Isso pode até chocar alguns…

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… mas créditos ao consumidor não sustentam uma economia.

Os chefes de governo dos países em recessão – isto é, praticamente todos – garantem que a prosperidade irá retornar assim que os governos restaurarem o fluxo de crédito na economia.  Isso pode chocá-los, mas a verdade é que nenhuma economia pode se basear no financiamento do consumo.  Ademais, o crédito está estancado por um bom motivo: não há mais poupança para ser emprestada.  O pouco que havia foi exaurido durante o boom artificial.  Assim, os esforços dos governos para disponibilizar mais crédito, sem que haja um aumento na poupança e uma reestruturação da capacidade produtiva, irão inevitavelmente destruir o que restou de algumas economias.

O principal credo dos planejadores centrais mundiais parece ser a ilusão de que, ao facilitar o acesso ao crédito, as pessoas pegarão dinheiro emprestado para sair comprando coisas e essa gastança irá estimular a produção e o emprego, o que magicamente fará a economia crescer.  Trata-se de uma ideia graciosa e simples, mas que não tem nada em absoluto a ver com o real funcionamento de uma economia.  Os chefes de governo e seus assessores econômicos não entendem que o consumo só é possível se houver produção, e que o crédito só existirá se houver poupança.  Só que, para haver poupança, é preciso postergar o consumo.  E sobre isso nenhum político quer falar.

Parece que o tamanho e a complexidade das economias modernas obscureceram estes conceitos simples.  Porém, se reduzirmos o cenário para uma escala menor, poderemos clarear melhor o funcionamento desse mecanismo econômico.

Suponha uma economia bem pequena, baseada no escambo.  Nessa economia, existem apenas três indivíduos: um açougueiro, um padeiro e um fabricante de velas.  Se o fabricante de velas quiser pão ou carne, ele terá de fabricar velas e trocá-las por pão ou carne.  Dado que comer é uma necessidade orgânica, esse fabricante de velas sempre estará precisando de comida. Porém sua demanda somente poderá ser satisfeita se ele fabricar velas, sem as quais ele passará fome.  O mero fato de ele querer pão e carne é insignificante se não houver a contrapartida da produção.

Eis que surge a varinha mágica do crédito, o instrumento que muitos hoje acreditam poder substituir a produção.  Suponha que o açougueiro, por algum motivo, acabou produzindo uma quantidade excessiva de carne, e agora ele tem mais carne do que precisa para o seu dia-a-dia.  Sabendo disso, o fabricante de velas pede ao açougueiro que lhe faça um empréstimo de carnes, as quais ele irá trocar por pães.  Para que essa transação seja possível, é necessário que o açougueiro tenha antes produzido e não consumido algumas carnes (isto é, ele tem de ter poupado algumas carnes).  Ele irá então emprestar sua poupança ao fabricante de velas, que irá dar ao açougueiro uma nota promissória na qual ele se compromete a pagar sua dívida por meio de velas.

Nesse exemplo, foi a produção de carne do açougueiro que permitiu que ao fabricante de velas comprar pães, os quais também tiveram de ser produzidos.  O fato de o fabricante de velas ter tido acesso ao crédito não aumentou a demanda ou estimulou a economia.  Ao contrário: por ter sido utilizado o crédito – ao invés de velas – para se comprar pães, a economia agora tem menos velas, e o açougueiro agora tem menos carnes com as quais comprar pão para ele próprio.  O que ocorreu é que, por meio de sua poupança, o açougueiro emprestou seu poder de compra – que foi criado por sua produção – para o fabricante de velas, que o utilizou para comprar pães.

Similarmente, o fabricante de velas poderia ter oferecido diretamente ao padeiro uma nota promissória a ser paga em velas.  Novamente, a transação só poderia ocorrer caso o padeiro tivesse assado mais pães do que está acostumado a consumir diariamente e, por conseguinte, pudesse emprestar essa sua poupança para o fabricante de velas.  Nesse caso, uma vez que ele emprestou seus pães para o fabricante de velas, ele não mais tem esses pães para trocá-los por carne.

A existência do crédito de maneira alguma aumenta o consumo agregado dessa comunidade; ele mera e temporariamente altera a maneira como o consumo é distribuído.  A única maneira de o consumo agregado aumentar é se a produção de velas, carnes e pães aumentar.

Uma maneira como o crédito poderia ser utilizado para fazer essa economia crescer seria se o fabricante de velas pegasse empréstimos em pães e carne que o sustentariam enquanto ele estivesse tentando aumentar a capacidade produtiva de seus equipamentos de fabricar velas.  Caso obtivesse êxito, ele poderia utilizar essa sua maior produção para pagar seus empréstimos com juros, e todos se beneficiariam dessa maior produtividade.  Nesse caso, o menor consumo do açougueiro e do padeiro levou à acumulação de poupança, a qual foi emprestada ao fabricante de velas para financiar seus investimentos.  Tivessem o açougueiro e o padeiro consumido toda a sua produção, nenhuma poupança teria sido acumulada, e nenhum crédito teria sido disponibilizado ao fabricante de velas, privando a comunidade de todo o aumento da produtividade que se seguiu.

Por outro lado, se o fabricante de velas tivesse contraído empréstimos em pão e carne apenas para o sustento próprio enquanto gozava suas férias – ou seja, sem estar produzindo velas -, a sociedade nada ganharia, e haveria uma grande chance de o fabricante de velas dar um calote nesse crédito que lhe foi concedido.  Nesse caso, os empréstimos serviram apenas para desperdiçar a poupança, que agora não mais está disponível para financiar outros investimentos em capital.

O que aconteceria se um desastre natural destruísse todos os equipamentos utilizados para fabricar velas, pães e carnes?  Assustados com a iminente escassez de comida e iluminação, os políticos certamente iriam tentar estimular a economia imprimindo pedaços de papel – que eles chamam de dinheiro – e concedendo empréstimos a quem quisesse consumir.  Mas qual o benefício que esse dinheiro traria?  Será que esses pedaços de papel e esses empréstimos iriam fazer com que os bens magicamente surgissem?

A introdução de papel-moeda nessa economia irá apenas fazer com que o açougueiro, o padeiro e o fabricante de velas aumentem seus preços (medidos em dinheiro, não em quantidade de bens – que continuam sendo trocados às mesmas taxas de antes) assim que os bens voltarem a ser produzidos.  A única maneira de restaurar uma real prosperidade é consertando os equipamentos destruídos e retomando a produção.

Infelizmente, no nosso mundo real, a capacidade produtiva de vários países foi dizimada por sindicatos, planos de saúde, aventuras com serviços financeiros e gastos governamentais.  Criar crédito barato e jogar mais papel pintado nesse sistema irá apenas estimular a inflação.  O que é preciso é voltar aos fundamentos básicos da produção.  Só a poupança, o investimento e a produção podem trazer o crescimento de volta.  Não é fácil, mas é a única maneira se solucionar o problema.

Os governantes querem nos fazer crer que podemos passar o dia inteiro relaxando na banheira enquanto as impressoras de dinheiro fazem todo o serviço para nós.  O problema surge quando você sai da banheira para ir jantar e a única coisa no seu prato, ao invés de uma carne, é uma nota promissória a ser paga em carne.

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