Qual deve ser a quantidade certa de dinheiro em uma economia?

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PrintingA maioria dos economistas acredita que uma economia em expansão requer uma oferta monetária crescente, pois a expansão econômica geraria uma maior demanda por dinheiro.  Se essa maior demanda não for satisfeita – garantem eles – haverá uma queda nos preços de bens e serviços, o que irá desestabilizar a economia e levar a uma recessão econômica – ou, ainda pior, a uma depressão.

Uma vez que o crescimento da oferta monetária é algo de tamanha importância, não é nenhuma surpresa que os economistas estejam continuamente à procura da porcentagem correta de crescimento – ou, como eles dizem, a taxa ótima de crescimento da oferta monetária.  Os economistas mais eloqüentes nesse assunto são os seguidores de Milton Friedman – também conhecidos como monetaristas -, que querem que o banco central aumente a oferta monetária a uma taxa percentual fixa.  Eles garantem que se essa percentagem for mantida por um período de tempo prolongado, a economia será levada a uma era de estabilidade plena.

Toda essa idéia de que a quantidade de dinheiro deve crescer a fim de sustentar o crescimento econômico dá a impressão de que, por alguma razão, é o dinheiro quem sustenta a atividade econômica. Se isso de fato fosse verdade, então a maioria das economias do Terceiro Mundo a esta altura já teria eliminado a pobreza simplesmente por meio da impressão de enormes quantidades de dinheiro.

De acordo com Rothbard,

O dinheiro, por si só, não pode ser nem consumido e nem usado diretamente como bem de capital no processo produtivo.  O dinheiro é, portanto, improdutivo per se; é um estoque morto e não produz coisa alguma.  Ao passo que terra e capital estão sempre na forma de algum bem específico, de algum instrumento específico e produtivo, o dinheiro, por outro lado, está sempre com alguém na forma de encaixe.[1]

A principal função do dinheiro é simplesmente servir como meio de troca.  O dinheiro não sustenta ou financia a atividade econômica real.  Os meios de sustento, ou de financiamento, são fornecidos pelos serviços e bens reais que foram poupados [para entender melhor essa idéia, gentileza recorrer a esse artigo].  Ao cumprir o seu papel de meio de troca, o dinheiro apenas facilita o fluxo de bens e serviços.

Historicamente, vários bens distintos já foram utilizados como meio de troca.  Sobre isso, Mises observou que, ao longo do tempo,

… haveria uma tendência inevitável de que os menos comercializáveis daqueles bens utilizados como meio de troca fossem rejeitados um a um até que, finalmente, apenas uma única commodity restasse, aquela que seria universalmente empregada como meio de troca; ou seja, como dinheiro.[2]

Através de um contínuo processo seletivo ao longo de milhares de anos, as pessoas se decidiram pelo ouro como o meio geral de troca.  Mas a maioria dos economistas do mainstream, conquanto aceitem essa evolução histórica, ainda duvidam que o ouro possa cumprir o papel de dinheiro no mundo moderno. Eles argumentam que, como economias em crescimento geram demandas crescentes por dinheiro, a oferta de ouro não é adequada para cumprir a função de dinheiro.

Ademais, quando se leva em consideração que uma grande porção do ouro escavado é utilizada para fins industriais e/ou ornamentais, conclui-se que o estoque de dinheiro se manteria praticamente constante ao longo do tempo.  Ou seja, o argumento é que o livre mercado, por ser incapaz de fornecer ouro suficiente, irá gerar escassez na oferta monetária.  E isso, consequentemente, poderá desestabilizar a economia.  É por essa razão que a maioria dos economistas, mesmo aqueles simpáticos à idéia de livre mercado, endossam a idéia de que a oferta monetária é algo que deve ser controlado apenas pelo governo.

Mas será que isso faz sentido?

Quando falamos sobre demanda por dinheiro, o que realmente temos em mente é a demanda pelo poder de compra do dinheiro.  Afinal, o que as pessoas querem de fato não é necessariamente uma maior quantia de dinheiro em seus bolsos, mas, sim, um maior poder de compra.  Ambos não são necessariamente complementares.

Sobre isso, Mises escreveu que

Os serviços que o dinheiro fornece estão condicionados pela grandeza do seu poder de compra.  Ninguém quer manter como encaixe um número definido de pedaços de dinheiro ou um peso definido de dinheiro; o que todos querem manter como encaixe é uma quantia definida de poder de compra.[3]

Em um livre mercado, similarmente ao que ocorre com outros bens, o preço do dinheiro é determinado pela oferta e demanda.  Assim, se houver menos dinheiro, seu valor de troca irá aumentar.  Inversamente, o valor de troca irá cair quando houver mais dinheiro.  Ou seja, dentro da estrutura de um livre mercado, não é possível haver algo como “pouco” ou “muito” dinheiro.  Desde que o mercado seja livre para encontrar seu equilíbrio, não há como haver qualquer escassez de dinheiro.

Consequentemente, uma vez que o mercado tenha escolhido uma determinada commodity para servir como dinheiro, o atual estoque dessa commodity será sempre suficiente para servir como dinheiro.  (Se não fosse, o mercado simplesmente não a escolheria).  Portanto, em um livre mercado, toda essa idéia de uma taxa ótima de crescimento da oferta monetária é absurda.

De acordo com Mises,

Uma vez que a operação do mercado tende a determinar o estado final do poder de compra do dinheiro em um nível em que a oferta de dinheiro coincide com a demanda por ele, nunca será possível haver um excesso ou uma escassez de dinheiro.  Cada indivíduo e todos os indivíduos juntos desfrutam plenamente das vantagens que a troca indireta e o uso do dinheiro lhes proporcionam, qualquer que seja sua quantidade. . . . os serviços que o dinheiro presta não podem ser aperfeiçoados nem reparados se a sua quantidade for alterada. . . . A quantidade de dinheiro disponível na economia como um todo é sempre suficiente para assegurar, a todas as pessoas, todos os serviços que o dinheiro pode prestar e que efetivamente presta.[4]

Mas como podemos garantir que a oferta da commodity escolhida como dinheiro não começará a se expandir rapidamente devido a eventos imprevistos?  Isso não destruiria o bem-estar das pessoas?  Se isso acontecesse, as pessoas provavelmente iriam abandonar essa commodity e optar por outra commodity.  Indivíduos que estão lutando para preservar suas vidas e bem-estar não irão escolher uma commodity que esteja sujeita a um constante declínio em seu poder de compra enquanto dinheiro.

Essa é a essência do processo de seleção de mercado e a razão por que foram necessários milhares de anos para que o ouro fosse selecionado como a commodity mais comercializável.  Em suma, esse prolongado processo de seleção de mercado fortaleceu a probabilidade de que o ouro de fato seja a commodity mais adequada para cumprir a função de dinheiro.

Mas mesmo se concordássemos que o mundo sob o padrão-ouro teria sido um lugar muito melhor para se viver do que sob o atual sistema monetário, ainda assim teríamos de ser práticos e apresentar soluções que estejam em sintonia com a realidade contemporânea, a saber: que no mundo em que atualmente vivemos existem bancos centrais e, pior, não há um padrão ouro.  Considerando-se essa realidade indelével, qual então deveria ser a correta taxa de crescimento da oferta monetária?

O problema é que, pelo fato de as autoridades centrais terem substituído coercivamente o dinheiro selecionado pelo mercado por dinheiro de papel, não é possível delinear um esquema que nos forneça a taxa “correta” de crescimento do dinheiro.  Eis o porquê.

Originalmente, o dinheiro de papel não era considerado dinheiro, mas meramente uma representação do ouro existente.  Vários certificados de papel representavam títulos redimíveis em ouro que estava guardado nos bancos. Os proprietários desses certificados podiam convertê-los em ouro sempre que julgassem necessário. Mas como as pessoas descobriram ser mais conveniente utilizar diretamente os certificados de papel nas aquisições de bens e serviços – ao invés de irem ao banco retirar ouro sempre que fossem comprar alguma coisa -, esses certificados passaram a ser considerados dinheiro.

Mas o problema é que certificados de papel que são aceitos como meio de troca abrem espaço para práticas fraudulentas.  E os bancos agora estavam tentados a incrementar seus lucros através de um artifício fraudulento: criando e emprestando certificados que não eram cobertos por ouro.  Em uma economia de livre mercado, um banco que emitir certificados em excesso irá rapidamente descobrir que o valor de troca de seus certificados em termos de bens e serviços irá cair.

E, para proteger seu poder de compra, as pessoas que estiverem de posse desses certificados emitidos em excesso irão naturalmente tentar reconvertê-los em ouro.  Mas se todos eles fossem redimir seus certificados em ouro ao mesmo tempo, isso iria quebrar o banco – uma vez que este emitiu mais certificados do que haviaem ouro.  Em um livre mercado, seria justamente essa ameaça de insolvência que iria restringir os bancos, desestimulando-os a emitir certificados que não fossem lastreados em ouro. Sobre isso, Mises escreveu que

As pessoas freqüentemente se referem a um ditado americano anônimo, citado por Tooke: “Liberdade na atividade bancária significa liberdade para trapacear”. Entretanto, a liberdade de emitir notas bancárias teria limitado consideravelmente o uso de notas bancárias, quiçá suprimido-o inteiramente. Foi essa a idéia expressa por Cernuschi diante da Comissão de Inquérito do Sistema Bancário Francês em 24 de outubro de 1865: “Estou convencido de que aquilo que é denominado de livre atividade bancária resultaria no completo desaparecimento das notas bancárias na França. Quero que todos tenham o direito de emitir notas bancárias para que ninguém tenha mais de aceitá-las”.[5]

Isso significa que, em uma economia de livre mercado, o dinheiro de papel não pode assumir “vida própria” e se tornar independente do dinheiro-commodity.

Entretanto, o governo pode contornar essa disciplina imposta pelo livre mercado.  Ele pode emitir um decreto autorizando os bancos que emitiram certificados em excesso a não redimi-los em ouro.  Uma vez que os bancos estejam desobrigados a redimir seus certificados de papel em ouro, estão criadas oportunidades para lucros enormes.  E isso gerará incentivos para se perseguir uma expansão desimpedida da oferta de certificados de papel.[6]  Essa incontida expansão dos certificados de papel irá muito provavelmente gerar uma aumento galopante nos preços dos bens e serviços, o que em extremos poderá levar ao colapso da economia de mercado.

Para evitar tal colapso, a oferta desse dinheiro de papel deve ser gerenciada.  O propósito principal desse manuseio da oferta é impedir que vários bancos concorrentes emitam certificados de papel em excesso e provoquem falências mútuas.  Isso pode ser feito através da criação de um banco monopolista – isto é, um banco central – que gerencie a expansão do dinheiro de papel.

De acordo com Hans-Hermann Hoppe, “Se alguém quiser ter êxito na substituição do dinheiro-commodity pelo dinheiro fiduciário, um requerimento adicional deve ser observado: a livre entrada no mercado de produção de notas deve ser restrita, e um monopólio sobre o dinheiro deve ser estabelecido.”[7]

Para afirmar sua autoridade, o banco central introduz os seus certificados de papel, os quais irão substituir os certificados de todos os bancos.  (O poder de compra desse dinheiro do banco central será estabelecido de acordo com o fato de que os vários certificados de papel, que já possuem poder de compra, serão trocados pelo dinheiro do banco central a uma taxa de câmbio fixa.  Ou seja, os certificados de papel do banco central são totalmente lastreados pelos certificados dos bancos, que possuem um elo histórico com o ouro).

O dinheiro de papel do banco central, que agora é declarado como sendo de curso forçado – isto é, sua aceitação é obrigatória por lei -, também serve como um ativo que os bancos são obrigados a manter como reservas depositadas junto ao banco central (os depósitos compulsórios).  Isso irá permitir ao banco central determinar um limite para a expansão de crédito feita pelo sistema bancário.

Olhando dessa forma, pareceria que o banco central pode gerenciar e estabilizar o sistema monetário.  A verdade, entretanto, é exatamente oposta.  Para gerenciar o sistema, o banco central precisa constantemente criar dinheiro “do nada” para impedir que os bancos quebrem uns aos outros.  (Como os bancos criam depósitos do nada, eles aumentam a oferta monetária com dinheiro fictício. Se mais dinheiro real não for impresso pelo banco central, corridas bancários poderão liquidar os bancos em um dia. Veja essa palestra do IMB para entender melhor esse conceito. Veja também esse artigo e esse).  E essa constante criação de dinheiro leva a declínios persistentes no seu poder de compra, o que desestabiliza todo o sistema monetário.  Essa tendência à desestabilização do sistema também é reforçada pelo fato de que um monopolista monetário tem naturalmente o incentivo de cuidar apenas de seus próprios interesses.

De acordo com Hoppe,

Ele [o monopolista] pode imprimir notas a custo praticamente zero para então utilizá-las na compra de ativos reais (bens de consumo ou de capital) ou para o pagamento de dívidas reais. A riqueza real do público não ligado ao setor bancário será reduzida – ele agora possui menos bens e mais dinheiro com um poder de compra menor.  Entretanto, a riqueza real do monopolista irá crescer – ele agora é o proprietário de mais bens não monetários (e ele sempre terá o tanto de dinheiro que quiser).  Quem nessa situação – exceto anjos – não incorreria em uma expansão constante da oferta monetária e, consequentemente, em uma depreciação contínua da moeda?[8]

Ao passo que em um livre mercado as pessoas não aceitariam como dinheiro uma commodity cujo poder de compra estivesse sujeito a um constante declínio, no ambiente atual as autoridades centrais estão coercivamente impondo um dinheiro de papel cujo poder de compra sofre um declínio contínuo.

Dado que o atual sistema monetário é fundamentalmente instável, os bancos centrais são compelidos a imprimir dinheiro do nada – sem qualquer lastro – para impedir o colapso do sistema.  Não importa muito qual esquema de injeção monetária um determinado banco central adota.  O fato é que, independentemente do modo como são feitas essas injeções monetárias, os ciclos econômicos de expansão e recessão estão se tornando – e continuarão – cada vez mais ferozes.

Até mesmo o esquema de Milton Friedman – fixar a taxa de crescimento da oferta monetária em uma dada porcentagem – não irá trazer o resultado desejado.  Afinal, uma porcentagem fixa de crescimento ainda representa um crescimento monetário.  E todo crescimento monetário artificial faz com que alguma coisa seja trocada por nada – isto é, ainda haverá empobrecimento econômico e ciclos econômicos.  (Para entender melhor esse parágrafo, leia este artigo).

E se um determinado país abolisse seu banco central completamente e mantivesse inalterado o seu atual estoque de dinheiro?  Isso levaria a uma estabilidade econômica?  Não, não levaria.  Um estoque de dinheiro inalterável iria causar um colapso quase imediato no atual sistema monetário.  Afinal, o sistema atual só sobrevive porque os bancos centrais, através de injeções monetárias, impedem que os bancos que praticam reservas fracionárias (ou seja, todos) quebrem.

Sendo assim, não é nenhuma surpresa que um banco central tenha de recorrer a enormes injeções monetárias sempre que há alguma ameaça oriunda de choques políticos e econômicos.  Por exemplo, para impedir possíveis colapsos no sistema monetário em decorrência dos ataques de 11 de setembro, o Fed injetou mais de $100 bilhões em uma semana.  E na atual crise, ele foi ainda mais longe: injetou mais de $800 bilhões em três meses – e subindo.

Quanto tempo os bancos centrais podem manter o atual sistema monetário funcionando é algo que depende do conjunto da poupança real.  Enquanto a poupança estiver crescendo, os bancos centrais terão êxito em seguir mantendo o sistema vivo.  Mas logo que a poupança começar a estagnar – ou, pior ainda, encolher – não haverá injeção monetária capaz de impedir o colapso do sistema.

Em um genuíno livre mercado, se as pessoas aumentassem sua demanda por ouro como conseqüência de algum cataclisma econômico, isso elevaria o poder de compra do dinheiro, e só;  não haveria quaisquer outras desordens econômicas. O sistema monetário permaneceria intacto. Também, contrário ao que ocorre no atual sistema monetário, não tem como o dinheiro desaparecer em um genuíno livre mercado – que é o que dá início aos ciclos econômicos.

No atual sistema bancário de reservas fracionárias, quando o dinheiro de um empréstimo bancário é integralmente pago e o empréstimo não é renovado, o dinheiro simplesmente se evapora, some por completo. Isso acontece porque, como o empréstimo se originou do nada (o dinheiro foi criado pelo banco), ele obviamente não tinha como ter um dono.  Assim, ao ser repago, o depósito é cancelado e a base monetária, contraída.  Em um livre mercado, por outro lado, quando o ouro é repago, ele é devolvido ao emprestador original;  o estoque de dinheiro permanece intacto.

Conclusão

Dado que o atual sistema monetário é fundamentalmente instável, não há com haver uma taxa “correta” de crescimento da oferta monetária.  Não importa se o banco central vai injetar dinheiro de acordo com a atividade econômica ou se ele vai fixar a taxa de crescimento da oferta monetária: em ambos os casos, ele irá desestabilizar o sistema.  A única maneira de tornar o sistema verdadeiramente estável é permitindo que o livre mercado assuma o controle.

Em um genuíno livre mercado, não há necessidade de se preocupar com a questão da taxa “correta” de crescimento da oferta monetária.  Ademais, ao passo que o dinheiro originado no livre mercado está associado a uma riqueza real crescente, o atual sistema monetário é inerentemente inflacionário e leva ao empobrecimento econômico.

_______________________________

[1] Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State, p. 670.

[2] Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit, pp. 32-33

[3] Ludwig von Mises, Ação Humana, pág. 421 .

[4] Ibid.

[5] Ibid., p. 446

[6] Hans-Hermann Hoppe, “How is Fiat Money Possible?-or, The Devolution of Money and Credit,” The Review of Austrian Economics 7, no. 2 (1994), pp.49-74.

[7] Ibid., p. 59.

[8] Ibid., p. 62.

Tradução de Leandro Roque

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