Sobre a Ordem e a sua Espontaneidade

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Há dois séculos, crianças ainda bastante jovens labutavam em condições as quais contemporaneamente seriam consideradas completamente desumanas e impensáveis, porém, hoje, os jovens podem gozar de uma qualidade de vida equiparável a uma que outrora era tida somente pelos da corte ao mesmo tempo em que podem se dedicar exclusivamente aos estudos e à elevação intelectual sem necessidade de labor.

Todas as tecnologias que possibilitam o que podemos devidamente chamar de “progresso”, com efeito, não se fazem oriundas de planejamento central algum, tampouco de um governo iluminado que cede supostamente ao povo as bênçãos econômicas que a este são, alega-se, impraticáveis, mas emergem espontaneamente na face concreta da realidade mediante a dinâmica evolucionária e seletiva da vida social humana.

Inúmeras pessoas são, ademais, talvez por efeito de distúrbios idólatras, supersticiosamente compelidas a depositar no governo – i. e., no estado – uma confiança praticamente indistinguível da que era depositada em Zeus em meio ao império tirânico da sua mitologia, o que naturalmente torna imperceptível às pessoas mesmas o quão complexa é a realidade sociopolítica humana no seio da qual as tecnologias garantidoras do progresso (da prosperidade) se fazem materialmente efetivas.

A complexidade enquanto tal se faz comumente presente naquilo que é incerto e, em certo sentido, caótico. Em decorrência disso, não se fazem sobranceiramente poucos os que dizem que uma economia totalmente livre – i. e., desburocratizada e desregulamentada – pende ao caos por efeito de ser repleta de incertezas de diversas espécies. Em contrapartida, é erroneamente dito pelos liberais não clássicos que o indivíduo é comportamentalmente numênico e sempre previsível, todavia a tradição clássica do liberalismo (libertarianismo) ruma contrariamente versando que a incerteza há no homem enquanto ser não determinável comportamentalmente tanto quanto a imprevisibilidade há homologamente na sua natureza. Portanto, a economia, enquanto produto direto dos comportamentos humanos relativos ao comércio e ao intercâmbio de bens, há de fazer-se invariavelmente complexa, posto que os agentes que a compõem, por se fazerem definitivamente não universais e não determináveis objetivamente em virtude da natureza inegavelmente subjetiva – particular – dos seus comportamentos, não apresentam constância alguma e são, por conta disso, incomensuravelmente imprevisíveis.

Por isso, deduz-se que é absolutamente impossível a todo homem que se conceba gozar de meios objetivos e ou de parâmetros tecnicamente eficazes na ânsia de planificar a economia.

Como os componentes da economia, os indivíduos, por serem naturalmente subjetivos, são inconstantes no espaço-tempo, sempre far-se-á totalmente impraticável ao político intervir na economia de maneira não prejudicial tendo por base métricas de cunho puramente histórico – como, p. ex., estatísticas – relativas a um estado conjuntural extremamente particular e específico do espaço-tempo social, determinado sempre imprevisivelmente e complexamente pela atuação dada dos indivíduos que nele estão. Como, então, senhores, sendo a previsibilidade das coisas incontestavelmente indispensável ao ato de planejar, sendo o comportamento do indivíduo absolutamente subjetivo (imprevisível) em função da subjetividade (imprevisibilidade) das suas apreciações e sendo tal comportamento subjetivo, em sua face fundamentalmente comercial (econômica), a unidade celular de qualquer economia que se imagine, pode o político fazer uso de previsões objetivas para planejar a economia?

A economia é essencialmente constituída por trocas comerciais. Como estas se incluem na categoria dos atos humanos e como os atos humanos mesmos – i. e., comportamentos humanos – se fazem inegavelmente particulares e espacialmente contingentes (inconstantes) em razão da particularidade comportamental (inconstância) dos homens enquanto atores (agentes), a economia nunca ver-se-á passível de planificação, visto que toda troca e todo ato comercial e contratual opera como um dado unitário totalmente inconstante que insere na economia toda a inconstância que lhe é própria; e, sendo a previsibilidade das coisas substancialmente determinante à racionalidade de todo e qualquer planejamento, é completamente cabível deduzir que toda e qualquer intervenção econômica baseada nas previsões (inclui-se: “inteligência”) de um político, ou de um governo (estado), sempre será irracional e, portanto, mormente nociva.

As pessoas, em função da diversidade que entre elas impera, sempre valorarão distintamente e, por conseguinte, sempre demandarão de maneira diversa e inteiramente única, o que implica que o político jamais se verá efetivamente apto a prever acertadamente a demanda futura de bens de modo a saciá-la se baseando unicamente nas suas impressões acerca do modo presente pelo qual a demanda se dá.

Além disso, é absolutamente incontestável que ninguém conhece mais o indivíduo que ele mesmo, isto é, ninguém, definitivamente, conhece a sua demanda (a forma consumista da manifestação do seu Eu) melhor que ele mesmo, o que implica que qualquer ente externo ao indivíduo jamais poderá intervir em sua vida e no âmbito material das suas preferências segundo os mandamentos dos seus planejamentos econômicos não prejudicialmente.

Ainda, o conjunto de informações relativo às variáveis formas sob as quais as demandas individuais se manifestam concretamente cambia bastante, visto que, em função de as apreciações humanas serem imensuravelmente inconstantes e, portanto, não determináveis objetivamente, a totalidade das informações concernentes ao estado das demandas dos indivíduos sempre haverá de ver-se muito dificilmente captável; o que naturalmente se põe a impossibilitar qualquer planejamento central minimamente racional, pois, como as demandas individuais variam quase ininterruptamente no espaço-tempo social, como o planejador central deve obrigatoriamente, em ideal, informar-se por inteiro acerca das variações espaciais e temporais das demandas individuais de forma a poder planejar com racionalidade e como o mesmo, por não ser onisciente, definitivamente, tem uma capacidade de reajuste administrativo incomensuravelmente débil por efeito da incomensurável imperceptibilidade da vasta maioria das variações que as demandas individuais incessantemente sofrem ao curso da forma espacial-temporal da realidade, todo planejamento central é, em todas as significações, irracional, já que sua racionalidade é inegavelmente ínfima por limitar-se à percepção igualmente ínfima que o planejador central tem da realidade econômica enquanto homem.

É, decerto, mais desejável que a economia mantenha o seu curso natural (livre), em decorrência de o mesmo fazer-se evolucionário e caracteristicamente seletivo mediante a seleção que o homem faz das coisas espontaneamente. O homem, por ser naturalmente tendente ao seu bem, sempre se porá a preferir o que mais lhe é útil (benévolo) favoravelmente ao afastamento do que lhe é completamente inútil (malévolo). Logo, tudo o que se faz brotar espontaneamente em meio ao social há de constituir substantivamente o bem em sua forma comum – o bem comum. Quando, assim, por vias espontâneas, os homens tradicionalizam socialmente um dado costume, eles o fazem tão-só em função de esse dado costume operar utilmente (benevolamente) aos seus mantenedores – os homens mesmos – em detrimento dos que operam inutilmente (malevolentemente).

Um produto exemplar da espontaneidade das coisas é a língua. A língua não é oriunda da mente de nenhum planejador central, mas ela e suas variâncias se dão exclusivamente conforme as conveniências utilitárias dos indivíduos quando estes selecionam o conjunto de termos que melhor codifica os seus conteúdos mentais. A lei, do mesmo modo, não é original de político algum, mas há de emergir espontaneamente no tecido social sempre de forma protetiva à liberdade, visto que, por ser absolutamente axiomático e universal o fato de que o homem tende naturalmente (livremente) ao bem, o antinatural, sob a forma de uma violação da liberdade (i. e., da naturalidade do curso de vida humano), sempre configurará concretamente a manifestação do mal, o que implica que a lei, enquanto ferramenta fundamentalmente destinada ao florescer sumo do bem em sua forma universal de se transparecer, sempre ver-se-á protetiva à liberdade não em função do querer de um político, mas em função da espontaneidade do tradicionalizar social daquilo que faz o homem rumar ao bem e apartar-se do mal tanto quanto possível. Assim, a lei não deve permanecer estática, porém espontânea. Poderíamos, aqui, debater esse assunto mais profundamente tocando o contraste existente entre a commom law e a civil law, mas, para os intentos deste artigo, basta esclarecer que a civil law, por não fazer-se espontaneamente segundo o caráter cooperativo (não agressivo) das relações humanas sociais, mas operacionalmente impositiva à naturalidade com a qual os costumes prósperos, éticos e benévolos se tradicionalizam socialmente em função da tendência natural humana ao bem, se fossiliza de modo crescente desfavoravelmente à ética, à benevolência e à prosperidade.

O mercado, senhores, por sua vez, é o maior exemplo da espontaneidade com a qual a ordem econômica se dá. Ninguém o pensou, o planejou ou o imaginou. O político, miseravelmente, por ser o que é, anseia poder fornecer-lhe “ordem” ignorantemente ao fato de que o mercado mesmo opera melhor sendo maravilhosamente “caótico”.

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