Austeridade, otimismo e a dissolução do estado assistencialista keynesiano

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austerity-protests-storypicOs keynesianos e os declaradamente anti-keynesianos se deram as mãos e, atuando em conjunto, passaram a propagandear um erro intensamente keynesiano: falar sobre a “austeridade” fiscal na Europa como sendo um fato negativo.  Um colunista da revista Forbes se referiu à austeridade como sendo uma espiral mortífera.

A palavra “austeridade”, que surgiu com a crise da dívida do governo da Grécia dois anos atrás, tem sido utilizada pela mídia como tendo exclusivamente um único sentido: reduções nos gastos dos governos nacionais.  A palavra não é utilizada em relação à economia como um todo.

Mais do que isto: a palavra tem sido utilizada para explicar as contrações nas economias da Europa.  Fala-se que as reduções nos gastos dos governos estão causando a recessão das economias europeias.  Esta explicação é baseada inteiramente nos modelos keynesianos que dominam os livros-textos.

Mas há um problema: não houve reduções nos gastos.  Ao que tudo indica, para a mídia, “austeridade” não significa o mesmo que significa para uma pessoa normal: cortes severos nos gastos governamentais.  Ao que tudo indica, “austeridade” significa não haver absolutamente nenhum corte de gastos.

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Keynesianos sempre defendem aumentos nos gastos do governo.  Este é o âmago do keynesianismo.  O keynesianismo depende inteiramente de um mantra: “Gastos do governo curam recessões”.  Todo o resto é periférico: inflação monetária, tributação crescente e livre comércio.  Estas questões periféricas sempre serão sacrificadas em prol da suprema premissa econômica: “Gastos do governo curam recessões.”

É deste ponto que qualquer análise do keynesianismo deve partir.  Qualquer doutrina econômica, qualquer política econômica, qualquer solução proposta para a atual crise deve ser avaliada em termos deste mantra.  Qualquer coisa que não comece e não termine com este mantra não é keynesianismo.  Qualquer coisa que o faça, é keynesianismo.

Qualquer ideologia pode se declarar triunfante quando até mesmo seus professos críticos adotam tanto as suas conclusões quanto a sua retórica, e o fazem sem perceber.  Isto significa que os promotores desta ideologia obtiveram êxito total em estipular os termos do debate público.  É muito difícil substituir uma ideologia ou uma visão de mundo quando seus promotores já conseguiram estabelecer os termos do debate.

É algo que pode ser feito, é claro; mas, para fazer isso, os promotores de uma ideologia rival têm de expor não apenas os erros do atual sistema, como também a concordância implícita concedida pelos supostos críticos da ideologia dominante.  Tal postura, é bom deixar claro, não irá lhe garantir novas amizades entre estes infelizes que creem estar obtendo vitórias significativas ao argumentarem apenas contra aspectos periféricos da ideologia inimiga ao mesmo tempo em que aceitam todos os seus pressupostos centrais e todas as suas receitas políticas.  Eles já foram fisgados.

Um exemplo recente de um bem-intencionado, porém conceitualmente confuso anti-keynesiano pode ser conferido em um recente artigo da Forbes.  O título era poderoso: “O keynesianismo é a nova Peste Negra“.  Mas o artigo concluía que a grande tragédia da Europa atual é a “austeridade”.

Em teoria, a mídia universalmente define austeridade como cortes nos gastos do governo.  Eu nunca vi o termo sendo empregado em qualquer outro sentido.  Qualquer autor que utilizar esta palavra em algum outro sentido tem de explicar aos seus leitores o motivo deste novo significado.  Como o artigo da Forbes não ofereceu nenhuma outra distinção ou alternativa, interpretei o termo ao pé da letra.

Se a austeridade é a grande perversidade do momento, então a implicação é inevitável: aumentar os gastos governamentais e abandonar qualquer austeridade (que nunca houve) é algo positivo.

O mantra austríaco

Os economistas seguidores da Escola Austríaca também têm um mantra: “Menos impostos aumentam a liberdade.”  Liberdade é necessária para o crescimento econômico.

Se um governo não puder reduzir impostos sem que isso o leve à falência, então ele tem de cortar gastos caso não queira quebrar.

Os governos europeus estão todos no caminho da falência.  O do Japão também.  O mesmo vale para o dos EUA.  A solução é cortar impostos e cortar gastos ainda mais.

“Nada de mais gastos governamentais.  Menos gastos governamentais!”

“Nada de mais déficits orçamentários.  Menos déficits orçamentários!”

“Nada de mais impostos.  Menos impostos!”

“Nada de mais inflação monetária.  Menos inflação monetária!”

Em suma: “Deixem o povo livre!”

A solução para a recessão europeia não é aumentar os gastos governamentais, e sim o oposto: reduzir os gastos dos governos.  E os impostos.  A solução, portanto, é mais austeridade.

Com isto em mente, examinemos um artigo que argumenta que a austeridade é a maior ameaça para a prosperidade da Europa.

Uma espiral mortífera?

O artigo começa com uma análise da política europeia.  Ele afirma que os eleitores estão desalojando todos os políticos que estão no poder, em todos os países.  Sarkozy foi a oitava baixa ao longo dos últimos doze meses.  Por que isso está acontecendo?  Eis a resposta sugerida:

Os eleitores da Espanha, da Grécia, da França etc. entendem que as elites governamentais empurraram suas economias para espirais mortíferas, e estão expressando este seu descontentamento nas urnas.

A questão mais fundamental, no entanto, é esta: por que estas elites empurraram suas respectivas economias para esta suposta espiral mortífera?  Por que fervorosas elites keynesianas fariam tal coisa?

Não sejamos ingênuos.  O Ocidente tem sido gerido por elites keynesianas, ou por políticos seguidores de ideias keynesianas, desde 1930 — seis anos antes de Keynes oferecer sua ininteligível justificativa para as políticas então adotadas pelos políticos, por meio de seu livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”.

O Banco Central Europeu, seguindo ideias keynesianas, empurrou as economias europeias para um crescimento econômico artificial entre os anos 2001 e 2007.  As economias da periferia da Europa — o chamado “Club Med” — entraram em uma acentuada expansão econômica.  O mesmo ocorreu com o membro honorário do Club Med: a Irlanda.  Os valores dos imóveis na Irlanda quadruplicaram.  Parecia que tudo iria durar para sempre.  As elites — principalmente os economistas — não emitiram nenhum alerta, exceto os economistas seguidores da Escola Austríaca, que, como sempre, foram sumariamente ignorados como se fossem dinossauros.

E então veio a fase da contração econômica.  Tudo o que o Banco Central Europeu havia feito antes de 2007 — inflacionar —, ele passou a fazer ainda mais agressivamente desde 2008.  Os governos europeus incorreram em déficits ainda maiores.  Todos eles implementaram estímulos keynesianos.  Nada funcionou.  A Europa entrou novamente em recessão.

No primeiro semestre de 2010, investidores europeu finalmente se atentaram para o fato de que a população do Club Med não era capaz de concorrer economicamente com o resto da Europa.  Tais países apresentavam seguidos déficits comerciais com o resto da Europa.  Este pessoal calmo e relaxado estava vivendo de dinheiro tomado emprestado junto ao resto da Europa.  Seus respectivos governos faziam o mesmo.  Eles não tinham a intenção de quitar estes empréstimos.

E por que não?  Porque é isto que o keynesianismo ensina.  Empréstimos governamentais não serão pagos.  Nunca.  A dívida governamental irá aumentar continuamente.  E com ela, a prosperidade.

Dois anos atrás, o Partido Socialista da Grécia descobriu a real profundidade do buraco da dívida em que o governo havia se metido.  As taxas de juros então começaram a subir nos países PIIGS.  Estes governos estavam encurralados.  Eles não mais poderiam continuar incorrendo em déficits crescentes, pois o custo dos empréstimos estava aumentando.

E foi aí que a realidade do keynesianismo se manifestou: déficits, ao contrário do que imaginam keynesianos, realmente importam.  Dinheiro não é de graça.  Dívidas devem ser roladas de acordo com os juros de mercado.  O horror!

E foi aí que os governos do sul da Europa começaram a “controlar” um pouco mais os gastos.  Não muito, como se vê no gráfico acima.  Os déficits continuam em níveis inauditos: acima de 6% do PIB.

Os keynesianos rotularam isso de “austeridade”.

Mas não é austeridade, é claro.  São déficits orçamentários em escala maciça.  Austeridade é quando os governos incorrem em superávits orçamentários e utilizam as receitas em excesso para pagar a dívida nacional.

Não há austeridade na Europa desde aproximadamente 1914.

O padrão-ouro vigente de 1815 a 1914 impingia austeridade.  Esta era sua principal função e seu maior serviço à humanidade.  Ele obrigava os governos ocidentais a se manterem austeros.  E isto permitiu o setor privado crescer a taxas aceleradas.

Keynesianos odeiam o padrão-ouro porque eles acreditam que gastos governamentais crescentes são o que permitem o aumento dos gastos em consumo; e os gastos em consumo — e não a poupança — são, para os keynesianos, a base da prosperidade.

O público, que prefere o consumismo à austeridade de uma poupança, gosta das políticas do keynesianismo.  Déficits intermináveis, endividamento sem dor, crescimento ininterrupto: os keynesianos prometem, e os eleitores acreditam.

Porém, o dia do acerto de contas chegou em 2010.  O dinheiro gratuito ficou caro.  A festa não acabou, mas alguns dos convidados foram mandados de volta pra casa, onde se juntaram aos jovens adultos que estão sentados no sofá assistindo à televisão, pois não há empregos.

O público se sente traído.  Os eleitores, milhões deles, acreditaram no sonho keynesiano.  Políticos prometeram realizar a façanha de transformar pedras em pães.  Os eleitores aplaudiram.

Mas os tempos mudaram, nos diz o artigo.

Infelizmente para a Europa e para o mundo atual, não há, em todo o continente, candidatos ou partidos em prol do crescimento econômico para oferecer um alívio dos programas de austeridade que estão reduzindo suas economias a pó.  Sem ter ninguém em quem votar, tudo o que o eleitorado europeu tem podido fazer é votar contra.  Eles passaram a explicitar seus protestos derrotando os políticos atualmente no poder.

Os políticos que estavam no poder fizeram promessas excessivas.  Eles há muito vinham dizendo para o eleitorado que déficits não importavam.  Déficits não importavam enquanto os bancos do resto da Europa continuassem emprestando para os PIIGS a taxas de juros de alemãs, cuja população é bem mais frugal.  E então veio a realidade.

A Europa como um todo está em recessão; Grécia, Espanha e Portugal estão em depressão.  O que as pessoas devem fazer se os chefs econômicos tanto à esquerda quanto à direita estão oferecendo o mesmo e venenoso menu de “austeridade”?

Orçamentos equilibrados continuam sendo apenas uma miragem.  Cortes de gastos excessivamente tímidos, que confessadamente têm o objetivo extremamente modesto de reduzir os déficits para altos 3% do PIB em incríveis dez anos, são hoje tidos como “venenoso menu de austeridade”.  Colocando em uma terminologia mais familiar, há um excesso de pedras e pouquíssimos pães.  Os eleitores não irão tolerar isso.

A razão por que não há chefs econômicos promovendo o crescimento é simples: alguém tem de financiar o crescimento dos gastos do governo.  Quem fará isso?  Quem confia nos PIIGS?

Quanto mais alto os eleitores protestam contra a austeridade, menor será o número de emprestadores — no caso, investidores dispostos a emprestas a taxas abaixo de 10%.

Peste!

O artigo, no final, chega ao seu objetivo.

Então, o que aconteceu na Europa?  A resposta curta é “peste”.  A Peste Negra do século XIV foi causada pela Yersinia pestis bacterium, que foi disseminada por ratos.  A peste atual é resultado do keynesianismo, que está sendo difundido pelos economistas dos departamentos das principais universidades do mundo e também do The New York Times.  Infelizmente, ao contrário da Yersinia pestis, o keynesianismo é imune a antibióticos.

Como o artigo define keynesianismo?  Erroneamente.  Ele diz que keynesianos defendem aumento de impostos e cortes de gastos.

Austeridade, como está sendo atualmente praticada na Europa, baseia-se na crença keynesiana de que aumentos de impostos e cortes de gastos do governo possuem o mesmo efeito sobre os déficits do governo e sobre a economia.  Com efeito, as mais virulentas cepas do keynesianismo fazem as pessoas acreditar que aumentar a alíquota máxima do imposto de renda e aumentar os gastos governamentais pode realmente estimular o PIB, pois “os ricos” possuem uma “propensão marginal para poupar” mais alta do que os beneficiados por repasses governamentais.

François Hollande, o vencedor das eleições presidenciais da França, é um keynesiano.  Ele acredita que elevar a alíquota máxima do imposto de renda da França para 75% ao mesmo tempo em que contrata mais 60.000 professores sindicalizados irá melhorar as coisas.

Como assim?  O que o um político declaradamente socialista tem a ver com o keynesianismo?  Keynesianismo é aquilo que Paul Krugman defende: mais gastos e mais déficits, tudo em conjunto com uma grande expansão monetária feita pelo Banco Central para poder financiar esta expansão.

Qual político ou economista keynesiano já se pronunciou abertamente a favor de cortes de gastos, ou seja, austeridade?  Economistas austríacos já.  Ron Paul já.  É por isso que os austríacos e Ron Paul são marginalizados pela mídia keynesiana, que os considera excêntricos.

Para um político cuja mente está infectada de keynesianismo, faz todo o sentido tentar reduzir um déficit orçamentário por meio de uma combinação de aumento de impostos e cortes de gastos, com o equilíbrio entre os dois sendo determinado por alguma combinação entre considerações políticas e “equidade”.

Há muitos políticos na Europa que impuseram mais tributos sobre os ricos.  Os eleitores sempre os encorajaram a fazer isso, e adoravam quando isso era feito.  Os eleitores hoje estão injuriados com os “cortes” de gastos.  Cortes de gastos reduzem o fluxo de fundos para burocratas do governo e para os clientes do estado.  É por isso que os sindicatos gregos fazem baderna.

O keynesianismo tradicional clama por mais gastos, mais endividamento e — caso os investidores privados exijam juros mais altos — mais expansão monetária feita pelo Banco Central para comprar mais títulos da dívida do governo.  O artigo espertamente rejeita esta monetização.  Mas não clama por um padrão-ouro.  Em vez disso, defende o euro.  Por isso, o artigo sofre de uma ilusão: imaginar que o euro não é somente mais um veículo inflacionário; imaginar que ele seja superior a dracmas geridos por keynesianos.

A hierarquia política keynesiana impôs o euro sobre os eleitores em 1999.  Os porta-vozes das elites vêm condenando a saída da Grécia da zona do euro.  Os tecnocratas gregos, que não foram eleitos pelo povo, assim como os tecnocratas de todo o resto da Europa, ou são ex-empregados do Goldman Sachs ou serão futuros empregados dele.  Eles estão agora sendo desalojados pelo eleitorado.  Os eleitores são populistas e socialistas.  Eles são simpatizantes da elite keynesiana apenas durante a fase expansionista do estado assistencialista.  Quando a conta chega, eles passam a defender emissão monetária feita individualmente pelos governos nacionais, tributação dos ricos, sindicalismo e aumentos nos gastos governamentais.

Conclusão

O keynesianismo está em uma espiral de morte.  Na mesma situação está o socialismo populista.  E o mesmo ocorre com o sistema monetário fiduciário, de características fascistas (corporativistas).  Todos estão em espirais mortíferas porque todos rejeitam esta premissa: “Impostos menores aumentam a liberdade”.

A liberdade irá vencer.  Esta é uma afirmação escatológica, eu sei.  Uma das maneiras como ela irá prevalecer é por meio da falência da ordem social keynesiana, que defende mais impostos, mais regulamentações, mais déficits, mais inflação.

Para haver austeridade genuína, o governo tem de entrar em dieta: seus gastos devem ser genuinamente cortados.

É isso o que o eleitorado europeu não quer.  Mas é isso o que ele vai receber.

“Nada de menos austeridade.  Mais austeridade!”

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