A (quase) morte do estado

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DeclarationIndepEstou perfeitamente consciente de que o Secretário do Tesouro Henry Paulson e o Presidente do Fed Ben Bernanke já têm em mente algum esquema nefasto para reverter a excitante derrota de seu criminoso pacote de socorro, um pacote que foi derrubado por membros independentes do Congresso, de ambos os partidos. Mas reflita por alguns minutos sobre o significado de tudo isso que ocorreu. Foi um ato revolucionário no melhor sentido do termo.

Absolutamente todo o establishment estava unido em favor daquilo que certamente era o projeto de lei mais horrível e ultrajante a ser votado em toda a história do Congresso americano. O Fed (o banco central americano), o Tesouro, as lideranças dos partidos Republicano e Democrata, o Wall Street Journal e o New York Times, todos os grandes institutos (com a honrosa exceção do Mises Institute), a maioria dos palpiteiros da mídia, as corporações mais ricas, os acadêmicos mais importantes — em resumo, toda a elite do poder — estavam unidos em favor dessa coisa monstruosa que propunha o seguinte: o povo americano deveria ser destituído de sua renda e de seu futuro unicamente para dar sustento a empresas falidas.

Esqueçam o socialismo envergonhado: isso era o socialismo em sua face mais explícita. E as conseqüências seriam apavorantes. Esse seria o primeiro de muitos socorros financeiros, já que, é claro, socorros desse tipo não podem e nem nunca irão funcionar. Dívidas ruins não podem ser transformadas em boas por meio de legislações. Isso significa que o estado iria exigir cada vez mais dinheiro para salvar seus protegidos, e a classe média seria sangrada a seco pelo estado-vampiro por vários anos vindouros. Uma depressão econômica extremamente profunda — uma repetição dos anos 1930 — era o destino certo. Melhor seria parar com tudo isso agora de uma vez.

O governo poderia ter tentado fazer suas proezas perversas através de ordens executivas ao invés de pedir aprovação ao Congresso. Mas há dois problemas com essa idéia. Um é que o governo não teria com quem dividir a culpa quando o plano fracassasse. O outro é de ordem econômica. O Fed e o Tesouro estão de fato muito preocupados por se verem incapazes de injetar mais crédito em uma estrutura bancária que, por ora, está completamente avessa a empréstimos. Ambos preferiram então fazer com que o Congresso autorizasse o dinheiro diretamente e aumentasse a dívida do governo.

Em todo caso, não importa como você olhe para isso, a derrota desse projeto de lei é uma vitória da liberdade. A derrota das elites poderosas é essencial para que a liberdade floresça. Para que o livre mercado funcione, é preciso que o conluio entre governo e grandes corporações perca sua capacidade de se intrometer em cada área da nossa vida. Eles precisam passar a ter medo. Eles precisam perder sua segurança. Eles precisam perder a certeza de que cada desejo deles é ordem para nós. A derrota desse socorro financeiro é uma magnífica reprimenda nesse sentido.

Mas será que isso significa que a economia vai declinar e todos sofrerão? Ao contrário, tudo isso pode significar que a população americana está vivenciando o início de um processo de recuperação econômica. Uma recuperação de toda essa bolha que foi gerada pelo Fed e que já deveria ter — e teria — sido estourada há um ano, não fossem os sustentáculos artificiais criados pelo Fed. Se os preços das ações dessas instituições problemáticas puderem cair — isto é, se o governo sair do caminho e de fato deixar que eles caiam — elas poderão ser recompradas, e os seus ativos passariam a ser usados produtivamente e comercializados no mercado. Quando esse processo de desalavancagem começar, o país estará pronto para uma nova rodada de crescimento econômico.

Qualquer um que entenda o mecanismo do sistema de preços está achando todo esse debate de um ridículo sem fim. Para entender isso, mudemos o exemplo. Ao invés de casas, vamos utilizar maçãs, e daí veremos o quão estúpido é sugerir que preços em queda podem ser facilmente revertidos para cima. Digamos que o Fed criou uma histeria em torno de maçãs, o que fez com que o preço de cada uma pulasse de $3 para $10. As mercearias lotaram seus estoques de maçãs e passaram a expandir suas operações usando maçãs como garantia para os financiamentos que receberam. E então, repentinamente, os preços entram em colapso e caem para $5 e, finalmente, para $2.

O governo passa então a prestar atenção na situação. O que ele pode fazer para lidar com o problema? Conhecendo a irracionalidade do governo, sabemos que ele fará de tudo para manter o preço das maçãs artificialmente elevado. Ele pode fazer isso obrigando as mercearias a aumentar seus preços. Mas, e quanto aos consumidores? Eles não vão comprar maçãs a $10. Portanto, as maçãs irão apodrecer. Talvez o governo devesse comprar todas elas e então obrigar os consumidores a recomprá-las. Ou talvez as mercearias simplesmente parassem de comprar mais maçãs. Mas aí o governo poderia forçá-las a continuar comprando. Só que ele não pode forçar as mercearias a continuar operando. As pessoas sempre poderão parar de consumir tal produto. Sendo assim, o governo vai simplesmente sair comprando todas as mercearias, tudo em nome de manter alto o preço das maçãs. Mas ele terá de comprar as mercearias que estão alavancadas em maçãs a um preço muito maior do que o seu real preço de mercado, o que faz com que esse seja um negócio economicamente ruim.

Essa confusão pode se tornar muito mais complicada, e bilhões e/ou trilhões podem ser gastos. Você pode colocar todo mundo em campos de concentração e obrigar as pessoas, usando-se de armas, a comprar e vender maçãs a $10. Mas, depois de tudo isso, o problema ainda vai persistir: o preço das maçãs ainda quer cair. Nada que o governo faça é capaz de mudar esse fato. Tentar mudá-lo é como tentar mudar a gravidade. É claro, o banco central pode, sob ordens do governo, aumentar todos os preços através da inflação monetária até o ponto em que as maçãs de fato custem $10, mas isso seria puramente cosmético. Em termos reais, o preço das maçãs ainda seria $2. É uma atividade sem sentido e completamente destrutiva ficar tentando alterar esse fato. A única certeza são os estragos maciços que resultarão dessa tentativa.

Em um recente discurso, o horrendo Bush disse que “o mercado não está funcionando adequadamente”. A realidade, como sabemos, é justamente oposta: o mercado está funcionando perfeitamente bem. Os preços querem cair, como de fato devem. E é isso que o governo não tolera e está tentando subverter de todas as formas.

Outras coisas ótimas aconteceram depois que o resgate fracassou. Os preços das commodities, incluindo o petróleo, caíram dramaticamente. Isso é algo magnífico. No momento, a ameaça aos consumidores não advém de possíveis quebras de algum outro banco de investimento viciado em papéis podres; o que ameaça os consumidores são os preços de todos os bens, que nunca estiveram tão altos. Se os EUA estão em recessão, e, principalmente, se for uma recessão duradoura, preços baixos são exatamente o que se necessita para se começar um novo processo de recuperação econômica.

Não está totalmente claro por que os preços caem. Pode ser por causa da desaceleração econômica mundial. Pode ser porque os mercados estão começando a duvidar da capacidade do Fed conseguir colocar em prática a hiperinflação monetária que ele quer, uma vez que os bancos ficaram bastante avessos ao risco. Em todo caso, o que os americanos precisam é de preços menores para todas as coisas, inclusive gasolina e alimentos — e, claro, imóveis. Essa é a base para uma recuperação econômica sustentável.

O fracasso desse socorro era uma pré-condição para a recuperação econômica. Isso deveria fazer com que aqueles que acreditam na liberdade percebam que podemos mudar a história, que a tirania não é o nosso destino e que o estado-leviatã pode sim ser derrotado e repelido.

Recentemente estimulamos nossos leitores a ler livros sobre moeda e sistema bancário. Agora chegou a hora de livros como o Discurso sobre a Servidão Voluntária, escrito pelo francês Étienne de La Boétie. Ele sustentava que o estado é a instituição menos plausível da terra, uma que poderia ser derrubada em um único dia — não fossem sua propaganda e as ideologias erradas que o defendem.

Ontem foi o pior dia das últimas décadas para a elite do poder, e um dos melhores para a liberdade. Foi uma rejeição magnífica do Banco Central, do Tesouro, do governo Bush, do assistencialismo para os ricos, dos inflacionistas, dos estabilizadores e centralizadores de todos os tipos. Os custos de tudo que o Fed já fez são enormes e serão sentidos durante muitos anos. Mas, ainda assim, o presságio de tempos melhores é palpável.

E ontem foi também o aniversário de Ludwig von Mises. Ele faria 127 anos. Tenho certeza de que ele adorou o presente recebido.

Tradução de Leandro Roque

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