Qual é a realidade na China durante a era Covid?

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História verdadeira: Recentemente, descobriu-se que um homem em um vagão de trem viajando de Xangai para a vizinha Hangzhou a negócios compartilhou um vagão de trem com um suposto “contato próximo” de um caso testado positivo. Ao chegar em Hangzhou, ele foi enviado para um hotel de quarentena por 21 dias: 14 dias pagos pelo governo e mais 7 dias por conta própria. Os últimos 7 dias contam como “quarentena domiciliar”. Como a improvável vítima não tinha uma “casa” para onde voltar em Hangzhou, ele ficou preso no hotel.

Na China, isso é frequentemente descrito como “中标了” – ou seja, ele ganhou na loteria.

Mas não só ele.

Imediatamente depois disso, seu escritório em Xangai foi lacrado e a equipe de controle Covid de Xangai exigiu que todos em seu escritório fizessem um teste de PCR. (Lembre-se, ele nunca voltou para Xangai.) Mas esta é a melhor parte: sua esposa e filho – que nunca tiveram contato com ele após seu suposto “contato” – foram instruídos a ficar em quarentena em casa por 2 semanas.

A justificativa implícita para todas essas medidas extremas é que estamos lidando com uma das doenças mais perigosas que a humanidade já viu. No entanto, de acordo com as próprias estatísticas do governo, a China quase não teve mortes por Covid-19 desde abril de 2020. Parece que alguma coisa não bate aqui.

No entanto, se, a título meramente argumentativo, aceitamos que esta é realmente uma crise terrível que requer medidas extremas, e aceitamos a ideia de que o governo tem o direito de revogar os direitos humanos básicos em tais situações, então talvez seja de alguma forma logicamente justificável trancar em local isolado todos que compartilharem o mesmo vagão de trem com um contato de um caso. Mas como podemos justificar prender a esposa e o filho do cara?

A resposta é, claro, que não há justificativa. É apenas uma regra sem sentido e todo mundo sabe disso. Na vida cotidiana, normalmente a burocracia chinesa evita ao máximo aplicar regras sem sentido. Então por que não neste caso? É porque o governo chinês, como tantos outros ao redor do mundo, usou a “crise” do Covid-19 para implementar um conjunto de regras draconianas de cima para baixo. Os funcionários públicos que não implementam essas políticas – por mais obviamente absurdas que sejam – correm o risco de perder suas posições confortáveis.

Então, qual o limite? Quantas pessoas devem ser afetadas antes que alguém com autoridade finalmente intervenha e diga “não”? Evidências da vida real sugerem que isso tende a variar significativamente de província para província, com cidades como Ruili em províncias menos ricas e influentes, como Yunnan, às vezes experimentando um tratamento extremamente insensível por parte do governo, enquanto províncias ricas como Xangai têm sido muito mais cuidadosas para evitar medidas com impacto indiscriminado na sociedade e na economia.

Para citar um exemplo recente, um vendedor da GSK realizou um almoço para médicos de muitos dos principais hospitais da parte ocidental de Xangai. Após o almoço, pelo menos um dos participantes testou positivo para Covid-19. Quando a equipe de controle do Covid-19 de Xangai soube disso, de maneira automática, notificou imediatamente 20 hospitais de que deveriam ser fechados por duas semanas. Todos que não saíssem das instalações em 1-2 horas seriam internados durante todo esse período. Em alguns casos, os pacientes corriam para fora do hospital ainda com agulhas nos braços, carregando seus soros junto com eles.

Além de ser uma decisão extremamente precipitada, isso também implicava que grande parte de Xangai teria que ficar sem hospitais por 2 semanas. Como se viu, pelo menos neste caso, alguém com autoridade finalmente decidiu se posicionar e dizer não. A quarentena foi revertida e todos os hospitais foram reabertos em 72 horas.

A base para essas medidas é a política oficial de ‘Zero-Covid’ do governo. O objetivo é eliminá-lo completamente e impedir a propagação. Para conseguir isso, o movimento inicial do governo foi fechar toda a província de Hubei por 2 meses. Essa abordagem parece refletir o “planejamento pandêmico” feito antes de 2020 no Ocidente, por exemplo, conforme elaborado no cenário “Lock Step” de 2010 da Fundação Rockefeller. Esse relatório fez referência especificamente à China, e disse que a China deveria:

– Impor e fazer cumprir rapidamente a quarentena obrigatória para todos os cidadãos.

– Fechar as fronteiras.

– Impedir a propagação do vírus muito mais cedo do que em outros países.

– Recuperar muito mais rapidamente do que outros países.

A semelhança entre o cenário elaborado nesse relatório e o que realmente aconteceu no início de 2020 é tão estranha que é difícil não concluir que funcionários de alto nível do departamento de saúde chinês não apenas tinham um plano de ação correspondente em suas gavetas, mas tentaram realmente executá-lo ao pé da letra.[1]

A adesão ao roteiro da Fundação Rockefeller não pareceu continuar além dos 2 meses iniciais, no entanto, e as restrições impostas à vida cotidiana não foram mantidas além de abril de 2020. Embora não se saiba que tipos de discussões ocorreram em alto nível, parece provável que o governo tenha percebido que uma abordagem como a adotada em Wuhan não era sustentável por um longo período de tempo e certamente não em escala nacional. Então, em vez disso, a abordagem adotada foi de três frentes:

– Nenhum tratamento fora dos hospitais para captar o maior número de casos possível.

– Uso de teste de PCR para triagem inicial, mas exigência de sintomas reais antes de qualificar uma pessoa como um caso.

– Quarentena rigorosa, mas altamente direcionada, de todos os contatos, além de contatos de contatos. (Isso pode significar casa, subdivisão habitacional ou quarentena de hotel.)

Como as restrições impostas pelo governo chinês relacionadas ao Covid-19 são direcionadas muito especificamente, elas tendem a afetar uma porcentagem muito pequena da população – por enquanto. Esta é uma abordagem muito diferente daquela adotada no Ocidente, onde a maioria dos países impôs regras que afetam a vida cotidiana de basicamente todos. E, no entanto, embora seja verdade que políticas amplas, como as implementadas em grande parte do Ocidente, sejam indiscutivelmente o tipo mais destrutivo de planejamento central, se você for uma das pessoas ou empresas afetadas na China, os resultados podem ser igualmente devastadores.

Aqui estão algumas das outras grandes diferenças entre as políticas adotadas na China e as adotadas na maior parte do Ocidente.

1) Promoção de vacinação, mas não obrigatoriedade geral de vacinação.[2]

É verdade que, merecido ou não, o governo central da China goza de um alto grau de confiança da população em geral. Quando o governo pediu que as pessoas fossem vacinadas usando uma de suas vacinas Covid-19 ‘tradicionais’ aprovadas às pressas, a maioria das pessoas concordou com isso. A linha de pensamento básica parece ser: “Se o governo diz que é do nosso interesse e está dedicando tantos recursos a isso, certamente deve ser, certo?”

Embora ainda não esteja claro quantos aceitarão a oferta, uma lógica semelhante parece valer para as doses de “reforço”, apesar do fato de muitas pessoas terem percebido que as vacinas não parecem prevenir a infecção ou a transmissão. Para citar um exemplo, a Sra. Wu, uma empresária de 40 anos, disse que, embora as injeções iniciais talvez não fossem tão eficazes, certamente desde o lançamento da primeira rodada de injeções, as mais recentes acabariam sendo melhores. Embora existam muitas opiniões menos positivas, esse tipo de lógica é bastante comum.

As duas vacinas da China contra o Covid-19, uma fabricada pela Sinovac (国药) e a outra pela Sinopharma (科兴), podem ter efeitos colaterais desagradáveis ​​de curto prazo, incluindo mortes ocasionais. Nenhuma estatística sobre lesões de vacinas é publicada pelo governo, mas as estimativas podem ser feitas com base em números de outros países e regiões que usam as vacinas chinesas. No entanto, elas não são baseadas em mRNA e a impressão geral parece ser que, se alguém sobreviver ao primeiro mês após a vacinação, elas não parecem causar danos perceptíveis a longo prazo. O governo tem tolerância zero quanto a qualquer conteúdo online crítico de vacinas.

No entanto, não há uma obrigatoriedade geral de vacinação e não há discriminação contra pessoas não vacinadas. A situação vacinal não é um tema que surge na vida cotidiana, ou qualquer coisa que provoque uma resposta emocional. É ilegal exigir comprovante de vacinação para frequentar a escola,[3] viajar, entrar em uma loja ou participar de um evento. É claro que houve incidentes (veja o exemplo de Chongqing), mas não há tolerância oficial para tais políticas.

O crucial é a vontade de dizer “não”. Embora não existam estatísticas oficiais disponíveis, isso pode ser precisamente o que está acontecendo com as vacinas para crianças pequenas. As vacinas agora são licenciadas para crianças de até três anos, mas evidências anedóticas sugerem que a taxa de aceitação pode ser bastante baixa. Temos conhecimento de pelo menos dois casos em que 70% dos pais disseram não a uma oferta de vacinação escolar, deixando as crianças vacinadas em minoria.

A contradição entre a promoção da vacinação pelo governo e sua inequívoca insistência de que toda vacinação seja voluntária gera algum conflito.

2) Nenhuma supressão de tratamentos eficazes.

Ao contrário da maioria dos países ocidentais, o governo chinês não tomou medidas para suprimir tratamentos eficazes e maximizar as mortes. Enquanto no Ocidente a venda de medicamentos genéricos usados ​​para tratar o Covid-19 (como HCQ e ivermectina) foi restringida em janeiro de 2020, na China esses medicamentos permanecem muito baratos, prontamente disponíveis e irrestritos, embora a maior parte do público geral não tenha conhecimento deles. Tampouco o tratamento precoce foi suprimido como no Ocidente. Embora a China nunca tenha permitido tratamento ambulatorial, o tratamento hospitalar do governo de casos reais parece ser eficaz. Nos primórdios sabe-se que se fazia uso da cloroquina como um tratamento, mas o que está em uso agora não é uma questão de registro público.[4]

É notável que a política do governo chinês de não revelar métodos de tratamento se estenda até mesmo a relatórios de fora da China. Por exemplo, a mídia chinesa ocasionalmente zombou da Índia por usar drogas ‘antiparasitárias’ contra o Covid-19. Eles não mencionaram o fato de que, graças à ivermectina, o Covid-19 parece estar quase extinto na Índia, com novos casos diários caindo de 400.000 para menos de 10.000 agora.

3) Nenhuma vacina baseada em mRNA ou DNA. Ambas as vacinas chinesas usam tecnologia de vírus inativado.

4) Nenhuma exigência geral de comprovação de um teste Covid negativo recente para entrar em edifícios ou viajar.

Para os leitores não familiarizados com a situação na Europa, em muitos países europeus a prova de um teste covid negativo recente ou prova de vacinação é exigida por decreto do governo para viajar e entrar em muitos edifícios: restaurantes, lojas etc. Não há nada comparável a isso na China.

Existem algumas enfermarias hospitalares que são exceções a esta regra. Em um caso extremo em Pequim, um hospital (北医三院) exige que qualquer pessoa que entre na enfermaria de internação mostre não apenas um resultado negativo no teste de PCR, mas também uma tomografia computadorizada recente. Isso inclui visitantes e familiares acompanhantes. Os visitantes que saem e voltam precisam repetir o mesmo procedimento toda vez que entrarem novamente, incluindo a tomografia computadorizada.

5) Nenhum aplicativo de smartphone obrigatório pelo governo nacional que forneça um código QR.

Cada província e algumas cidades têm seu próprio miniaplicativo de smartphone com “código de saúde” usando WeChat ou Alipay. Esses miniaplicativos devem gerar um código QR codificado por cores mediante solicitação. Verde é bom; amarelo ou vermelho significa que seu telefone provavelmente passou um certo tempo em uma zona “de risco”. No entanto, o mini-aplicativo nem sempre funciona e nem todos têm um smartphone. Esses aplicativos não são compatíveis nem intercambiáveis ​​entre províncias – nenhuma província aceita códigos de outras províncias. Para aqueles cujas rotinas diárias não envolvem a entrada em prédios governamentais ou shoppings de alto padrão, raramente são usados ​​na vida cotidiana. A discriminação contra pessoas sem smartphones é ilegal, portanto, adicionar manualmente seu nome a uma lista é sempre uma alternativa.

Há também um mini-aplicativo criado pelo governo nacional que permite aos usuários digitalizar um código QR para fins de rastreamento. Alguns shoppings sofisticados, clínicas e escritórios do governo os usam, mas devido ao tempo extra necessário, eles são usados ​​ainda mais raramente do que os códigos de saúde provinciais.

6) Nenhum decreto geral de obrigatoriedade de uso de máscara.

Depende de cada negócio. Muitos prédios governamentais e bancos os exigem, mas a conformidade varia muito. Se a regra é aplicada, a maioria das empresas realiza apenas uma verificação simbólica na entrada.

7) Sem regras de distanciamento social.

Nenhum regulamento sobre interação humana ou qualquer coisa remotamente comparável ao tipo de interferência no comportamento que agora é considerado o novo normal em países como Cingapura, Austrália e grande parte da Europa.

 

 

Artigo original aqui

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Notas

[1] Na medida em que outros países adotaram políticas semelhantes, estas muitas vezes se caracterizaram na mídia ocidental como seguindo o “modelo chinês”. No entanto, seria essa atribuição adequada, uma vez que essas políticas foram projetadas no Ocidente e não na China?

[2] Veja aqui. Um vídeo da conferência de imprensa da Comissão Nacional de Saúde pode ser encontrado aqui.

[3] Veja a declaração do Ministério da Educação em 27 de agosto.

[4] Uma possível explicação para isso é a posição do governo de não permitir o tratamento ambulatorial.

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