Ciclos econômicos e ouro

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GoldenGrenadeEm uma entrevista dada à rede CNBC no dia 9 de novembro de 2010, o altamente conceituado economista Nouriel Roubini, co-fundador da Roubini Global Economics e um dos favoritos de Wall Street, disse que o padrão-ouro não tem como estabilizar o sistema financeiro.  Ao contrário, disse Roubini, tal padrão irá apenas piorar as coisas.

Por exemplo, segue Roubini, sob um padrão-ouro, uma economia que esteja crescendo rapidamente irá ficar superaquecida e isso, por sua vez, irá levar a uma maior inflação e a uma grande bolha de ativos.

Por outro lado, uma economia que esteja crescendo mais lentamente tenderá a viver pressões deflacionárias e recessivas.

Sob um padrão-ouro, argumenta Roubini, o banco central não terá capacidade de contrabalançar exitosamente essas tendências.  Uma economia sob um padrão-ouro continuaria a reforçar as atuais tendências negativas dos ciclos econômicos, sustenta o economista.

Em suma, de acordo com Roubini, o padrão-ouro limita a amplitude de medidas que os bancos centrais podem introduzir com o intuito de estimular o crescimento econômico e o emprego, além de gerenciar a estabilidade de preços.

Para a maioria dos economistas, outro grande problema em ter um padrão-ouro é o fato de que a oferta de ouro não irá crescer rápido o bastante para acomodar o aumento da oferta de bens e serviços gerados pelas economias modernas.  Ou seja, haveria uma pressão deflacionária sobre os preços.  Diz-se que isso irá apenas sufocar as economias.

O padrão-ouro amplifica os ciclos econômicos?

Comecemos com uma economia primária, baseada no escambo.  João, o minerador, produz dez onças (28,7 gramas) de ouro.  Ele minera ouro porque acredita que há um mercado para isso.  O ouro contribui para o bem-estar dos indivíduos.  Consequentemente, ele irá trocar suas dez onças de ouro por vários outros bens, como batatas e tomates.

As pessoas descobrem que o ouro, além de ser útil na confecção de jóias, possui também algumas outras aplicações úteis.  Como isso, elas agora atribuem ao ouro um valor de troca muito maior do atribuíam antes.  Como resultado, João, o minerador, pode agora trocar suas dez onças de ouro por mais batatas e mais tomates.

Observe que, à medida que o tempo passa, as pessoas atribuem uma maior importância a alguns bens ao mesmo tempo em que reduzem a importância dada a outros bens.  Alguns bens são agora considerados mais importantes que outros na função de manter a vida e o bem-estar das pessoas.

Com o tempo, as pessoas também descobrem que o ouro é útil para ser um meio de troca.  Consequentemente, elas aumentam ainda mais o preço do ouro em termos de tomates e batatas.  O ouro agora é predominantemente demandado como meio de troca — a demanda por outros serviços propiciados pelo ouro, como ornamentação, é agora muito menor do que antes.

Uma das razões para se escolher o ouro como o meio de troca é que ele é relativamente escasso.  Isso significa que um produtor de um determinado bem que tenha trocado esse bem por ouro espera que o poder de compra desse seu esforço seja preservado ao longo do tempo.  Para tal, basta que ele se mantenha em posse desse ouro adquirido.

Se, por alguma razão, houver um grande aumento na produção de ouro e essa tendência persistir, o valor de troca do ouro estaria sujeito a um persistente declínio em relação aos outros bens da economia, tudo o mais constante.

Dentro dessas condições, as pessoas tenderão a abandonar o ouro como meio de troca e procurar outras commodities que venham a cumprir essa função.

À medida que a oferta de ouro começa a subir, sua função como meio de troca diminui, ao passo que sua demanda para outros usos tende a se manter constante ou até mesmo a aumentar.

Quando João, o minerador, troca seu ouro por outros bens, ele está trocando uma coisa por outra coisa.  Ou seja, ele está trocando uma riqueza por outra riqueza.

Agora compare tudo isso à simples impressão de pedaços de papel que representam certificados de ouro, porém sem lastro em ouro — isto é, à impressão de tickets que não são lastreados 100% por ouro.  Trata-se de um ato de fraude — e inflação nada mais é do que isso, um ato de fraude —, o qual cria uma plataforma para o consumo sem um correspondente aumento na produção.  Ou seja, estimula-se o consumo sem que esteja havendo qualquer contribuição para o conjunto da riqueza real da economia.

Esses certificados sem lastro geram a possibilidade de se trocar nada por alguma coisa.  Pode-se agora adquirir algo sem que se tenha produzido nada.  Isso gera os ciclos de expansão e recessão.

A impressão de certificados não lastreados por ouro faz com os detentores desses certificados tenham agora o mesmo poder de compra daqueles que de fato produzem algo.  Isso faz com que esses não-produtores possam se apossar de riquezas; eles agora estão concorrendo com os reais produtores de riqueza pela obtenção de mais bens.  Isso gera o chamado período de crescimento econômico artificial.

Esse desvio de recursos reais — dos produtores de riqueza para os não-produtores —é feito por meio de certificados não-lastreados, isto é, por dinheiro criado do nada.  Assim que a impressão desse dinheiro falso for reduzida, o fluxo de bens sendo desviados para esses detentores de dinheiro falso será interrompido.  Todas as atividades econômicas que surgiram apenas em decorrência dessa expansão da oferta de dinheiro serão interrompidas.  Como consequência, tem-se agora uma recessão econômica — observe que essas atividades não produziam riqueza real; elas apenas consumiam.

Obviamente, portanto, sem esse dinheiro sem lastro — o qual permite que recursos reais sejam adquiridos por pessoas não-produtoras de riqueza —, essas atividades ficam em apuros.  Como elas não produziam qualquer riqueza, uma vez sem dinheiro falso elas não mais podem obter os bens que querem.

No caso de um aumento da oferta de ouro, não se está cometendo nenhuma fraude.  O ofertante de ouro — a mina de ouro — aumentou a produção de uma commodity útil.  Portanto, nesse sentido, não está havendo uma troca de nada por alguma coisa.

Consequentemente, também não haverá o surgimento de bolhas — isto é, de atividades que surgem em decorrência de uma expansão monetária e que apenas consomem riqueza.  No caso do ouro, o produtor de riqueza, justamente por ter produzido algo útil, poderá trocar essa sua riqueza por outros bens.  Ele não necessita de dinheiro falso para desviar riqueza real para ele.

Observe que um grande fator para a emergência de um crescimento econômico artificial é a injeção de dinheiro criado “do nada”.  O subsequente desaparecimento desse mesmo dinheiro criado do nada é a principal causa da recessão econômica.

As injeções de dinheiro criado do nada geram as bolhas, ao passo que o desaparecimento desse mesmo dinheiro destrói essas bolhas.

Sob um padrão-ouro, isso não pode ocorrer.  Em um padrão-ouro puro, sem um banco central, o dinheiro é o ouro.  Consequentemente, sob um padrão-ouro puro, o dinheiro não pode desaparecer, pois o ouro não pode desaparecer.

Pode-se, portanto, concluir que o padrão-ouro, se não for corrompido, não propicia o surgimento de ciclos econômicos.

É a criação de dinheiro do nada que gera os ciclos econômicos.  Logo, o principal ofertante de tal dinheiro — o banco central — não pode ser visto como um agente da estabilidade econômica, como dizem os economistas convencionais.

Em uma economia de mercado livre e desimpedido (sem um banco central), podemos imaginar que a economia estaria sujeita a vários tipos de choques, mas é difícil imaginar um fenômeno de ciclos econômicos recorrentes.

De acordo com Rothbard,

Antes da Revolução Industrial, aproximadamente no final do século XVIII, expansões e depressões não eram algo costumeiro na economia.  Poderia haver uma crise econômica repentina se algum rei declarasse guerra ou confiscasse a propriedade dos seus súditos; mas não havia sinal do moderno e peculiar fenômeno de oscilações regulares na economia — as expansões e contrações.

Em suma, o fenômeno dos ciclos econômicos está de alguma forma ligado ao mundo moderno.  Mas qual o elo?

Um exame mais cuidadoso revela que o elo está, com efeito, no sistema bancário moderno, o qual é coordenado pelo banco central.

A fonte das recessões está exatamente naquele suposto “protetor” da economia: o próprio banco central.

Assim, contrariamente ao que alegam Roubini e outros economistas convencionais, por que um forte crescimento econômico levaria a uma maior inflação e ao chamado superaquecimento, ao passo que um crescimento econômico lento irá levar à deflação de preços e à recessão?

Observe que inflação não é um aumento generalizado nos preços dos bens e serviços, mas sim um aumento na oferta monetária.  Via de regra, aumentos na oferta monetária — isto é, inflação — resultam em aumentos generalizados nos preços. (Observe que um preço é a quantidade de dinheiro pago por unidade de um bem.)

Entretanto, nem sempre é assim, pois o ritmo do aumento na produção de bens pode ser maior que a taxa de aumento da oferta monetária.

Por outro lado, se, para uma dada oferta monetária, houver um aumento na produção de bens — um forte crescimento econômico —, obviamente isso irá levar a uma queda geral nos preços, e não a aumentos nos preços, como sugeriu Roubini.

Somente se a taxa de crescimento da oferta monetária exceder a taxa de crescimento da produção, haverá um aumento geral nos preços.

Da mesma forma, uma redução na atividade econômica não irá necessariamente causar uma deflação e uma recessão econômica, como dizem Roubini e os economistas convencionais.  Desde que não esteja havendo uma redução na oferta monetária, não há como haver deflação.

Vimos que, sob um padrão-ouro, o dinheiro, que é o ouro, não pode desaparecer.  Somente em um padrão-papel operando em um sistema bancário de reservas fracionárias pode o dinheiro desaparecer.

Observe que o desaparecimento do dinheiro sob um padrão-papel — que é esse em que vivemos — sempre se dá em resposta a uma anterior inflação monetária feita pelo banco central, a qual solapa o conjunto da riqueza real da economia — que é o fator preponderante de toda economia.

É essa redução no conjunto da riqueza real (também chamada de poupança) que leva ao enfraquecimento da economia real, o que por sua vez faz com que os bancos restrinjam a expansão de crédito que até então vinham fazendo.

Uma economia em crescimento requer uma oferta monetária crescente?

A maioria dos economistas acredita que uma economia em crescimento requer um estoque monetário crescente, sob o argumento de que o crescimento leva a uma maior demanda por dinheiro, demanda essa que deve ser acomodada.

Caso isso não seja feito, dizem eles, haverá um declínio nos preços dos bens e serviços, o que por sua vez irá desestabilizar a economia e gerar uma recessão econômica ou, ainda pior, uma depressão.

Sob um padrão-ouro, se levarmos em conta que uma grande porção do ouro minerado é utilizada como jóias e ornamentação, isso significa que o estoque de dinheiro ficará praticamente inalterado ao longo do tempo.

Donde eles concluem que o livre mercado, ao ser incapaz de ofertar uma quantidade crescente de ouro, poderá causar escassezes na oferta monetária.  Isso, por conseguinte, pode desestabilizar a economia.

Toda essa ideia de que a quantidade de dinheiro deve crescer para sustentar o crescimento econômico dá a impressão de que o dinheiro, de alguma forma, é o que sustenta a atividade econômica.

Se realmente fosse assim, então a maioria das economias do terceiro mundo já teriam eliminado a pobreza simplesmente imprimindo enormes quantidades de dinheiro — como eles realmente faziam na década de 1980, tendo apenas aumentado a pobreza.

De acordo com Rothbard,

O dinheiro, por si só, não pode ser consumido e não pode ser utilizado diretamente como um fator de produção no processo produtivo.  O dinheiro per se é, portanto, improdutivo.  Trata-se de um estoque morto e que nada produz.[1]

A principal função do dinheiro é simplesmente cumprir a função de meio de troca.  O dinheiro não sustenta nem tampouco propicia a atividade econômica real.

O que sustenta e propicia qualquer atividade econômica são bens e serviços reais que foram produzidos e poupados (isto é, que não foram consumidos).  Ao cumprir sua função de meio de troca, o dinheiro apenas facilita o fluxo de bens e serviços.

Em um livre mercado, o preço do dinheiro é determinado pela oferta e demanda, assim como os preços dos outros bens.  Consequentemente, se houver menos dinheiro, seu valor de troca irá aumentar.  Inversamente, o valor de troca irá diminuir quando houver mais dinheiro.

Assim, dentro da estrutura de um livre mercado, não faz sentido dizer que há “muito” ou “pouco” dinheiro na economia.  Desde que o mercado seja livre para se ajustar, é impossível haver qualquer escassez de dinheiro.

Consequentemente, tão logo o mercado tenha escolhido uma determinada commodity como dinheiro, o estoque já existente dessa commodity sempre será suficiente para permitir todos os serviços que o dinheiro fornece.

De acordo com Mises,

Como o funcionamento do mercado tende a fixar o poder aquisitivo da moeda, no seu estado final, num nível em que coincidam a oferta e a demanda de moeda, não pode haver jamais excesso ou deficiência de moeda. Cada indivíduo e todos os indivíduos juntos desfrutam plenamente das vantagens que a troca indireta e o uso de moeda lhes podem proporcionar, qualquer que seja sua quantidade….. Os serviços que a moeda presta não podem ser aperfeiçoados nem corrigidos se a quantidade de moeda mudar….. A quantidade de moeda disponível na economia como um todo é sempre suficiente para assegurar, a todas as pessoas, todos os serviços que a moeda pode prestar e que efetivamente presta.[2]

Conclusões

Vimos que um padrão-ouro puro não é propício à geração de ciclos econômicos.  Contrariamente ao que dizem os economistas convencionais, sugerimos que são justamente as tentativas dos bancos centrais de criarem uma estabilidade de preços e de perseguirem políticas de pleno emprego que geram os ciclos econômicos.

A visão econômica convencional de que, durante as recessões econômicas, é correto um banco central tentar injetar dinheiro na economia com o intuito de reativá-la, nada mais é do que confundir dinheiro com produção e poupança.

Imprimir mais dinheiro não pode gerar mais bens e serviços; pode apenas redistribuir a riqueza já existente, fazendo com que aqueles que agora estão em posse desse dinheiro recém-criado, e que nada produzem, possam adquirir bens que até então seriam utilizados por atividades geradoras de riqueza.

Esse processo destrói o conjunto de riqueza real da economia, enfraquecendo a capacidade que os geradores de riqueza têm de fazer a economia crescer.

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Notas

[1] Murray N. Rothbard, Man, Economy and State, (Los Angeles: Nash Publishing, 1970) p. 670.

[2] Ludwig von Mises, Human Action: Scholar’s Edition, (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 1998) pp. 418.

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