Prefácio à Primeira Edição

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Bastiat não era um anarquista de livre mercado, um libertário ou qualquer coisa parecida. Bastiat defendia o Estado. Dizia que o Estado tinha uma função, um propósito e uma incumbência administrativa.

Sobre esse ponto de vista, Bastiat era bem diferente do movimento libertário que hoje o traduz. Então por quê?

Estaria o libertarianismo esgotado de autores?

Os inúmeros livros ainda não traduzidos da escola austríaca provam que não, e tantos outros de outras correntes libertárias que nem foram tocadas ainda.

Estaríamos então nos desviando dos fundamentos libertários?

Nenhum dos participantes da tradução dessa obra demonstrou interesse em começar a pagar impostos ou em frequentar as urnas a cada quatro anos.

Podemos começar pelo sentimento que esse livro desperta. Poucos autores nos deixam um sabor de liberdade tão aguçado quanto ele. Poucos tem o talento de Frédéric Bastiat. Ele tinha visões que foram sendo lentamente abandonadas, até chegarmos num estágio de seca intelectual.

Tome a ideia de que nascemos proprietários em virtude da organização humana. Tome a ideia de que não há base para o estado manifestar uma função ou interação que o conjunto de sujeitos que o compôs não eram legitimados para realizar. Tome a ideia de que o protecionismo, seja enquanto subsídio, situação na qual apresenta um caráter unilateral de beneficiar um grupo em detrimento de outro, seja enquanto restrição, onde segue o princípio fundamental da espoliação, em que proíbe a venda de um item, negando o direito ao trabalho.

Tome sua defesa contra a divisão de classes, com a restrição dos legisladores à própria ideia de propriedade, submetendo não apenas as leis, mas toda a ordem social sobre esse princípio. Tome a defesa aguçadíssima (da qual discordamos inteiramente) da propriedade intelectual. Tome a defesa sistemática de princípios contra a utilidade casual que o protecionismo poderia ter. Tome os exemplos, as metáforas, as ironias, as grandes citações, a grande cultura de um homem disposto a defender seus princípios contra quem quer que fosse.

Misture tudo isso em um caldeirão; em uma época em que era difícil falar contra monopólios estabelecidos, onde as circunstâncias favoreciam que o autor se mantivesse debaixo das asas das elites já estabelecidas, afinal o povo – ainda que o autor fosse incansável em defendê-lo – não o via com bons olhos. Misture tudo isso com o coração nobre de Frédéric Bastiat: o resultado será o maior defensor da liberdade que a França já viu.

Numa época em que os ideais comunistas e seus filhotes ocupavam cada vez mais o espaço da “Utopia possível” no imaginário popular, esse jornalista francês tomou a pior decisão que um homem sensato poderia escolher: desafiou seu tempo. E ele fez isso justamente por não ser um homem sensato – Bastiat era extraordinário. E um dos escritos deste livro, em que o autor teve de arcar com um imprevisto de viagem e escrever dentro de um prostíbulo (sim, um prostíbulo) é apenas uma das inúmeras provas disso.

Mas apesar de todos os esforços dele, nossos tempos – a época em que este livro está sendo publicado – parecem não ter tido contato suficiente com este tipo de obra. Atualmente, o ringue das ideias sociais está repleto de desafiantes que, dizendo defender a liberdade, a espancam contra as grades do octógono. Queremos mudar isso. Queremos dar uma nova chance da liberdade se defender, de dar o troco. Foi por isso que decidimos traduzir esse conjunto de escritos de Frédéric Bastiat:

Porque apesar de não o admitirmos por completo, não vamos negá-lo o direito de, mesmo após a vida, defender sua tão amada liberdade. E porque acreditamos que o mundo ainda não conseguiu absorver o impacto de suas palavras e talvez nesse ponto a nova geração tenha mais proximidade com os efeitos nefastos que ele alardeou do que a antiga. E não é por menos:

Todas as muitas situações em que Bastiat alertou sobre os grandes males que teriam aquelas intervenções de fato se concretizaram. Vemos um mundo que reaprendeu a guerrear, que ignora a Propriedade e que despreza a Liberdade julgando lutar por ela. Mas nós sabemos. Sabemos que, apesar de tudo, o principal juiz de qualquer pensador é o tempo. E nesse sentido, o autor ainda vive.

Bastiat segue invicto.

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