Há algum tempo, fiquei muito triste com o fechamento de uma “casa noturna” de São Paulo. O local, chamado Geni, funcionava numa tradicional rua da região central da cidade e num casarão antigo. A grandeza do imóvel constituía, para mim, o diferencial entre outras casas noturnas. Diversos cômodos foram ambientados diferentemente, o que tornava a ida ao local sempre uma experiência nova. Pela localidade e proposta do ambiente, sempre considerei o preço dos alimentos e bebidas aceitável.
Além do fechamento do local no qual encontrei amigos, fiz amigos, dei risadas e tive boas conversas, demoliram o casarão. Muitas pessoas ficaram indignadas na época. A demolição seria um ultraje para com a história da cidade. Alguns defenderam abaixo-assinados e outros até mesmo pensaram em tombar o imóvel. Nada impediu que a casa viesse abaixo.
Lembro de, naquela época, ter dito que deveria ter frequentado mais o Geni. Se eu tivesse ido mais vezes, convidado amigos e divulgado o local que me agradava, entraria receita para o empreendimento e possivelmente a casa ainda funcionasse.
Após estes fatos acima narrados, me deparo com uma situação muito parecida com a vivida tempos atrás. O Cine Belas Artes vai fechar. Os paulistas estão horrorizados. O cinema era tradicional. Em funcionamento desde 1943, trouxe lazer e cultura em seus 68 anos de funcionamento. O fechamento do local ocorre pela falta de patrocínio. O dono do imóvel reivindicou o espaço e irá abrir uma loja no lugar.
Muitas pessoas estão se mobilizando para executarem flashmobs e protestos contra a atitude irresponsável de fechar o cinema. Há quem defenda o tombamento do local, pois ele pertence aos paulistas. Dessa forma o cinema será salvo e ainda entrará para o círculo cultural da cidade.
É engraçado ver mais de 22 mil pessoas engajadas na “causa” pelo não fechamento do Belas Artes. O movimento é lúcido até certo ponto. Seu engajamento é para que “sensibilize o proprietário do imóvel a abrir mão de maiores lucros com a possível abertura de uma loja no local, renovando o contrato de locação que tem com os donos do Belas Artes”. Não há nenhum problema com uma manifestação. Diversas pessoas panfletam contra determinadas empresas para que estas venham a mudar suas decisões.
Uma sociedade livre está pautada na liberdade de considerar o fechamento do cinema um absurdo. Porém, a reivindicação perde total sentido quando o uso de coerção é clamado para que seja feito aquilo que se considera o correto. Posso ser contra o cinema fechar, mas não posso impedi-lo por meios que não sejam a persuasão. É neste ponto que o movimento torna-se nefasto. Declara que vai “entrar com requerimento junto aos órgãos competentes (CONDEPHAAT, CONDESP, IPHAN) para tombar o uso do imóvel em questão, assegurando-se que não seja desenvolvida outra atividade no imóvel que não a de cinema”.
É bem interessante a mentalidade de algumas pessoas. O cinema estava lá durante 68 anos. Muitos, assim como eu, frequentaram o local e gostavam das sessões de madrugada e dos filmes que ficam em cartaz durante longo período. Entretanto, outros lidam com o local apenas como um troféu. É importante que ele esteja lá, mesmo que eu nunca precise ir lá vê-lo. A mesma mentalidade se aplica aos museus da cidade, pouco frequentados pelos moradores locais. Os paulistas adoram quando são considerados a capital cultural e gastronômica, mas não degustam nem cultura e nem visitam as variadas cozinhas.
No fundo, querem ter um antigo cinema para se vangloriarem. Mas os cidadãos não são donos do cinema. Precisam tomar, isto é, roubar a propriedade de seu dono para que o cinema seja do povo. Cada um terá o prazer em dizer: “Eu tenho um cinema há 68 anos”. Não irão precisar ver filmes, é mais fácil baixar pela internet ou adquirir uma cópia não original.
Em suma, é mais fácil tombar um imóvel bem localizado do que ter de sair de casa para financiar o empreendimento admirado. Se gostavam tanto do cinema, tratem de a partir deste ano frequentar mais os cinemas tradicionais. Convidem seus amigos, façam campanha, mas não tentem manter um empreendimento à força apenas para satisfazer seus egos.
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