Condenar o lucro é defender o retrocesso da humanidade

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090904_retrocessoA economia e a abolição dos lucros

Aqueles que desdenham o lucro empreendedorial afirmando que ele é “imerecido” estão na realidade dizendo que tal lucro foi injustamente deduzido ou dos trabalhadores ou dos consumidores ou de ambos.  Tal é a ideia por trás do suposto “direito a todo o produto do trabalho” e da doutrina marxista da exploração.  Pode-se dizer que a maioria dos governos — se não todos — e a imensa maioria de nossos conterrâneos endossam esta opinião, embora alguns sejam generosos o bastante para consentir com a sugestão de que uma pequena fração dos lucros deveria de fato ficar com os “exploradores”.

É inútil discutir a adequação de preceitos éticos.  Estes são derivados da intuição; eles são arbitrários e subjetivos.  Não há nenhum padrão objetivo disponível por meio do qual preceitos éticos possam ser julgados.  Objetivos finais são escolhidos de acordo com o juízo de valor de um indivíduo.  Eles não podem ser determinados por investigações científicas e raciocínio lógico.  Se um homem diz, “Isto é o que estou objetivando e pouco me importam as consequências de minha conduta e nem preço que terei de pagar para alcançar minha meta”, ninguém está em posição de oferecer nenhum argumento contra ele.  Mas a questão é se realmente é verdade que este indivíduo esteja disposto a pagar qualquer preço pela consecução de seu objetivo estipulado.  Se esta última pergunta for respondida na negativa, então, aí sim, torna-se possível fazer um exame do assunto em questão.

Se realmente existissem pessoas genuinamente preparadas para tolerar todas as reais consequências da abolição dos lucros, estando elas perfeitamente conscientes do quão perniciosas seriam estas consequências, então não seria possível a ciência econômica lidar com este problema.  Mas não é isso o que ocorre.  Aqueles que querem abolir os lucros estão na realidade guiados pela ideia de que este confisco elevaria o bem-estar material de todos os não-empreendedores.  Em sua visão de mundo, a abolição dos lucros não é um objetivo final, mas sim um meio de se alcançar um objetivo específico — no caso, o enriquecimento dos não-empreendedores.

Se este objetivo pode realmente ser alcançado pelo emprego deste meio e se o emprego deste meio irá gerar outros efeitos que podem, para algumas ou para todas as pessoas, parecer mais indesejáveis do que as condições vigentes antes do emprego destes meios — estas sim são questões que a ciência econômica de fato pode examinar.

As consequências da abolição dos lucros

A ideia de que a abolição dos lucros seria algo benéfico para os consumidores parte do pressuposto de que o empreendedor deveria ser obrigado a vender seus bens e serviços a preços que não excedam os custos de produção incorridos.  Porém, se isso acontecer, se os preços de fato ficarem abaixo de seu preço potencial de mercado — isto é, abaixo do preço que permita auferir lucros —, a oferta disponível de bens e serviços não mais será suficiente para atender a toda a demanda.  Todas aquelas pessoas que querem comprar determinados bens e serviços aos novos preços não mais encontrarão oferta, pois não mais será economicamente racional para os empreendedores ofertarem tais bens e serviços.  O mercado se tornará paralisado pela fixação de preços.  Ele estará incapacitado de alocar produtos aos consumidores.  Consequentemente, um sistema de racionamento terá de ser adotado.

A ideia de se confiscar o lucro dos empreendedores em benefício dos empregados não tem como objetivo a real abolição dos lucros.  Seu objetivo verdadeiro é tirar os lucros das mãos dos empreendedores e entregá-los para seus empregados.  Sob tal esquema, eventuais prejuízos incorridos recairiam integralmente sobre o empreendedor, ao passo que todos os lucros iriam para os empregados.

A ciência econômica explica que o efeito deste arranjo muito provavelmente seria o de fazer com que os prejuízos aumentassem e os lucros encolhessem; porém, mesmo que isso não ocorresse, o fato é que, sob tal arranjo, por definição, a maior fatia dos lucros não seria poupada e nem seria reinvestida na empresa, mas sim iria para os empregados, os quais iriam gastar em consumo.  Consequentemente, não haveria capital disponível para a expansão da empresa, para a criação de novos ramos de produção e para a transferência de capital daqueles setores que — de acordo com a demanda dos consumidores — devem encolher para aqueles que devem ser expandidos.  Afinal, seria contra os interesses daqueles que estão empregados em uma determinada empresa ou em um determinado setor desta empresa restringir o capital ali empregado para transferir uma parte para outra empresa ou outro setor.

Se tal esquema houvesse sido adotado no início do século XX, todas as inovações alcançadas neste período teriam sido impossíveis.  Se, em prol do debate, ignorássemos qualquer referência à questão da acumulação de capital, ainda assim teríamos de consentir que entregar os lucros para os empregados irá inevitavelmente resultar em rigidez da atual estrutura de produção, o que irá obstruir e impossibilitar qualquer ajuste, aperfeiçoamento e progresso.

Com efeito, tal esquema transferiria a propriedade do capital investido nas empresas para as mãos dos empregados.  Isto seria equivalente à criação de um sindicalismo revolucionário e iria gerar todos os efeitos do sindicalismo, um sistema que nenhum autor ou reformista já teve a coragem de advogar abertamente.

Uma terceira solução apresentada é confiscar todos os lucros obtidos pelos empreendedores e transferi-los para o estado.  Um imposto de 100% sobre os lucros cumpriria este objetivo.  O que tal medida acarretaria seria transformar o estado no real proprietário de todas as indústrias e empresas, e os empreendedores — aqueles que aceitassem esta situação e continuassem empreendendo — em desleixados e desinteressados administradores destas indústrias e empresas.  Eles não mais estariam sujeitos à supremacia dos consumidores, pois não mais estariam interessados em agradá-los.  Para que se esforçar se você não poderá reter os frutos do seu esforço?  Eles se tornariam meras pessoas com o poder de fazer o que quiser com a estrutura de produção de suas indústrias e empresas, pois não mais teriam de se preocupar com as consequências desta sua negligência.

As políticas de todos os governos da atualidade que não adotaram o socialismo completo recorrem a todos estes três esquemas conjuntamente.  Os governos confiscam, por meio de várias medidas de controle de preços e de regulamentações, uma fatia dos lucros potenciais, supostamente para beneficiar os consumidores.  Eles defendem os esforços dos sindicatos em arrancar, sob o princípio da “capacidade de pagamento” e da “determinação dos salários”, uma fatia cada vez maior dos lucros dos empreendedores.  E por último mas não menos importante, eles estão decididos a confiscar, por meio de um imposto de renda progressivo, de impostos sobre a receita total e de “contribuições” sobre o lucro, uma fatia cada vez maior dos lucros para destiná-los ao financiamento da burocracia estatal.  É facilmente comprovável que, caso estas políticas continuem se intensificando, elas lograrão, em última instância, abolir completamente os lucros empreendedoriais.  Ou elas são interrompidas e arrefecidas, ou não mais haverá uma economia capitalista no futuro.

Na prática, o efeito conjunto da aplicação destas políticas já está hoje gerando caos.  O efeito final será a completa implementação do socialismo em decorrência da simples perseguição ao ato de empreender.  O capitalismo não pode sobreviver à abolição dos lucros.  É o sistema de lucros e prejuízos o que força os capitalistas a empregarem seu capital da melhor maneira possível com intuito de satisfazer os consumidores.  São os lucros obtidos por meio da decisão voluntária de consumidores em adquirir determinados bens e serviços o que possibilita a continuidade da oferta destes bens e serviços aos consumidores.  É o sistema de lucros e prejuízos o que gera excelência na conduta daqueles empreendimentos que estão mais bem capacitados para satisfazer o público.  Se os lucros forem abolidos, o resultado será o caos.

Os argumentos contra os lucros

Todos os motivos apresentados em favor de uma política que combata os lucros são decorrentes de uma interpretação totalmente equivocada do funcionamento de uma economia de mercado.  Os magnatas são muito poderosos, muito ricos e muito grandes.  Eles abusam de seu poder para o enriquecimento próprio.  Eles são déspotas irresponsáveis.  O tamanho de uma empresa é proporcional à sua perversidade.  Não há motivos que justifiquem alguns homens ganharem bilhões enquanto outros são muito pobres.  A riqueza de poucos é a causa da pobreza das massas. Etc.

Cada palavra destas veementes acusações é falsa.  Por uma questão de lógica, é impossível aplicar estes adjetivos a empresas e empreendedores que concorrem entre si em uma economia de mercado livre e desobstruída, na qual não há regulamentações estatais protegendo determinadas empresas e não há privilégios concedidos pelo governo.  Em economias amarradas por intervenções governamentais, nas quais os governos escolhem vencedores e perdedores, tais adjetivos de fato podem ser aplicados, mas, neste caso, e obviamente, não se trata de uma feição do capitalismo mas sim do intervencionismo estatal.

Em uma economia de livre mercado, empreendedores simplesmente não têm como ser “déspotas irresponsáveis”.  É justamente sua necessidade de auferir lucros e evitar prejuízos o que dá aos consumidores um firme controle sobre os empreendedores, forçando-os a atender aos desejos de consumo das pessoas.  No livre mercado, sem privilégios e proteções estatais, o que torna uma empresa grande e rica é justamente o seu sucesso em atender satisfatoriamente as demandas dos compradores.  Se os serviços de uma grande empresa se tornassem piores do que os de sua concorrente menor, não demoraria muito para que ela fosse reduzida à pequenez.  O único agente que pode impedir que uma empresa grande e ruim definhe e perca espaço no mercado é o governo e seus subsídios e regulamentações protecionistas.

Da mesma maneira, no livre mercado, os esforços de um empreendedor em aumentar seus lucros e enriquecer não prejudicam ninguém.  Para ser um real empreendedor, um indivíduo tem apenas uma tarefa: se esforçar para obter o máximo lucro possível.  Lucros altos são a evidência de um bom serviço prestado perante os consumidores.  Ao se esforçar para aumentar seus lucros, um empreendedor inevitavelmente terá de melhorar seus serviços prestados.  Caso contrário, qualquer melhora será efêmera.  Prejuízos, por outro lado, são a evidência de que erros graves foram cometidos, e de que houve falhas em se efetuar satisfatoriamente as tarefas que cabem especificamente a um empreendedor.

Neste cenário de livre concorrência, a riqueza de empreendedores bem-sucedidos não é a causa da pobreza de nenhuma outra pessoa; a riqueza destes é apenas a consequência do fato de que os consumidores estão mais bem servidos do que estariam na ausência dos esforços empreendedoriais destas pessoas.  O padrão de vida do cidadão comum é maior justamente naqueles países que possuem o maior número de empreendedores ricos.  Países que possuem poucos empreendedores ricos possuem um maior número de miseráveis.  É do total interesse material de todas as pessoas que o controle dos meios de produção esteja concentrado nas mãos daqueles indivíduos que sabem como utilizá-los da maneira mais eficiente possível.

Se a atual política de perseguir e confiscar a riqueza dos milionários houvesse sido implementada no início do século XX, tanto o crescimento das indústrias quanto a produção de bens de consumo de todos os tipos não teria ocorrido.  Automóveis, aviões, geladeiras, telefones, rádios, televisores, aparelhos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos e centenas de outras inovações menos espetaculares mas ainda mais úteis não teriam se tornado corriqueiras no mundo atual.

O assalariado médio, o operário comum, acredita que para manter funcionando a atual estrutura de produção, para aprimorar e aumentar a produção, não é necessário mais do que a comparativamente simples rotina de trabalho atribuída a ele.  Ele não percebe que o mero trabalho exaustivo e rotineiro não é o suficiente.  Sua diligência e habilidade seriam qualidades totalmente vãs caso não houvesse um empreendedor presciente para direcioná-las para o seu mais importante objetivo e caso não houvesse capital acumulado pelos capitalistas para auxiliar nesta tarefa.

A pior ameaça para a prosperidade, para a civilização e para o bem-estar material dos assalariados é justamente a incapacidade de líderes sindicais, de sindicalistas em geral e das camadas menos inteligentes dos próprios trabalhadores de entender e apreciar o papel dos empreendedores e capitalistas na produção.  Esta falta de discernimento foi classicamente demonstrada nos escritos de Lênin.

De acordo com a visão de mundo de Lênin, além do trabalho manual do operariado e dos projetos dos engenheiros, todo o necessário para a produção é simplesmente “o controle da produção e da repartição”, uma tarefa que pode ser facilmente cumprida por “operários armados”.  E ele faz uma importante ressalva: “É preciso não confundir a questão do controle e do recenseamento com a questão do pessoal técnico, engenheiros, agrônomos etc.: esses senhores trabalham, hoje, sob as ordens dos capitalistas; trabalharão melhor ainda sob as ordens dos operários armados”.

Adicionalmente, “essas operações de recenseamento e de controle já foram simplificadas ao máximo pelo capitalismo, que as reduziu às extraordinariamente simples operações de fiscalização, inscrição e emissão de recibos, algo que qualquer pessoa que saiba ler, escrever e fazer as quatro operações de aritmética pode fazer”.[1]

Nenhum comentário adicional é necessário.

 


[1] Lênin, O Estado e a Revolução, 1917, capítulo 5, seção 4.

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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