isso nos leva à questão da análise institucional. As pessoas aplicam a palavra “instituição” para uma enorme gama de conceitos como “a família”, “o livre mercado”, “a igreja”, e “o estado”. Uma instituição é um mecanismo de mudança social amplamente aceito e estável. Em grande parte, essas instituições funcionam independentemente das intenções – boas ou ruins – de quem as usa. Por exemplo, enquanto todos respeitam as regras do livre mercado, ele funciona como um mecanismo de trocas. O mesmo é verdade para o estado. Conforme as pessoas respeitam suas regras – votando, participando, obedecendo suas leis – ele funciona como um mecanismo de controle social.

Cédula das eleições parlamentares da Alemanha de 1932.

F.A. Hayek popularizou a ideia das consequências não intencionais, observando que ações feitas de forma consciente muitas vezes trazem resultados não esperados. Isso explica o motivo pelo qual homens de bem, dentro de instituições ruins, produzem maus resultados. Homens de bem dentro do estado só reforçam e legitimam ainda mais essa estrutura institucional. Eles enfraquecem o poder social. No fim, o fato deles revogarem ou não algumas leis se torna irrelevante na busca pela liberdade, assim como suas intenções.

Retornando à questão de votar em Hitler: puramente por conta do argumento, vou conceder a possibilidade de que eu poderia, de maneira moral, votar, ainda assim, eu me recusaria a votar contra ele. Por que? porque o problema essencial não é Hitler, mas a estrutura institucional que permite que Hitler tenha acesso a esse monopólio de poder. Sem o estado por trás e uma eleição pra legitimar seu poder, Hitler seria, no máximo, o líder de uns caras raivosos que atacavam pessoas em algum beco por aí. Votar contra ou a favor de Hitler só reforçaria a estrutura que o produziu, uma estrutura que pode produzir outro exemplar dele em segundos. Matar Hitler causa menos dano, mas isso, assim como votar, é admitir uma derrota total. Apelar para a força bruta significa que todas as formas de poder social foram destruídas, e eu fui rebaixada a adotar as táticas do estado. Sob a tirania, esse tipo de violência seria justificada na medida em que eu estaria evitando prejudicar terceiros. Nestas circunstâncias, votar jamais seria justificado, pelo mesmo motivo de afetar a terceiros. Ninguém tem o direito de colocar um ser humano em uma posição de controle para com um outro. Um verdadeiro libertário jamais autorizaria que um homem fosse taxado ou fosse controlado em suas atividades pacíficas. E o estado nada mais é do que a institucionalização dessa autorização.

Você não pode ajudar a liberdade, ou o poder social, curvando sua cabeça para o leviatã.

 

Tradução de Hiago Luis

Artigo original aqui.

7 COMENTÁRIOS

  1. Imagine uma eleição onde Santa Jadwiga da Polônia está empatada com Obama

    seria um dever moral votar na Santa Jadwiga, da mesma forma que, numa guerra da ONU contra o Ancapistão, seria um dever moral destruir um silo de mísseis nucleares da ONU mesmo se um pelotão de infantaria do Ancapistão perecer durante o ataque

  2. Acredito que o artigo comete alguns deslizes, pois como bem sabemos a estrutura da democracia é moldada de tal forma a garantir um progresso gradual da concentração de poder independente das peças em jogo, pois o estamento burocrático tem a ultima palavra. Assim sendo, pelas regras do jogo os individuos concorrentes na gincana democráticas ja são peças pinçadas pelo sistema para inevitavelmente dar firmes passos á plenitude do horror democrático, tornando o voto, assim, no máximo uma ferramente irrelevante na prática, pois neste contexto a legitimação do roubo de propriedade via concessão de direitos criminosos ao eleito, acaba por ser irrelevante quando sabemos que a gincana é só um teatro cujo resultado seria quase senão igual.
    Neste contexto, acredito que numa tentativa de ao menos retardar ou atrapalhar o processo, seria válida a opção de participar da gincana, não por ser uma ferramenta efetiva em si, mas por ser tambem uma estrategia minima de embate dando algum sopro de utilidade ao voto, que combinada com poderosos trabalhos culturais podem trazer bos frutos para a liberdade.
    Apesar dos principios solidos que defendemos, a realidade e as estratégias para fazê-los valer são ambíguos, e devemos ao menos refletir sobre o assunto, inclusive, sob a perspectiva do inimigo, cujo sucesso nos tem a ensinar.

  3. Kogos, supondo uma situação em que fizessem uma votação entre estuprar e deixar viva ou matar uma mulher. Se faltasse só o seu voto para decidir, seria um dever moral votar pelo estupro, que pelo menos a permitiria viver? Votar não seria justamente uma forma de reconhecer a legitimidade do processo?

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