Está aí uma daquelas eternas discussões que sempre acabam voltando aos noticiários. Frente a um real o qual se alega fortalecido, o governo vem anunciando com a possibilidade de promover uma desvalorização com vistas a atender à indústria nacional.
Se há uma coisa que as pessoas precisam aprender é a se livrarem das mistificações dos enganadores de plantão, digo, os governantes – e para tal é fundamental que o empresariado, mormente através de suas entidades corporativas, assumam uma postura de liderança nesta hora, desmentindo e denunciando a farsa que se opera contra o bolso de todos os cidadãos.
Certo está que uma desvalorização cambial virá a estimular as exportações, devido ao barateamento do produto nacional. Todavia, simultaneamente, as importações tornar-se-ão mais caras, e aqui precisamos fazer uma pequena análise, mais adiante. Antes, porém, torna-se necessário responder à pergunta fundamental: o que vem a ser uma moeda forte?
Uma moeda valorizada é, em suma, um meio de troca bem aceito, e indica nada menos que um povo está ficando mais rico, desde que, com a mesma quantidade de dinheiro, pode-se adquirir mais produtos. Todavia, este é um julgamento dinâmico. No momento em que ela passa razoavelmente a se estabilizar em relação ao seu poder aquisitivo, qualquer menção a este estado de valorização não passa de mera retórica, ou senão países como Itália ou Japão, cujas respectivas unidades monetárias representam apenas uma fração do valor de compra de moedas como o dólar ou o real, denunciariam serem estes países pobres e atrasados, o que não é verdade.
Assim, o mito da moeda forte é mais ou menos o mesmo que o mito do salário mínimo, segundo o qual os governantes comumente assustam a população com a alegação do risco da criação de uma espiral inflacionária (critério que eles não levam em conta quando se trata de elevarem os próprios salários). Não que apoiemos aqui qualquer cifra para o salário mínimo, uma instituição tão útil quanto o aparelho elétrico de barbear (que só serve para darmos de presente), mas, ora, se fosse assim, países tais como os Estados Unidos, em que os cidadãos recebem altos salários, teriam inflações estratosféricas. Imagine então o caso dos países que tiveram um surto de desenvolvimento (e de enriquecimento) muito veloz, como foi o caso da Coréia do Sul e de Taiwan!
Na verdade, o que o governo anda a procurar com isto é uma desculpa esfarrapada para imprimir moeda. Com a arrecadação fiscal caindo, botar as máquinas impressoras para rodar é a tentação do governo perdulário, e isto só significa uma coisa: empobrecer a população.
Agora, para refletir: caso o real se mantivesse valorizado, e as empresas começassem a se tornar mais competitivas, os preços dos produtos nacionais não seriam barateados e não seguiriam mantendo ou aumentando suas posições no mercado? Ahh, concorda comigo? Mas, será que temos gordura a queimar? Vejamos: consideremos a nossa burocracia infernal, a nossa carga tributária cafetã, o nosso sistema judiciário lerdi-caríssimo, a nossa logística sofrível, com as estradas esburacadas, cheia de ladrões de comboios e os nossos portos pra lá de anacrônicos, a nossa legislação trabalhista…
Bem se vê, portanto, que são estas as mazelas que o governo finge não existirem, e as oculta sob uma nuvem de tinta preta (coisa de moluscos) com um simulacro de solução para o empresariado para resolver o seu próprio problema (o problema eleitoral, não o administrativo).
Tratando agora da dinâmica da valorização de um meio de troca, há de termos em consideração o exemplo dos países com grande tradição comercial, isto é, que exercem o comércio internacional há tempo, com grande volume, e com um alto valor agregado geral de seus produtos, onde é comum que as importações sejam maiores do que o consumo interno de bens importados e/ou que as exportações sejam maiores do que o volume de bens internamente produzidos. Isto significa que as importações, para eles, são um importante componente das exportações. É fácil explicar: abra seu próprio pc agora mesmo e confira como cada um dos elementos é produzido em um país diferente.
Isto significa que, por meio da desvalorização cambial, o governo pode simular uma posição favorável (superavitária) na balança comercial (e com isto ganhar o apoio de certos setores formadores de opinião), ao mesmo tempo em que mina a capacidade de integração e inovação da indústria nacional, já que, com insumos importados encarecidos, somente os setores exportadores beneficiados serão aqueles que trabalhem com componentes predominantemente nacionais (o que pode traduzir uma estagnação tecnológica, por exemplo).
Concluindo: não se deixe enganar por este papo frouxo de real valorizado. Uma desvalorização cambial, na prática – material e literalmente falando – é uma forma dissimulada de aumentar impostos! É como se você tivesse ficado mais rico e o governo decidisse confiscar justamente este dinheiro que você ganhou a mais.
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