Social-democracia

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Muito mais do que qualquer argumento teórico, foi a decepcionante experiência com o socialismo do tipo russo que levou a um declínio constante da popularidade do socialismo marxista ortodoxo e induziu a emergência e o desenvolvimento do moderno socialismo social-democrata, que será o objeto de estudo deste capítulo. Ambos os tipos de socialismo, sem dúvida, provêm das mesmas fontes ideológicas.[1] Ambos são igualitários na motivação, pelo menos em teoria[2], e ambos têm, essencialmente, o mesmo objetivo final: a extinção do capitalismo enquanto sistema social baseado na propriedade privada e na fundação de uma nova sociedade caracterizada pela irmandade solidária e pela erradicação da escassez; uma sociedade na qual todo mundo é pago “de acordo com as suas necessidades”. Desde os primórdios do movimento socialista em meados do século XIX, porém, havia ideias conflitantes sobre os métodos mais adequados para atingir esses objetivos. Embora geralmente houvesse um acordo sobre a necessidade de socialização dos meios de produção, sempre houve opiniões divergentes sobre como proceder. De um lado, dentro do movimento socialista, havia os defensores de um rumo de ação revolucionária. Eles defendiam uma derrubada violenta dos governos existentes, a completa expropriação, num só golpe, de toda a propriedade dos capitalistas, e uma temporária ditadura do proletariado (como fora prometido, até que a escassez fosse, de fato, erradicada), ou seja, exercida por aqueles que não eram capitalistas, mas tiveram que negociar a sua força laboral com a finalidade de instituir a nova ordem. Do outro lado, havia os reformistas que defendiam uma mudança gradual. Eles argumentavam que, a partir da ampliação dos direitos, e em última instância, com um sistema de sufrágio universal, a vitória do socialismo poderia ser obtida mediante uma ação democrática e parlamentar. E seria assim porque o capitalismo, segundo a doutrina socialista vulgar, criaria uma tendência rumo à proletarização da sociedade, ou seja, uma inclinação para menos indivíduos serem autônomos e para mais pessoas se tornarem empregados. E de acordo com as crenças socialistas ordinárias, essa tendência iria, por sua vez, construir uma consciência de classe proletária cada vez mais uniforme que depois levaria a uma expansão de votos dos eleitores no partido socialista. E, assim argumentavam, enquanto essa estratégia estava muito mais alinhada com a opinião pública (mais sedutora para a maioria dos pacatos trabalhadores e ao mesmo tempo menos assustadora para os capitalistas), ao adotá-la, o sucesso do socialismo estaria mais assegurado.

Essas duas forças coexistiam dentro do movimento socialista, no entanto, a relação entre ambas era, às vezes, bastante tensa até a Revolução Bolchevique na Rússia em outubro de 1917. Na prática, geralmente o movimento socialista adotava o caminho reformista, mas no âmbito do debate ideológico quem dominava eram os revolucionários.[3] Os acontecimentos na Rússia mudaram as coisas. Com Lênin na liderança, pela primeira vez os socialistas revolucionários executaram o seu programa e o movimento socialista como um todo teve que tomar uma posição vis-à-vis o experimento russo. Em consequência, o movimento socialista dividiu-se em dois ramos e dois partidos distintos: um partido comunista mais ou menos favorável aos acontecimentos na Rússia, e um partido socialista ou social-democrata com reservas ou contrário aos revolucionários russos. Entretanto, a cisão não foi por causa da socialização; ambos eram favoráveis. Foi uma ruptura visível sobre a questão da mudança revolucionária vs. democracia parlamentar. Diante da efetiva experiência da revolução Russa (a violência, o derramamento de sangue, o exercício da expropriação descontrolada, o fato de que milhares de novos líderes, em muitos casos de reputação questionável ou simplesmente duvidosa, do pior caráter, foram sendo arrastados para o comando político), os social-democratas, na tentativa de ganhar apoio público, perceberam que teriam que abandonar a sua imagem revolucionária e se tornar, não apenas na prática, mas também na teoria, um partido resolutamente democrático e reformista. E até alguns partidos comunistas do Ocidente, dedicados à teoria da mudança revolucionária e tão necessitados de apoio público, perceberam que precisavam encontrar alguma falha, pelo menos, no jeito peculiar dos bolcheviques de implementar a revolução. Eles também pensaram cada vez mais que era necessário entrar no jogo democrata-reformista, mesmo que somente na prática. Porém, esse era apenas o primeiro passo na transformação do movimento socialista causada pela experiência da revolução Russa. O passo seguinte, como indicado, foi imposto a eles pela sombria experiência do desempenho econômico da Rússia Soviética. Independentemente de suas diferentes visões sobre a conveniência das mudanças revolucionárias, e igualmente não-familiarizados ou incapazes ou relutantes para compreender o raciocínio econômico abstrato, da mesma maneira, socialistas e comunistas ainda poderiam, durante uma espécie de lua de mel que eles consideravam merecida, celebrar a mais ilusória esperança sobre as conquistas econômicas de uma política de socialização. Mas esse período não poderia durar para sempre; era preciso encarar os fatos e, decorrido algum tempo, avaliar os resultados. Para qualquer observador decente e imparcial das coisas, e, mais tarde, para cada visitante e viajante atento, ficou evidente que o socialismo ao estilo russo não significava mais, mas menos riqueza e que era um sistema, acima de tudo, que ao permitir pequenos nichos de formação de capital privado, já havia, de fato, admitido sua própria inferioridade econômica, mesmo que apenas de maneira implícita. Como esta experiência se tornou amplamente conhecida e, particularmente, quando após a Segunda Guerra Mundial o experimento soviético foi reproduzido nos países do leste europeu, produzindo os mesmos resultados sombrios e assim refutando a tese de que a trapalhada soviética era somente devido a uma singular mentalidade asiática da população, os partidos socialistas Ocidentais, ou seja, os social-democratas e comunistas, em sua disputa por apoio público, foram obrigados a alterar os seus programas ainda mais. Agora, os comunistas também viam várias falhas na implantação do programa de socialização pela Rússia, e cada vez mais cogitavam a ideia de mais planejamento e tomada de decisão descentralizados, e de socialização parcial, ou seja, somente a socialização das grandes empresas e indústrias, apesar de eles nunca terem abandonado completamente a ideia de produção socializada.[4] Os partidos socialistas ou social-democratas, por outro lado, desde os primórdios menos simpáticos ao modelo de socialismo russo, tiveram que fazer um movimento de adaptação mediante sua política resolutamente democrata-reformista, já inclinada a aceitar fazer acordos como a socialização parcial. Esses partidos, em resposta às experiências Russa e no leste europeu, cada vez mais desistiam do conceito de produção completamente socializada e em seu lugar davam muito mais ênfase à ideia da tributação e da igualdade de renda, e, numa nova iniciativa, na igualdade de oportunidade, sendo estes os verdadeiros pilares do socialismo.

Embora essa mudança do socialismo do tipo russo para a social-democracia tenha acontecido, e continua acontecendo em todas as sociedades Ocidentais, não foi igualmente intensa em todos os lugares. Grosso modo, e considerando apenas a Europa, onde a substituição do velho pelo novo tipo de socialismo foi mais nítida, a experiência mais imediata e direta com o socialismo do tipo russo pela população obrigou os partidos socialistas e/ou comunistas a buscarem nela apoiadores e eleitores. De todos os países maiores, na Alemanha Ocidental, onde o contato com esse tipo de socialismo é mais direto, onde milhões de pessoas continuam a ter amplas oportunidades de ver com seus próprios olhos o estrago que foi produzido no povo da Alemanha Oriental, essa substituição foi mais completa. Neste país, em 1959, os social-democratas adotaram (ou foram obrigados pela opinião pública a fazê-lo) um novo programa do partido no qual todos os traços óbvios do passado marxista estavam notavelmente ausentes, e, em vez disso, o documento mencionava explicitamente a importância da propriedade privada e dos mercados, falava sobre a socialização apenas como uma mera possibilidade, e destacava fortemente a importância de medidas redistributivas. Lá, dentro do partido social-democrata, os protagonistas de uma política de socialização dos meios de produção têm se tornado, desde então, consideravelmente minoritários; e os partidos comunistas, mesmo quando apenas favoráveis à socialização pacífica e parcial, foram reduzidos à insignificância.[5] Nos países mais afastados da cortina de ferro, como França, Itália, Espanha e também a Grã-Bretanha, essa mudança foi menos dramática.

Contudo, é seguro dizer que hoje só o socialismo social-democrata, mais tipicamente representado pelos social-democratas alemães, consegue sustentar uma ampla popularidade no Ocidente. Na verdade, devido, em parte, à influência da Internacional Socialista (a associação dos partidos socialistas e social-democratas), o socialismo social-democrata pode agora ser considerado uma das mais difundidas ideologias do nosso tempo, cada vez mais moldando os programas políticos e as atuais políticas, não apenas dos partidos declaradamente socialistas, e em menor grau daqueles comunistas ocidentais, mas também de grupos e partidos que nem em seus sonhos mais extravagantes qualificariam a si próprios como socialistas, a exemplo do “liberal” partido Democratas dos Estados Unidos.[6] E no âmbito da política internacional, as ideias do socialismo social-democrata, em particular uma abordagem redistributiva em relação ao chamado conflito Norte-Sul, têm se tornado algo quase como uma posição oficial entre todos os homens “bem informados” e bem-intencionados”; um consenso que vai muito além daqueles que consideram a si mesmos como socialistas.[7]

Quais são as características centrais do socialismo estilo social-democrata? Há basicamente duas características. Em primeiro lugar, num contraste positivo em relação ao tradicional socialismo marxista, o socialismo social-democrata não proíbe legalmente a propriedade privada dos meios de produção e até aceita a ideia de que todos eles sejam privados — com a única exceção da educação, tráfego e comunicação, banco central, polícia e justiça. Em princípio, todos têm o direito à aquisição privada e de possuir os meios de produção para vender, comprar ou produzir novos, para dá-los de presente ou alugá-los para outra pessoa, segundo um acordo contratual. Mas, em segundo lugar, nenhum proprietário dos meios de produção possui legalmente todos os rendimentos que podem resultar do uso desses meios de produção, e nenhum proprietário é livre para decidir quanto da renda total da produção deve ser alocada para consumo e investimento. Em vez disso, parte da renda da produção que legalmente pertence à sociedade deve ser entregue a esta e em seguida, redistribuída para seus membros individuais, de acordo com as ideias de igualitarismo ou justiça distributiva. Além disso, embora as respectivas partes dos rendimentos que vão para o produtor e para a sociedade tenham que ser estabelecidas em algum momento, a cota que pertence legalmente ao produtor é, em princípio, flexível, e a fixação do seu montante, assim como a da fração pertencente à sociedade, não cabe ao produtor, mas pertence por direito à sociedade.[8]

Vista a partir do ponto de vista da teoria natural da propriedade (a teoria que fundamenta o capitalismo), a adoção dessas regras significa que os direitos de propriedade natural têm sido violados agressivamente. De acordo com essa teoria da propriedade, devemos relembrar, o proprietário-usuário dos meios de produção pode fazer o que quiser com eles; e qualquer que seja o resultado de sua utilização, trata-se de sua própria renda privada, que ele pode usar de novo como desejar, contanto que não modifique a integridade física da propriedade de outra pessoa e conte exclusivamente com trocas contratuais. Da perspectiva da teoria natural da propriedade, não há dois processos separados — a produção da renda e, em seguida, depois de produzida, a sua distribuição. Há somente um processo: produzida a renda, ela é automaticamente distribuída; o produtor é o proprietário. Em comparação a esta perspectiva, o socialismo estilo social-democrata defende a expropriação parcial da propriedade natural através da redistribuição de parte da renda da produção à pessoa que, sejam quais forem os seus méritos, definitivamente, não a produziu e, peremptoriamente, não tem qualquer obrigação contratual, e que, além disso, tem o direito de decidir unilateralmente, ou seja, sem ter que esperar pelo consentimento do produtor afetado, até quando essa expropriação parcial pode avançar.

Dessa descrição deve ficar claro que, ao contrário da impressão que o socialismo estilo social-democrata tenta criar entre a população, a diferença entre os dois tipos de socialismo não é de natureza categórica. É somente uma questão de grau. Certamente, a primeira regra mencionada parece inaugurar uma diferença fundamental, na medida em que permite a propriedade privada. Mas, em seguida, a segunda regra, em princípio, permite a expropriação de toda a renda dos produtores oriunda da produção e assim restringe o direito de propriedade para algo puramente nominal. Obviamente, o socialismo social-democrata não precisa chegar ao ponto de reduzir a propriedade privada a apenas um nome. É certo que, enquanto a parcela da renda que o produtor é obrigado a entregar à sociedade pode, de fato, ser bastante módica, isso, na prática, pode fazer uma tremenda diferença em relação ao desempenho econômico. Mas, ainda assim, deve-se perceber que do ponto de vista dos sócios não-produtivos, o grau de expropriação da renda dos produtores privados é uma questão de conveniência, que é suficiente para reduzir de uma vez por todas, e somente em termos de grau, a diferença entre os dois tipos de socialismo (o russo e o social-democrata). O impacto desse fato importante sobre o produtor deveria ser óbvio. Significa que por mais reduzido que seja o grau de expropriação atualmente estabelecido, seus esforços produtivos são realizados sob uma ameaça sempre presente de que no futuro a parcela da renda que deve ser entregue à sociedade será aumentada de forma unilateral. Não é preciso observar muito para verificar como isto aumenta o risco ou o custo de produção, e, consequentemente, reduz a taxa de investimento.

Com essa afirmação, já foi dado o primeiro passo na análise que se segue. Quais são as consequências econômicas, no sentido coloquial do termo, de se adotar um sistema socialista social-democrata? Depois do que foi dito, é provável que não seja mais inteiramente surpreendente escutar que pelo menos em relação ao curso geral dos resultados, estes são muito similares aos do tradicional socialismo do tipo marxista. Entretanto, na medida em que o socialismo social-democrata se contenta com a expropriação parcial e com a redistribuição das rendas produzidas, alguns dos efeitos do empobrecimento, como resultado de uma política de completa socialização dos meios de produção, podem ser contornados. Desde que esses recursos possam ser comprados e vendidos, o problema mais típico de uma economia de zelador — na qual não existem preços de mercado para os meios de produção e, consequentemente, também não é possível haver cálculo monetário nem contabilidade, com a consequente má distribuição e desperdício de recursos escassos em utilizações que são, no máximo, de importância secundária — é evitado. Além disso, o problema da superutilização é, pelo menos, reduzido. Da mesma forma, uma vez que o investimento privado e a formação de capital ainda são possíveis, na medida em que uma parte da renda da produção é deixada com o produtor para ser usada a seu critério, no regime socialista social-democrata há um incentivo relativamente alto para trabalhar, poupar e investir.

Contudo, em hipótese alguma, podem ser evitadas todas as consequências do empobrecimento. O socialismo estilo social-democrata, por melhor que possa parecer em comparação com o socialismo do tipo russo, ainda leva, necessariamente, a uma redução do investimento e, portanto, da riqueza futura, quando comparado ao sistema capitalista.[9] Ao tomar parte da renda da produção do produtor-proprietário, por menor que seja, e dá-la para pessoas que não a produziram, aumentam-se os custos de produção (que nunca são zero, pois produzir, adquirir e contratar sempre implicam, pelo menos, no uso do tempo, que poderia ser utilizado de outra maneira, por exemplo, para o lazer, consumo ou trabalho extra) e, mutatis mutandis, caem ligeiramente os custos de não-produção e/ou a produção clandestina. Como consequência, haverá, relativamente, menos produção e investimento, apesar de que, por razões que serão discutidas resumidamente, ainda poderá elevar o nível absoluto de produção e de riqueza. Haverá, relativamente, mais lazer, mais consumo e mais trabalho extra e, consequentemente, no geral, empobrecimento relativo. E essa tendência será mais evidente quanto maior for a renda da produção distribuída, e mais iminente a probabilidade de ser aumentada no futuro por decisão unilateral e não-contratual da sociedade.

Por muito tempo, a ideia mais popular para a implementação do objetivo geral do socialismo social-democrata era, de longe, redistribuir a renda monetária por meio da tributação da renda ou de um tributo geral sobre as vendas incidente sobre os produtores. Uma análise desta técnica específica deve esclarecer o nosso ponto e evitar alguns equívocos e concepções erradas sobre o efeito geral do empobrecimento relativo. Qual é o resultado econômico da introdução de tributos sobre a renda ou sobre as vendas onde antes não havia tributação, ou do aumento para um novo patamar do nível de tributação já existente?[10] Ao responder esta questão, eu irei, além disso, ignorar as complicações que resultam das diferentes formas possíveis de redistribuir o dinheiro tributado para diferentes indivíduos ou grupos de indivíduos — o que será discutido posteriormente neste capítulo. Neste momento, consideraremos apenas o fato geral, verdadeiro, por definição, para todos os sistemas redistributivos, de que qualquer redistribuição do dinheiro tributado é uma transferência de produtores de renda monetária e recebedores de dinheiro por meio de contratos para pessoas na qualidade de não-produtoras e de não-recebedoras de renda monetária por contratos. Introduzir ou elevar a tributação reduz para o produtor o fluxo da renda monetária da produção e o aumenta para os não-produtores e não-contratantes. Tal decisão altera os custos relativos de produção para retorno monetário versus os custos relativos de não-produção e produção para retornos não-monetários. Consequentemente, na medida em que essa mudança é percebida pelas pessoas, elas irão cada vez mais consumir vagarosamente e/ou produzir com a finalidade de permutar, e reduzir, simultaneamente, seus esforços produtivos para obter recompensas monetárias. De qualquer maneira, cairá a produção de bens a serem adquiridos com dinheiro, o que significa dizer que o poder de compra diminui e, consequentemente, ocorre um declínio no padrão geral de vida.

Contra esse raciocínio, às vezes se argumenta que, de forma frequente, tem sido observado empiricamente que um aumento no nível da tributação era, na verdade, acompanhado por um crescimento (não uma queda) no Produto Interno Bruto (PIB), e que o raciocínio acima, apesar de plausível, deve, portanto, ser considerado empiricamente inválido. Este suposto contra-argumento exibe um equívoco bastante simples: a confusão entre redução absoluta e redução relativa. Na análise acima, a conclusão a que se chega é que o efeito dos tributos mais elevados é uma redução relativa na produção de lucros monetários; ou seja, uma redução quando comparada com o nível de produção que teria sido obtido se o nível de tributação não tivesse sido alterado. Não quer dizer ou sugerir nada em relação ao nível absoluto do rendimento produzido. Na realidade, o crescimento absoluto do PIB não é apenas compatível com a nossa análise, mas pode ser visto como um fenômeno perfeitamente normal na medida em que as melhorias na produtividade são possíveis e realmente acontecem. Se for possível, mediante o aperfeiçoamento da tecnologia de produção, produzir um maior volume com consumo idêntico (em termos de custos), ou conseguir uma produção similar com um consumo reduzido, a coincidência entre a tributação elevada e a produção elevada não é nada mais do que surpreendente. Mas, na verdade, isso não afeta a validade do que tem sido dito sobre o empobrecimento relativo resultante da tributação.

Outra objeção que goza de certa popularidade é que aumentar os tributos leva a uma redução da renda monetária, e que essa redução eleva a utilidade marginal do dinheiro quando comparada com outras formas de renda (como o lazer) e, dessa maneira, em vez de reduzi-la, realmente ajuda a aumentar a tendência para trabalhar pelo retorno monetário. Na verdade, esta observação é perfeitamente verdadeira. Mas é um equívoco acreditar que isso contribui para invalidar a tese do empobrecimento relativo. Em primeiro lugar, com o intuito de fazer uma análise completa deveria ser notado que mediante a tributação, não apenas a renda monetária de algumas pessoas (os produtores) é reduzida, mas, simultaneamente, a renda monetária de outras pessoas (não-produtores) é elevada, e para estas pessoas a utilidade marginal do dinheiro e, consequentemente, a sua inclinação para o trabalho por retorno monetário, seria reduzida. Mas isto não é, em hipótese alguma, tudo o que precisa ser dito, pois ainda pode deixar a impressão de que a tributação não afeta a produção dos bens de troca — na medida em que isso reduzirá para alguns e aumentará para outros a utilidade marginal da renda monetária, com ambos os efeitos anulando-se. Mas essa impressão estaria errada. Na realidade, seria uma negação daquilo que tem sido presumido desde o início: que o aumento de impostos, ou seja, uma maior contribuição monetária imposta sobre a renda dos produtores que a desaprovam, realmente ocorreu e foi percebida como tal, e que, consequentemente, implicaria numa contradição lógica. Intuitivamente, a falha na crença de que a tributação é “neutra” em relação à produção torna-se evidente tão logo o argumento é levado às últimas consequências. Isso significaria, então, que a afirmação de que até mesmo a expropriação completa de toda a renda monetária dos produtores e a sua transferência para um grupo de não-produtores não faria qualquer diferença, uma vez que a preguiça elevada dos não-produtores em decorrência daquela redistribuição seria plenamente compensada por um aumento na compulsão pelo trabalho por parte dos produtores (o que é, certamente, um absurdo).

O que é negligenciado nesse tipo de raciocínio é que a introdução da tributação ou o aumento em qualquer nível da tributação não somente favorece os não-produtores às custas dos produtores, mas, paralelamente e de forma similar, também altera para produtores e não-produtores da renda monetária, o custo anexado a diferentes métodos de obtenção de uma (crescente) renda monetária. Pois agora é relativamente menos oneroso obter uma renda monetária adicional através dos meios não-produtivos, ou seja, não através da produção de mais bens, mas por participar do processo de aquisições não-contratuais de bens já produzidos. Mesmo que os produtores estejam mais concentrados em conseguir dinheiro adicional em decorrência de um tributo mais elevado, eles cada vez mais o farão através de métodos de exploração, não pelo aumento de seus esforços produtivos. Isso explica por que a tributação não é, e nunca pode ser, neutra. Com a (crescente) tributação é institucionalizada uma diferente estrutura legal de incentivos: uma que altera os custos relativos de produção para renda monetária versus não-produção, inclusive a não-produção para fins de lazer e a não-produção para retorno monetário, e também produção para renda monetária versus produção para retorno não-monetário (escambo). E se essa estrutura diferente de incentivos for aplicada sobre uma mesma população, deverá resultar, necessariamente, numa redução da produção de bens que busca um retorno monetário.[11]

Enquanto a tributação da renda e das vendas são as técnicas mais comuns, não esgotam o repertório de métodos redistributivos do socialismo social-democrata. Não importa como os tributos são redistribuídos para os indivíduos que compõem uma dada sociedade, não importa, por exemplo, em que medida o rendimento monetário é igualado, uma vez que esses indivíduos podem levar, e levam, diferentes estilos de vida e alocam diferentes partes da renda monetária atribuídas a eles para consumo ou para a formação de riqueza privada utilizada de forma improdutiva; mais cedo ou mais tarde, as diferenças significativas entre as pessoas irão de novo emergir, se não com relação à renda monetária, mas no que se refere à riqueza privada. E não é surpreendente que essas diferenças se tornem progressivamente mais evidentes se existe um direito das sucessões puramente contratual. Por esta razão, o socialismo social-democrata, motivado como é pelo zelo igualitário, inclui em seus esquemas políticos a preocupação com a riqueza privada e a tributa, assim como, em particular, também tributam a herança motivado pelo objetivo de satisfazer o clamor popular em relação à “riqueza imerecida” que recai sobre os herdeiros.

Economicamente, essas medidas imediatamente reduzem a quantidade de formação de riqueza privada. Como desfrutar a riqueza privada é relativamente mais caro por causa do imposto, menos riqueza nova será criada, haverá um aumento do consumo — inclusive dos estoques existentes da riqueza utilizada improdutivamente — e o padrão geral de vida, que obviamente também depende dos confortos provenientes da riqueza privada, irá cair.

Conclusões semelhantes sobre os efeitos do empobrecimento são obtidas quando se analisa o terceiro maior campo das políticas tributárias (o dos “ativos naturais”). Por razões que serão discutidas posteriormente, esse campo, ao lado de dois campos tradicionais da renda monetária e da tributação da riqueza privada, ganhou mais destaque ao longo do tempo sob o título de igualdade de oportunidades. Não demorou muito para descobrir que a posição de uma pessoa na vida não depende exclusivamente da renda monetária ou da riqueza dos bens usados de maneira improdutiva. Há outras coisas importante na vida e que trazem renda adicional, mesmo que não seja em forma de dinheiro ou outros bens de troca: uma boa família, educação, saúde, boa aparência etc. Chamarei esses bens não-trocáveis, a partir dos quais advém a renda (psíquica), de “ativos naturais”. O socialismo redistributivo, guiado por ideais igualitários, também é estimulado pelas diferenças existentes nesses ativos e tenta, se não erradicar, pelo menos moderá-los. Mas esses ativos, sendo bens não-trocáveis, não podem ser facilmente expropriados e os rendimentos depois redistribuídos. Também não é muito prático, para dizer o mínimo, atingir esse objetivo reduzindo diretamente a renda não-monetária dos ativos naturais das pessoas com rendimento mais alto, ao destruir, por exemplo, a saúde dos saudáveis e assim torná-los iguais aos doentes, ou ao arrebentar a cara das pessoas de boa aparência fazendo-as parecer seus colegas esteticamente menos afortunados.[12] Portanto, o método comum que o socialismo social-democrata defende para criar “igualdade de oportunidade” é a tributação dos ativos naturais. Aquelas pessoas que são consideradas a receber uma renda relativamente mais alta referente a algum ativo, como a saúde, estão sujeitas a um imposto adicional a ser pago em dinheiro. Esse imposto é depois redistribuído àquelas pessoas cujas respectivas rendas são relativamente baixas de forma a ajudar a compensá-las por este fato. Um imposto adicional, por exemplo, é cobrado do indivíduo saudável para ajudar o não-saudável a pagar seus gastos com saúde, ou daqueles de boa aparência para ajudar os feios a pagar por cirurgia plástica ou pela bebida que os permita esquecer o seu infortúnio. As consequências econômicas desses esquemas de redistribuição devem ser esclarecidas. Na medida em que a renda psíquica, representada pela saúde, por exemplo, exige um esforço produtivo de tempo ou de custos, e enquanto as pessoas podem, em princípio, se deslocar de suas funções produtivas para as improdutivas, ou canalizar seus esforços produtivos para ramos de produção de bens trocáveis ou não-trocáveis, que sejam menos ou não-tributados, elas assim o farão devido ao aumento de custos incluídos na produção da saúde pessoal. A produção global da riqueza em questão irá cair, ou seja, o padrão geral de saúde será reduzido. E até com os ativos realmente naturais, como a inteligência, sobre o qual as pessoas podem pouco ou nada fazer, as consequências serão da mesma espécie, muito embora com apenas o intervalo de uma geração. Percebendo que o custo de ser inteligente se tornou relativamente maior, e o de ser não-inteligente tornou-se menor, e querendo o máximo de rendimento possível (de qualquer espécie) para a própria descendência, o incentivo para a pessoa inteligente gerar um descendente foi reduzido e para o não-inteligente, aumentado. Considerando as leis da genética, o resultado será uma população que é, no geral, menos inteligente. E, além disso, em qualquer caso de tributação de ativos naturais (exato para o exemplo da saúde bem como para o da inteligência), devido ao fato de a renda monetária ser tributada, irá se definir uma tendência semelhante àquela resultante da tributação da renda, ou seja, uma tendência para reduzir os esforços por um retorno monetário e para cada vez mais se envolver na atividade produtiva de retorno não-monetário ou em todos os tipos de empreendimentos não-produtivos. E, claro, tudo isso, mais uma vez, reduz o padrão geral de vida.

Mas isto não é ainda tudo o que precisa ser dito sobre as consequências do socialismo de estilo social-democrata, uma vez que também terá efeitos altamente importantes, ainda que improváveis, na estrutura social e moral da sociedade, que se tornarão mais visíveis quando se considerar os resultados de longo-prazo da introdução dessas políticas redistributivas. Provavelmente, já não é surpresa que, também a esse respeito, a diferença entre o socialismo de tipo russo e o socialismo de estilo social-democrata, muito embora altamente interessante em alguns detalhes, não é na essência.

Devemos recordar que o efeito do socialismo russo na formação dos tipos de personalidade era duplo: reduzia o incentivo para desenvolver habilidades produtivas e, ao mesmo tempo, favorecia o desenvolvimento dos talentos políticos. Estas também são, precisamente, as consequências do socialismo social-democrata. Como o socialismo social-democrata favorece as funções improdutivas tanto quanto as produtivas que não são de conhecimento público, e que por isso não podem ser atingidas pela tributação, consequentemente, o caráter da população muda. Este processo pode ser lento, mas, tanto quanto perdure a peculiar estrutura de incentivo estabelecida pelas políticas redistributivas, será constantemente operante. Serão realizados menos investimentos no desenvolvimento e na melhoria das habilidades produtivas e, como resultado, as pessoas se tornarão cada vez mais incapazes de assegurar seus próprios rendimentos pela produção ou pela contratação. E como aumenta o grau de tributação e o círculo de renda tributada é ampliado, as pessoas irão cada vez mais desenvolver personalidades dissimuladas, padronizadas e medíocres — pelo menos quando estiver em causa a aparência pública. Paralelamente, à medida em que a renda se torna simultaneamente dependente da política, ou seja, da decisão da sociedade sobre como redistribuir os tributos (que são obtidos, na verdade, não por contratação, mas pela sobreposição da vontade de um sobre a vontade recalcitrante do outro), quanto mais dependente se tornar, mais pessoas terão que agir politicamente, ou seja, terão que investir mais tempo e energia no desenvolvimento de seu talento especial para obter vantagens pessoais às custas de outros (ou seja, de forma não-contratual) ou impedir que tal exploração ocorra.

A diferença entre ambos os tipos de socialismo reside (somente) no seguinte aspecto: sob o socialismo russo, o controle da sociedade sobre os meios de produção, e, consequentemente, sobre a renda produzida com eles, é completo, e, até o momento, não parece mais haver espaço para se engajar no debate político a respeito do grau adequado de politização da sociedade. A questão é resolvida sob um capitalismo puro (como estabelecido na outra extremidade do espectro), onde não há espaço para a política e todas as relações são exclusivamente contratuais. Por outro lado, sob o socialismo social-democrata, o controle social sobre a renda produzida de forma privada é, na verdade, apenas parcial, e um controle maior ou total só existe como um direito da sociedade que ainda não foi atualizado e que consiste numa ameaça potencial que paira sobre as cabeças dos produtores privados. Mas viver sob a ameaça de ser completamente tributado em vez de ser muito tributado explica uma característica interessante do socialismo social-democrata quanto ao desenvolvimento geral em relação a personalidades cada vez mais politizadas. Isto explica por que sob um sistema de socialismo social-democrata o tipo de politização é diferente daquele sob o socialismo russo. Neste, tempo e esforço são gastos de forma improdutiva, em discussões sobre como distribuir a renda que pertence à sociedade; sob o socialismo social-democrata, de fato, isto também acontece, mas tempo e esforço também são utilizados em disputas políticas sobre o volume, maior ou menor, das partes da renda socialmente administradas. Sob um sistema de meios de produção socializados, onde essa questão é resolvida de uma vez por todas, se observa, portanto, um maior afastamento da vida pública, resignação e cinismo. O socialismo social-democrata, por outro lado, onde essa questão ainda está em aberto, e onde produtores e não-produtores podem alimentar alguma esperança de melhorar sua posição com a redução ou aumento da tributação, tem privatização de menos e, com maior regularidade, mais pessoas envolvidas ativamente na agitação política tanto a favor quanto contra o aumento do controle pela sociedade dos rendimentos produzidos de forma privada.[13]

Com a explicação das semelhanças gerais e a da diferença específica entre os dois tipos de socialismo, permanece a tarefa de apresentar uma análise resumida de algumas forças modificadoras influenciando o desenvolvimento geral em relação às personalidades politizadas e improdutivas. Estas são o resultado de diferentes abordagens do desejado padrão de distribuição de renda. Os socialismos russo e social-democrata são igualmente confrontados com a questão de como distribuir a renda que passa a ser socialmente controlada. Para o socialismo russo, trata-se do problema de quais salários pagar aos indivíduos a quem foram atribuídos várias posições na economia de zelador. Para o socialismo redistributivo, a questão é quanto de tributos deve ser alocado e para quem. Ao passo que há, em princípio, inúmeras formas de fazê-lo, a filosofia igualitária de ambas as espécies de socialismo reduz efetivamente as opções disponíveis para os três tipos gerais.[14] O primeiro é o método de igualar mais ou menos a renda monetária de todos (e, possivelmente, a riqueza privada e usada de forma improdutiva). Professores, médicos, trabalhadores da construção civil e mineiros, gerentes de fábrica e faxineiras, todos eles recebem praticamente o mesmo salário, ou a diferença entre as remunerações é consideravelmente pequena.[15] Não é preciso observar muito para perceber que esse caminho reduz drasticamente o incentivo para trabalhar, pois não faz muita diferença — em termos salariais — trabalhar de forma diligente durante todo o dia ou vadiar durante a maior parte do tempo. Consequentemente, sendo a desutilidade do trabalho um fato da vida, as pessoas irão cada vez mais vadiar e a renda média, que todo mundo parece considerar como certa, cairá constantemente em termos relativos. Portanto, essa perspectiva fortalece relativamente a tendência em relação ao afastamento, desilusão, cinismo e, mutatis mutandis, contribui para uma redução relativa na atmosfera geral de politização. A segunda abordagem tem o propósito mais moderado de garantir uma renda mínima, que, embora esteja de algum modo vinculada à renda média, está bem abaixo desta.[16] Isto também reduz o incentivo para trabalhar uma vez que as pessoas estarão agora mais dispostas a reduzir o tempo de trabalho, ou até mesmo parar de trabalhar, de forma a desfrutar o lazer, e a se contentar com uma renda mínima, pois elas são apenas produtoras de renda marginal cujos rendimentos da produção são ligeiramente abaixo do mínimo. Assim, por outro lado, mais pessoas cairão para uma linha abaixo da renda mínima, ou mais pessoas, de outra maneira, irão manter ou adquirir aquelas características que existem em decorrência do salário mínimo obrigatório, e como resultado, mais uma vez, teremos a queda da renda média a qual o salário mínimo está vinculado para um nível inferior daquele que teria sido obtido de outra forma. Mas, certamente, sob este segundo regime (de garantia de uma renda mínima), o incentivo para trabalhar é reduzido para um nível muito mais baixo na comparação com o primeiro. Por outro lado, a segunda abordagem levará a um grau relativamente elevado de politização ativa (e um menor nível de afastamento resignado) porque, ao contrário da renda média, que pode ser objetivamente determinada, o nível no qual a renda mínima é definido é um assunto completamente subjetivo e arbitrário, e está, portanto, particularmente propenso a se tornar uma questão política permanente.

Indubitavelmente, o grau mais elevado de politização ativa é atingido quando se opta pela terceira abordagem distributiva. Seu objetivo é alcançar a igualdade de oportunidade, amealhando importância cada vez maior para a social-democracia.[17] A ideia é criar, através de medidas redistributivas, uma situação na qual seja igual a chance de qualquer um em obter qualquer posição (renda) possível na vida (como numa loteria, onde cada bilhete tem chances iguais de ser ou não premiado) e, além do mais, ter um mecanismo de correção que ajude a retificar situações de “azar imerecido” (seja lá o que isso signifique) que pode ocorrer no curso dos acontecimentos do jogo de azar. Tomada literalmente, esta ideia é obviamente absurda: não há forma de igualar a oportunidade de alguém que vive nos Alpes com a de alguém que mora no litoral. Além disso, parece muito claro que a ideia de um mecanismo de correção é simplesmente incompatível com a da loteria. No entanto, é exatamente esse alto grau de imprecisão e confusão que contribui para o apelo popular dessa concepção. O que constitui uma oportunidade, o que torna uma oportunidade diferente ou igual, melhor ou pior, de quanto e qual seria o tipo de compensação necessário para igualar as oportunidades que, claramente, não podem ser igualadas em termos físicos (como no exemplo dos Alpes e litoral), o que é um azar imerecido e qual seria a melhor retificação, todas estas são questões completamente subjetivas. Elas são dependentes de avaliações subjetivas, que mudam à medida em que são feitas, e há, então — se for aplicada, de fato, a concepção de igualdade de oportunidades —, um reservatório ilimitado de todos os tipos de demandas distributivas para todos os tipos de justificativas e para todos os tipos de pessoas. É assim, particularmente, porque igualar oportunidade é compatível com demandas por diferenças na renda monetária ou na riqueza privada. A e B podem ter a mesma renda e podem ambas ser igualmente ricas, mas A pode ser negro, ou uma mulher, ou ter uma visão ruim, ou residir no Texas, pode ter 10 filhos, ou não ter marido, ou ter mais do que 65 anos, ao passo que B pode não ser nada disso, mas qualquer outra coisa, e, consequentemente, A pode argumentar que essas oportunidades para conseguir tudo o que for possível na vida são diferentes, ou muito pior, do que as de B, e que deveria de alguma maneira ser compensado por isto, tornando as suas rendas monetárias, que eram as mesmas de antes, diferentes agora. E B, é claro, poderia argumentar exatamente da mesma forma pela simples inversão da avaliação implícita das oportunidades. Em consequência, ocorrerá um grau de politização desconhecido. Tudo parece justo agora, e tanto produtores quanto não-produtores, os primeiros com fins defensivos e os segundos com objetivos agressivos, serão orientados a gastar muito mais tempo na função de aumentar, destruir e combater as demandas distributivas. E, na verdade, essa atividade, como o envolvimento em atividades de lazer, não é apenas improdutiva, mas contrasta claramente com a função de desfrutar o lazer, e significa usar o tempo com o objetivo de, realmente, interromper o gozo sereno da riqueza produzida, bem como o da sua produção mais recente.

Mas não é apenas o aumento da politização estimulada (abaixo e acima do nível deduzido pelo socialismo em geral) que acontece com a promoção da ideia de igualar a oportunidade. Há, uma vez mais, e isto talvez seja uma das características mais interessantes do novo socialismo social-democrata quando comparado com a forma marxista tradicional, o surgimento de uma nova e diferente personalidade resultante desse tipo de politização. Sob qualquer política de distribuição, deve haver pessoas que a apoiam e a promovem. E, normalmente, embora não exclusivamente, isto é feito por aqueles que mais lucram com essa política. Portanto, sob um sistema de equalização de renda e de riqueza, e também ao abrigo de uma política de renda mínima, são principalmente os “sem-posses” que apoiam a politização da vida social. Dado o fato de que, na média, são aqueles que tem relativamente menor capacidade intelectual, particularmente menos capacidades verbais, o resultado para a política é a grande falta de sofisticação intelectual, para dizer o mínimo. Expondo de forma mais franca, a política tende a ser completamente tediosa, estúpida e pavorosa, mesmo para um número considerável de “sem-posse”. Por outro lado, ao adotar a ideia de igualdade de oportunidade, as diferenças de riqueza e de renda monetária não só são permitidas como se tornam muito evidentes, desde que isto seja justificado por discrepâncias fundamentais na estrutura de oportunidade para que as diferenças anteriores ajudem a compensá-las. Mas, nesse tipo de política, aqueles que têm posse também podem participar. Na verdade, sendo estes os que, na média, dominam habilidades verbais superiores (e a tarefa de definir as oportunidades como melhores ou piores é essencialmente um dos poderes de persuasão retórica), procuram desenvolver exatamente esse tipo de jogo. Portanto, os que têm posse se tornarão a força dominante na sustentação do processo de politização. Cada vez mais, serão as pessoas desse grupo que se moverão para o topo da organização do partido socialista, e, consequentemente, a aparência e a retórica política socialista tomarão uma forma diferente, se tornando cada vez mais intelectualizada, mudando o seu apelo e atraindo uma nova classe de apoiadores.

Com isto eu atingi o estágio na análise do socialismo social-democrata no qual são necessários apenas alguns comentários e observações que ajudarão a ilustrar a validade das considerações teóricas desenvolvidas até aqui. Embora isto não afete a validade das conclusões já apresentadas, pois fundamentadas exclusivamente na verdade das premissas e na precisão das deduções, infelizmente, não existe qualquer exemplo quase-experimental e próximo da perfeição para ilustrar o funcionamento do socialismo social-democrata na comparação com o capitalismo como o que temos das duas Alemanhas (Ocidental e Oriental) em relação ao socialismo do tipo russo. Ilustrar o ponto exigiria uma comparação de sociedades manifestamente diferentes onde claramente ceteris não são paribus, e, portanto, não seria mais possível combinar ordenadamente certas causas com determinados efeitos. Frequentemente, as experiências de socialismo social-democrata não duraram o suficiente ou foram interrompidas repetidas vezes por políticas que definitivamente não poderiam ser classificadas como socialismo social-democrata. Ou então, desde o início, foram misturadas com diferentes (e até mesmo inconsistentes) políticas em decorrência de compromissos políticos, que, na verdade, nenhuma evidência ilustrativa notável pode ser produzida por qualquer tese com algum grau de especificidade pelo fato de diferentes causas e efeitos estarem muito enredadas. A tarefa de desenredar causas e efeitos se torna, mais uma vez, um trabalho genuinamente teórico, sem o poder de persuasão peculiar que caracteriza a evidência produzida de maneira experimental.

No entanto, alguma evidência existe, nem que seja de qualidade mais duvidosa. Em primeiro lugar, no nível das observações globais, a tese geral sobre o empobrecimento relativo provocado pelo socialismo redistributivo é ilustrada pelo fato de que o padrão de vida é relativamente mais alto, e se tornou maior ao longo do tempo, nos Estados Unidos do que na Europa Ocidental, ou, mais especificamente, do que nos países da Comunidade Europeia. Ambas as regiões são comparadas aproximadamente em relação ao tamanho da população, diversidade étnica e cultural, tradição e herança, e também no que se refere aos dotes naturais, mas os Estados Unidos são comparativamente mais capitalistas e a Europa, mais socialista. Qualquer observador imparcial dificilmente deixará de notar esse aspecto, como também indicado por esses índices globais tal como a percentagem da despesa estatal em relação ao Produto Interno Bruto, que é de cerca de 35% nos Estados Unidos em comparação ao cerca de 50% ou mais na Europa Ocidental. Isto também se encaixa na imagem que os países europeus (em particular, a Grã-Bretanha) apresentaram com as mais impressionantes taxas de crescimento econômico no século XIX que foram descritas várias vezes pelos historiadores como o período do liberalismo clássico, ao contrário do século XX, que foi denominado como o período do socialismo e do estatismo. Da mesma forma, a validade da teoria é ilustrada pelo fato de que a Europa Ocidental tem sido cada vez mais superada nas taxas de crescimento econômico por alguns países do Pacífico, tais como o Japão, Hong Kong, Cingapura e Malásia; estes países, ao adotarem um comportamento relativamente mais capitalista, conseguiram atingir uma padrão de vida muito mais alto do que os países com inclinações socialistas que começaram mais ou menos na mesma época e com aproximadamente a mesma base de desenvolvimento econômico, tal como a Índia.

Voltando às observações mais específicas, existem as experiências recentes de Portugal, onde, em 1974, o regime autocrático de socialismo conservador de Salazar (sobre esse tipo de socialismo, ver o próximo capítulo), que manteve o país como um dos mais pobres da Europa, foi derrubado por um levante das forças políticas do socialismo redistributivo (com elementos de nacionalização) e onde desde então o padrão de vida caiu ainda mais, transformando literalmente o país numa região do terceiro mundo. Há também a experiência socialista da França de Mitterand, que produziu uma deterioração imediata da situação econômica de forma tão notável (sendo mais evidente o aumento drástico no desemprego e as repetidas desvalorizações da moeda) que, menos de dois anos depois, o reduzido apoio popular ao governo forçou uma reviravolta na política, que era uma situação quase cômica na medida em que correspondia a uma negação completa daquilo que apenas algumas semanas antes tinha sido defendido como as suas mais caras convicções.

O caso mais instrutivo, porém, foi novamente o da Alemanha e, hoje em dia, da Alemanha Ocidental.[18] De 1949 a 1966, houve um governo liberal-conservador que mostrou um comprometimento excepcional com os princípios da economia de mercado, apesar de que desde o início houve uma mistura num grau considerável de elementos socialistas-conservadores e esses componentes ganharam mais importância ao longo do tempo. Em todo caso, dentre todas as maiores nações europeias, a Alemanha Ocidental durante esse período era, definitivamente, o país mais capitalista e o resultado disso foi se tornar a sociedade mais próspera da Europa com taxas de crescimento que ultrapassavam todas as dos países vizinhos. Até 1961, milhões de refugiados alemães e, posteriormente, milhões de trabalhadores estrangeiros dos países do Sul da Europa se integraram expandindo a sua economia e os índices de desemprego e de inflação se tornaram quase imperceptíveis. Mais tarde, após um período curto de transição, de 1969 a 1982 (um intervalo de tempo quase igual), assumiu um governo socialista-liberal que implantou uma política social-democrata. Esse governo aumentou consideravelmente os impostos e as contribuições para a segurança social, elevou a quantidade de servidores públicos, despejou fundos tributários adicionais em programas sociais existentes e criou novos, e aumentou significativamente os gastos em todos os tipos de “bens públicos”, para, supostamente, por meio dessas ações políticas igualar as oportunidades e melhorar a “qualidade de vida” geral. Recorrendo a uma política keynesiana de déficit orçamental e inflação imprevista, os efeitos de aumentar os benefícios sociais mínimos, garantidos para não-produtores às custas de tributar excessivamente os produtores, poderiam ser adiados por alguns anos (o lema da política-econômica do ex-chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Schmidt, era “melhor uma inflação de 5% do que uma taxa de desemprego de 5%”). Contudo, as consequências seriam mais drásticas pouco tempo depois assim como a inflação imprevista e a expansão do crédito haviam criado e prolongado o mau investimento mais típico de um boom. Como resultado, não só a inflação foi muito mais do que aqueles 5% como a taxa de desemprego também aumentou de forma constante até se aproximar dos 10%; o crescimento do Produto Interno Bruto se tornou cada vez mais lento até cair em termos absolutos durante os últimos anos daquele período. Em vez de ter uma economia em expansão, se reduziu o número absoluto de pessoas empregadas; foi feita uma pressão cada vez maior sobre os trabalhadores estrangeiros para que deixassem o país e, simultaneamente, as barreiras contra a imigração cresceram a níveis cada vez mais elevados. Enquanto tudo isso acontecia a importância da economia clandestina cresceu continuamente.

Mas esses eram apenas os resultados mais evidentes de uma espécie econômica estritamente definida. Havia outros efeitos de um tipo diferente, que tinham, na verdade, uma importância mais duradoura. Com um novo governo socialista-liberal, a ideia de igualar as oportunidades veio da vanguarda ideológica. E como fora previsto teoricamente, em particular a propagação oficial da ideia mehr Demokratie wagen (“ousar mais democracia”) — inicialmente um dos slogans mais populares da nova era (Willy Brandt) — que levou a um grau de politização até então inédito. Todos os tipos de demanda foram elevados em nome da igualdade de oportunidade; e dificilmente havia qualquer esfera da vida, da infância à velhice, do lazer às condições de trabalho, que não tenha sido profundamente investigada para identificar diferenças possíveis oferecidas a diferentes pessoas em relação a oportunidades consideradas relevantes. Não é de surpreender que essas oportunidades e diferenças sejam constantemente encontradas[19], e, portanto, o reino da política parecia se expandir quase todos os dias. Cada vez mais frequente, podia-se ouvir a seguinte frase: “Não existe nenhuma questão que não seja uma questão política”. A fim de permanecer à frente desse desenvolvimento, os partidos no poder também tiveram que mudar. Especialmente os Social-Democratas, tradicionalmente o partido dos trabalhadores braçais das fábricas e indústrias, tinham que construir uma nova imagem. Com a ideia de igualar as oportunidades ganhando terreno, tornaram-se cada vez mais, como se poderia prever, o partido da intelectualidade (verbal), dos cientistas sociais e dos professores. E esse “novo” partido escolheu como uma de suas principais preocupações concentrar as mais diversas atividades políticas para criar, dentro do campo da igualdade, e acima de tudo, oportunidades educacionais, quase como para provar que o processo de politização será mantido principalmente por aqueles que lucram com esses esquemas distributivos e que o trabalho de definir oportunidades é essencialmente arbitrário e uma questão de poder retórico. Em particular, eles “igualaram” as oportunidades de educação para o ensino médio e para a universidade ao oferecer os respectivos serviços não só de forma gratuita, mas, literalmente, financiando grandes grupos de estudantes para usufruir deles. Isto não apenas aumentou a demanda por educadores, professores, cientistas sociais, cujo pagamento naturalmente tinha que vir dos impostos, mas também significou, um tanto ironicamente para um partido socialista que defendia que igualar as oportunidades educacionais resultaria numa transferência de renda do rico para o pobre, um subsídio pago ao mais inteligente às custas de uma redução complementar da renda do menos inteligente, e na medida em que há um número maior de pessoas inteligentes nas classes média e alta do que na classe baixa, é um subsídio pago pelos sem-posse para aqueles com-posse.[20] Como resultado desse processo de politização conduzido por um número cada vez maior de educadores pagos pelos impostos e ganhando influência sobre uma quantidade cada vez maior de estudantes, ocorreu (como era de se esperar) uma mudança de mentalidade das pessoas. Esse fato foi cada vez mais considerado algo completamente normal para satisfazer todo o tipo de demandas através dos meios políticos e para reivindicar toda espécie de supostos direitos contra outras pessoas supostamente melhor situadas economicamente e contra as suas propriedades; e para uma geração inteira de pessoas que cresceu durante esse período, tornou-se cada vez menos natural pensar em melhorar o seu destino pelo esforço produtivo ou por contratação. Portanto, quando emergiu a crise econômica atual, necessária em virtude da política redistributiva, as pessoas estavam menos preparadas do que nunca para superá-la, porque ao longo do tempo a mesma política enfraqueceu precisamente aquelas habilidades e talentos que eram agora exigidas de forma mais urgente. Suficientemente revelador, quando o governo socialista-liberal foi derrubado em 1982, principalmente e obviamente por causa de seu miserável desempenho econômico, a opinião predominante ainda era de que a crise não deveria ser resolvida pela eliminação de suas causas, ou seja, os excessivos benefícios mínimos para não-produtores ou não-contratantes, mas por outra medida redistributiva: pela força, igualando o tempo de trabalho disponível para empregados e desempregados. E em sintonia com esse espírito, o novo governo conservador-liberal, de fato, não fez mais do que desacelerar a taxa de crescimento da tributação.

 

 

 

[Extraído do Capítulo 4 de Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo]

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Notas

[1] Cf. L. Kolakowski, Main Currents of Marxism, 3 vols., Oxford, 1978; e também W. Leonhard,Sovietideologie heute. Die politischen Lehren, Frankfurt/M., 1963.

[2] Cf. nota 49 logo abaixo a respeito da avaliação um tanto diferente sobre a prática.

[3] Cf. E. Bernstein, Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie, Bonn, 1975, como o grande intérprete do caminho reformista-revisionista; K. Kautsky, Bernstein und das sozialdemokratische Programm, Bonn, 1976, como expoente da ortodoxia marxista.

[4] Sobre a ideia de um “socialismo de mercado”, consultar um de seus principais representantes: O. Lange, “On the Economic Theory of Socialism”, in M. I. Goldman (ed.), Comparative Economic Systems, New York, 1971.

[5] Sobre a ideologia da Social-Democracia Alemã cf. T. Meyer (ed.), Demokratischer Sozialismus, Muenchen, 1980; G. Schwan (ed.), Demokratischer Sozialismus fuer Industriegesellschaften, Frankfurt/M., 1979.

[6] Os indícios da social-democratização do movimento socialista são a ascensão do partido socialista e o correspondente declínio do partido comunista ortodoxo na França; a emergência de um partido social-democrata como rival do mais ortodoxo partido trabalhista da Grã-Bretanha; a moderação dos comunistas na Itália, enquanto único remanescente do poderoso partido comunista da Europa Ocidental, no que se refere a uma política cada vez mais social-democrata; e o crescimento dos partidos socialistas social-democratas na Espanha sob Gonzales e em Portugal sob Mário Soares, ambos com relações próximas ao SPD alemão. Além disso, os partidos socialistas da Escandinávia, que tradicionalmente seguiam de perto o caminho alemão e que, mais tarde, forneceram refúgio seguro a muitos proeminentes socialistas durante a perseguição nazista (especialmente W. Brandt e B. Kreisky), já há muito tempo dão crédito às crenças revisionistas.

[7] Sobre a posição social-democrata em relação ao conflito Norte-Sul, cf. North- South: A Programme for Survival, Independent Commission on International Development Issues (Chair: W. Brandt), 1980.

[8] Observe novamente que essa caracterização do socialismo social-democrata tem o status de um “tipo ideal” (cf. capítulo 3, n. 2). Ela não deve ser tomada como uma descrição da política ou da ideologia de qualquer partido verdadeiro. Preferencialmente, deveria ser entendida como uma tentativa de reconstruir aquilo que tem se tornado a essência do moderno estilo do socialismo social-democrata, fundamental a uma bastante diversificada realidade de programas e políticas de vários partidos ou movimentos com diferentes nomes, mas com um núcleo ideologicamente unificador.

[9] Sobre o assunto, cf. L. v. Mises, Socialismo, Indianapolis, 1981, esp. parte V; Ação Humana, São Paulo: Instituto Rothbard, 2010, esp. parte 6.

[10] Cf. M. N. Rothbard, Poder e Mercado, São Paulo: Instituto Rothbard, 2012.

[11] Além do mais, não deveria ser ignorado que mesmo que isto resultasse num aumento de trabalho por aqueles que foram tributados, um nível maior de tributação reduziria, em qualquer caso, a quantidade do lazer disponível e, desse modo, reduziria o padrão de vida. Cf. M.N. Rothbard, Poder e Mercado, São Paulo: Instituto Rothbard, 2012, p. 117 et seq.

[12] Um relato ficcional da implementação de tal política, fiscalizada pela “incessante vigilância dos representantes do Dificultador Geral dos Estados Unidos”, foi feito por K. Vonnegut in “Harrison Bergeron,” in: K. Vonnegut, Welcome to the Monkey House, New York, 1970.

[13] Sobre o fenômeno da politização, cf. também K. S. Templeton (ed.), The Politicalization of Society, Indianapolis, 1977.

[14] Sobre a preocupação do socialista ortodoxo e do social-democrata pela igualdade, cf. S. Lukes, “Socialism and Equality,” in: L. Kolakowski e S. Hampshire (eds.), The Socialist Idea, New York, 1974; também B. Williams, “The Idea of Equality”, in P. Laslett e W. G. Runciman (eds.), Philosophy, Politics, and Society, 2nd series, Oxford, 1962. Para uma crítica da concepção socialista de igualdade, cf. M. N. Rothbard, “Freedom, Inequality, Primitivism and the Division of Labor”, in K. S. Templeton (ed.), The Politicalization of Society, Indianapolis, 1977; e Egalitarianism as a Revolt Against Nature (título do ensaio), Washington, 1974; H. Schoeck, Envy, New York, 1966; e 1st Leistung unanstaendig? Osnabrueck, 1971; A. Flew, The Politics of Procrustes, London, 1980; e Sociology, Equality and Education, New York, 1976.

[15] Tradicionalmente, essa perspectiva foi favorecida, pelo menos na teoria, pelo socialismo ortodoxo marxista — em sintonia com o famoso ditado de Marx em sua “Crítica do Programa de Gotha” (K. Marx,Selected Works, vol. 2, London, 1942, p.566), “de cada um segundo a sua habilidade; para cada um de acordo com as suas necessidades” (N.T.: a frase foi usada por Marx sem citar o verdadeiro autor, Louis Blanc, que em sua obra L’Organisation du Travail [Paris, 1847] escreveu “à chacun selon ses besoins, de chacun selon ses facultés [a cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo suas habilidades]”). A realidade econômica, contudo, obrigou os países socialistas do modelo russo a fazer, na prática, enormes concessões. De modo geral, um esforço foi feito, de fato, para igualar a renda monetária (presumidamente, com maior visibilidade) de várias ocupações, mas, com a finalidade de manter a economia funcionando, foram introduzidas grandes diferenças (supostamente menos visíveis) nas recompensas não-monetárias (tais como privilégios especiais em relação à viagem, educação, moradia, compras, etc.).

Analisando a literatura, P. Gregory e R. Stuart (Comparative Economic Systems, Boston, 1985) escreveu: “… os ganhos são distribuídos de forma mais igualitária na Europa Oriental, na Iugoslávia e na União Soviética do que nos Estados Unidos. Para a União Soviética, este parece ser um fenômeno relativamente novo, pois até 1957 os ganhos lá eram mais desiguais do que nos Estados Unidos”. Porém, nos países que seguem o modelo soviético, “um volume relativamente muito maior de recursos … é fornecido sobre uma base de mercado adicional…” (p.502). Conclusão: “A renda é distribuída de forma mais desigual nos países capitalistas onde o estado exerce um papel redistributivo relativamente menor… (Estados Unidos, Itália, Canadá). No entanto, mesmo onde o estado desenvolve uma maior função redistributiva (Reino Unido, Suécia), a distribuição de rendas parece ser levemente mais desigual do que nos países socialistas de economia planejada (Hungria, Checoslováquia, Bulgária). Em 1966, a União Soviética parece ter uma distribuição de renda menos igualitária dos que nos países do Leste Europeu” (p.504). Cf. também F. Parkin, Class Inequality and Political Order, New York, 1971, esp. o capítulo 6.

[16] Tradicionalmente, essa abordagem é mais típica do socialismo social-democrata. Nos últimos anos, tem sido dado um grande apoio público — por parte dos profissionais de economia — a M. Friedman e à sua proposta de “imposto de renda negativo” (M. Friedman, Capitalismo e Liberdade, São Paulo: Abril Cultural, 1984, capítulo 12); e, do lado dos profissionais da filosofia, a J. Rawls com o seu “princípio da diferença” (J. Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa: Editorial Presença, 2001, p. 78 et seq.). Portanto, ambos os autores atraíram muita atenção dos intelectuais do partido social-democrata. Geralmente, Friedman só era considerado “culpado” por não querer definir um valor suficientemente alto para a renda mínima — mas, depois, ele não tinha critério baseado em princípio para defini-la em qualquer patamar específico. Rawls, que queria coagir a “pessoa mais favorecida” a deixar a “menos favorecida” partilhar a sua fortuna sempre que melhorasse a sua própria posição, era às vezes acusado de ter ido longe demais com seu igualitarismo. Cf. G. Schwan, Sozialismus in der Demokratie. Theorie eine konsequent sozialdemokratischen Politik, Stuttgart, 1982, Capítulo 3, D.

[17] Um exemplo representativo de uma pesquisa com inclinação social-democrata sobre a igualdade de oportunidade, especialmente no que se refere à educação, pode ser encontrada em C. Jencks e outros,Inequality, London, 1973; o aumento da notoriedade da ideia de igualar a oportunidade também explica a quantidade torrencial de estudos sociológicos sobre “qualidade de vida” e “indicadores sociais” que surgiram desde o final dos anos de 1960. Cf., por exemplo, A. Szalai e F. Andrews (eds.), The Quality of Life, London, 1980.

[18] Sobre o assunto, cf. também R. Merklein, Griff in die eigene Tasche, Hamburg, 1980; e Die Deutschen werden aermer, Hamburg, 1982.

[19] Cf. como exemplo representativo W. Zapf (ed.), Lebensbedingungen in der Bundesrepublik, Frankfurt/M., 1978.

[20] Cf. sobre o tema A. Alchian, “The Economic and Social Impact of Free Tuition” in: A. Alchian, Economic Forces at Work, Indianapolis, 1977.

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