A taxa SELIC – o que é, como funciona e outras considerações (Parte 1)

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SelicVários leitores já nos escreveram pedindo explicações mais detalhadas sobre o que é a taxa SELIC, como ela é determinada, o que ela influencia e por que é importante.

Seu mecanismo de funcionamento é simples, porém a explicação é um tanto longa.  Não obstante, vale a pena fazer um esforço e tentar acompanhar o artigo até o final, para que finalmente não restem dúvidas sobre essa que é considerada a mais importante variável da economia, pois é ela quem baliza o mais importante preço do sistema econômico: o preço do dinheiro.

Prometo ao bondoso leitor me esforçar para deixar o artigo o mais claro, leve e atraente possível.  Até nem farei críticas ao sistema.

OS TÍTULOS DO TESOURO

Toda a encrenca se origina de um fato muito simples: o governo é incapaz de manter um orçamento equilibrado – isto é, o governo é incapaz de gastar apenas aquilo que ele arrecada.

Como sua receita tributária é sempre menor que suas despesas – afinal, vivemos em uma democracia, e quanto mais o partido governante gastar com seus apaniguados e com toda a sua base de apoio, maiores as chances de ele se eternizar no poder -, o governo está sempre precisando arrumar outros meios de financiamento.

E o responsável por conseguir esse financiamento é o Tesouro Nacional.  O Tesouro pode se financiar apenas com a emissão de títulos (ele não tem o poder de imprimir moeda, como tem o Banco Central – que ainda não entrou na história).  Quando a arrecadação de impostos é insuficiente para cobrir os gastos do governo, o Tesouro tem de emitir títulos para conseguir mais dinheiro.

Até aqui tudo bem?

Prosseguindo.  O Tesouro precisa emitir títulos – isto é, precisa se endividar – para conseguir financiamento.  Quem compra esses títulos?  Em sua maioria, bancos (também chamados de ‘intermediários financeiros’, no jargão politicamente correto).  Entretanto, pessoas físicas como você também podem comprar esses títulos diretamente do Tesouro.  Basta ir aqui e se tornar um parasita, vivendo dos juros pagos pelos impostos arrancados do setor produtivo da sociedade…

Digressões à parte, pessoas físicas comprando títulos ainda representam uma exceção – o grosso dos títulos é de fato comprado pelos bancos.  Mas não é qualquer banco que pode comprar esses títulos diretamente do Tesouro.  Apenas 10 têm esse privilégio (Bradesco, Citibank, Banco Do Brasil, Itaú, Banco Safra, Santander, UBS Pactual, Votorantim e Caixa Econômica Federal).  Esses bancos são chamados de Dealers Primários.

Assim, quando o Tesouro decide emitir títulos, ele vai ao ‘mercado primário’ e vende esses títulos a esses 10 bancos.

Quais são esses títulos?  Existem seis tipos de títulos, que diferem entre si de acordo com seu tipo de rentabilidade: fixa ou variável (ou pré-fixado e pós-fixado, respectivamente).  Eis a seguir uma especificação mais detalhada de cada um deles:

· LTN – Letras do Tesouro Nacional: títulos com rentabilidade definida (taxa fixa) no momento da compra.  Você sabe de antemão quantos reais vai ganhar.  Forma de pagamento: no vencimento;

· LFT – Letras Financeiras do Tesouro: títulos com rentabilidade diária vinculada à taxa de juros básica da economia (a taxa SELIC).  Forma de pagamento: no vencimento;

· NTN-C – Notas do Tesouro Nacional – série C: títulos com rentabilidade vinculada à variação do IGP-M, acrescida de juros definidos no momento da compra.  Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal);

· NTN-B – Nota do Tesouro Nacional – série B: título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra.  Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal);

· NTN-B Principal – Nota do Tesouro Nacional – série B: título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra. Não há pagamento de juros semestrais. Forma de pagamento: no vencimento (principal);

· NTN-F – Nota do Tesouro Nacional – série F: título com rentabilidade prefixada, definida no momento da compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal).

Alguns detalhes:

Observe que, com exceção da LFT, todos os outros títulos têm seus juros definidos no momento da compra (a única variável é o índice de inflação, utilizado para a correção monetária).

A LTN, por sua vez, é um título cujo valor de resgate é o seu valor de face (R$1.000 ou um múltiplo de 1.000).  Ou seja, você o compra por um determinado valor (sempre menor que seu valor de face) e, na data de seu vencimento, o Tesouro vai lhe pagar exatamente o valor de face do título (R$1.000 ou seu múltiplo).  Os mais aficionados podem se informar melhor aqui.

Até agora, tudo bem?

Resumindo tudo: o Tesouro emite vários tipos de títulos que são comprados pelos bancos.  Uma vez em posse dos bancos, esses títulos podem ser livremente comercializados entre si (algo que veremos mais à frente), porém eles somente serão resgatados pelo Tesouro (isto é, serão retirados do mercado, após o pagamento do principal e juros) na sua data de vencimento.  Quando esses títulos são leiloados pelo Tesouro, já se sabe de antemão (exceto para as LFTs) quais serão os juros que o Tesouro terá de pagar aos compradores dos títulos. Vale repetir, a única variável será o índice de inflação utilizado em cada título como forma de correção monetária.

O Banco Central não participa dessas vendas no mercado primário (até maio de 2002 ele podia emitir títulos próprios; hoje, não pode mais.  Todos os seus títulos já foram resgatados).  Ele vai atuar apenas no mercado secundário, do qual falaremos adiante.  Além disso, sua atuação não vai alterar o fluxo dos juros pagos pelo Tesouro aos portadores dos títulos (exceto, novamente, no caso das LFTs, cujo rendimento é sim alterado pelas ações do Banco Central).  O fluxo de juros de cada título (exceto para as LFTs) é determinado no leilão primário.  Atuações posteriores do Banco Central não vão gerar alterações no montante de juros pagos aos portadores desses títulos.

Observe que, até agora, o Banco Central não entrou na história.  Apenas o Tesouro e os bancos participaram do esquema.

O COMPULSÓRIO 

Façamos aqui um pequeno porém extremamente importante paralelo.

A única entidade que goza do monopólio da emissão de moeda é o Banco Central.  Embora seja o Banco Central a única entidade que cria a moeda física (as cédulas e moedinhas metálicas que utilizamos no dia a dia), o sistema bancário é capaz de, literalmente, criar de dinheiro do nada, algo que os economistas chamam demoeda escritural.  Trata-se de dinheiro ‘fictício’, pois não existe fisicamente.  São apenas números eletrônicos.

Funciona assim: João deposita R$ 10.000 em sua conta-corrente no Banco A.  João pode até achar que esses R$ 10.000 ficarão ali parados, como um carro em um estacionamento pago, mas não ficarão.  Como o sistema bancário é de reservas fracionárias, os bancos mantêm como reservas apenas parte do dinheiro que neles foi depositado.  Assim, o Banco A vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 3.000) e emprestar o restante (R$ 7.000) para José.  José vai gastar esse dinheiro de alguma forma, e ele (o dinheiro) inevitavelmente acabará sendo depositado em outro banco, o Banco B.  O Banco B vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 2.100) e emprestar o restante (R$ 4.900) para Antônio, que adotará o mesmo procedimento de José, dando assim continuidade ao ciclo.  Ao mesmo tempo em que o dinheiro de João foi sendo “passado adiante”, o próprio João continua tendo acesso integral a esse mesmo dinheiro (que é seu), seja emitindo cheques ou utilizando cartão de débito.  Dessa forma, os R$ 10.000 iniciais se multiplicaram.

A porcentagem que cada banco teve de guardar (no exemplo acima, 30% do valor do depósito) é determinada pelo Banco Central.  Essa porcentagem é chamada de depósito compulsório.  Os bancos são obrigados a depositar essa quantia junto ao Banco Central.  Trata-se de um mecanismo de controle da expansão monetária.  Quanto menor for essa porcentagem, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos.  Os bancos criam dinheiro (eletronicamente) em uma quantia que é inversamente proporcional à taxa do compulsório.  No Brasil, o compulsório está atualmente em 28%, o que significa que os bancos podem criar dinheiro no valor de até 3,6 vezes o total de reservas compulsórias (1/0,28).  Logo, os R$ 10.000 de João acabam virando R$ 36.000.

Caso esse mecanismo ainda não esteja claro, esse texto certamente irá sanar todas as dúvidas remanescentes.  Porém, o essencial desse tópico é entender que os bancos são obrigados a manter no Banco Central, diariamente, uma determinada porcentagem de seus depósitos à vista.

Bom, e daí?  Onde entra a SELIC?  Mais abaixo.

O MERCADO INTERBANCÁRIO

Milhões de operações bancárias são realizadas diariamente em todo o país.  Depósitos, saques e transferências bancárias são as principais.

Assim, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagemmenor do que aquela que o Banco Central determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista.  Da mesma forma, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagem maior do que aquela que o Banco Central determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista.

Por exemplo, peguemos o compulsório vigente no Brasil: 28%.  Se o Banco A, ao final do dia, tiver um total de R$ 100.000 em depósitos à vista, mas suas reservas junto ao Banco Central totalizarem apenas R$ 25.000, então ele terá de conseguir mais R$ 3.000 para “fechar seu balanço”.  (Os motivos para ele estar abaixo do limite podem ser vários, principalmente um número de saques maior que o número de depósitos.  Isso, acredite, é extremamente comum).  O Banco A terá duas opções para conseguir esses R$ 3.000:  ele pode recorrer ao próprio Banco Central e pedir um empréstimo (esse empréstimo é chamado de redesconto) ou ele pode pedir emprestado para um outro banco que esteja com excesso de reservas (porque teve um número de depósitos maior do que o de saques).

O mecanismo do redesconto raramente é utilizado, pois os juros são punitivos (justamente para coibir a prática).  Assim, o procedimento mais comum é recorrer ao banco que está com excesso de reservas.

Esse mercado onde um banco empresta para o outro é chamado de mercado interbancário.  Por lei, o banco que pede emprestado é obrigado a pagar esse empréstimo no dia seguinte.  Assim, se o Banco A tiver de pedir R$ 3.000 emprestados ao Banco B no final de uma segunda-feira, o Banco A é obrigado por lei a pagar principal e juros ao Banco B já na terça-feira.

E o que é mais importante: como foi explicado lá no início, os bancos possuem títulos que compraram do Tesouro.  Assim, o Banco A, ao pedir R$ 3.000 emprestados para o Banco B, irá dar ao Banco B esses mesmos títulos públicos como garantia (colateral) ao empréstimo.

Em economês, diz-se que esse empréstimo está lastreado em títulos públicos.  Desta forma, o Banco B vai comprar títulos públicos do Banco A, tendo a garantia de que o Banco A vai recomprar esses títulos no dia seguinte, pagando juros.  Como essa operação dura um dia, ela é batizada de overnight – que no economês anglófono significa uma operação financeira com prazo de 24 horas.

O que é realmente importante em tudo isso é a taxa de juros utilizada nesse empréstimo interbancário.  Essa taxa de juros – que um banco cobra do outro no mercado interbancário, para operações de um dia e que possuem lastro em títulos públicos federais – é exatamente a taxa SELIC.

Vou repetir a definição da taxa SELIC, dessa vez utilizando o preguiçoso artifício de recorrer à Wikipédia: a taxa SELIC é a taxa usada para operações de curtíssimo prazo entre os bancos, que, quando querem tomar recursos emprestados de outros bancos por um dia, oferecem títulos públicos como lastro (garantia).

Por exemplo, ontem, dia 4 de agosto, a taxa SELIC foi de 0,032927%. (Você pode acompanhar essas taxas diariamente aqui).  Isso quer dizer que o Banco A teve de pagar ao Banco B, além dos R$3.000, um juro de 0,032927% desse valor – que é igual a R$ 0,99.  Ou seja, em uma operação 100% segura (os títulos são garantidos pelo governo), o Banco B lucrou quase R$ 1 ao emprestar R$ 3.000 por apenas um dia.  (Considerando o volume de empréstimos interbancários que ocorrem diariamente, conclui-se que o negócio não é nada ruim).

Como a taxa SELIC é a taxa de juros para empréstimos de apenas 1 dia, seu valor é pequeno.  Por isso ela é divulgada em termos anuais, tendo como base 252 dias úteis ao ano.  Em termos matemáticos, pegamos o valor da taxa diária, dividimos por 100, somamos um e elevamos o resultado ao expoente 252.

Fazendo a operação acima para o nosso exemplo, temos que:

(1,00032927)252 = 1,0865 = 8,65%

O que dá uma SELIC anualizada de 8,65%, bem próxima da meta atual do Banco Central, de 8,75%.

Pelo bem da simplificação, utilizamos um exemplo em que havia apenas dois bancos.  É óbvio que, no mundo real, existem vários bancos incorrendo em vários empréstimos mútuos diariamente.  Nesse caso, as taxas variam de um empréstimo para o outro, porém dentro de um intervalo muito pequeno – sendo esse intervalo estritamente controlado pelo Banco Central, como veremos na próxima seção.

No final do dia, calcula-se a taxa de juros média de todos os empréstimos interbancários.  Essa média é ponderada pelo volume dos negócios que foram realizados nesse mesmo dia. O resultado final será a taxa média SELIC do dia, que normalmente é publicada por volta das 20h00 do próprio dia.  No nosso exemplo, essa taxa média foi de 0,032927%.

Portanto, o que temos até agora: o Tesouro precisa de financiamento.  Ele vende títulos para os bancos.  Esses títulos serão resgatados em uma determinada data.  Simultaneamente, os bancos são obrigados pelo Banco Central a manter um determinado percentual de seus depósitos à vista depositados junto ao Banco Central.  Aqueles que não cumprirem essa meta ao final do dia terão de pedir empréstimos para outro banco que tenha reservas “em excesso”.  A taxa de juros desses empréstimos, que têm a duração de 1 dia, é exatamente a taxa SELIC, que é divulgada em termos anualizados.

Ah, sim, o que significa SELIC?  Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que nada mais é do que o sistema informatizado que gerencia todas as operações que envolvem títulos públicos.  Aqui vai um resumo bem básico, porém correto.

AMARRANDO OS PONTOS

Agora só falta amarrarmos as pontas soltas.  Como o Banco Central atua para alterar a SELIC?  Por que ele faz isso?  Quais as consequências?  Qual a relação da SELIC com os juros pagos pelos títulos do Tesouro?  Qual a relação que você como correntista de um banco tem com tudo isso?

Vamos lá.

Existem dois tipos de mercado para os títulos públicos: o primário e o secundário.  O primário é aquele que já foi descrito (bancos selecionados – dealers primários – compram os títulos diretamente do Tesouro); o secundário é aquele que envolve o Banco Central e os bancos (ou qualquer outro agente em posse de títulos públicos).

Quando o Banco Central quer alterar a base monetária – tanto expandi-la quanto contraí-la -, ele precisa realizar aquilo que chamam de operações de mercado aberto (open market), isto é, o Banco Central compra e vende títulos públicos no mercado secundário.  Vale repetir que o Banco Central não emite títulos; ele compra e vende os títulos do Tesouro, que inicialmente estavam em posse dos bancos.

Quando o Banco Central realiza compras no mercado aberto, ele expande a base monetária.  Como?  Grosso modo, ele aperta um botão no computador e acrescenta alguns dígitos na conta (as reservas compulsórias) que o banco que está vendendo os títulos possui junto ao Banco Central.  De onde veio esse dinheiro?  De lugar nenhum.  O Banco Central o criou do nada.  Nenhuma outra conta foi debitada.  A base monetária expandiu magicamente.  Nesse caso, as reservas desse banco aumentaram, o que o permitirá conceder empréstimos a juros menores no mercado interbancário.  Como isso está ocorrendo simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário caem.  Logo, a taxa SELIC caiu.

Quando o Banco Central realiza vendas no mercado aberto, ele contrai a base monetária.  Nesse caso, ele vende para um banco títulos do Tesouro que estavam em sua posse.  Assim, haverá um débito na conta que esse banco comprador tem junto ao Banco Central.  O dinheiro, que é eletrônico, desaparece (é como se a tecla Del fosse apertada).  Portanto, as reservas desse banco diminuíram, o que fará com que ele tenha de pedir empréstimos no mercado interbancário para se manter dentro da porcentagem exigida pelo compulsório.  Como isso está ocorrendo simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário sobem.  Logo, a taxa SELIC subiu.

Já sabemos, portanto, qual o canal de entrada e saída do dinheiro no sistema econômico.  Sabemos também que uma expansão monetária diminui os juros do interbancário (a taxa SELIC), e que uma contração monetária aumenta esses juros.

Até aqui, nada de complicado, certo?

Porém, apenas dizer que expandir ou contrair a base monetária diminui ou aumenta os juros, respectivamente, não é suficiente.  É correto na teoria, porém na prática o Banco Central precisa de instrumentos tangíveis sobre os quais sustentar sua política de determinação de juros.  Por exemplo, se você é o Henrique Meirelles e quer manter a SELIC em 8,75% ao ano, de nada vai adiantar ficar injetando ou retirando dinheiro do mercado, na esperança de que os 8,75% surjam naturalmente.  Você precisa ter uma baliza.

Por isso, vejamos agora o método operacional do Banco Central.

Os títulos emitidos pelo Tesouro, como mostrado lá no início, podem ser do tipo que promete um único pagamento no vencimento (LTN, LFT e NTN-B Principal), ou do tipo que promete pagamentos múltiplos antes do vencimento e um pagamento no vencimento (NTN-F e NTN-B).  Nesse segundo caso, os títulos são chamados detítulos com cupom.  Os cupons são justamente os pagamentos efetuados pelo Tesouro antes do vencimento do título, sendo que o principal é pago no vencimento.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma LTN cujo valor de face é R$ 1.000 e seu vencimento se dê em um ano.  O preço de compra desse título vai ser definido pela oferta e demanda.  Suponhamos que o Banco A tenha arrematado o título por R$ 800.  Dali a um ano o Tesouro vai pagar-lhe R$ 1.000.  Sendo assim, esse título está pagando juros de

(1.000 – 800) / 800 = 25% ao ano

Agora suponha que o Banco Central resolveu fazer uma operação de mercado aberto, expandindo a base monetária.  Ele, portanto, vai comprar títulos públicos em posse dos bancos.  Ao fazer isso, está havendo um aumento da demanda por títulos.  Aumento da demanda significa aumento do preço desses títulos.  Assim, um título que foi comprado por R$ 800, agora está sendo negociado a, digamos, R$ 850.  Substitua 800 por 850 na equação acima e você verá que os juros caem para 17,64%.  Ou seja, um aumento da oferta monetária levou a um aumento dos preços dos títulos, o que gerou uma queda dos juros.  Guarde essa regra: se o preço de um título sobe, seus juros caem.

A mesma regra se aplica quando o título é de múltiplos pagamentos.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma NTN-B prometendo pagamento de cupons de R$ 50 ao ano mais o principal na data do vencimento.  O preço de compra também será definido pela oferta e demanda.  Suponhamos que o Banco A tenha arrematado o título também por R$ 800.  O rendimento atual desse título é a razão entre o cupom e o seu preço.  Portanto, o rendimento inicial será de (50/800) = 6,25%.

Repetindo a mesma operação de mercado aberto acima, o aumento da oferta monetária fará com que o preço desse título suba para, digamos, para R$ 900.  Logo, (50/900) = 5,56%.  O rendimento atual caiu.

Tudo isso foi apenas para mostrar duas regras essenciais: (1) se o preço do título sobe, o juro cai; se o preço cai, o juro sobe. (2) O Banco Central, através de suas manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão negociados no mercado intermediário.  E isso é importante para entender o resto da explicação.

Entendido isso, podemos ir para os finalmentes.

O Banco Central opera de uma única maneira: qual deve ser a taxa SELIC (vamos nos abster de qualquer crítica ao esoterismo desse método de determinação) e então faz operações diárias de mercado aberto, comprando e vendendo títulos do Tesouro em posse dos bancos, de modo que a taxa de juros do mercado interbancário fique dentro da meta.  Por exemplo, a meta atual é de 8,75%.  Sendo assim, o Banco Central deve fazer as manipulações monetárias (injeções e retiradas) necessárias para manter a taxa do interbancário o mais perto possível da meta.  Atualmente, a taxa está em 8,65%, como mostrado.

Mas como ele se baliza para isso?

Como mostrado nos dois exemplos acima, cada título público tem um preço, uma data de vencimento e uma taxa de juros associada a ele.  Essa taxa de juros é o rendimento do título.  Em economês mais pedante, rendimento também é chamado de yield.  Rendimentos de títulos com vencimento curto (um ano ou menos) são chamados de taxas de juros de curto prazo.  Os rendimentos de títulos de vencimento mais longo são chamados de taxas de juros de longo prazo.

Em qualquer dia, em qualquer momento, é possível observar os rendimentos de títulos de diferentes vencimentos, exatamente como procedemos nos exemplos numéricos acima.  De posse desses dados, é possível representar graficamente como o rendimento depende do vencimento de um título.  Essa relação entre vencimento e rendimento é chamada de curva de rendimento – yield curve ou até mesmo estrutura a termo das taxas de juros.  O termo usado depende exclusivamente da sua vontade de impressionar.  O importante é frisar que, quando os títulos são considerados conjuntamente, cada um com seu rendimento, eles formam uma curva de rendimento.  A figura abaixo mostra um exemplo de uma curva de rendimento.

84_856-alt-curva-de-juros.JPG

E daí?

Quando o Tesouro emite um título, com um dado juro de cupom e um dado prazo de vencimento (ambos definidos pelo Tesouro), os bancos irão comprá-lo pelo preço determinado pela lei da oferta e procura (trata-se de um leilão).  Através de uma operação matemática – que envolve a capitalização dos juros do cupom – é possível determinar o preço ao qual este título será resgatado.  A função que une o preço inicial do título (o preço pelo qual ele foi comprado) a este seu valor de resgate define a sua curva de rendimento.  Vale enfatizar: o valor de resgate é definido e imutável; o que pode mudar é apenas o preço em que esse título será negociado no mercado secundário.  (Apenas a LFT, que é pós-fixada e indexada à SELIC, tem um valor de resgate variável)

E – eis o grande momento! – a tarefa do Banco Central é operar manipulando os preços dos títulos de modo que eles se mantenham sobre sua curva de rendimento.  (Lembre-se do que foi dito acima: o Banco Central, através de suas manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão negociados no mercado intermediário).

Se a ficha ainda não caiu: manter os preços dos títulos sobre a sua curva de rendimento é o mesmo que manter os juros constantes.  Assim, o Banco Central, através de suas operações de mercado aberto, compra e vende títulos no mercado secundário de modo a fixar o preço de cada título sobre a curva de rendimento dos títulos.  Ao fazer isso, ele está garantindo que os juros de cada título se mantenham constantes (com pequenas variações, é claro).

Atenção: o rendimento de um título não necessariamente será igual ao rendimento de outro título, o que significa que cada papel paga juros distintos.  A questão não é essa.  O que é importante é que o Banco Central é capaz de fazer as manipulações monetárias necessárias para que cada papel seja precificado de modo a se manter sobre a curva de rendimento dos títulos.

São esses papeis que serão utilizados como lastro no mercado interbancário, de modo que a taxa SELIC determinada pelo Banco Central seja mantida.  Afinal, se todos os papeis têm juros constantes – em decorrência das manipulações monetárias do Banco Central -, e esses papeis de juros constantes são utilizados como lastro nos empréstimos interbancário, então resta claro que o Banco Central pode determinar a taxa de juros cobrada no mercado interbancário.  E essa taxa é a taxa SELIC.

Se ele quiser aumentar a SELIC, ele vai vender títulos em sua posse.  Essa maior oferta irá deprimir os preços dos títulos, fazendo com que os juros aumentem.  Uma vez atingida a nova taxa, ele se limita a manter a nova curva de rendimento dos títulos.  Se ele quiser diminuir a SELIC, ele faz o oposto: compra títulos.  A menor oferta irá aumentar os preços dos títulos, fazendo com que os juros diminuam.  (Porém ele não pode diminuir os juros abruptamente, como quer Heloísa Helena, pois isso depende da confiança dos compradores.  Se eles acharem que uma expansão monetária irá gerar uma grande inflação, ninguém irá comprar os títulos não indexados, o que fará com que seus preços caiam, e os juros subam.  Ou seja: a tentativa de diminuir os juros acabou levando a um aumento).

Vale re-enfatizar: o Banco Central determina uma meta para a taxa SELIC, ele não determina a taxa exata.  É por isso que a taxa SELIC efetiva pode apresentar ligeira diferença da taxa oficial divulgada pelo Banco Central – a taxa efetiva atual é de 8,65% e a meta é de 8,75%.

Outra conclusão importante: ao utilizar essa regra operacional – em que os juros são fixados -, o Banco Central não pode determinar a quantidade exata de moeda que ele quer na economia.  Ele faz as operações de mercado aberto de modo a manter a taxa SELIC constante, mas ele não determina a quantidade específica de moeda para a economia.  Diz-se nesse caso que a moeda é endógena.

CONCLUSÃO

Sei que o final pode ter ficado um pouco pesado, mas creio que a ideia básica foi entendida.  Como disse no início, o funcionamento do processo é simples, porém trabalhoso.

No próximo artigo, além de discutirmos as perguntas feitas lá em cima e que ainda não foram respondidas, vamos também adentrar um terreno bem espinhoso: uma política monetária austera realmente exige juros altos ou é possível ter juros baixos e pouca inflação de preços?  Eis o debate infindável entre keynesianos, monetaristas e austríacos.

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