Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário

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7. EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO PÚBLICA E  OBRIGATÓRIA

Até alguns anos atrás poucas instituições nos Estados Unidos eram consideradas mais sagradas—especialmente pelos progressistas—do que a escola pública. A devoção à escola pública cativou até mesmo aqueles primeiros americanos—como os jeffersonianos e jacksonianos—que eram libertários em quase todos os outros aspectos. Nos últimos anos, a escola pública vem sendo tida como um ingrediente crucial da demografia, fonte da fraternidade e inimiga do elitismo e da separação na vida americana. A escola pública era a encarnação do suposto direito de todas as crianças a uma educação, e era tida como um cadinho de compreensão e harmonia entre os homens de todas as ocupações e classes sociais, onde eles conviviam desde cedo com todos os seus vizinhos.Simultaneamente com a difusão da educação pública vieram as leis de frequência obrigatória, que forçaram todas as crianças até uma determinada idade mínima cada vez mais baixa a frequentar uma escola pública ou uma escola privada certificada como apropriada pelo aparato estatal. Em contraste com as décadas anteriores, quando uma proporção relativamente pequena da população frequentava a escola nas séries mais altas, toda a população passou assim a ser coagida pelo governo a passar uma grande parte dos anos mais impressionáveis de suas vidas em instituições públicas. Poderíamos muito bem ter analisado as leis de frequência obrigatória em nosso capítulo sobre servidão involuntária, pois que instituição representa de maneira mais evidente um enorme sistema de encarceramento? Recentemente, Paul Goodman e outros críticos educacionais expuseram de maneira incisiva as escolas públicas da nação—e, em menor escala, seus apêndices privados—como um vasto sistema carcerário para a juventude da nação, levando à força inúmeros milhões de crianças, que não estão dispostas e dificilmente conseguirão se adaptar, para a estrutura escolar. A tática da Nova Esquerda de invadir as escolas superiores gritando “fuga da prisão!” pode ter sido absurda e ineficaz, mas certamente expressava uma grande verdade sobre o sistema escolar; pois se vamos forçar toda a parcela jovem da população a ser confinada em enormes prisões sob o pretexto de “educá-los”, com professores e administradores servindo como equivalentes de guardas e diretores de prisão, como não esperar uma enorme infelicidade, descontentamento, alienação e revolta por parte da juventude da nação? A única surpresa é que esta revolta tenha demorado tanto para ocorrer. Porém agora cada vez mais existe um reconhecimento de que há algo terrivelmente errado com a instituição mais orgulhosa dos Estados Unidos; que, especialmente nas áreas urbanas, as escolas públicas se tornaram verdadeiras fossas de crime, furtos e consumo de drogas, e que pouca ou nenhuma educação ocorre de fato em meio à deformação das mentes e almas das crianças.[1]

Parte do motivo para esta tirania sobre a juventude da nação é um altruísmo equivocado por parte da classe média educada, que sentia que os trabalhadores, ou as “classes baixas”, deveriam ter a oportunidade de gozar da escolaridade que esta classe média dava tanto valor. E se os pais ou filhos das massas forem ignorantes a ponto de resistir diante desta oportunidade gloriosa que foi colocada diante deles, bem, então deve-se empregar um pouco de coerção—”para o seu próprio bem”, é claro.

Uma falácia crucial dos cultuadores da escola na classe média é a confusão entre a instrução formal e aeducação em geral. Educação é um processo vitalício de aprendizado, e o aprendizado não ocorre apenas na escola, mas em todos os campos da vida. Quando a criança brinca, escuta seus pais ou amigos, lê um jornal, ou trabalha num emprego, ela está sendo educada. A instrução formal é apenas uma pequena parte do processo educacional, e na realidade é mais apropriada apenas para os tópicos formais do ensino, especialmente os temas mais avançados e sistemáticos. Os temas mais elementares, como ler, escrever, aritmética e seus corolários, podem facilmente ser aprendidos em casa e fora da escola.

Além disso, uma das grandes glórias da humanidade é a sua diversidade, o fato de que cada indivíduo é único, com capacidades, interesses e aptidões únicas. Impor de forma coativa a instrução formal a crianças que não têm nem a capacidade nem o interesse nessa área é uma deformação criminosa da alma e da mente destas crianças. Paul Goodman levantou a questão de que a maioria das crianças estaria muito melhor se lhes fosse permitido trabalhar desde cedo, aprender um ofício, e começar a fazer aquilo para o qual têm uma maior vocação. Os Estados Unidos foram construídos por cidadãos e líderes, muitos dos quais receberam pouca ou nenhuma instrução formal, e a ideia de que é necessário ter um diploma de ensino superior—ou, hoje em dia, um diploma universitário—antes de se começar a trabalhar e viver no mundo é um absurdo dos tempos modernos. Se abolíssemos as leis de frequência obrigatória e devolvêssemos às crianças suas mentes, voltaríamos a ser uma nação de pessoas muito mais produtivas, interessadas, criativas e felizes. Diversos oponentes prudentes da Nova Esquerda e da revolta da juventude apontaram que boa parte do descontentamento dos jovens e de sua dissociação da realidade se deve ao período cada vez maior em que eles devem permanecer na escola, encerrados num casulo de dependência e irresponsabilidade. Muito bem, mas qual é o motivo principal deste casulo cada vez mais duradouro? Claramente é todo o sistema, e, em especial, as leis de frequência obrigatória, que pregam que todos devem ir perpetuamente à escola—primeiro à escola secundária, depois à universidade, para logo em seguida talvez obter um Ph.D. É esta compulsão pela instrução em massa que cria tanto o descontentamento quanto esta proteção contínua do “mundo real”. Em nenhuma outra nação e em nenhum outro período da história esta obsessão pela instrução em massa foi tão enraizada. É curioso que a antiga direita libertária e a Nova Esquerda, partindo de perspectivas muito diferentes e utilizando uma retórica muito diferente, chegaram a uma percepção similar a respeito da natureza despótica da instrução em massa. Assim, Albert Jay Nock, o grande teórico individualista das décadas de 1920 e 30, denunciou o sistema educacional por forçar as massas “ineducáveis” a frequentar as escolas por uma crença igualitária vã em que todas as crianças têm a mesma educabilidade. Em vez de permitir que aquelas crianças que têm a aptidão e a capacidade necessárias frequentem as escolas, todas as crianças estão sendo coagidas a frequentá-las, supostamente para o seu próprio bem, e o resultado é uma distorção nas vidas daqueles que não estão aptos para a escola e a destruição da instrução apropriada para aqueles que de fato podem ser educáveis. Nock também criticou com perspicácia os conservadores que atacaram a “educação progressiva” por diluir os padrões educacionais ao dar cursos de direção de automóveis, cestaria ou de como se escolher um dentista. Ele apontou que se você forçar um grupo enorme de crianças que não têm capacidade de absorver a educação clássica a frequentar as escolas, então você precisa guiar a educação rumo ao treinamento vocacional, mais apropriado para o mais baixo denominador comum. O defeito crucial não é educação progressiva, mas sim a pressão pela instrução universal, à qual o progressismo foi uma resposta paliativa.[2]

Críticos da Nova Esquerda como John McDermott e Paul Goodman, por sua vez, acusam a classe média de forçar as crianças da classe trabalhadora, muitas das quais têm valores e aptidões totalmente diferentes, a um sistema de escola pública que visa impor a eles um modelo projetado para a classe média. Já deve ter ficado claro que o cerne da crítica é praticamente o mesmo, esteja ela alegando que esta ou aquela classe ou que este ou aquele ideal de instrução estejam sendo favorecidos: o ponto é que um grupo enorme de crianças está sendo obrigado a frequentar uma instituição para a qual elas têm pouco interesse ou aptidão.

De fato, se examinarmos a história da pressão pela educação pública e pela frequência obrigatória neste e em outros países, podemos encontrar em suas raízes nem tanto um altruísmo equivocado, mas sim um estratagema consciente para coagir a maior parte da população a um modelo desejado pelas autoridades. As minorias recalcitrantes deveriam ser forçadas a adotar um modelo majoritário; as virtudes cívicas, especialmente a obediência ao aparato estatal, deveriam ser inculcadas em todos os cidadãos. De fato, se a maior parte da população for educada em escolas do governo, como poderão estas escolas não se tornar uma ferramenta poderosa para inculcar a obediência às autoridades estatais? Martinho Lutero, líder da primeira campanha pela educação estatal compulsória, expressou de maneira geral seu apelo na célebre carta de 1524 aos governantes da Alemanha:

Caros governantes (…) afirmo que as autoridades civis têm a obrigação de obrigar as pessoas a mandar seus filhos para a escola. (…) Se o governo pode obrigar cidadãos que estão aptos para o serviço militar a portar lanças e rifles, construir baluartes e executar outras tarefas marciais em tempos de guerra, ele tem ainda mais direito de fazer com que as pessoas mandem suas crianças à escola, porque neste caso estamos em guerra contra o demônio, cujo objetivo é exaurir, secretamente, nossas cidades e principados.[3]

Assim, para Lutero, as escolas do estado eram uma parte indispensável da “guerra contra o demônio”, isto é, os católicos, judeus, infiéis, e outras seitas protestantes concorrentes. Um admirador moderno de Lutero e da educação compulsória viria a comentar que

o valor permanente e positivo do pronunciamento de Lutero de 1524 permanece (…) nas santificadas associações que ele estabeleceu na Alemanha protestante, da religião nacional aos deveres educacionais do indivíduo e do estado. Assim, sem dúvida, foi criada uma opinião pública saudável que permitiu que o princípio da frequência escolar obrigatória fosse aceito com muito mais facilidade na Prússia num período muito anterior ao que ele o foi na Inglaterra.[4]

O outro grande fundador do protestantismo, João Calvino, não tinha menos entusiasmo ao promover a educação pública em massa, e por motivos semelhantes. Não é surpreendente, portanto, que as primeiras formas de educação obrigatória nos Estados Unidos foram estabelecidas pelos puritanos calvinistas, na Baía de Massachusetts, aqueles homens que desejavam tão avidamente implantar uma teocracia absolutista calvinista no Novo Mundo. Em junho de 1642, apenas um ano depois da colônia da Baía de Massachusetts promulgar seu primeiro conjunto de leis, ela estabeleceu o primeiro sistema de educação obrigatória no mundo de língua inglesa. A lei declarava:

Pois dado que a boa educação das crianças é de interesse e benefício singulares a qualquer comunidade, e tendo em vista que muitos pais e tutores são indulgentes e negligentes demais com suas tarefas neste sentido, ordena-se que os membros do conselho de cada cidade (…) mantenham um olho vigilante sobre seus vizinhos, para que se assegurem de que nenhum deles imponha tanta barbárie sobre suas famílias, a ponto de não se esforçarem em ensinar, seja por conta própria ou através de outros, suas crianças e aprendizes.[5]

Cinco anos mais tarde, a Baía de Massachusetts deu sequência a essa lei fundando as primeiras escolas públicas.

Assim, desde o início da história americana, o desejo de moldar, instruir e tornar obediente a maior parte da população foi o principal ímpeto por trás da campanha pela educação pública. No período colonial, a educação pública era utilizada como um meio de reprimir a dissidência religiosa, bem como infundir as virtudes da obediência ao estado aos servos indisciplinados. É emblemático, portanto, o fato de que no decorrer da repressão imposta por Massachusetts e Connecticut aos quakers, esta seita tão desprezada foi proibida de estabelecer suas próprias escolas. E Connecticut, em 1742, numa vã tentativa de reprimir o movimento “Nova Luz” (“New Light“), também proibiu que esta seita estabelecesse suas próprias escolas. Do contrário, argumentavam as autoridades de Connecticut, os membros do movimento “podem tender a treinar a juventude em princípios e práticas más, e introduzir distúrbios que podem ter consequências fatais à paz e ao bem-estar público desta colônia.”[6] Dificilmente é uma coincidência que a única colônia livre da Nova Inglaterra—Rhode Island—também era a única colônia onde não existia a educação pública.

A motivação para a educação pública e obrigatória após a independência dos Estados Unidos era muito pouco diferente em sua essência. Assim, Archibald D. Murphey, o pai do sistema escolar público da Carolina do Norte, exigiu escolas assim:

todas as crianças serão ensinadas nelas. (…) Nestas  escolas os preceitos da moralidade e religião deverão ser inculcados, e os hábitos da subordinação e da obediência formados. (…) Os pais não saberão como instruí-los. (…) O estado, no calor de seu afeto e solicitude pelo bem-estar delas, deve se encarregar destas crianças, e colocá-las na escola, onde suas mentes poderão ser iluminadas e seus corações treinados a serem virtuosos.[7]

Um dos objetivos mais comuns da educação pública compulsória tem sido o de oprimir e enfraquecer as minorias étnicas e linguísticas nacionais ou os povos colonizados—forçando-os a abandonarem suas próprias línguas e culturas em troca da língua e da cultura dos grupos dominantes. Os ingleses, na Irlanda e no Quebec, e nações por toda a Europa Central e do Leste, assim como na Ásia—todos obrigaram suas minorias nacionais a frequentar escolas públicas geridas por seus governantes. Um dos estímulos mais potentes para o descontentamento e a revolta destes povos oprimidos era o desejo de salvar sua língua e sua herança da arma das escolas públicas empunhada por seus opressores. Assim o liberal do laissez-faire Ludwig von Mises escreveu que, em países onde há uma mistura linguística,

a aderência contínua a uma política de educação compulsória é absolutamente incompatível com os esforços para o estabelecimento de uma paz duradoura. A questão de qual língua deve formar a base da instrução assume uma importância crucial. Uma decisão tomada a favor de qualquer um dos lados pode, ao longo dos anos, determinar a nacionalidade de toda uma região. A escola pode alienar as crianças da nacionalidade a qual pertencem seus pais, e pode ser utilizada como um meio de oprimir nacionalidades inteiras. Quem quer que controle as escolas tem o poder de causar danos a outras nacionalidades e benefícios à sua própria.

Além disso, aponta Mises, a coerção inerente ao domínio exercido por uma nacionalidade torna impossível resolver o problema ao se permitir que cada pai mande seu filho para uma escola que utilize o idioma de sua própria nacionalidade.

Frequentemente não é possível para um indivíduo—devido à preocupação com o seu meio de sustento—declarar-se abertamente como pertencendo a esta ou aquela nacionalidade. Sob um sistema intervencionista, isto pode custá-lo a clientela de indivíduos que pertençam a outras nacionalidades, ou um emprego em que seu chefe pertença a uma nacionalidade diferente. Se couber aos pais a escolha da escola a qual desejam mandar seus filhos, eles ficarão expostos a todo tipo concebível de coerção política. Em todas as regiões onde existe uma mistura de nacionalidades, a escola é um prêmio político da mais alta importância. Ela não pode ser privada de seu caráter político enquanto permanecer uma instituição compulsória e pública. Existe, na realidade, apenas uma solução: que o estado, o governo e as leis deixem de ver a instrução ou a educação como algo que lhes diz respeito. Os recursos públicos não devem ser usados para estes propósitos. A criação e a instrução dos jovens devem ser deixadas inteiramente aos pais e a associações e instituições privadas.[8]

De fato, uma das principais motivações para a legião de “reformadores educacionais” americanos do século XIX que estabeleceu o sistema escolar público moderno foi exatamente usá-lo para enfraquecer a vida cultural e linguística das ondas de imigrantes que chegavam então aos Estados Unidos, e moldá-los em “um povo”, como declarou o reformista educacional Samuel Lewis. Foi o desejo da maioria anglo-saxã de domar, canalizar e reestruturar os imigrantes, e, mais especificamente, de destruir o sistema escolar paroquial dos católicos, que formou o principal ímpeto para a “reforma” educacional. Os críticos da Nova Esquerda que percebem o papel das escolas públicas de hoje em dia no enfraquecimento e na formação das mentes das crianças dos bairros pobres estão apenas começando a se dar conta da encarnação moderna de uma antiga meta pretendida pelo establishment da escola pública—pelos Horace Manns, os Henry Barnards e os Calvin Stowes. Foram Mann e Barnard, por exemplo, que pregaram a favor do uso das escolas para a doutrinação contra a “oclocracia” do movimento jacksoniano. E foi Stowe, autor de um tratado admirável sobre o sistema de escolas compulsório prussiano, inspirado originalmente por Martinho Lutero, que escreveu sobre as escolas em termos inegavelmente luteranos e militarísticos:

Se a preocupação com a segurança pública torna correto que um governo force seus cidadãos a cumprir obrigações militares quando o país é invadido, o mesmo motivo autoriza o governo a forçá-los a prover a educação de seus filhos. (…) Um homem não tem mais direito de colocar o estado em risco ao colocar sobre suas costas o ônus de uma família de crianças ignorantes e más do que ele tem de acolher os espiões de um exército invasor.[9]

Quarenta anos mais tarde, Newton Bateman, um importante educador, falou a respeito do “direito do domínio eminente” do estado sobre as “mentes e almas” das crianças da nação. A educação, ele afirmou, “não pode ser entregue aos caprichos e contingências dos indivíduos.”[10]

A tentativa mais ambiciosa dos partidários da escola pública de maximizar seu controle sobre as crianças da nação veio do Oregon, durante o início da década de 1920. O estado do Oregon, insatisfeito até mesmo em permitir a existência de escolas privadas certificadas pelo estado, aprovou uma lei em 7 de novembro de 1922 que bania as escolas privadas e obrigava todas as crianças a frequentarem escolas públicas. Este foi o ápice do sonho dos educacionistas. Finalmente, todas as crianças seriam forçadas ao modelo “democratizante” da educação uniforme a cargo das autoridades estatais. A lei, felizmente, foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1925 (Pierce v. Society of Sisters, 1 de junho de 1925). A Suprema Corte declarou que “a criança não é uma mera criatura do estado”, e afirmou que a lei aprovada no Oregon entrava em conflito com a “teoria fundamental de liberdade sobre a qual repousam todos os governos desta União”. Os fanáticos pelas escolas públicas nunca mais tentaram ir tão longe, mas é elucidativo perceber quais eram as forças que tentaram banir toda e qualquer concorrência da educação privada no estado do Oregon; pois os líderes por trás desta lei não eram, como seria de se esperar, educadores ou intelectuais progressistas, mas sim a Ku Klux Klan, que à época ainda tinha força nos estados do norte, e que ansiava por destruir o sistema escolar paroquial católico e forçar todas as crianças católicas e imigrantes à força neoprotestantizante e “americanizante” da escola pública. É interessante notar que a KKK sustentava a opinião de que esta lei era necessária para a “preservação das instituições livres”. É digno de reflexão o fato de que o tão alardeado sistema escolar público “progressivo” e “democrático” teve nos subgrupos mais intolerantes da vida americana os seus defensores mais ardorosos, pessoas ansiosas por erradicar a diversidade e a variedade nos Estados Unidos.[11]

 

UNIFORMIDADE OU DIVERSIDADE?

Embora os educacionistas atuais não cheguem a ir tão longe quanto a Ku Klux Klan, é importante notar que a própria natureza da escola pública exige a imposição da uniformidade e a erradicação da diversidade e da individualidade na educação.

Pois faz parte da natureza de qualquer burocracia governamental adotar um determinado conjunto de regras, e impor estas regras de uma maneira uniforme e com pulso firme. Se isto não for feito, e o burocrata optar por decidir cada caso individual ad hoc, ele será acusado, e com razão, de não tratar cada contribuinte e cidadão de uma maneira uniforme e equânime. Além disso, é mais conveniente para o burocrata, em termos administrativos, estabelecer regras uniformes ao longo de toda a sua jurisdição. Diferentemente das atividades privadas, que visam o lucro, o burocrata governamental não está interessado nem na eficiência nem em servir seus clientes da melhor maneira possível. Como não tem necessidade de obter lucro e está protegido da possibilidade de sofrer perdas, o burocrata pode e efetivamente não leva em consideração os desejos e exigências de seus consumidores-clientes. Seu principal interesse é “não fazer ondas”, e ele consegue isso aplicando equitativamente um conjunto uniforme de regras, independentemente de quão inaplicáveis elas possam ser em determinado caso.

O burocrata das escolas públicas, por sua vez, se vê diante de uma série de decisões cruciais e controversas ao decidir a respeito do padrão da educação formal na região sobre a qual é responsável. Ele deve decidir se a educação será—tradicional ou progressiva? De livre empresa ou socialista? Competitiva ou igualitária? Vocacional ou dedicada às artes liberais? Segregada ou integrada? Terá ou não educação sexual? E diversas outras graduações intermediárias entre estes polos. O ponto é que, o que quer que ele decida, e mesmo se ele decidir de acordo com os desejos da maioria do público, sempre haverá um número considerável de pais e crianças que ficarão completamente privados da educação que julgam ser necessária para eles. Quanto mais pública se torna a educação, maior será a força com a qual a uniformidade se encarregará de eliminar as necessidades e desejos dos indivíduos e minorias.

Consequentemente, quanto maior for a esfera da educação pública, em comparação com a privada, maiores serão o escopo e a intensidade dos conflitos na vida social. Pois se uma agência tomar decisões como implementar ou não educação sexual, uma educação mais tradicional ou progressiva, integrada ou segregada etc., mais importante será assumir o controle do governo para evitar que seus adversários assumam o poder. Logo, na educação, assim como em outras atividades, quanto mais as decisões governamentais substituírem as tomadas de decisões privadas, mais os diferentes grupos entrarão em conflito, numa corrida desesperada para se assegurar de que a decisão única em cada área vital corresponderá aos seus anseios.

Comparemos a privação e os intensos conflitos sociais inerentes ao processo de tomada de decisões pelo governo com o estado das coisas no mercado livre. Se a educação fosse exclusivamente privada, então cada grupo de pais poderia e acabaria por patrocinar o tipo de escola que julgar mais apropriado. Uma série de escolas diferentes entre si surgiriam, visando atender à estrutura variada das exigências educacionais dos pais e de seus filhos. Algumas escolas seriam tradicionais, outras progressivas. As escolas abrangeriam todo o espectro tradicional-progressivo; algumas experimentariam com a educação igualitária, onde os alunos não recebem notas, enquanto outras dariam ênfase ao aprendizado rigoroso das matérias, e à avaliação competitiva; algumas escolas seriam seculares, outras dariam ênfase aos diversos credos religiosos; algumas escolas seriam libertárias e enfatizariam as virtudes da livre iniciativa, outras pregariam os diversos tipos de socialismo.

Consideremos, por exemplo, a estrutura da indústria editorial nos dias de hoje, tanto de livros quanto de revistas, tendo em mente que tanto livros quanto revistas são por si só uma forma extremamente importante de educação. O mercado das revistas, que é relativamente livre, contém todo tipo de revistas destinadas a atender a uma ampla variedade de gostos e demandas dos consumidores: existem revistas de circulação nacional, que abrangem todos os tópicos; existem publicações progressistas, conservadoras e de todos os tipos de ideologia; existem publicações acadêmicas especializadas; além de uma variedade de revistas que cobrem hobbies e interesses especiais, como bridge, xadrez, hi-fi etc. Uma estrutura semelhante ocorre com o mercado livre de livros: existem livros de grande circulação, livros destinados a mercados especializados, livros de todas as persuasões ideológicas. Se as escolas públicas fossem abolidas, os mercados livres, variados e diversificados das revistas e livros encontrariam um paralelo num tipo semelhante de “mercado de escolas”. Por outro lado, se houvesse apenas uma revista para cada cidade ou estado, imaginemos as batalhas e conflitos que seriam travados: deveria esta revista ser conservadora, progressista, ou socialista? Quanto espaço ela deveria dedicar à ficção ou ao bridge etc.? As pressões e conflitos seriam intensos, e nenhuma solução seria satisfatória, pois qualquer decisão privaria inúmeras pessoas daquilo que elas querem e exigem. O que o libertário pede, portanto, não é tão extravagante como pode parecer à primeira vista; o que ele pede é um sistema escolar tão livre e diversificado quanto a maioria das outras mídias educacionais são nos dias de hoje.

Focando-se novamente nas outras mídias educacionais, o que pensaríamos então de uma proposta do governo, seja ele federal ou estadual, que utilizasse o dinheiro dos pagadores de impostos para implementar uma cadeia nacional de revistas ou jornais públicos, e então obrigar todas as pessoas, ou todas as crianças, a lê-los? Mais ainda, o que acharíamos se o governo banisse todos os outros jornais e revistas, ou ao menos banisse todos os jornais e revistas que não atingissem um determinado “padrão” do que uma comissão governamental julga que as crianças devem ler? Tal proposta seria seguramente recebida com horror por todo o país; no entanto, é exatamente este tipo de regime que o governo estabeleceu nas escolas. Uma imprensa pública compulsória seria considerada, com justiça, uma invasão da mais básica liberdade de imprensa; e não seria a liberdade acadêmica no mínimo tão importante quanto a liberdade de imprensa? Não são ambas formas de mídias vitais para a informação e a educação pública, para a livre investigação e a busca pela verdade? Na realidade, a extinção da educação livre deveria ser vista com um horror ainda maior do que a extinção de uma imprensa livre, uma vez que neste caso são as mentes jovens e imaturas das crianças que estão sendo mais diretamente afetadas. É intrigante que pelo menos alguns dos defensores das escolas públicas reconheceram a analogia entre educação e imprensa e aplicaram sua lógica a esta última área. Assim, nas décadas de 1780 e 1790 tiveram proeminência na cena política de Boston os arquifederalistas do “Essex Junto”, um grupo de destacados comerciantes e advogados oriundos do condado de Essex, Massachusetts. Estes homens de Essex estavam particularmente ansiosos por um sistema escolar público extensivo, para “ensinar a subordinação adequada” à juventude. Um deles, Stephen Higginson, declarou abertamente que “as pessoas têm de ser ensinadas a confiar em seus governantes e reverenciá-los.” E, ao ver com uma consistência firme que os jornais eram uma forma de educação tão importante quanto a instrução formal, outro importante comerciante e teórico de Essex, Jonathan Jackson, denunciou a imprensa livre por ser necessariamente subserviente ao leitor, e passou a defender um jornal de propriedade do estado que pudesse ser independente de seus leitores e, por consequência, inculcar as virtudes apropriadas aos cidadãos.[12]

O professor E.G. West também apresentou uma analogia instrutiva entre a provisão de educação e de comida, seguramente uma indústria no mínimo igualmente importante para crianças e para adultos. West escreveu:

A proteção de uma criança contra a fome ou a desnutrição é supostamente tão importante quanto protegê-la da ignorância. É difícil imaginar, no entanto, que qualquer governo, em sua ânsia para fazer com que as crianças tenham os padrões mais básicos de comida e vestimenta, aprovaria leis estabelecendo a alimentação compulsória e universal, ou que cogitasse medidas que levariam a taxas ou impostos mais altos visando fornecer comidas “de graça” para as crianças nas cozinhas e estabelecimentos das autoridades locais. É ainda mais difícil imaginar que a maioria das pessoas aceitaria sem questionar este sistema, especialmente quando ele chegasse ao ponto em que, por “razões administrativas”, os pais fossem encaminhados àqueles estabelecimentos que estivessem mais próximos de suas casas. (…) No entanto, por mais estranhas que estas medidas hipotéticas possam parecer quando aplicadas à provisão de comida e vestimentas, elas são, ainda assim, típicas da (…) educação estatal.[13]

Diversos pensadores libertários, tanto do lado da “esquerda” quanto da “direita” do espectro libertário, fizeram críticas devastadoras à natureza totalitária da educação pública obrigatória. Herbert Read, crítico libertário de esquerda, escreveu:

A humanidade é, por natureza, diferenciada em diversos tipos, e agrupar todos esses tipos no mesmo modelo inevitavelmente levará a distorções e repressões. As escolas devem ser de muitas categorias, seguir diferentes métodos e atender a diferentes disposições. Pode-se argumentar que até mesmo um estado totalitário deve reconhecer este princípio, porém a verdade é que a diferenciação é um processo orgânico, associações espontâneas e mutáveis de indivíduos para propósitos específicos. (…) Toda a estrutura da educação, enquanto um processo natural, tal como a imaginamos, é despedaçada se tentarmos tornar esta estrutura (…) artificial.[14]

E o grande filósofo individualista inglês do fim do século XIX, Herbert Spencer, perguntou:

Pois o que significa dizer que um governo deve educar as pessoas? Por que elas devem ser educadas? Para que serve a educação? Claramente, para adequar as pessoas à vida social—fazer delas bons cidadãos? E cabe a quem dizer o que é um bom cidadão? O governo: não há outro juiz. E cabe a quem dizer como estes bons cidadãos devem ser formados? O governo: não há outro juiz. A partir daí, a proposta acaba se transformando nisto—um governo deve moldar as crianças para que sejam bons cidadãos. (…) Ele deve primeiro estabelecer para si mesmo um conceito definido de um cidadão modelo; e, uma vez que isto seja feito, ele precisa elaborar um sistema de disciplina que seja suficientemente bem calculado para produzir cidadãos seguindo este modelo. Este sistema de disciplina deve ser aplicado até às últimas consequências; do contrário, ele permitirá que os homens se tornem diferentes daquilo que, em seu julgamento, eles deveriam se tornar, e, portanto, fracassará na tarefa que foi encarregado de cumprir.[15]

E Isabel Paterson, escritora individualista do século XX, declarou:

Os textos educacionais são necessariamente seletivos em termos de tópicos, linguagem e pontos de vista. Onde quer que a educação seja realizada por escolas privadas haverá uma variação considerável entre essas diferentes escolas; os pais devem julgar o que querem que suas crianças aprendam através do currículo oferecido. (…) Em nenhum lugar haverá qualquer incitação ao ensino da “supremacia do estado como uma filosofia compulsória”. No entanto, todo sistema educacional controlado politicamente inculcará, mais cedo ou mais tarde, a doutrina da supremacia do estado, seja na forma do direito divino dos reis, ou da “vontade do povo” na “democracia”. Uma vez que esta doutrina for aceita, torna-se uma tarefa quase sobre-humana romper o domínio do poder político sobre a vida do cidadão. O governo tem em suas garras o corpo, a propriedade e a mente do cidadão desde sua infância. Seria mais fácil fazer com que um polvo soltasse a sua presa.

Um sistema educacional compulsório, financiado pelos impostos, é o modelo completo do estado totalitário.[16]

Como indicou E. C. West, a conveniência burocrática invariavelmente levou os estados a designar distritos geográficos para as escolas públicas, colocando uma escola em cada distrito, e forçando então cada criança inscrita no sistema de educação pública a frequentar a escola situada no distrito mais próximo de sua residência. Enquanto numa escola privada do mercado livre a maior parte das crianças sem dúvida frequentaria as escolas próximas de seus lares, o sistema atual impõe um monopólio de uma escola por distrito, criando assim através da coerção uma uniformidade em cada região. Crianças que, por qualquer motivo, preferissem frequentar uma escola em outro distrito são proibidas de fazê-lo; o resultado é uma homogeneidade geográfica forçada, e tem como consequência que o caráter de cada escola será totalmente dependente da vizinhança residencial na qual ela se encontra. É inevitável, logo, que as escolas públicas, em vez de serem totalmente uniformes, serão uniformes dentro de cada distrito, e a composição dos alunos, o financiamento de cada escola, e a qualidade da educação dependerá dos valores, da riqueza e da base imponível de cada região geográfica. Torna-se inevitável, então, que os distritos escolares mais ricos tenham um ensino mais caro e de melhor qualidade, maiores salários para os professores e melhores condições de trabalho que os distritos mais pobres. Os professores, por sua vez, considerarão as escolas melhores como melhores postos de trabalho para lecionar, e os melhores entre eles acabarão por ser atraídos aos melhores distritos escolares, enquanto os mais pobres permanecerão nas áreas de renda mais baixa. Assim, a operação das escolas públicas distritais inevitavelmente resulta na negação da própria meta igualitária que deveria ser, em primeiro lugar, uma das principais metas do sistema escolar público.

Além disso, se as áreas residenciais são segregadas por raça, como frequentemente tendem a ser, o resultado do monopólio compulsório geográfico é a segregação racial compulsória nas escolas públicas. Aqueles pais que preferirem um sistema de ensino integrado terão que se insurgir contra o sistema de monopólio geográfico. Ademais, assim como um piadista disse que hoje em dia “o que não é proibido é compulsório”, a tendência recente dos burocratas do ensino público não tem sido a de instituir o transporte voluntário das crianças, de forma a ampliar as escolhas dos pais, mas sim de ir na direção oposta e instituir o transporte compulsório e a integração racial compulsória nas escolas—o que frequentemente resulta num traslado grotesco das crianças para escolas distantes de seus lares. Mais uma vez, vê-se o típico padrão governamental: ou segregação compulsória, ou integração compulsória. A via voluntária—deixar as decisões nas mãos dos pais envolvidos—vai de encontro à natureza de qualquer burocracia estatal.

É curioso notar que os movimentos recentes pelo controle parental da educação pública por vezes é considerado como sendo de “extrema direita”, e, por outras, de “extrema esquerda”, quando a motivação libertária é exatamente a mesma em ambos os casos. Assim, quando os pais se opuseram ao transporte compulsório de seus filhos a escolas distantes, as autoridades educacionais condenaram seus movimentos como “intolerante” e “de direita”. Porém quando, da mesma maneira, os pais negros—como no caso de Ocean Hill-Brownsville na cidade de Nova York—exigiram assumir o controle local do sistema escolar, esta campanha foi, por sua vez, condenada como sendo de “extrema esquerda” e “niilística”. A parte mais curiosa da questão é que os pais, em ambos os casos, não conseguiram reconhecer seu desejo comum de assumir o controle local, e eles próprios condenaram os “intolerantes” ou “militantes” do outro grupo. Tragicamente, nem os grupos formados por brancos nem os grupos formados por negros reconheceram sua causa comum contra as autoridades educacionais: contra o controle ditatorial da educação de seus filhos por uma burocracia educacional que está tentando impor-lhes goela abaixo uma forma de instrução que elas acreditam que deve ser imposta sobre as massas recalcitrantes. Uma tarefa crucial dos libertários é salientar a causa comum de todos os grupos de pais contra a tirania educacional do estado. Deve-se apontar também, claro, que os paisnunca conseguirão acabar com a intromissão do estado na educação de seus filhos até que o sistema escolar público seja totalmente abolido e a educação se torne, novamente, livre.

A natureza geográfica do sistema escolar público levou a um padrão coercitivo de segregação residencial, de renda e, por consequência, de raça, por todo o país e, especialmente, nos subúrbios. Como todos sabem, os Estados Unidos vem experimentando, desde a Segunda Guerra Mundial, uma expansão em sua população, não nas áreas pobres dos centros das cidades, mas nos subúrbios que as cercam. À medida que novas famílias, mais jovens, se mudam para os subúrbios, o fardo cada vez maior nos orçamentos locais passa a ser o dos gastos com as escolas públicas, que têm de lidar com uma população jovem com uma proporção relativamente alta de crianças per capita. Estas escolas são financiadas, invariavelmente, através dos crescentes impostos prediais, que incidem principalmente sobre as residências suburbanas. Isto significa que quanto mais rica for a família suburbana, e quanto mais cara for a sua casa, maior será a sua contribuição, em impostos, para a escola local. Assim, à medida que o fardo dos impostos escolares aumenta gradualmente, os habitantes dos subúrbios tentam desesperadamente encorajar um influxo de habitantes ricos e casas mais caras, e desencorajar um influxo de cidadãos mais pobres. Existe, em suma, um ponto de equilíbrio no preço de uma casa, que, quando ultrapassado, fará com que uma nova família numa casa nova acabará pagando em impostos prediais mais do que seria necessário para pagar pela educação de seus filhos. Ao mesmo tempo, as famílias que vivem em casas abaixo deste nível de custo não pagam uma quantia suficiente, em impostos prediais, para financiar a educação de seus filhos e, portanto, acabarão impondo um fardo maior sobre a população que já habitava no subúrbio. Ao perceber este fato, os subúrbios geralmente adotaram rigorosas leis de zoneamento que proíbem a construção de casas abaixo de um nível específico de custo—impedindo assim o influxo de cidadãos mais pobres. Uma vez que a proporção de negros pobres é muito maior que a de brancos pobres, isto acabou por impedir, na prática, que negros se mudassem para os subúrbios. E, como nos últimos anos houve uma crescente mudança de empregos e indústrias das áreas centrais das cidades para seus subúrbios, o resultado foi um aumento cada vez maior nas taxas de desemprego entre os negros—um aumento que tende a se intensificar à medida que estas vagas de emprego se mudarem com maior rapidez para os subúrbios. A abolição das escolas públicas e, por consequência, do fardo imposto por elas—o vínculo entre elas e o imposto predial, seria extremamente benéfico para a remoção destas restrições de zoneamento e fariam com que os subúrbios deixassem de ser uma reserva exclusiva para brancos da alta classe média.

 

FARDOS E SUBSÍDIOS

A própria existência do sistema escolar público, além do mais, envolve uma rede complexa de subsídios e taxações coercitivas, todos os quais difíceis de serem justificados com base em qualquer fundamento ético. Em primeiro lugar, as escolas públicas forçam aqueles pais que querem mandar seus filhos para escolas privadas a suportar um fardo duplo: eles são coagidos a subsidiar as crianças que frequentam as escolas públicas, e também têm de pagar pela educação de seus próprios filhos. Somente o evidente colapso da educação pública nas grandes cidades foi capaz de manter nelas um sistema próspero de escolas privadas; no ensino superior, onde este colapso não foi tão acentuado, as universidades privadas estão rapidamente indo à falência devido à competição do ensino gratuito subsidiado pelos impostos e dos salários mais altos igualmente financiados pelos impostos. Do mesmo modo, como a constituição impõe que as escolas públicas devem ser seculares, pais religiosos são obrigados a subsidiar estas escolas públicas seculares. Embora a “separação entre igreja e estado” seja um princípio nobre—e uma parte integrante do princípio libertário da separação de tudo do estado—seguramente é ir longe demais rumo ao outro extremo forçar os religiosos a subsidiar os não-religiosos através da coerção estatal.

A existência da escola pública também significa que casais solteiros e sem filhos são coagidos a subsidiar famílias com filhos. Qual é o princípio ético aqui? E, uma vez que atualmente o crescimento populacional não está mais em voga, consideremos a anomalia que é o apoio dos antipopulacionistas progressistas a um sistema de escolas públicas que não apenas subsidia as famílias com filhos, mas as subsidia de maneiraproporcional ao número de filhos que elas têm. Não precisamos aderir integralmente a esta histeria antipopulacional dos dias de hoje para questionar a sensatez de se subsidiar o número de crianças por famílias através da ação governamental. Isto significa, também, que as pessoas solteiras pobres, assim como os casais pobres que não têm filhos, são obrigados a subsidiar as famílias ricas que os têm. Isto tem algum sentido ético?

Nos últimos anos as forças do ensino público vêm difundindo a doutrina de que “toda criança tem direito à educação”, e que, portanto, os pagadores de impostos devem ser coagidos a concedê-las este direito. Este conceito, no entanto, é uma interpretação totalmente errônea do conceito de “direito”. Filosoficamente, um “direito” deve ser algo inerente à natureza e à realidade do homem, algo que pode ser preservado e mantido a qualquer momento, em qualquer época. O “direito” à autopropriedade, a defesa da vida e propriedade, é claramente um desses direitos; ele se aplica tanto aos neandertais que viviam nas cavernas quanto à Calcutá ou aos Estados Unidos dos dias de hoje. Tal direito independe de tempo ou espaço. Porém o “direito a um emprego”, a “três refeições por dia” ou a “doze anos de educação” não pode ser garantido da mesma maneira. Suponhamos que tais coisas não possam existir, como de fato ocorria na época dos neandertais ou ocorre na Calcutá atual? Falar de “direito” referindo-se a algo que só pode ser garantido nas condições industriais contemporâneas não é, de maneira alguma, falar de um direito humano e natural. Além disso, o “direito” libertário à autopropriedade não exige a coerção de um grupo de pessoas para que elas proporcionem este direito a um outro grupo. Todo homem pode gozar do direito à autopropriedade, sem a necessidade de qualquer coerção especial sobre os outros. No entanto, no caso do “direito” à educação, ele só pode ser garantido se outras pessoas forem coagidas a satisfazê-lo. O “direito” à educação, a um emprego, a três refeições etc., não é, portanto, inerente à natureza humana, e precisa, para ser satisfeito, da existência de um grupo de pessoas exploradas que sejam coagidas para garanti-lo.

Além do mais, todo o conceito de um “direito à educação” sempre deve ser colocado no contexto de que a educação formal constitui apenas uma pequena fração da educação de uma pessoa ao longo de sua vida. Se toda criança realmente tem um “direito” à educação, então por que não tem um “direito” a ler jornais e revistas, e por que então o governo não deveria cobrar impostos de todos para fornecer revistas públicas gratuitamente a todos que desejarem obtê-las?

O professor Milton Friedman, um economista da Universidade de Chicago, realizou um serviço importante ao discriminar as quantias de dinheiro utilizadas nas diversas formas de subsídios governamentais, tanto na educação como em outras áreas. Embora Friedman, infelizmente, aceite o ponto de vista de que toda criança deve ter sua educação financiada pelos pagadores de impostos, ele aponta o non sequitur na utilização disto como um argumento pelas escolas públicas; é extremamente possível para o pagador de impostos subsidiar a educação de todas as crianças sem a existência de qualquer escola pública![17] No já célebre “plano de cupons” de Friedman, o governo daria para cada pai (ou mãe) um cupom que cobriria o valor de uma quantidade determinada das mensalidades para cada criança, em qualquer escola que este pai escolher. O plano de cupons continuaria a garantir a educação financiada pelos impostos a todas as crianças, mas abriria o caminho para a abolição da imensa burocracia monopolística, ineficiente e ditatorial das escolas públicas. O pai então pode mandar seu filho para qualquer tipo de escola pública que bem entender, ampliando assim o leque de escolhas disponível para todos os pais e filhos. A criança poderia, então, frequentar qualquer tipo de escola—progressista ou tradicional, religiosa ou secular, adepta da livre iniciativa ou socialista— que seus pais desejassem. O subsídio monetário passaria então a ficar totalmente separado do atual modelo governamental de uma educação pública garantida por um sistema de escolas públicas.

Conquanto o plano de Friedman seja uma grande melhoria se comparado ao sistema atual, fornecendo aos pais uma maior possibilidade de escolha e permitindo a abolição do sistema escolar público, o libertário ainda encontra muitos problemas graves que continuariam a existir a despeito de sua implementação. Em primeiro lugar, a imoralidade do subsídio coagido para a educação continuaria a vigorar. Em segundo, inevitavelmente o poder de subsidiar traz consigo o poder de regulamentar e controlar: o governo não está disposto a garantir cupons para qualquer tipo de educação. Claramente, portanto, o governo apenas pagaria cupons para as escolas públicas certificadas pelo estado como sendo adequadas e apropriadas, o que implica um controle minucioso das escolas privadas pelo governo—controle sobre seu currículo, seus métodos, sua forma de financiamento etc. O poder do estado sobre as escolas privadas, através de seu poder de permitir ou não que elas utilizassem o sistema de cupons, seria ainda maior do que é atualmente.[18]

Desde o caso do Oregon, os defensores das escolas públicas nunca chegaram ao ponto de abolir as escolas privadas, porém estas escolas continuam a ser regulamentadas e restritas de diversas maneiras. Cada estado, por exemplo, estabelece que toda criança deve ser educada na escola certificada por ele, o que obriga, mais uma vez, as escolas a seguir um modelo curricular desejado pelo governo. Para que uma escola seja “qualificada” como certificada ela precisa atender a todo tipo de normas inúteis e custosas, assim como os professores, que muitas vezes precisam frequentar uma série de cursos de “educação” sem sentido algum para que possam ser considerados aptos a lecionar. Muitas escolas privadas de qualidade estão operando “ilegalmente” hoje em dia, porque se recusam a obedecer aos requisitos, muitas vezes ridículos, do governo. Talvez a injustiça mais grave seja a de que, na maioria dos estados, os pais são proibidos de eles próprios ensinarem seus filhos, uma vez que o estado não concorda que eles sejam uma “escola” adequada. Existe um número enorme de pais que estão mais que qualificados para ensinar a seus próprios filhos, especialmente nas séries mais elementares. Além disso, estão mais qualificados do que qualquer outra pessoa de fora para julgar as capacidades e o ritmo a ser exigido de cada criança, e para adequar a educação às necessidades e habilidades de cada uma delas. Nenhuma escola formal, restrita a classes uniformes, pode fornecer este tipo de serviço.

As escolas “gratuitas”, sejam elas as escolas públicas atuais ou as futuras escolas pagas com cupons, não são, obviamente, de fato gratuitas; alguém, isto é, o pagador de impostos, tem que pagar pelos serviços educacionais em questão. Porém, uma vez que o serviço está dissociado do pagamento, a tendência é que exista um excesso de crianças nas escolas (além das leis de frequência obrigatória, que geram o mesmo efeito), e uma falta de interesse da parte da criança pelos serviços educacionais pelos quais sua família não tem de pagar. Como resultado, um grande número de crianças que não têm aptidão ou interesse na escola, e que estariam melhor em suas casas ou trabalhando, são forçadas a frequentar a escola e ficar lá por muito mais tempo do que deveriam. Esta obsessão pela educação em massa levou a uma multidão de crianças descontentes e aprisionadas, algo provocado pelo ponto de vista generalizado de que todos têm de terminar o ensino secundário (ou até mesmo a universidade) para que mereçam ter um emprego. Acrescenta-se a essa pressão o crescimento histérico da propaganda “anti-desistência” nos meios de comunicação de massa. Parte disto é culpa do comércio e das empresas, pois os empregadores estão bem satisfeitos em ter uma força de trabalho treinada, não pelos próprios empregadores ou no exercício do emprego, mas à custa do pobre pagador de impostos. Quanto deste florescimento da educação pública em massa não passa de um meio pelo qual os empregadores repassam aos pagadores de impostos o custo de treinar seus empregados?

Seria de se esperar, portanto, que este treinamento, uma vez que não tem custo algum para os empregadores, seria demasiadamente caro, ineficiente e longo. Existem, de fato, cada vez mais evidências de que boa parte da educação fornecida atualmente aos alunos não é necessária para a obtenção de um emprego produtivo. Como pergunta Arthur Stinchcombe:

Existe algo que uma escola secundária pode ensinar que aqueles que empregam indivíduos para executar trabalhos manuais estariam dispostos a pagar, caso lhes fosse adequadamente ensinado? A resposta, em geral, é não. Nem a capacidade física nem tampouco a confiabilidade, as duas principais variáveis que interessam a quem contrata alguém para realizar trabalhos manuais, são influenciadas em grande escala pela educação escolar. Os empregadores que se preocupam em conseguir trabalhadores confiáveis podem exigir diplomas de ensino secundário apenas como evidência de boa disciplina; de resto, eles podem treinar os trabalhadores com muito mais eficácia e a um custo muito menor do que uma escola secundária, e no exercício da própria profissão.[19]

E, como aponta o professor Banfield, a maior parte das habilidades necessárias para uma profissão é aprendida no exercício dela, de qualquer maneira.[20]

A relativa inutilidade do sistema escolar público no treinamento para o trabalho manual é demonstrada pelo fascinante trabalho do MIND, um serviço educacional privado operado atualmente pela Corn Products Refining Company de Greenwich, Connecticut. O MIND escolheu intencionalmente estudantes que abandonaram o ensino secundário que não tinham habilidades para ofícios manuais, e, em poucas semanas, através de um treinamento intensivo e do uso de máquinas de ensino, lhes ensinou habilidades básicas e datilografia a estes desistentes e conseguiu empregos em empresas. Dez anos de educação pública tinham ensinado menos a estes jovens do que algumas semanas de treinamento privado e direcionado ao emprego! Permitir que estes jovens abandonem a dependência forçada para que se tornem independentes e autossustentáveis só pode trazer benefícios imensuráveis tanto para os próprios jovens quanto para o resto da sociedade.

Existe uma quantidade considerável de evidências que associam as leis de frequência obrigatória com o crescente problema da delinquência juvenil, especialmente em crianças mais velhas e frustradas. Assim, Stinchcombe descobriu que o comportamento rebelde e delinquente é, “em grande parte, uma reação à própria escola”; e o Comitê Crowther, no Reino Unido, descobriu que quando a idade mínima para o abandono escolar foi aumentada pelo governo, em 1947, de catorze para quinze anos de idade, houve um aumento imediato e acentuado nos atos delinquentes cometidos pelos jovens de catorze anos recém-encarcerados.[21]

Parte da culpa pela frequência obrigatória e pela educação pública em massa também deve ser atribuída aos sindicatos trabalhistas que, visando reduzir a concorrência de trabalhadores adolescentes, tentam forçá-los para fora do mercado de trabalho e obrigá-los a frequentar instituições educacionais pelo maior tempo possível. Assim, tanto os sindicatos quanto os empregadores exercem uma pressão poderosa em prol da educação compulsória e, por consequência, do desemprego de boa parte da juventude da nação.

 

EDUCAÇÃO SUPERIOR

Com a exceção dos efeitos das leis de frequência obrigatória, as mesmas críticas que fizemos às escolas públicas também podem ser feitas à educação superior pública, com uma adição digna de nota. Existe uma evidência cada vez maior de que, no caso da educação superior, o subsídio coagido consiste, em grande parte, em se forçar os cidadãos mais pobres a subsidiar a educação dos mais ricos! Existem três motivos básicos para que isto ocorra: a estrutura fiscal das escolas não é particularmente “progressiva”, isto é, ela não taxa os mais ricos numa proporção maior; os jovens que vão para as universidades geralmente têm pais mais ricos que os jovens que não vão; e os jovens que vão para as universidades adquirirão, geralmente, uma renda de trabalho ao longo de suas vidas mais alta do que aqueles que não vão. Decorre disto uma redistribuição líquida da renda dos mais pobres para os mais ricos através das universidades públicas! Qual seria a justificativa ética para isso?

Os professores Weisbrod e Hansen já demonstraram este efeito de redistribuição em seus estudos sobre a educação superior pública nos estados de Wisconsin e Califórnia. Eles descobriram, por exemplo, que a renda média familiar dos habitantes de Wisconsin que não têm filhos era de US$6.500 em 1964-1965, enquanto a renda familiar de famílias com filhos na Universidade de Wisconsin era de US$9.700. Na Califórnia, as cifras eram, respectivamente, de US$7.900 e US$12.000, e a disparidade de subsídios era ainda maior, porque a estrutura fiscal era muito menos “progressiva” neste estado. Douglas Windham encontrou um efeito semelhante de redistribuição dos mais pobres para os mais ricos no estado da Flórida. Hansen e Weisbrod concluíram, a partir de seu estudo sobre a situação na Califórnia:

no geral, o efeito destes subsídios é promover uma desigualdade maior, e não menor, entre pessoas de diversas situações sociais e econômicas, ao disponibilizar subsídios consideráveis para os quais as famílias de menor renda não têm acesso ou não podem utilizar devido a outras condições e restrições associadas à sua condição de renda.

O que descobrimos ocorrer na Califórnia—uma distribuição excessivamente desigual dos subsídios fornecidos através da educação superior pública—provavelmente ocorre com uma frequência ainda maior em outros estados. Nenhum estado tem um sistema tão abrangente de universidades de curta duração quanto a Califórnia, e, por este motivo, nenhum outro estado tem uma porcentagem tão grande de alunos formados no ensino superior que frequentam as instituições públicas de ensino superior. Como resultado, podemos ter certeza de que a Califórnia tem uma porcentagem menor de seus jovens que não recebem quaisquer subsídios do que qualquer outro estado.[22]

Além disso, os estados, além de colocar em risco, financeiramente, suas universidades privadas através da concorrência injusta das instituições subsidiadas pelos impostos, põem em prática controles rígidos sobre a educação superior privada através de diversas regulamentações. Assim, no estado de Nova York, ninguém pode fundar uma instituição que seja denominada “faculdade” ou “universidade” sem depositar uma fiança de US$500 mil para o governo do estado. Claramente, esta é uma forma grave de discriminação contra as instituições de menor porte e mais pobres, que acaba por mantê-las, na prática, fora do sistema de educação superior. Da mesma forma, as associações regionais de universidades, através do seu poder de “acreditação”, podem impedir, na prática, o funcionamento de qualquer universidade que não se adeque aos cânones de currículo estabelecidos pelas autoridades ou de financiamento. Por exemplo, estas associações se recusam a credenciar qualquer universidade, por mais excelente que seja o seu nível de instrução, que seja particular ou vise ao lucro, em vez de ser regida por um conselho de curadores. Uma vez que as universidades particulares, por terem um incentivo muito maior para serem eficientes e servirem ao consumidor, tendem a ser mais bem-sucedidas, em termos financeiros, esta discriminação impõe outro pesado fardo econômico sobre a educação superior privada. Nos últimos anos, o Marjorie Webster Junior College, em Washington, D.C., quase foi obrigado a fechar suas portas por ter sua acreditação recusada pela associação regional local. Embora possa ser dito que estas associações regionais sejam privadas, e não públicas, elas trabalham em conjunto com o governo federal que, por exemplo, se recusa a fornecer as bolsas de estudo costumeiras ou os benefícios concedidos a veteranos de guerra para universidades que não tenham sido credenciadas.[23]

A discriminação governamental contra as universidades particulares (bem como outras instituições) não se limita à concessão de acreditações e bolsas de estudo. Toda a estrutura do sistema fiscal discrimina contra elas de maneira ainda mais grave. Ao eximir as organizações geridas por conselhos de curadores de imposto de renda, ao mesmo tempo em que impõem impostos pesados sobre instituições que visam obter lucro, os governos estaduais e federal enfraquecem e reprimem aquilo que poderia ser a forma mais eficiente e solvente de educação privada. A solução libertária para esta desigualdade não é, obviamente, aplicar estes mesmos fardos sobre os colégios regidos por conselhos de curadores, mas sim remover os fardos fiscais que oprimem as universidades particulares. A ética libertária não consiste em impor sobre todos uma mesma forma de escravidão, mas sim conceder a todos a mesma liberdade.

A administração fideicomissária é, em geral, uma maneira ineficiente de se gerir qualquer instituição. Em primeiro lugar, ao contrário de corporações, parcerias ou empresas que visam o lucro, uma empresa gerida por um conselho de curadores não pertence inteiramente a ninguém. Os curadores não podem obter lucro através da operação bem-sucedida da organização, portanto não há qualquer incentivo para a sua eficiência, ou para atender de maneira apropriada às demandas dos consumidores desta empresa. Enquanto a universidade ou organização não sofrer com déficits excessivos, ela pode se manter num nível baixo de performance. E, como os curadores não podem lucrar através do aperfeiçoamento dos serviços prestados a seus consumidores, eles tendem a ser negligentes em suas operações. Além disso, eles encontram dificuldades na manutenção de uma eficiência financeira por conta dos termos de seus alvarás; os curadores de uma universidade, por exemplo, não tem a permissão de salvar sua instituição transformando parte do seu campus num empreendimento comercial—um estacionamento que gere lucro, digamos.

O mau serviço prestado aos consumidores é agravado no caso das universidades geridas por conselhos de curadores nos dias de hoje, nas quais os estudantes pagam apenas uma pequena fração do custo de educação, enquanto a maior parte é financiada através de subsídios ou doações. A situação costumeira do mercado, na qual os produtores vendem seu produto e os consumidores pagam por ele o seu valor integral, deixa de existir, e a separação entre serviço e pagamento leva a uma condição insatisfatória para todos os envolvidos. Os consumidores, por exemplo, sentem que são os administradores quem estão ditando as regras. Por sua vez, como comentou um libertário durante o auge das revoltas estudantis do fim da década de 1960, “ninguém faz manifestações no Berlitz”. Além disso, o fato de que os “consumidores” são, na realidade, os governos, fundações ou ex-alunos que pagam a maior parte da conta, significa que a educação superior acaba inevitavelmente sendo enviesada para as suas exigências, e não para a educação dos estudantes. Como afirmaram os professores Buchanan e Devletoglou:

A interposição do governo entre as universidades e seus estudantes-consumidores criou uma situação na qual as universidades não conseguem atender às demandas e captar diretamente recursos para satisfazer às preferências destes estudantes-consumidores. Para conseguir estes recursos, as universidades são obrigadas a competir com outras atividades financiadas pelos impostos (forças armadas, escolas primárias, programas de bem-estar social, e assim por diante). As demandas do estudante-consumidor acabam sendo negligenciadas, no processo, e o descontentamento dos estudantes que resulta disto fornece os ingredientes para o caos que vemos observando. (…) A crescente dependência do apoio financeiro governamental, traduzida na instituição da mensalidade gratuita, pode por si só ser a fonte mais significativa do descontentamento atual.[24]

A receita libertária para a nossa desordem educacional pode, portanto, ser resumida de maneira simples: retirar o governo do processo educacional. O governo vem tentando moldar e doutrinar os jovens da nação através do sistema escolar público, e moldar seus líderes futuros através da operação do estado e do controle da educação superior. A abolição das leis de frequência obrigatória poria um fim ao papel das escolas como carcereiros dos jovens da nação, e libertaria todos aqueles que estariam melhor fora das escolas, para obter sua independência e realizar trabalhos produtivos. A abolição das escolas públicas daria um fim ao fardo opressivo dos impostos prediais, e permitiria o surgimento de uma ampla gama de formas de educação, destinada a satisfazer todas as necessidades e demandas expressas livremente pela nossa população diversificada e variada. A abolição da educação governamental poria um fim ao injusto subsídio coagido concedido às famílias com mais membros, e, muitas vezes, de classes mais altas, em detrimento das mais pobres. O miasma do governo, de moldar a juventude dos Estados Unidos de acordo com o que o estado deseja, seria substituído por atos voluntários e escolhidos livremente—em suma, por uma educação genuína e verdadeiramente livre, tanto dentro quanto fora das escolas formais.

 



[1] Para isso, ver Paul Goodman, Compulsory Mis-education and the Community of Scholars (Nova York: Vintage Press, 1964), e diversas obras de Goodman, John Holt, Jonathan Kozol, Herbert Kohl, Ivan Illich e muitos outros..

[2] Ver Albert Jay Nock, The Theory of Education in the United States (Chicago: Henry Regnery, 1949); eidem, Memoirs of a Superfluous Man (Nova York: Harper and Bros., 1943).

[3] Ver John William Perrin, The History of Compulsory Education in New England (1896).

[4] A.E. Twentyman, “Education; Germany,” Encyclopaedia Britannica, 14ª ed. (1929), vol. VII, p. 999–1000.

[5] Ver Perrin, The History of Compulsory Education in New England.

[6] Ver  Merle  Curti,  The  Social  Ideas  of  American  Educators  (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1935).

[7] The Papers of Archibald D. Murphey (Raleigh: University of North Car- olina Press, 1914), vol. II, p. 53–54.

[8] Ludwig von Mises, The Free and Prosperous Commonwealth (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1962), p. 114–15.

[9] Calvin E. Stowe, The Prussian System of Public Instruction and its Applic- ability to the United States(Cincinnati, 1830), p. 61ss. A respeito das motivações elitistas dos reformadores educacionais, ver Michael B. Katz, The Irony of Early School Reform (Boston: Beacon Press, 1970).

[10] Citado em Edward C. Kirkland, Dream and Thought in the Business Community, 1860–1900 (Chicago: Quadrangle Books, 1964), p. 54.

[11] Ver Lloyd P. Jorgenson, “The Oregon School Law of 1922: Passage and Sequel,” Catholic Historical Review(outubro de 1968): 455–60.

[12] Ver David Hackett Fischer, “The Myth of the Essex Junto,” William and Mary Quarterly (abril de 1964): 191–235. Ver também Murray N. Rothbard, “Economic Thought: Comment,” in D.T. Gilchrist, ed., The Growth of the Seaport Cities, 1790–1825 (Charlottesville: University Press of Virginia, 1967), p. 178–79.

[13] E.G. West, Education and the State (Londres: Institute of Economic Affairs, 1965), pp. 13–14.

[14] Herbert Read, The Education of Free Men (Londres: Freedom Press, 1944), p. 27–28.

[15] Herbert Spencer, Social Statics (Londres: John Chapman, 1851), p. 332–33.

[16] Isabel Paterson, The God of the Machine (Nova York: G.P. Putnam, 1943), pp. 257–58.

[17] Milton  Friedman,  Capitalism  and  Freedom  (Chicago:  University  of Chicago Press, 1962), p. 85–107.

[18] Para uma crítica libertária do esquema de cupons, ver George Pearson, Another Look at Education Vouchers (Wichita, Kan.: Center for Independent Education).

[19] Arthur L. Stinchcombe, Rebellion in a High School (Chicago: Quadran- gle Books, 1964), p. 180. Citado  em Edward C. Banfield, The Unheavenly City (Boston: Little, Brown, 1970), p. 136.

[20] Ibid., p. 292.

[21] Ibid., p. 149ss.

[22] W. Lee Hansen and Burton A. Weisbrod, Benefits, Costs, and Finance of Public Higher Education(Chicago: Markham, 1969), p. 78. Sobre o estado de Wisconsin e sua comparação com a Califórnia, ver W. Lee Hansen, “Income Distribution Effects of Higher Education,” American Economic Review, Papers and Proceedings (maio de 1969): 335–40. Sobre  o problema geral da redistribuição dos mais pobres para os mais ricos no “estado de bem-estar social” moderno, ver Leonard Ross, “The Myth that Things are Getting Better,”New York Review of Books (12 de agosto de 1971): 7–9.

[23] Sobre o caso do Marjorie Webster Junior College, ver James D. Koerner, “The Case of Marjorie Webster,”The Public Interest (verão de 1970): 40–64.

[24] James M. Buchanan and Nicos E. Devletoglou, Academia in Anarchy: An Economic Diagnosis (Nova York: Basic Books, 1970), p. 32–33.

 

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